Serviços de saúde, dinâmica de inovação e Estado Paula Burd* Marcelo Santo**



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Transcrição:

Serviços de saúde, dinâmica de inovação e Estado Paula Burd* Marcelo Santo** I. Introdução A dinâmica entre os segmentos produtivos relacionados à prestação de cuidados à saúde implica uma relação sistêmica entre determinados setores industriais e serviços sociais, estabelecendo o que atualmente é conhecido como Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) 1. A caracterização deste complexo parte de uma visão diferenciada da saúde (Gadelha, 2003), que reconhece não somente a demanda da sociedade por bens e serviços, como também a base produtiva responsável pela oferta dos mesmos. Seus subsistemas industriais organizam-se nas indústrias de base química e biotecnológica e de base mecânica, eletrônica e de materiais, e mobilizam tecnologias inovadoras que impactam sobremaneira a assistência sanitária, com consequências na configuração dos serviços de saúde. Estes por sua vez, exercem influência determinante na dinâmica de acumulação e inovação dos segmentos industriais, cuja produção conflui naturalmente para a prestação dos serviços. Assim, o subsistema de serviços em saúde, ao organizarem a cadeia dos produtos industriais da saúde e articularem o consumo por parte do cidadão, assume importante protagonismo no caráter sistêmico do CEIS. Este subsistema responde por parcela significativa de renda e emprego nacionais e do setor terciário especializado indireto (Brasil, 2007). A despeito de sua importância econômica, ao segmento dos serviços de saúde não se aplica integralmente o conceito de mercado. Isto se deve ao fato de que não se pode aplicar a um bem essencial, como a saúde, o conceito de utilidade. Por conseguinte, a intermediação dos serviços de saúde encontra-se dentro, mas também fora, da lógica de mercado (Viana, Silva e Elias, 2007). Diante desse contexto, note-se que vários são os interesses em jogo, quando se pensa na estruturação de um sistema de saúde universal. Lassey et al. (1997, apud Ibañez, 2011) ressaltam aqueles referentes ao acesso, relevância econômica, incorporação tecnológica e características do mercado. Nesse quadro, tendo em vista os interesses econômicos e sócio-sanitários em jogo, a principal questão a ser equacionada refere-se a como estimular a inovação e o desenvolvimento de produtos com alto valor social agregado de modo a minimizar o quadro de vulnerabilidade ao qual o sistema de saúde se encontra. A partir do exposto, este artigo visa aprofundar o conhecimento acerca da dinâmica de inovação no subsistema de serviços em saúde. Para tanto, adota-se o arcabouço teórico conceitual da economia política de forma a contemplar a 1 Neste artigo as terminologias complexo econômico-industrial da saúde (CEIS), complexo da saúde e complexo produtivo serão utilizadas como sinônimos ao se referirem ao conjunto de segmentos produtivos (industriais e de serviços) que estabelecem uma relação sistêmica entre si envolvidas na prestação de serviços de saúde. *Economista pela Universidade Federal Fluminense e Pesquisadora do Grupo de Inovação em Saúde da Fiocruz. **Mestre e doutorando em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca e Pesquisador do Grupo de Inovação em Saúde da Fiocruz.

complexidade das relações sociais, politicas e econômicas existentes no bojo desse subsistema. Em seu percurso, este texto parte de uma contextualização dos serviços de saúde no Brasil para posteriormente analisar a potencialidade do processo de incorporação tecnológica no âmbito da estrutura de oferta de saúde no país. Em seguida apresenta o conflito de interesses existentes nesse processo e o desafio para a sustentabilidade dos serviços em saúde. Na sequência, destaca a importância de ações mais efetivas por parte do Estado no sentido de articular virtuosamente o campo da saúde e o da economia no processo de geração de inovações, e finaliza com algumas considerações sobre o tema. II. Contextualização da dinâmica inovativa dos serviços A constituição brasileira de 1988 institucionaliza no país os direitos sociais da população expandindo consideravelmente a oferta de serviços de saúde, tornando esta variável prioritária na agenda governamental. A ampliação e consolidação do sistema de saúde brasileiro representa uma importante conquista, como pode ser observado pela evolução expressiva dos serviços oferecidos à população usuária do SUS. A título de ilustração dessas conquistas, vale ressaltar a elevação da produção de serviços ambulatoriais, em número de atendimentos e das consultas médicas realizadas no âmbito do SUS. Pode-se notar também a abrangência dos programas governamentais ao se observar que o Programa Saúde Família abrange 95% dos municípios brasileiros atendendo mais de 100 milhões de pessoas (Brasil, 2012). Entretanto, em que pesem esses avanços, a estratégia governamental de universalidade, integralidade e equidade de acesso aos serviços de saúde ainda está distante de se concretizar. Essa situação torna-se ainda mais desafiadora frente à transição demográfica da população brasileira que aponta para a necessária readaptação do sistema de saúde nacional às necessidades dos usuários. O perfil de doenças brasileiro tem se alterado de forma significativa impactando as demandas por cuidados de saúde (Oliveira, 2011), especialmente no que tange à incidência de doenças crônicas, doenças mentais e de outros determinantes de doenças vinculados a padrões específicos de morbi mortalidade (violência, obesidade, tabagismo, urbanização acelerada, para citar os principais). Ademais, deve-se enfatizar também o aumento significativo da expectativa de vida nos últimos anos. Apesar de promissor, o envelhecimento da população exerce forte impacto sobre o formato de atenção do sistema de saúde. Assim, a necessidade de se atender a essas características demográficas e epidemiológicas da população, de forma a tornar mais racional a estrutura dos serviços ofertados, leva a um movimento de reconfiguração dos modelos de atenção no bojo dos sistemas de saúde. As ideias norteadoras desse movimento são a integração das redes de saúde, a revisão do papel dos hospitais (que devem ser voltados mais exclusivamente para tratamentos intensivos de cura), o incremento do papel dos cuidados extra hospitalares (atendimentos de média complexidade, home care, entre outros) e a valorização da atenção básica, passando-se pela organização da rede de urgência e emergência. De acordo com Gadelha et al. (2012), a tendência das redes de serviços de saúde é de apresentarem lógicas de integração vertical e horizontal e diferenciações internas, segundo tecnologias e demandas específicas, garantindo a efetividade e racionalidade da prestação dos cuidados. Para os autores, as novas tecnologias garantem

um atendimento individualizado e redução do fluxo em direção aos centros de saúde e hospitais, reorganizando o formato de atenção à saúde no país. Outra possibilidade para a redistribuição e a integração do sistema de saúde tem sido a incorporação de tecnologias que demandam menos tempo de internação hospitalar e possibilitam o aumento dos pontos de acesso de interação qualificada entre o sistema e o paciente, em especial nas regiões mais remotas. Cabe destacar também que a intensificação do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) vem propiciando uma profunda reformulação da infraestrutura física instalada no país e da qualificação e distribuição dos profissionais de saúde no território brasileiro, possibilitando alavancar novos modelos de atenção, como diagnósticos remotos e assistência domiciliar (home care). Ademais, novos equipamentos, medicamentos e procedimentos têm qualificado a atenção básica e potencializado a prática de cirurgias ambulatoriais e internações domiciliares. Como resultados positivos, observam-se alterações na intensidade do uso de leitos hospitalares, reduzindo o tempo de internação e os riscos decorrentes. Assim, a partir dessa perspectiva otimista da inovação nos serviços de saúde, nota-se que a busca pela expansão do acesso, concomitantemente à racionalização dos custos e à adequação ao novo perfil epidemiológico, deve passar por avanços científicos e tecnológicos e pela incorporação da tecnologia da informação. Ressalta-se, deste modo, a importância das inovações organizacionais e tecnológicas na configuração de novos formatos de atenção, a exemplo de novas tecnologias organizacionais, telemedicina, diagnósticos remotos, hospitais-dia, realização de procedimentos de maior complexidade em estruturas ambulatoriais, entre outros. Enfatiza-se a inovação como variável-chave para a reestruturação dos serviços de saúde. Nota-se que a incorporação dessas tecnologias e as transformações que elas podem causar no âmbito dos sistemas de saúde podem vir ao encontro da necessidade de expandir o acesso, reduzir custos de atenção e adequar a estrutura ao novo perfil epidemiológico populacional. III. Desafio para a sustentabilidade dos serviços de saúde Diante do que foi exposto, ficam claros os benefícios que as inovações são capazes de trazer para a reestruturação do sistema de saúde brasileiro caso sejam incorporadas de forma a atender às reais necessidades da população. Entretanto, características especificas ao processo de geração, uso e difusão de inovações em saúde no Brasil chamam atenção para um importante desafio para a sustentabilidade do SUS: o conflito de interesses existentes neste processo. Sabe-se que a saúde conforma um complexo de atividades produtivas de bens e serviços que relaciona segmentos cruciais da sociedade contemporânea, baseadas no conhecimento e na inovação, fatores de competitividade global. E, justamente por articular um conjunto altamente dinâmico de atividades econômicas em paralelo a sua função sanitária, nota-se o acirramento dos interesses políticos em jogo. Em recente estudo sobre o sistema de saúde brasileiro, Paim et al. (2011), apontam que os grandes desafios a serem enfrentados pelo SUS são de caráter essencialmente político. Nessa mesma linha, Lobato e Giovanella (2008) mostram que as necessidades do sistema de saúde brasileiro (financiamento, prestação de serviços, gestão e regulação) são influenciadas por relações políticas e econômicas que se manifestam por meio de interesses dos agentes e atores envolvidos direta ou indiretamente com os próprios sistemas. Logo, tanto a existência quanto o desequilíbrio

dessas forças devem ser considerados ao se avaliar as variáveis críticas dos serviços em saúde. Note-se que a análise da complexidade das dimensões da saúde como direito social, bem econômico e espaço de acumulação de capital não é trivial (Viana e Elias, 2007; Viana, Silva e Elias, 2007), uma vez que envolve interesses de atores diversos que figuram o cenário político e possuem forças assimétricas (Costa et al., 2012). Uma análise mais profunda de suas dimensões permite concluir que, no Brasil, a assimetria de forças dos interesses sanitários e econômicos envolvidos têm sido responsáveis pelo estabelecimento de uma relação hierárquica entre eles, favorável aos últimos. Como consequência, o Sistema Único de Saúde (SUS) vêm incorporando tecnologias que, em sua maioria, não são as mais adequadas ao perfil epidemiológico e ao modelo institucional nacional (Medical Devices, 2010; Costa e Gadelha, 2012). Ressalte-se que essa relação hierárquica é histórica. Quando da criação do SUS, por exemplo, o setor privado já se encontrava razoavelmente organizado, fruto das estratégias de desenvolvimento do sistema médico-previdenciário que privilegiava esta relação (Ugá e Marques, 2005). Ademais, no contexto atual a falta de convergência da agenda de inovações das indústrias da saúde com as necessidades sociais também remete à influência de agentes diversos no processo inovativo da saúde e a complexidade dos interesses em jogo (Viana, Nunes e Silva, 2011; Lehoux et al., 2008; Lehoux, 2006). A análise da dinâmica dos interesses mercantis e capitalistas nos espaços sociais e, mais importante, a reflexão de como suas contradições podem ser reguladas fazem parte do processo de compreensão de que desafios ainda precisam ser superados pelo SUS (Costa e Gadelha, 2012). Note-se que, nesta análise, o papel do Estado exerce protagonismo central. Sua atuação deve ser no sentido de regular o processo de incorporação tecnológica, promovendo a sua racionalidade e tornando-o adequado às necessidades de saúde da população e não simplesmente a interesses meramente comerciais. IV. O papel reservado para o Estado Pelo exposto até o momento, ressalta-se que para equilibrar os interesses envolvidos de modo que as inovações orientem-se socialmente, pressupõe-se o papel chave do Estado no âmbito do processo de geração, uso e difusão de inovações em saúde. Este deve atuar como intermediador na superação do desafio de convergência entre as inovações geradas no âmbito do Complexo Produtivo da Saúde e as necessidades da saúde coletiva. Ou seja, ressalta-se o papel do Estado enquanto regulador dos interesses econômicos, essenciais neste processo de geração e incorporação tecnológica na saúde, de modo que estes se articulem aos sociais, e sejam por estes orientados. Deve-se buscar uma articulação virtuosa entre os interesses envolvidos neste processo, equilibrando, assim, os atores desta arena e estabelecendo uma dinâmica entre as necessidades dos serviços de saúde e os demais interesses envolvidos. Nesse sentido, iniciativas de grande relevância, por parte do Estado na busca dessa articulação virtuosa podem ser observadas. Estas se referem à adequação do marco regulatório, atuação intersetorial por meio de instrumentos e políticas como a Estratégia nacional de Ciência, tecnologia e Inovação (ENCTI) e o Plano Brasil Maior, orientação social das estratégias produtivas na área da saúde, entre outras. Além disto, o Estado tem apoiado crescentemente a inovação pelos produtores públicos e pela rede

de laboratórios oficiais, e aumentado, substancialmente, o orçamento direcionado ao fortalecimento da produção e inovação em saúde. Seu caráter estratégico é enfatizado ainda ao se levar em conta que seu poder de compra constitui um dos principais e mais bem-sucedidos instrumentos para estimular a inovação nos sistemas nacionais de saúde (Schmidt & Assis, 2011; Gadelha e Costa, 2012). Nessa mesma linha, estudos diversos 2 chamam atenção que, além da efetiva ação do Estado enquanto formulador de políticas de estimulo e de fortalecimento do CEIS, é necessária a qualificação da sua atuação, especialmente no que tange à adequação de seu aparato regulatório, à acentuação do uso de seu poder de compra e à qualificação de seu modelo de gestão. Quadro 1 Ações estratégicas do estado Nacional Fonte: Gadelha (2002). Uma análise do Quadro 1 aponta a potencialidade dos Estados nacionais em mediar os diferentes interesses em jogo no processo inovativo, uma vez que os mesmos dinamizam segmentos produtivos de serviços, a demanda de bens e produtos industriais, respondem por parcela importante dos recursos e da execução das ações em saúde, além de ter a função de promover a regulamentação dos segmentos envolvidos. Neste sentido, a adequação de sua atuação pode permitir o estabelecimento de uma agenda virtuosa na relação entre saúde e desenvolvimento, permitindo superar a polarização hoje observada entre a atenção à saúde e a dinâmica industrial e de inovação. V. Considerações Finais Este artigo procurou revelar o papel das inovações como importantes protagonistas nos serviços de saúde, devido à importância das tecnologias no que tange à expansão do acesso e à adequação do sistema nacional às necessidades da população. De forma análoga, ressaltou que o processo produtivo da saúde (que envolve, inclusive, esta geração de inovação em saúde) não se pauta exclusivamente por demandas e condicionantes sanitários. Muitas vezes reflete uma trajetória de desenvolvimento que não se norteia pelos princípios da sustentabilidade propiciada pela inclusão social. Nesse contexto, foram analisadas as complexidades das diversas dimensões da saúde, a exemplo de configurar-se simultaneamente como um direito social, bem 2 A exemplo de Gadelha, Quental & Fialho (2003); Gadelha, Maldonado & Costa (2012); Gadelha & Costa (2012).

econômico e espaço de acumulação de capital. Tal abordagem enfatiza o papel de destaque do Estado no processo de estabelecimento de uma dinâmica inovativa virtuosa para a reestruturação dos serviços em saúde. A atuação do Estado deve ser no sentido de orientar socialmente as inovações a serem produzidas e incorporadas no âmbito da saúde, a fim de equilibrarem-se os interesses públicos e privados observados nesta arena decisória. No âmbito setorial, é necessário que o Estado crie condições para a integração da rede de serviços de saúde de forma efetiva, o que incluiria, de forma mais ampla, a necessidade de se superar a falta de coordenação observada entre as três esferas de governo, e, mais especificamente, a superação de gargalos como a baixa densidade tecnológica dos hospitais nacionais. Em resumo, uma interpretação mais abrangente deste artigo aponta a necessidade do estabelecimento de uma relação virtuosa entre a saúde e desenvolvimento, de modo que, a partir da qualificação da atuação do Estado, possam se intermediar os processos de geração, uso e difusão de inovação em saúde a fim de que estes se orientem socialmente. VI. Referências Bibliográficas Brasil (2007). Ministério da Saúde. PAC Saúde. Programa Mais Saúde: direito de todos 2008-2011. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/pacsaude/programa.php. Acesso em 16 de agosto de 2012. Brasil (2012). Ministério da Saúde. Datasus. Departamento de informática do SUS, 2009. Disponível em: <www2.datasus.gov.br/datasus/index.php>. Acesso em: mar. 2012. Costa, LS & Gadelha, CAG (2012). Análise do Subsistema de Serviços em Saúde na dinâmica do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. In: Fundação Oswaldo Cruz. A saúde no Brasil em 2030: diretrizes para a prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012 (no prelo). Costa, LS; Gadelha, CAG; Borges, TR; Burd, P; Maldonado, JMSV & Vargas, MA (2012). A dinâmica inovativa para a reestrutução dos serviços de saúde. In Revista de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Suplemento Saúde e Desenvolvimento. São Paulo: 2012 (no prelo) Gadelha, CAG & Costa, LS (2012). Saúde e Desenvolvimento: estado da arte e desafios. In Revista de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Suplemento Saúde e Desenvolvimento. São Paulo: 2012 (no prelo) Gadelha, CAG (2003). O complexo industrial da saúde e a necessidade de um enfoque dinâmico na economia da saúde. Ciência e Saúde Coletiva, 8(2): 521-535, 2003. Gadelha, CAG. (2002) Estudo da competitividade de cadeias integradas no Brasil: impactos das zonas livres de comércio (Cadeia: Complexo da Saúde). Campinas: IE/NEIT/Unicamp/MCT-Finep/MDIC, (Nota Técnica Final), 2002. Gadelha, CAG; Maldonado, JMSV & Costa, LS (2012). O Complexo Produtivo da Saúde e sua relação com o desenvolvimento: um olhar sobre a dinâmica da Inovação em Saúde. In: Giovanella, L. et al. (org) Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2012 (prelo). Gadelha, CAG; Maldonado, JMSV; Vargas, MA; Barbosa, P e Costa, LS (2012). A Dinâmica do Sistema Produtivo da Saúde: inovação e complexo econômicoindustrial. Editora Fiocruz: 2012 (no prelo).

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