UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE FACULDADE DE MEDICINA DEPARTAMENTO DE RADIOLOGIA



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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE FACULDADE DE MEDICINA DEPARTAMENTO DE RADIOLOGIA A IMPORTÂNCIA DAS IMAGENS DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA PESADAS EM DIFUSÃO NA CARACTERIZAÇÃO DO GRAU DE AGRESSIVIDADE DO ADENOCARCINOMA DE PRÓSTATA NA ZONA PERIFÉRICA Leonardo Kayat Bittencourt Rio de Janeiro 2011

ii UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE FACULDADE DE MEDICINA DEPARTAMENTO DE RADIOLOGIA A IMPORTÂNCIA DAS IMAGENS DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA PESADAS EM DIFUSÃO NA CARACTERIZAÇÃO DO GRAU DE AGRESSIVIDADE DO ADENOCARCINOMA DE PRÓSTATA NA ZONA PERIFÉRICA Leonardo Kayat Bittencourt Dissertação submetida ao Corpo Docente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do Grau de Mestre em Medicina. Área de concentração: Radiologia. Linha de Pesquisa: Ressonância Magnética Rio de Janeiro 2011

iii UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE FACULDADE DE MEDICINA DEPARTAMENTO DE RADIOLOGIA A IMPORTÂNCIA DAS IMAGENS DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA PESADAS EM DIFUSÃO NA CARACTERIZAÇÃO DO GRAU DE AGRESSIVIDADE DO ADENOCARCINOMA DE PRÓSTATA NA ZONA PERIFÉRICA Leonardo Kayat Bittencourt Orientador: Prof. Dr. Emerson Leandro Gasparetto Banca Examinadora: Prof. Dr. Edson Marchiori Prof. Dr. Luiz Carlos Duarte de Miranda Dr. Renato Adam Mendonça Rio de Janeiro 2011

iv FICHA CATALOGRÁFICA Bittencourt, Leonardo Kayat. A importância das imagens de ressonância magnética pesadas em difusão na caracterização do grau de agressividade do adenocarcinoma de próstata na zona periférica. / Leonardo Kayat Bittencourt. Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Medicina, 2011. xi, 89 f. : il. ; 31 cm Orientador: Emerson Leandro Gasparetto Dissertação (mestrado) -- UFRJ, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-graduação em Medicina (Radiologia), 2011. Referências bibliográficas: f. 57-69. 1. Câncer de próstata - etiologia. 2. Câncer de próstata - epidemiologia. 3. Câncer de próstata - tratamento. 4. Ultrassonografia da próstata - métodos. 5. Ressonância magnética - métodos. 6. Imagens de difusão por ressonância magnética - métodos. 7. Prognóstico. 8. Estudos prospectivos. 9. Radiologia - Tese. I. Gasparetto, Emerson Leandro. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina, Programa de Pósgraduação em Medicina (Radiologia). III. Título.

v DEDICATÓRIA À minha amada esposa Nathalie, e aos meus filhos, David e Bianca

vi AGRADECIMENTOS Ao Criador, por sua permanente demonstração de amor, ocultando milagres sob a forma de coincidências, fazendo com que suas obras pareçam aos nossos olhos como vitórias particulares. À minha esposa, Nathalie, a maior das coincidências que o Criador me proporcionou, meu amor, ponto de apoio e fonte de inspiração. Mais do que ninguém, você tem dividido comigo cada segundo, alegre ou difícil, desta jornada. Você é a personificação dos meus ideais, e juntos temos construído uma família maravilhosa, da qual me orgulho imensamente. Obrigado por fazer parte de todos os meus dias. Mulher virtuosa, quem a pode achar? Pois o seu valor muito excede ao de jóias preciosas (Provérbios 31:10) Aos meus filhos, David e Bianca, ainda tão pequenos, mas já me ensinando tanto. Tenho por vocês um amor incondicional e infinito. Obrigado por darem sentido à minha vida e às minhas decisões, pois são todas integralmente voltadas para vocês. Aos meus pais, Carlos Augusto e Malvina, com todo o amor de um filho que espera por toda a vida fazer valer tamanho esforço, dedicação e carinho a mim oferecidos. Obrigado por me estimularem a sempre enfrentar os desafios da vida. À minha irmã, Juliana, e meu cunhado, Guilly, meus maiores companheiros e verdadeiros amigos. Obrigado pelo apoio de sempre, e pelas ajudas providenciais à minha família nos momentos fundamentais deste projeto. Aos meus sogros, Paula e Luiz, por todo o carinho, por serem verdadeiros pais para mim durante um longo período da minha formação em São Paulo, e pela maravilhosa criação que deram à minha esposa.

vii Aos meus avós, Rosa, Alberto (I M), Déa (I M) e Délio (I M), pela garra e esforço em criar seus filhos e netos a despeito de dificuldades, sempre com exemplos de amor e compreensão. A coroa dos avós são os netos; e a glória dos filhos são seus pais." (Provérbios 17:6) Aos meus amigos, professores, residentes, alunos e técnicos, que têm estado sempre ao meu lado, ensinando, aprendendo e guiando pelo caminho correto. À Coordenação do Curso de Pós Graduação em Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, seus professores e funcionários, pela oportunidade de realizar este mestrado. Ao Serviço e ao Departamento de Radiologia do HUCFF, minha verdadeira casa no Hospital, onde realizei este trabalho, cercado de grandes amigos que lá conheci. Ao Serviço de Urologia do HUCFF, com seus professores, médicos, residentes e secretária, pela acolhida carinhosa desde o primeiro contato, e pela total colaboração com a realização deste projeto. Ao Dr. Romeu Côrtes Domingues, amigo e líder carismático, exemplo para todos os que o cercam, responsável direto pelo sucesso do maior complexo diagnóstico da América Latina. Obrigado pelo estímulo depositado, e por todo o investimento na minha formação. Ao meu orientador, Prof. Dr. Emerson Leandro Gasparetto, grande amigo e mentor, verdadeiro catalisador e fomentador de oportunidades científicas e acadêmicas. Obrigado por me dar segurança em uma das decisões mais difíceis da minha vida. Tudo valeu a pena.

viii LISTA DE ABREVIATURAS, SÍMBOLOS E SIGLAS ADC Apparent diffusion coefficient (Coeficiente de difusão aparente) BER bobina endorretal bgg biopsy Gleason Grades (graus de Gleason de biópsia) CaP Câncer de Próstata DWI Diffusion-weighted Imaging (Imagens pesadas em difusão) FOV field-of-view (campo de visão) GS Gleason Score (escore de Gleason) HPB Hiperplasia Prostática Benigna HUCFF Hospital Universitário Clementino Fraga Filho pgg prostatectomy Gleason Grades (graus de Gleason da prostatectomia) ppm partes por milhão PRESS point-resolved spectroscopy sequence PSA Prostate-specific antigen (Antígeno prostático específico) RDC realce dinâmico pelo contraste RM Ressonância Magnética ROI Region of Interest (região de interesse) US Ultrassonografia USTR Ultrassonografia transretal

ix RESUMO O objetivo deste estudo foi investigar a utilidade dos coeficientes de difusão aparente (ADC) de áreas suspeitas na zona periférica prostática na predição dos graus de Gleason (pgg) e escores de Gleason à prostatectomia (GS), em comparação à performance dos graus de Gleason de biópsias (bgg) rotineiras guiadas por ultrassonografia. O estudo prospectivo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, incluiu 24 pacientes com adenocarcinoma de próstata comprovado por biópsia. As imagens de ressonância magnética pesadas em difusão foram obtidas em um aparelho de 1,5T, com bobina pélvica de superfície em arranjo de fase. Os valores medianos de ADC foram mensurados nas áreas mais suspeitas da zona periférica em cada paciente. A correlação entre os valores de ADC e os pgg ou GS foi avaliada através do coeficiente de Pearson. A correlação entre os bgg e os pgg ou GS também foi avaliada por este método. Uma análise de curva ROC ( receiver operating characteristic ) foi realizada, a fim de avaliar o desempenho de cada método na discriminação entre tumores de baixo grau e intermediário/alto grau. Encontrou-se uma significativa correlação negativa entre os valores de ADC de lesões suspeitas na zona periférica e seus respectivos pgg (r = -0,55; p < 0,01) e GS (r = -0,63; p < 0,01). Não houve correlação estatisticamente significativa entre os bgg e seus respectivos pgg (r = 0,042; p > 0,05) ou GS (r = 0,048; p > 0,05). A análise da curva ROC revelou uma performance discriminatória de 82% para os valores de ADC, em comparação a 46% para os bgg, na diferenciação entre lesões de baixo grau e intermediário/alto grau. Demonstrou-se, assim, que os valores de ADC de áreas suspeitas na zona periférica têm melhor performance do que os dados provenientes de biópsias na correlação com a agressividade do câncer na zona periférica prostática, embora ainda apresentem considerável heterogeneidade intra-classe.

x ABSTRACT The present study aimed to investigate the usefulness of apparent diffusion coefficients (ADC) of suspicious areas in the peripheral zone on the prediction of prostatectomy Gleason Grades (pgg) and Gleason Scores (GS), compared to the performance of routine ultrasound-guided biopsy Gleason Grades (bgg). Twentyfour patients with biopsy-proven prostate cancer were included in this prospective, institutional review board approved study. Diffusion-weighted images were obtained using a 1.5 T system and a pelvic phased-array coil. Median ADC values were measured at the most suspicious area in the peripheral zone. The relationship between the ADC values and pgg or GS was assessed by using Pearson's coefficient. The relationship between bgg and pgg or GS was also evaluated by this technique. A receiver operating characteristic (ROC) curve analysis was done to assess the performance of each method on the discrimination between 'low-risk' and intermediate/high-risk' tumors. A significant negative correlation was found between mean ADCs of suspicious lesions in the peripheral zone and their pgg (r=- 0.55;p<0.01) and GS (r=-0.63;p<0.01). No significant correlation was found between bgg and neither pgg (r=0.042;p>0.05) or GS (r=0.048;p>0;05). ROC analysis revealed a discriminatory performance of AUC = 0.82 for ADC and AUC = 0.46 for bgg in discerning low-grade from intermediate/high-grade lesions. It was thus demonstrated that the ADC values of suspicious areas in the peripheral zone perform better than routine biopsy data on the correlation with prostate cancer aggressiveness in the peripheral zone, although with considerable intra-subject heterogeneity.

xi SUMÁRIO FICHA CATALOGRÁFICA... iv DEDICATÓRIA... v AGRADECIMENTOS... vi LISTA DE ABREVIATURAS, SÍMBOLOS E SIGLAS... viii RESUMO... ix ABSTRACT... x SUMÁRIO... xi 1. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS... 1 2. REVISÃO DA LITERATURA... 4 2.1. Clínica e epidemiologia... 4 2.2. Diagnóstico e estadiamento... 6 2.3. Métodos de imagem na avaliação do câncer de próstata... 12 2.4. Ultrassonografia e biópsia transretal... 12 2.5. Ressonância magnética... 17 2.6. Técnicas convencionais e anatomia por RM... 18 2.6.1. Localização... 18 2.6.2. Estadiamento... 22 2.7. Técnicas Funcionais... 25 2.7.1. Espectroscopia de Prótons... 25 2.7.2. Realce Dinâmico pelo Contraste... 28 2.7.3. Imagens pesadas em Difusão... 32 2.7.3.1. Aspectos técnicos e históricos das imagens pesadas em difusão... 32 2.7.3.2. Características do tecido prostático e suas diferentes condições à DWI... 36 2.7.3.3. Detecção tumoral... 39 2.7.3.4. Estadiamento locorregional... 41 2.7.3.5. Determinação de agressividade tumoral... 42 3. PACIENTES, MATERIAL E MÉTODO... 44 4. RESULTADOS... 48 5. DISCUSSÃO... 52 6. CONCLUSÕES... 56 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 57

1 1. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS O câncer de próstata (CaP) é a neoplasia sólida mais comum na população masculina mundialmente, e a segunda causa de morte relacionada a cânceres em homens norte-americanos 1, com indicadores semelhantes também observados no Brasil 19. A doença varia amplamente no comportamento clínico entre os diferentes indivíduos: tumores com formas agressivas e rapidamente progressivas são geralmente tratados com prostatectomia radical e/ou radioterapia, ao passo que tumores indolentes e pouco agressivos podem ser acompanhados clinicamente, através de protocolos de vigilância ativa 11. Com o intuito de promover a decisão terapêutica e estratificação de risco ideal para os pacientes com CaP, uma série de parâmetros e métodos compostos foram propostos, incluindo informações demográficas, dados histopatológicos, níveis de antígeno prostático específico (PSA), e exames digitais retais, que podem ser combinados em diferentes tipos de nomogramas 25, 26, 96, 127. Dentre as informações 36, 48 histopatológicas, o sistema de graduação de Gleason é o parâmetro mais comumente aceito e amplamente utilizado na avaliação da agressividade celular do CaP. Este sistema de graduação não somente reflete as características do tecido neoplásico, como também provê informações acerca de prognósticos, desfechos e sobrevida livre de doença 14, 18, 34, 35, 86. No entanto, é bem sabido que a acurácia do escore de Gleason obtido através de amostras de biópsias por ultrassonografia transretal (USTR) é considerada insatisfatória na predição do escore de Gleason final da peça de prostatectomia, variando entre 28% e 74% na maior parte das séries pesquisadas 16, 23, 27, 32, 45, 76, 106, 124, 125. Assim, outros parâmetros são provavelmente necessários para refinar os dados de escore de Gleason préterapêutico, de modo a atingir uma melhor informação com os achados de prostatectomia. As imagens pesadas em difusão (DWI diffusion-weighted imaging ) são uma modalidade funcional que avalia o movimento aleatório de moléculas da água em diferentes meios físicos, através do uso de imagens de ressonância magnética (RM). Em tecidos biológicos, acredita-se que a impedância a moléculas da água

2 88, 95, 104 reflita parcialmente a celularidade de um tecido e a integridade das membranas celulares 104. Dessa forma, entre os tecidos e estruturas com difusibilidade restrita, representada quantitativamente por baixos valores de coeficientes de difusão aparente (ADC Apparent diffusion coefficient"), incluem-se abscessos, fibrose, hematomas, edema citotóxico, e, particularmente, tumores de alta celularidade. Adicionalmente, medições dos valores de ADC já têm demonstrado boa correlação com medidas de agressividade tumoral em outras regiões do organismo, como o cérebro e a mama 50, 98, 128. Diversos estudos preliminares já verificaram que lesões neoplásicas na zona periférica prostática exibem valores de ADC menores do que no tecido prostático normal 21, 28, 46, 47, 58, 63, 71, 74, 99, 107, 116, 134, 145, sugerindo que a DWI tenha o potencial de desempenhar um papel significativo na determinação da celularidade tumoral do CaP. Uma outra evidência apoiando esta afirmação é o reconhecimento em publicação recente do uso potencial da DWI como biomarcador não invasivo em oncologia, para uma ampla gama de tumores sólidos 94. Como previsto, estudos para correlacionar a quantificação da difusão da água através da mensuração do ADC com índices de celularidade, como os escores de Gleason, sucederam-se então como uma progressão natural dos trabalhos iniciais da DWI. No momento, alguns estudos retrospectivos com diferentes metodologias demonstraram sucesso na determinação desta correlação, e consistentemente observaram uma correlação negativa estatisticamente significativa entre os valores 30, 64, 130, 137, 139, de ADC em áreas tumorais e seus respectivos escores de Gleason 144. Entretanto, nenhum destes estudos ainda comparou o desempenho das medidas de valores de ADC com o dos escores de Gleason em amostras de biópsias por USTR, na correlação com os escores de Gleason de peças de prostatectomia. Assim, o presente estudo tem o objetivo de investigar prospectivamente a utilidade da mensuração dos valores de ADC em áreas suspeitas da zona periférica prostática na predição dos escores de Gleason das peças de prostatectomia, comparando estes resultados com a performance dos escores de Gleason originados de biópsias para a predição dos escores de Gleason de prostatectomia. Devido às razões previamente mencionadas, formulou-se a hipótese de que a DWI

3 tem o potencial de estabelecer uma melhor correlação com a real agressividade tumoral do que as amostras de biópsias por USTR.

4 2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1. Clínica e epidemiologia O CaP é o tipo de câncer não cutâneo mais comumente diagnosticado na população masculina, e a segunda causa de morte especifica por neoplasias neste grupo. Mundialmente, existe um risco projetado de 42% para um indivíduo desenvolver CaP até os 50 anos, de 9,5% para ser diagnosticado, e de 2,9% para vir a óbito pela doença 3. No Brasil, dentre as causas neoplásicas de óbito em homens adultos, o câncer de próstata é considerado a segunda em importância, sendo superado apenas pelo câncer de pulmão. De acordo com o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do ministério da saúde, foram relatados 35.240 casos no ano de 2003, associados a 8.977 óbitos pela doença 19. Somente na região Sudeste, foram registrados 22.920 casos novos em 2003 e 4.370 foram a óbito, neste ano 61. Para 2006, estimou-se a ocorrência de 472.050 casos novos de câncer no território nacional e de 47.280 casos novos de câncer de próstata 62. O aumento observado nas taxas de incidência do câncer de próstata pode ser parcialmente justificado pela evolução dos métodos diagnósticos, pela melhoria na qualidade dos sistemas de informação do país e pelo aumento na expectativa de vida do brasileiro 61. Atualmente, o rastreamento do CaP é baseado na avaliação dos níveis de PSA e no exame digital retal, ambos considerados de acurácia limitada no diagnóstico da doença 82, 91. A despeito do nível de experiência, o exame digital retal é afetado pela variabilidade interobservador, e encontra-se limitado à avaliação de lesões na zona periférica. No entanto, seu uso permanece amplamente difundido na prática clínica, por ser parte do exame físico sem gerar custos adicionais, por ser amplamente disponível como método diagnóstico, e por sua capacidade de detectar lesões tumorais em 14% dos pacientes com CaP 91. A dosagem do PSA, inicialmente descrita em 1979, passou a ser reconhecida como ferramenta de rastreamento a partir de 1991. Sua introdução levou a uma

5 significativa redução no estadio inicial de novos tumores detectados, e a uma maior proporção de tumores detectados com baixo volume (<0,5 cm³) e baixa agressividade celular (escore de Gleason 6) 123. Classicamente, adotou-se um ponto de corte acima de 4,0 ng/ml, independente do peso prostático ou dos fatores sócio-demográficos dos pacientes, para considerar um caso suspeito de CaP e indicar biópsia prostática. Entretanto, com a evolução do método, verificou-se que entre 15-44% dos tumores detectados em biópsias ocorriam em pacientes com níveis de PSA abaixo de 4ng/mL 135, conferindo uma baixa sensibilidade a esta abordagem, e sendo até 15,2% destes tumores também impalpáveis ao exame digital retal. Adicionalmente, a especificidade do PSA com ponto de corte de 4,0 ng/ml também se mostrou limitada, pois se observou que, em 70-80% dos pacientes com elevação leve do PSA, esta elevação se devia a hiperplasia prostática benigna (HPB) ou prostatite, resultando em um teste com falsos positivos e biópsias desnecessárias. Assim, em adição à dosagem do nível de PSA total, diversos índices e refinamentos foram criados para auxiliar na estratificação dos pacientes em categorias de risco para CaP. A velocidade de aumento do PSA é um destes refinamentos, e consiste no cálculo do aumento da concentração sérica do PSA ao longo do tempo, sendo considerada suspeita para CaP quando maior do que 0,4-0,75 ng/ml/ano 24. Outro destes refinamentos consiste na dosagem da fração livre do PSA, que se postula estar proporcionalmente aumentada em relação ao PSA total em processos benignos, observando-se que uma relação PSA livre /PSA total superior a 18% confere um risco inferior a 10% para CaP, enquanto uma relação inferior a 10% eleva o risco de CaP para 30% 8. Por fim, é possível também determinar a influência do peso prostático e da HPB nos níveis de PSA, através do refinamento denominado densidade de PSA, que se baseia na divisão do PSAtotal pelo volume prostático, sendo considerados suspeitos valores de densidade superiores a 0,15 ng/(ml x cm³), com uma sensibilidade em torno de 60% 20.

6 2.2. Diagnóstico e estadiamento Um dos maiores desafios envolvidos no diagnóstico de patologias da próstata explica-se pela sua localização na profundidade da pelve, acessível mais facilmente por via endorretal do que pela superfície da pele. Adicionalmente, a próstata é uma estrutura histologicamente heterogênea, com distintos tipos celulares e patologias, estando as células neoplásicas geralmente infiltradas de permeio às células normais 151, pois, ao contrário de outros tumores sólidos, o CaP não se manifesta obrigatoriamente como nódulos definidos. Nesse contexto, conforme já discutido, o exame digital retal pode não detectar um número significativo de lesões. O PSA, por sua vez, sendo um marcador específico para a próstata, não é um marcador específico para câncer, gerando frequentes falsos-positivos e falsos-negativos em sua aplicação 143. Assim, o diagnóstico de certeza do CaP é eminentemente histopatológico, podendo ser obtido através de biópsias transretais, produtos de ressecção transuretral, ou mesmo de prostatectomia. Dentre as formas de determinação de diagnóstico histológico, a biópsia transretal é certamente a mais empregada, normalmente viabilizada através de múltiplos fragmentos obtidos aleatoriamente em diferentes partes da glândula 5. A ultrassonografia transretal (USTR) é em geral utilizada para guiar a obtenção destes fragmentos. A análise dos fragmentos requer especial atenção e adequado treinamento do patologista, uma vez que será a base para a determinação do tratamento 9. Dentre os tipos histológicos de neoplasias malignas da próstata, o adenocarcinoma acinar usual é o mais frequente, respondendo por mais de 90% de todos os novos diagnósticos de CaP. O termo câncer de próstata geralmente é utilizado de forma intercambiável e sinônima com o adenocarcinoma usual, dada a sua expressiva dominância e prevalência. Contudo, outros tipos mais raros podem ser encontrados, com cursos clínicos e características histológicas distintas entre si 112. Os carcinomas de ductos prostáticos e os adenocarcinomas endometrioides se originam dos ductos centrais dilatados da glândula, sendo geralmente de curso pouco agressivo. Já os carcinomas mucinosos possuem comportamento agressivo, com metástases ósseas frequentes e precoces, sendo também considerados de

7 mau prognóstico os carcinomas adenoides císticos, os de células em anel-de-sinete, os de pequenas células, os neuroendócrinos, os linfoepitelioides, os carcinossarcomas, os sarcomatoides e os basocelulares. Além desses, há também aqueles tipos associados a condições específicas, como os de células transicionais prostáticas, que se originam do epitélio da uretra prostática, e os escamosos, que estão relacionados a histórico de irradiação pélvica prévia. O grau histológico é o parâmetro mais importante a ser obtido do material colhido. Para este fim, o sistema de graduação de Gleason é o método de classificação mais comumente utilizado para determinar o grau de agressividade do CaP 37, 48. Este sistema se baseia em uma descrição da arquitetura do câncer à microscopia ótica de pequeno aumento. O padrão histológico tumoral ocupando a maior área do espécimen é denominado dominante, e recebe um grau entre 1 e 5, tanto maior quanto mais agressivo o tumor. O segundo padrão mais prevalente, denominado secundário, também recebe uma graduação conforme a mesma escala (Figura 1). Então, o escore de Gleason é calculado pela soma dos padrões dominante e secundário, podendo variar entre 2 e 10. A graduação de Gleason é considerada um forte preditor de prognóstico e sobrevida livre de doença, sendo os prognósticos mais desfavoráveis observados na presença de componentes com grau 4 ou superior, assim como em escores de Gleason iguais ou maiores que 7 36, 48. Além disso, observou-se também correlação dos escores de Gleason com a extensão da doença no parênquima 96, de modo que a graduação histológica integra o conjunto de dados utilizado no estadiamento clínico do CaP, e faz parte da tomada de decisão na escolha do plano terapêutico 41. O estadiamento envolve a determinação da extensão anatômica da doença à época do diagnóstico, fundamentado em critérios clínicos e patológicos, sendo, portanto, baseado no tamanho e localização do tumor primário, assim como em evidências de seu espalhamento a outras regiões do organismo. O método de estadiamento de CaP mais utilizado obedece à classificação TNM, preconizada pela União Internacional pelo Controle do Câncer (UICC) e pelo Comitê Conjunto Americano de Câncer (AJCC), atualmente na sétima edição por esta última entidade 33. A classificação TNM é baseada na avaliação da extensão do tumor primário (T), na pesquisa de envolvimento linfonodal regional (N), e na pesquisa por

8 metástases à distância (M). Uma vez que os fatores T, N e M são determinados, estas três informações são combinadas em um estadio final, variando entre I, II, III e IV, sendo o estadio I representativo de envolvimento tumoral precoce, e IV representativo de tumor avançado (Tabelas 1 e 2). Na mais recente edição do texto da AJCC, houve também a incorporação dos níveis de PSA e dos escores de Gleason à composição do estadio anatômico e dos grupos prognósticos (Tabela 3).

Figura 1. Sistema de graduação de Gleason modificado, descrito em Epstein e cols., 2006 37. Grau 1: Nódulo circunscrito composto de ácinos de tamanho médio, uniformes, ovais ou arredondados, densamente aglomerados, porém distintos. Grau 2: Similar ao grau 1, moderadamente circunscrito, podendo haver mínima infiltração na borda do tumor. As glândulas estão dispostas de maneira mais frouxa, e não tão uniforme quanto no grau 1. Grau 3: Unidades glandulares distintas; tipicamente glândulas menores do que as vistas nos graus 1 ou 2; infiltram entre e ao longo de ácinos não neoplásicos na próstata; marcada variação no tamanho e forma; alguns nódulos de tumor finamente circunscritos e cribiformes. Grau 4: Glândulas microacinares fundidas; glândulas mal definidas com lúmen glandular malformado; grandes glândulas cribiformes com bordos irregulares; aspecto hipernefromatoide. Grau 5: Essencialmente nenhuma diferenciação glandular, composto de folhetos sólidos, cordões ou células isoladas; comedocarcinoma com necrose central, circundado por massas papilares, cribiformes ou sólidas. 9

10 Tabela 1 - Definições do estadiamento TNM clínico (AJCC 2010) 33 Características Clínicas Tumor primário (T) Tx O tumor primário não pôde ser pesquisado T0 Sem evidência de tumor primário T1 Tumor impalpável, clinicamente inaparente e invisível à imagem T1a Tumor incidental em fragmento de ressecção transuretral, inferior a 5% do material T1b Tumor incidental em fragmento de ressecção transuretral, superior a 5% do material T1c Tumor identificado em biópsia prostática (por exemplo, aumento do PSA) T2 Tumor confinado na próstata T2a Tumor envolvendo a metade de um lobo, ou menos T2b Tumor envolvendo mais da metade de um lobo, mas não ambos os lobos T2c Tumor envolvendo ambos os lobos T3 Tumor com extensão extra-prostática T3a Tumor com extensão extra-capsular (unilateral ou bilateral) T3b Tumor com extensão à(s) vesícula(s) seminal (is) T4 Tumor invadindo estruturas adjacentes (à exceção das vesículas seminais), como o esfíncter externo, reto, bexiga, músculos elevadores do ânus e/ou parede pélvica Linfonodos regionais (N) Nx Linfonodos regionais não foram avaliados N0 Ausência de metástases linfonodais regionais N1 Metástases em linfonodo(s) regional(is) Metástases à Distância (M) M0 Não há metástases à distância M1 Metástases à distância estão presentes M1a Linfonodo(s) não-regional(is) M1b Osso(s) M1c Outros sítios, com ou sem doença óssea AJCC: American Joint Committee on Cancer

11 Tabela 2 - Definições do estadiamento TNM histopatológico (AJCC 2010) 33 Características histopatológicas Tumor primário (pt) pt2 Confinado ao órgão pt2a Unilateral, metade de um lobo ou menos pt2b Unilateral, metade de um lobo ou mais pt2c Doença bilateral pt3 Extensão extra-prostática pt3a Extensão extra-capsular ou invasão do colo vesical pt3b Invasão de vesícula seminal pt4 Invasão do reto, músculos elevadores do ânus, e/ou parede pélvica Linfonodos regionais (pn) pnx Linfonodos regionais não amostrados pn0 Ausência de linfonodos regionais acometidos pn1 Metástases em linfonodo(s) regional(is) Metástases à Distância (pm) pm1 Metástases à distância pm1a Linfonodo(s) não-regional(is) pm1b Osso(s) pm1c Outros sítios, com ou sem doença óssea AJCC: American Joint Committee on Cancer Tabela 3 - Estadio anatômico e grupos prognósticos (AJCC 2010) 33 Grupo T N M PSA Escore de Gleason T1a - c N0 M0 PSA < 10 Gleason 6 I T2a N0 M0 PSA < 10 Gleason 6 T1 - T2a N0 M0 PSA x Gleason x T1a - c N0 M0 PSA < 20 Gleason 7 T1a - c N0 M0 10 PSA < 20 Gleason 6 IIA T2a N0 M0 PSA < 20 Gleason 7 T2b N0 M0 PSA < 20 Gleason 7 T2b N0 M0 PSA x Gleason x T2c N0 M0 Qualquer PSA Qualquer IIB T1 - T2 N0 M0 PSA 20 Qualquer T1 - T2 N0 M0 Qualquer PSA Gleason 8 III T3a - b N0 M0 Qualquer PSA Qualquer T4 N0 M0 Qualquer PSA Qualquer IV Qualquer T N1 M0 Qualquer PSA Qualquer Qualquer T Qualquer N M1 Qualquer PSA Qualquer PSA: Antígeno prostático específico, em ng/ml AJCC: American Joint Committee on Cancer

12 2.3. Métodos de imagem na avaliação do câncer de próstata Todos os métodos de diagnóstico por imagem têm papel no manejo do CaP. A radiologia convencional e a medicina nuclear são comumente empregadas na pesquisa e avaliação de metástases ósseas, enquanto a tomografia computadorizada é geralmente utilizada na pesquisa por linfonodomegalias ou alterações grosseiras no abdome e pelve. A tomografia por emissão de pósitrons tem sido creditada com boa acurácia no estadiamento tumoral e pesquisa de focos de recidiva, porém depende de derivados de colina, que não são ainda disponíveis em nosso meio. No contexto da avaliação locorregional do CaP, a ultrassonografia (US) e a ressonância magnética (RM) são os dois métodos que se destacam, tanto no diagnóstico como na possibilidade de intervenção, sendo portanto abordados em maior detalhe nesta revisão. 2.4. Ultrassonografia e biópsia transretal A US é considerada um método de primeira linha na avaliação das mais diversas doenças do trato gênito-urinário, sobretudo por ser amplamente disponível e isenta de radiação ionizante. Seu uso encontra-se bem indicado no manejo da urolitíase e suas complicações, na pesquisa de lesões nodulares ou císticas renais, na investigação de hematúria, e também na detecção de lesões vesicais. A próstata pode ser estudada à US por via suprapúbica ou transretal, sendo um método comumente empregado no acompanhamento de pacientes com sintomas de HPB. Basicamente, o exame permite estimar o peso prostático a partir de medições de volume, pesquisar alterações no parênquima como cistos ou calcificações, e avaliar o resíduo vesical pós-miccional. Exames por via transretal tendem a estimar com maior acurácia o peso prostático do que aqueles por via suprapúbica. À US transretal (USTR), a maioria dos cânceres (60-70%) se apresenta como uma lesão focal hipoecóica em relação à zona periférica normal (Figura 2), enquanto até 40% das lesões podem ser isoecóicas, e portanto indistinguíveis do parênquima normal 122. Em relação à identificação de tumores na glândula interna, dada a heterogeneidade intrínseca de seu parênquima, a performance da USTR é ainda

13 mais limitada, sendo demonstrado em um estudo um valor preditivo positivo de 15,2%, em contraste com um valor de 28% para o exame digital retal na mesma população 129. Figura 2. Ultrassonografia transretal da próstata. A, Aspecto normal da próstata no plano axial, com seu contorno delimitado pela linha tracejada e a cápsula cirúrgica indicada pela linha pontilhada (ZP, zona periférica; GI, glândula interna). B, Apresentação típica do CaP na zona periférica à esquerda (T), identificado como uma lesão focal hipoecóica em relação ao parênquima, delimitada na imagem pela linha vermelha. A US isoladamente não é recomendada para o rastreamento inicial do CaP, de acordo com as diretrizes da Sociedade Brasileira de Urologia 80 e da American Cancer Society 1, pois não há evidências suficientes comprovando sua especificidade ou capacidade de aumentar a taxa de detecção. Adicionalmente, na ausência de lesões prostáticas palpáveis, a USTR tem uma sensibilidade baixa (30-45%), de modo que menos da metade dos tumores efetivamente diagnosticados podem ser visibilizados ao método 129. Alguns avanços através do uso de Doppler colorido ou contraste de microbolhas têm sido pesquisados 103, porém ainda sem resultados expressivos. Dessa forma, no manejo do CaP baseado em evidência, o papel da US se resume atualmente a guiar biópsias sistemáticas por via transretal. As biópsias sistemáticas prostáticas guiadas por USTR constituem atualmente a ferramenta isolada mais importante na tomada de decisão terapêutica pelos urologistas, sendo baseadas na divisão da próstata em sextantes (Figura 3). Cada um destes sextantes é localizado à imagem, e um dado número de amostras é colhido em sua topografia. Assim, há esquemas propostos que variam desde 6 fragmentos (1 por sextante) 56, até 12, 18, ou mesmo 24 fragmentos.

14 Figura 3. Esquema proposto para a divisão da próstata em sextantes, representando a glândula visibilizada no plano axial, sendo os lobos direito e esquerdo representados em azul e amarelo, respectivamente. Cada lobo é subdividido em porções anterior (A), posterior (P) e lateral (L), totalizando 6 regiões. O laudo histopatológico 38 fornecerá então informações como a porcentagem de envolvimento tumoral em cada fragmento, o número de fragmentos acometidos com suas respectivas localizações, o escore de Gleason referente a cada foco tumoral, e a presença de eventual invasão perineural. Adicionalmente, o exame possibilita a identificação de áreas de atipia celular (neoplasias intraepiteliais), focos de prostatite crônica e regiões de atrofia focal parenquimatosa, que constituem os principais diagnósticos diferenciais de lesões suspeitas ao exame digital retal ou estudos por imagem. Em sua conclusão, o laudo fornece o estadiamento T do tumor, associado ao escore de Gleason mais agressivo encontrado, possibilitando o planejamento terapêutico. Entretanto, mesmo nos esquemas mais agressivos de biópsias, o volume total amostrado não atinge 1% de toda a glândula, de modo que a biópsia sistemática pode gerar falsos negativos em até 10-38% dos casos 97. Além disso, existe o problema de a penetração da agulha de biópsia no parênquima prostático atingir apenas cerca de 1,7 cm de profundidade. Isto faz com que uma considerável porção da glândula seja subavaliada, e que tumores de localização anterior sejam negligenciados, constituindo uma importante causa de biópsias negativas em pacientes com PSA elevado e exame digital retal normal 53.

15 A acurácia na determinação da agressividade tumoral é também uma notória limitação das biópsias sistemáticas. Estudos demonstram que a concordância entre os escores de Gleason de biópsia com os da peça final de prostatectomia oscila entre 28 e 74% 16, 23, 27, 32, 45, 76, 106, 124, 125. Este fato é provavelmente atribuível a erros de amostragem, multifocalidade do tumor e heterogeneidade da lesão, sendo comum a observação de escores de Gleason mais elevados nas peças de prostatectomia do que previamente diagnosticado nas amostras de biópsia. Uma vez que os escores de Gleason obtidos em biópsias integram a maioria dos nomogramas utilizados pelos urologistas na predição de risco e prognóstico, eventual discrepância com a real agressividade tumoral pode suscitar opções equivocadas de tratamento ao paciente. Dessa forma, diversas estratégias alternativas podem ser propostas para tentar suplantar as limitações da biópsia sistemática transretal, como re-biópsias, biópsias de saturação, ou mesmo biópsias transperineais. Ainda assim, no entanto, nenhum destes métodos permite a identificação por imagem de focos tumorais suspeitos com acurácia significativa, constituindo-se apenas como meios de guiar anatomicamente biópsias aleatórias. Baseado então na premissa da baixa performance da US na detecção de tumores, métodos alternativos de guiar biópsias vêm sendo descritos, apoiados basicamente em duas estratégias distintas. A primeira delas fundamentase na fusão virtual de imagens de RM da próstata com o exame de USTR 119, 137, 146, beneficiando-se simultaneamente da acurácia da RM na detecção de tumores, e da praticidade da USTR na realização de biópsias (Figura 4). A segunda estratégia sugere a realização de biópsias diretamente guiadas por RM, com menos fragmentos, direcionados especificamente às áreas suspeitas 52, 53 (Figura 5). Ambas trazem consigo vantagens e limitações, e são objeto de estudos com metodologias variadas atualmente, não sendo ainda inseridas na prática clínica cotidiana.

16 Figura 4. Fusão virtual da imagens de RM da próstata com USTR, conforme descrito por Singh e cols. 119, demonstrando a segmentação automática da próstata tanto no USTR, como nas imagens de RM, permitindo a superposição da informação dos dois métodos. Figura 5. Biópsia prostática guiada por RM, conforme descrita por Hambrock e cols. 52. Em (A), observa-se o dispositivo para o direcionamento estereotáxico de biópsias, compatível com o campo magnético da RM. O paciente é deitado em decúbito ventral, sendo a extremidade do dispositivo introduzida por via transretal, e direcionada pelos controles identificados na cor azul. Em (B), observase um exemplo de imagem de RM do procedimento de biópsia, sendo o guia demarcado pela seta contínua e a agulha de biópsia no interior da lesão demarcada pela seta pontilhada.

17 2.5. Ressonância magnética As notórias limitações do exame digital retal, PSA, USTR e biópsias sistemáticas suscitaram o interesse pelo desenvolvimento das técnicas de RM da próstata, devido à alta resolução e excelente contraste de partes moles inerentes ao método. A RM vem evoluindo como uma modalidade poderosa na localização e estadiamento do CaP, exibindo um desempenho superior ao exame digital retal ou USTR 85. Avanços recentes aplicam técnicas funcionais e fisiológicas, associadas às já estabelecidas imagens morfológicas baseadas em sequências pesadas em T1 e em T2. Dentre estas técnicas funcionais, encontra-se bem estabelecido o uso das imagens pesadas em difusão 132, do estudo de realce dinâmico pelo contraste (RDC, ou estudos de permeabilidade) 42, e da avaliação por espectroscopia de prótons 142. Outras técnicas promissoras, como o estudo de hipóxia pela técnica blood oxygen level dependent (BOLD) 57, a espectroscopia de fósforo 75 e o mapa de sódio por RM multi-nuclear 87 encontram-se em estudos iniciais, com resultados ainda discrepantes. Essencialmente, as técnicas funcionais são usadas conjuntamente às anatômicas, em uma abordagem multiparamétrica integrada. Em relação aos aspectos técnicos de aquisição, há discussão na literatura entre as escolas norte-americana e europeia no tocante à necessidade do uso de bobina endorretal (BER). Os especialistas norte-americanos, fortemente influenciados pelas técnicas convencionais de alta resolução e pela espectroscopia de prótons, advogam obrigatoriamente o uso de BER em estudos de RM em 1,5T 15. Já os centros europeus, mais influenciados pelos estudos de difusão e RDC, reafirmaram em consenso recente que o uso de BER em exames de 1,5T não é considerado obrigatório 31, face às novas tecnologias e aparelhos mais modernos. Entretanto, ambas as escolas concordam que exames com bobina de superfície em aparelhos de 3,0T são comparáveis em qualidade e resolução àqueles com BER em aparelhos de 1,5T, e que exames com BER em aparelhos de 3.0T são potencialmente superiores aos demais, ainda que não demonstrado cientificamente.

18 2.6. Técnicas convencionais e anatomia por RM As técnicas convencionais de RM, também denominadas anatômicas, são aquelas baseadas em sequências pesadas em T1 e em T2, tendo sido historicamente as primeiras empregadas no diagnóstico do CaP por RM. Atualmente, consistem em sequências de alta resolução espacial, com cortes finos (2,5-4,0 mm), pequeno espaçamento entre cortes (0,0-0,3 mm) e campo de visão (FOV) restrito (14-18 cm²), visando a prover a maior riqueza de detalhes possível da arquitetura e anatomia prostática 59. Classicamente, seu desempenho tem sido avaliado em relação a dois fatores: a localização e o estadiamento de focos de CaP. 2.6.1. Localização Nas imagens pesadas em T2 60, a zona periférica normal tem hipersinal homogêneo, apresentando-se em formato de crescente ou chifre no plano axial. Delimitando o seu contorno, manifestada como uma fina imagem linear hipointensa, encontra-se a cápsula prostática, cuja identificação é de fundamental importância na avaliação do estadiamento tumoral. As zonas central, transicional e periuretral não se distinguem nitidamente entre si à RM, sendo portanto avaliadas em conjunto, com a denominação genérica de glândula interna. A glândula interna normal exibe intensidade de sinal intermediária em T2, sendo frequentemente entremeada por focos hiperintensos circunscritos, relacionados a nódulos hiperplásicos de HPB em maior ou menor volume. Esta, por sua vez, encontra-se delimitada da zona periférica pela estrutura denominada cápsula cirúrgica prostática, que se apresenta como uma fina camada hipointensa em T2, de aspecto bem circunscrito. (Figura 6).

19 Figura 6. Imagem de RM da próstata normal, em sequência pesada em T2 no plano axial, observando-se a cápsula prostática (cabeça-de-seta branca), a zona periférica (ZP), a cápsula cirúrgica (cabeça-de-seta preta) e a glândula interna (asterisco). Uma série de estudos ainda na década de 80 estabeleceu que o CaP é caracterizado por áreas de baixo sinal em T2 substituindo o hipersinal normal da zona periférica 10 (Figura 7). Entretanto, este achado tem sensibilidade limitada, uma vez que raros focos tumorais podem ser isointensos ao parênquima glandular nas imagens pesadas em T2. Da mesma forma, e talvez mais importante, a especificidade deste achado é também limitada, pois diversas outras condições se manifestam como áreas de baixo sinal em T2 na zona periférica, a saber: hemorragia, prostatite, cicatrizes, atrofia, efeitos de radiação, áreas de crioablação e terapia hormonal.

20 Figura 7. Aspecto típico do CaP na zona periférica às imagens de RM pesadas em T2, destacando-se uma lesão nodular hipointensa à direita, assinalada pelas cabeças-de-seta nos planos axial (A), sagital (B) e coronal (C) em um mesmo paciente. Em relação à glândula interna, o diagnóstico de CaP através das sequências convencionais impõe um desafio ainda maior, dada a heterogeneidade de sinal inerente à região. Alguns achados foram descritos para este fim 59, como uma região de hipossinal homogêneo em T2 na glândula interna, uma lesão de margens espiculadas ou indefinidas, uma lesão de formato lenticular, a indefinição do halo hipointenso de nódulos de HPB, a indefinição da cápsula cirúrgica prostática, ou sinais de invasão uretral (Figura 8). Porém, áreas de hipossinal em T2 nesta região podem também ser observadas normalmente no estroma fibromuscular anterior, ou em HPB do tipo estromal. Os diversos estudos que investigaram a acurácia da RM na detecção de tumores na glândula interna relataram baixa sensibilidade, baixa especificidade e alta variabilidade interobservador, mesmo quando empregada a bobina endorretal 2.

21 Figura 8. Aspecto do CaP na glândula interna às imagens de RM pesadas em T2 no plano axial. Destaca-se área hipointensa na glândula interna à esquerda (seta), de contornos imprecisos, com sinais de ruptura da cápsula cirúrgica prostática (cabeças-de-seta), estendendo-se à zona periférica em adjacência. As imagens pesadas em T1 têm pouca utilidade na pesquisa de lesões prostáticas, uma vez que o parênquima é homogeneamente isointenso nesta sequência, e não permite a avaliação detalhada de sua arquitetura. Seu uso encontra-se geralmente restrito à avaliação do contorno prostático e dos feixes vásculo-nervosos, além da pesquisa por focos de hemorragia, que se apresentam como áreas hiperintensas (Figura 9). Neste contexto, áreas de hemorragia pósbiópsia podem comprometer sensivelmente a detecção de tumores na próstata, podendo levar tanto à superestimação, quanto à subestimação de sua extensão. Atualmente, considerando-se que a maioria dos procedimentos de biópsia compreende cerca de 12 fragmentos por pacientes, um intervalo de 6 a 8 semanas é recomendado até a realização da RM 105. Por fim, Imagens pesadas em T1 são também utilizadas na geração de mapas antes da injeção do agente paramagnético, fornecendo dados necessários ao cálculo de parâmetros dos estudos de funcionais de permeabilidade.

22 Figura 9. Aspectos da próstata às imagens de RM pesadas em T1. Em um paciente sem evidência de CaP (A), a imagem pesada em T1 no plano axial mostra o parênquima prostático homogeneamente isointenso à musculatura pélvica, sem diferenciação entre a zona periférica e a glândula interna. Os contornos da glândula são bem demarcados, e os feixes vásculo-nervosos (cabeças-de-seta) podem ser bem identificados à direita e à esquerda. Na imagem (B), em outro paciente, notam-se extensas áreas de sangramento na zona periférica bilateralmente (asteriscos), representadas por hipersinal em T1, sendo provavelmente decorrentes de biópsia recente. 2.6.2. Estadiamento No estadiamento locorregional do CaP, o aspecto mais relevante na tomada de decisão terapêutica é a diferenciação entre tumor confinado ao órgão (estádios T1 e T2) e tumor localmente avançado, sob as formas de extensão extra-capsular ou invasão de vesículas seminais. Dessa forma, foram definidos critérios às sequências de RM convencional para possibilitar tal diferenciação. Os critérios para extensão extra-capsular incluem assimetria do feixe vásculo-nervoso, envolvimento tumoral do feixe vásculo-nervoso, abaulamento focal no contorno prostático, espiculação ou irregularidade no contorno prostático, obliteração do ângulo reto-prostático, retração capsular, contato do tumor com a cápsula prostática superior a 1,0 cm, e sinais de ruptura da cápsula com extensão tumoral direta à gordura periprostática 92, 150 (Figura 10). No entanto, uma análise multivariada determinou que os critérios de maior valor preditivo positivo para extensão extra-capsular eram: abaulamento capsular focal e irregular, assimetria ou invasão de feixe vásculo-nervoso, e obliteração do ângulo retoprostático 149.

23 As características de invasão de vesículas seminais às sequências convencionais de RM incluem: baixo sinal focal em T2 no interior e ao longo de uma vesícula seminal, uma vesícula seminal aumentada e hipointensa em T2, ducto ejaculatório aumentado e hipointenso em T2, obliteração do ângulo entre a próstata e a vesícula seminal, e a demonstração de extensão tumoral direta da base prostática à vesícula seminal, esta última sendo a de maior valor preditivo positivo 114 (Figura 11). Figura 10. Imagens de RM da próstata pesadas em T2, mostrando achados típicos de extensão extra-capsular tumoral, assinalados pelas cabeças-de-seta: assimetria do feixe vásculonervoso (A), envolvimento tumoral do feixe vásculo-nervoso (B), espiculação do contorno da cápsula prostática (C), abaulamento focal do contorno da cápsula prostática (D), extensão tumoral grosseira à gordura periprostática (E) e nódulos tumorais de permeio à gordura prostática (F).

24 Figura 11. Sinais de extensão tumoral às vesículas seminais, através de imagens pesadas em T2, identificados pelas cabeças-de-seta. O achado fundamental consiste em áreas hipointensas substituindo o hipersinal habitual das vesículas seminais, espessando suas paredes e obliterando seus lúmens, podendo ser observado de maneira difusa (A), focal (B) ou segmentar (C). O plano coronal (D, mesmo paciente do que em C) também se mostra útil nesta função, à medida em que permite a avaliação das relações da base prostática com as vesículas seminais. As técnicas anatômicas de RM da próstata exibem um amplo espectro de sensibilidades (13-95%) e especificidades (49-97%) nos diversos estudos para a detecção de extensão extra-capsular. Da mesma forma, as sensibilidades (23-80%) e especificidades para a detecção de invasão de vesículas seminais variam largamente 59. Tais limitações e variações nos resultados de sequências convencionais de RM enfatizam a necessidade para uma abordagem combinada e multiparamétrica dos métodos anatômicos com os funcionais.

25 2.7. Técnicas Funcionais 2.7.1. Espectroscopia de Prótons A espectroscopia de prótons é também denominada imagem por desvio químico ( chemical shift imaging ). O desvio químico, por sua vez, é o fenômeno físico pelo qual a nuvem de elétrons circundando o núcleo blinda-o parcialmente do campo externo. No caso da RM, os núcleos em questão são os de átomos de hidrogênio, que consiste basicamente em prótons. Assim, de acordo com este conceito, sendo ω0 a frequência de Larmor, γ a constante giromagnética, e B0 o campo magnético estático, a equação de Larmor pode ser escrita da seguinte forma: ω0 = - γb0(1-σ), onde σ representa o desvio químico, e quantifica a blindagem dos prótons pelas respectivas nuvens eletrônicas, sendo altamente dependente do ambiente químico (ligações, moléculas e átomos adjacentes). O desvio químico é medido em partes por milhão (ppm), representando um milionésimo de partes da referência da frequência de Larmor. Muito embora esta complicada teoria implique a possibilidade de identificar com exatidão compostos químicos pela RM, pouco destas interações físico-químicas podem de fato ser discernidas in vivo em humanos à espectroscopia. Parte disso se deve a efeitos de baixa relação sinal-ruído, movimentos endógenos e exógenos, altas temperaturas do corpo humano, bem como a necessidade de localização exata do sinal da espectroscopia na próstata. O resultado é um alargamento da linha de base do gráfico do espectro, com o borramento dos limites dos picos de metabólitos que se fundem uns aos outros, permitindo apenas a mensuração de picos compostos (ex: colina + creatina). Ainda assim, devido à possibilidade de a espectroscopia por RM prover informações importantes acerca do ambiente metabólico e bioquímico de um tecido, esta tem sido progressivamente utilizada como um biomarcador na detecção e caracterização de tumores, incluindo o CaP 55. A espectroscopia da próstata requer o uso de técnicas de seleção de volume contendo múltiplos voxels, sendo denominada