Os desafios da implementação dos projetos-piloto de smart grid no Brasil



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Transcrição:

Os desafios da implementação dos projetos-piloto de smart grid no Brasil Luiz Carlos Neves *, Alexandre Bagarolli O conceito de smart grids (redes elétricas inteligentes) vem sendo amplamente discutido em âmbito nacional e internacional nos últimos anos. No Brasil, encontram-se em execução vários projetos-piloto nos quais aspectos relevantes das smart grids estão sendo avaliados. O objetivo deste trabalho é apresentar, a partir de uma visão dos projetos-piloto que estão em execução no Brasil, uma análise dos principais desafios referentes a tecnologias envolvidas, desenvolvimento de métricas para avaliação de resultados, envolvimento do consumidor e regulamentação. Palavras-chave: Smart grid. Rede elétrica inteligente. Rede de distribuição de energia. Medição avançada. Introdução A ideia de smart grid (rede elétrica inteligente) foi criada e introduzida a partir de um esforço para superar as necessidades futuras do mercado de energia elétrica. A smart grid é capaz de transportar eletricidade dos fornecedores para os consumidores, agregando tecnologia de comunicação digital bidirecional ao sistema elétrico, para controlar efetivamente o consumo de energia, reduzir o custo de geração e transmissão dessa energia e, ainda, aumentar o desempenho, a eficiência e a confiabilidade do sistema elétrico. A implementação de smart grids possibilita uma gama de novos serviços criando possibilidades de novos mercados. Dessa forma, smart grid se apresenta como uma das fortes tendências de modernização do sistema elétrico em vários países. As principais funções de uma smart grid têm sido até agora bem definidas. Muitos especialistas concordam que uma rede inteligente tem que ser capaz de ser autorregenerável, fornecer energia com alta qualidade, acomodar geração distribuída e opções de armazenamento, ser mais eficiente e motivar os consumidores a participar ativamente do controle da demanda. Para realizar essas funções, investigações avançadas estão sendo conduzidas por diferentes universidades, entidades de pesquisa, concessionárias e fabricantes de equipamentos. Para cada nova função, a tecnologia de rede inteligente enfrenta uma série de desafios que estão sendo tratados por diferentes projetos de P&D. No Brasil, há projeções, em médio e longo prazos, de que as redes elétricas inteligentes se tornem realidade com a participação do consumidor no gerenciamento e na produção de energia elétrica (CGEE, 2012). No plano nacional, as principais ações em smart grid têm sido desenvolvidas através de parcerias entre concessionárias, universidades, centros de pesquisa e fabricantes, para a realização de projetos de desenvolvimento de tecnologias e projetos-piloto de teste. 1 Projetos-piloto Um sistema elétrico de potência é formado por uma complexa infraestrutura para garantir o fornecimento de energia elétrica. Esse sistema é composto essencialmente por: geração, sistema de transmissão, rede de distribuição e usuários de energia elétrica. A geração é frequentemente centralizada em grandes usinas conectadas ao sistema de transmissão, que por sua vez abastecem as redes de distribuição que alimentam consumidores industriais, comerciais e residenciais. No sistema elétrico convencional, o fluxo de energia é unidirecional e os consumidores são meros agentes passivos na cadeia produtiva da energia elétrica. Por razões tecnológicas ou econômicas, a venda de energia elétrica é feita por tarifas fixas e com interação limitada com os consumidores, como representado no diagrama da Figura 1. Considerando que os segmentos da geração e do sistema de transmissão possuem controle centralizado, com um razoável nível de comunicação de dados, os projetos de smart grid têm explorado as possibilidades de modernização da rede de distribuição e, em menor amplitude, o envolvimento do consumidor. O elemento fundamental na implementação do projeto-piloto é uma solução de telecomunicações que viabilize a comunicação de dados, estando presente na estruturação de todos os projetos-piloto. Outro elemento presente na maioria desses projetos é a avaliação de pelo menos uma tecnologia de medição eletrônica avançada. Os demais elementos, como reconfiguração automatizada, geração distribuída, armazenamento de energia, gestão pelo lado da demanda ou veículos elétricos, variam de projeto para projeto. *Autor a quem a correspondência deve ser dirigida: lcneves@cpqd.com.br. Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 9, n. 1, p. 15-22, jan./jun. 2013

Nos projetos-piloto de teste, as concessionárias têm dado preferência ao uso de padrões técnicos e aos testes de soluções. Essa tendência é balizada pelo cuidado que as concessionárias têm para evitar a utilização de tecnologias e padrões proprietários que dificultam as ações essenciais de interoperabilidade nas smart grids. Além dos objetivos relativos a modernização e criação de novos serviços para as redes elétricas das concessionárias, os projetos-piloto devem promover a criação de diretivas para a implantação de smart grid, o desenvolvimento de arquiteturas conceituais e a comprovação prática de interoperabilidade entre as tecnologias, bem como a elaboração de estratégias de manipulação segura das informações que circulam nas redes elétricas inteligentes (CGEE, 2012). Consequentemente, os projetos-piloto abordam desde testes de novas tecnologias, novos produtos, novos sistemas para operação da rede e novas funcionalidades dos sistemas existentes até a interação com o consumidor de energia elétrica. Considerando que projetos-piloto visam avaliações em ambientes reais de fornecimento de energia, os desafios referentes às tecnologias são apenas uma parte do conjunto de desafios relacionados à implementação de um projeto-piloto de smart grid. A seguir, os desafios, presentes nos projetos de smart grid que o CPqD tem conduzido ou participado, serão apresentados e discutidos neste trabalho. 2 Os desafios dos projetos-piloto Os desafios de implementação dos projetos-piloto de smart grid são de diferentes naturezas, podendo-se citar os desafios relativos a: a) tecnologias a serem usadas nos pilotos; b) métricas para avaliação de benefícios; c) envolvimento do consumidor e avaliação de seu comportamento; d) regulamentação do fornecimento de energia elétrica e da execução de projetos de P&D da ANEEL. 2.1 Desafios relativos às tecnologias A avaliação de tecnologias é frequentemente um dos principais objetivos dos testes-piloto. Discutiremos a seguir os desafios observados para as principais tecnologias que compõem os projetos-piloto, a saber: telecomunicações, infraestrutura avançada de medição (Advanced Metering Infrastructure AMI), automação avançada, microgeração, armazenamento de energia e veículos elétricos. 2.1.1 Telecomunicações A rede de telecomunicações empregada para atender às necessidades de um projeto-piloto pode utilizar várias tecnologias, entre elas PLC (Power Line Communication), fibra óptica, micro-ondas ou outra tecnologia de comunicação sem fio, como, por exemplo, WiMAX, RF Mesh, ZigBee, Wi-Fi, entre outras. As tecnologias de rede de comunicação devem atender às restrições de tempo para a atuação de elementos de proteção e também de automação. As concessionárias podem dispor de várias tecnologias de telecomunicações para criar a sua própria rede de dados ou, dependendo da localidade, utilizar as redes das operadoras de telecomunicações que atuam na localidade. A opção por uma rede própria ou alugada depende de fatores estratégicos de cada concessionária. As localidades do piloto possuem características próprias que devem ser consideradas durante as fases de elaboração do projeto. Desse modo, pode-se ter uma rede de comunicação que empregue várias tecnologias, pois, dependendo da localidade escolhida, pode ser necessária, em uma parte da localidade, a utilização de fibra óptica e, em outra parte, uma tecnologia sem fio, devido à sua facilidade de implantação, quando o relevo permitir uma grande cobertura de área. Desse modo, cada localidade deve ser analisada para que o projeto da rede de telecomunicações seja o mais confiável e robusto possível para a operação da rede elétrica, além de ter implantação economicamente viável no projeto. 16 Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 9, n. 1, p. 15-22, jan./jun. 2013

2.1.2 AMI As pesquisas com medidores inteligentes têm mantido foco na interoperabilidade da solução e nas funcionalidades, com o objetivo de melhorar o nível de informação sobre o consumo, suportar tarifas horárias diferenciadas e avaliar a qualidade do fornecimento de energia. A avaliação de soluções AMI tem estado presente em praticamente todos os projetos-piloto de smart grid, cuja grande motivação tem sido a possibilidade de a amortização do investimento ser obtida pela economia com a potencial redução de perdas. O principal desafio em relação aos projetos refere-se à interoperabilidade plena do sistema de medição e da disponibilidade de soluções homologadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). No cenário atual de 2013, o mercado nacional não dispõe de solução com interoperabilidade para ser testada, sendo esse objetivo postergado na maioria dos projetos. Como os testes se desenvolvem utilizando consumidores, os medidores precisam ser homologados pelo Inmetro para possibilitar o exercício de todas as funcionalidades avançadas, como tarifação diferenciada, previsão de gastos e fornecimento de energia por microgeração. Caso isso não seja possível, o teste deve ser conduzido com a instalação do medidor não homologado, mantendo-se, contudo, o medidor convencional. Essa alternativa permite avaliar o desempenho da solução, mas limita os testes das funcionalidades avançadas, além de exigir um grande esforço necessário para a resolução das dificuldades práticas de se instalar um segundo medidor. Outro desafio em relação à participação de AMI em projetos-piloto está relacionado ao Centro de Medição. Existem basicamente duas situações: um novo Centro de Medição é implantado para o projeto ou o Centro de Medição é adaptado para obter e armazenar as informações geradas pelos medidores inteligentes e operacionalizar o seu uso. A implantação de um novo Centro de Medição demanda esforço para a operacionalização e a integração com outros sistemas existentes. No caso de adaptação do Centro de Medição existente, o desafio está em identificar todas as funcionalidades necessárias para as soluções e dispor de uma instância independente para teste e validação das novas funcionalidades. Nos dois casos, a coordenação de prazos para viabilizar os testes é o grande desafio. 2.1.3 Automação avançada informações do estado da rede de distribuição e do consumidor, bem como possibilitar condições de deslocar a demanda em situações de emergência, possibilita estabelecer planos para corrigir eventuais distúrbios na rede ou recuperar o estado operacional em menor tempo, ampliando os benefícios da automatização da rede de distribuição de energia. Assim, automação avançada é uma das áreas que evoluirão com a rede inteligente para aumentar a confiabilidade e disponibilidade da rede de distribuição. Assim como a AMI, a inclusão de automação avançada é bastante frequente nos projetos-piloto. Basicamente, os projetos testam dois tipos de arquitetura: centralizada ou descentralizada. Na arquitetura centralizada, as informações adquiridas da rede elétrica convergem para um ponto central de processamento, onde as aplicações de localização de faltas e recuperação da rede são executadas e as manobras são enviadas para os equipamentos da rede via sistema SCADA (Supervisory Control And Data Acquisition). Na arquitetura descentralizada, a reconfiguração é feita de forma dispersa na rede através da execução de lógicas previamente definidas. Os principais desafios estão em adequar a rede com equipamentos interoperáveis e dispor de comunicação com tempo de resposta e confiabilidade adequada para garantir que a qualidade do fornecimento não seja degradada, mesmo que a solução apresente desempenho inferior ao esperado. Caso o projeto desenvolva aplicações para arquitetura centralizada, a integração com os sistemas de operação legados é sempre um desafio, dada sua criticidade. Em caso de arquitetura descentralizada, o desafio está no conhecimento do desempenho dos equipamentos e na realização de estudos prévios exaustivos sobre a mudança do comportamento da rede antes da implantação da solução de automação. 2.1.4 Microgeração A microgeração distribuída 1 poderá contribuir com o sistema elétrico para que os aumentos de carga aconteçam de forma otimizada, reduzindo-se os picos de demanda, além de favorecer a solução de alguns entraves para o uso de novas tecnologias, como o abastecimento de uma frota de veículos elétricos e o uso de equipamentos inteligentes gerenciáveis via Internet, criando serviços antes inexistentes e impulsionando a eficiência energética. A possibilidade de a rede inteligente coletar 1 A microgeração distribuída é definida como central geradora de energia elétrica, com potência instalada menor ou igual a 100 kw (ANEEL, 2012). Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 9, n. 1, p. 15-22, jan./jun. 2013 17

Entretanto, esses potenciais benefícios somente serão viabilizados com a implantação de redes elétricas inteligentes. A temática da geração distribuída tem estado presente em um número significativo de projetos de P&D relacionados a smart grid. Segundo levantamento realizado pela CGEE (2012), foi o tema que apresentou o maior investimento, o maior número de projetos e os maiores valores unitários de projeto num conjunto de 178 projetos cadastrados na ANEEL. A participação da microgeração distribuída deverá continuar sendo frequente nos projetos de smart grid, em função do estímulo à sua difusão, por meio da publicação da Resolução nº 482 da ANEEL (2012). O principal desafio para a implantação de microgeração distribuída está relacionado à participação dos consumidores, que possibilitará a avaliação de benefícios e do comportamento do consumidor. Considerando que a instalação de um microgerador depende de o imóvel ter localização e condições apropriadas para receber a instalação, depende do interesse do consumidor participar do teste e, o mais importante, necessita equacionar a destinação dos ativos ao final do projeto. 2.1.5 Armazenamento de energia Quando se acrescentam fontes renováveis para a geração de eletricidade, é essencial integrar sistemas de armazenamento de energia a fim de compensar a variabilidade e a disponibilidade de geração solar e eólica. Os desafios relativos aos sistemas de armazenamento de energia são os seguintes: a) sistemas de armazenamento de energia são caros e pesquisas adicionais são necessárias para reduzir o custo do uso desses sistemas; b) a adição de sistemas de armazenamento é muitas vezes seguida de uma análise muito complexa dos sistemas de potência. Cada sistema de armazenamento tem de ser personalizado para o ponto da rede a que será ligado. Isso aumenta ainda mais o custo desses dispositivos; c) o sistema de armazenamento de energia é projetado para uma configuração de rede específica, não sendo facilmente adaptável a mudanças na rede. Os sistemas de armazenamento de energia são concebidos para uma rede em particular e, portanto, eles não são flexíveis (BEIDOU et al., 2010). 2.1.6 Veículos elétricos A presença de veículos elétricos em projetos-piloto de smart grid ainda é bastante limitada, provavelmente devido às perspectivas de, em curto prazo, utilizarmos no Brasil veículos híbridos e não puramente elétricos. Dessa forma, os desafios estão relacionados à disponibilidade de veículos elétricos, que sejam homologados para transitar no país e possuam características que permitam testes em condições similares àquelas de uso real. Para avaliar de forma efetiva o impacto que a recarga de veículos elétricos pode causar nas redes, ou para pesquisar a possibilidade de os veículos elétricos desempenharem a função de armazenar energia de geração eólica ou solar, além da dificuldade de obtenção de modelos de veículos elétricos, há o desafio da falta de padronização nacional de plugues e tomadas para alimentação dos veículos. 2.2 Métricas para avaliação dos pilotos A implantação de projetos de smart grid representa uma oportunidade significativa de coleta de informações de campo para que seja possível determinar os benefícios de redes elétricas inteligentes, comparar os benefícios com os custos e construir casos de negócios futuros. Entretanto, a avaliação ampla e detalhada apresenta grandes desafios, dada a inter-relação entre os elementos que compõem a rede inteligente e os benefícios proporcionados por esses elementos. O desafio de estabelecer uma avaliação de um projeto pode ser mais bem entendido pelo mapeamento realizado pelo EPRI, no qual 13 funções de elementos-chave de redes inteligentes foram associadas a 25 tipos de benefícios, conforme quadro apresentado na Figura 2, reproduzido do trabalho do EPRI (2010). Na figura, pode-se verificar que uma dada função pode gerar mais de um benefício e este, por sua vez, pode ter a contribuição de várias funções presentes em um projeto-piloto. As métricas de avaliação e de análise dos benefícios de projetos-piloto de smart grid apresentam alguns grandes desafios. Esses desafios consistem em: a) permitir uma comparação justa entre o desempenho de uma smart grid e de uma rede convencional de referência; b) estruturar a coleta de dados adequados quanto a frequência e granularidade; c) determinar os benefícios sociais; d) avaliar economicamente os benefícios; e) extrapolar os resultados do piloto para áreas maiores; f) interpretar a resposta da rede inteligente às perturbações elétricas; g) ponderar as diferenças regionais em relação a ambiente, consumidores e concessionária. 18 Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 9, n. 1, p. 15-22, jan./jun. 2013

Fonte: EPRI (2010) Figura 2 Mapeamento de funções x benefícios 2.3 Envolvimento do consumidor e avaliação de seu comportamento Uma função fundamental da implementação de redes inteligentes é a participação ativa dos consumidores. A rede inteligente pode incorporar comunicação com os equipamentos dos consumidores, monitorar e controlar o seu comportamento de uso. Isso permite aos consumidores um maior controle sobre a forma de uso e o consumo de equipamentos residenciais e comerciais. Todavia, para o sucesso dessa medida, são necessárias a aceitação, a participação e a colaboração do consumidor. O envolvimento do consumidor nos projetos de redes inteligentes apresenta, portanto, os seguintes desafios: a) falta de comunicação de duas vias entre consumidores e concessionária; b) falta de acesso dos consumidores à Internet; c) falta de equipamentos de micromedição adaptados aos padrões da rede elétrica do consumidor (tensão de operação, plugues e tomadas); d) manutenção da privacidade e da segurança dos consumidores; e) conscientização sobre o uso eficiente da energia, o uso de aparelhos inteligentes e o gerenciamento de energia; f) complexidade do processo de faturamento e dificuldade em adaptar os sistemas para fornecer informações dos gastos, ficando limitados ao fornecimento dos dados relativos à energia consumida. 2.4 Desafios relativos à regulamentação Projetos-piloto de smart grid têm o propósito de avaliar tecnologias e soluções submetidas ao comportamento real da rede e de seus consumidores. Isso só é alcançado aplicando-se as tecnologias e as soluções em condições normais de fornecimento de energia, de forma que toda a regulamentação para fornecimento de energia elétrica seja exigida na rede-piloto. A regulamentação existente não permite mudança dos padrões de fornecimento de energia, mesmo que temporária e com anuência dos consumidores. Essa condição constitui um grande desafio para a inclusão, nos pilotos, de avaliações que impliquem riscos à redução da qualidade do fornecimento de energia. Outra questão que oferece desafios aos projetospiloto está relacionada às regras de uso dos recursos de P&D ANEEL, que são bastante utilizados em projetos conduzidos pelas concessionárias. As regras, elaboradas de forma ajustada aos projetos de pesquisa e desenvolvimento, apresentam desafios aos projetos-piloto, a saber: a) impossibilidade de iniciar o projeto com uma fase de planejamento do teste, a ser elaborada após uma fase de levantamento Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 9, n. 1, p. 15-22, jan./jun. 2013 19

das condições detalhadas da rede onde se desenvolverá o piloto, causando revisões e atrasos no projeto; b) necessidade de manter os ativos no controle da concessionária ou da instituição de pesquisa, mesmo quando instalados no consumidor, o que cria dificuldade em equacionar a participação dos consumidores nesses pilotos. 3 Análise e discussão dos resultados O desafio inicial para a implantação dos projetos-piloto é a definição de uma arquitetura de comunicação que suporte as diversas aplicações envolvidas nos projetos. Devido às características de relevo e às diferentes aplicações envolvidas em cada projeto, até o momento não foi identificada uma única solução de telecomunicações que atendesse às características presentes nas diversas regiões do Brasil. Outro aspecto relevante é a dificuldade de encontrar, no mercado, soluções que garantam a interoperabilidade dos sistemas de comunicação. Os aspectos de interoperabilidade também estão presentes nas soluções AMI hoje disponíveis no mercado nacional, pois a grande maioria das soluções ofertadas são proprietárias e não permitem a interoperabilidade dos sistemas de medição eletrônica. A implantação dos campos de teste também apresenta grandes desafios para os projetos-piloto. Por se tratar de soluções relativamente novas, há a necessidade de um aculturamento das tecnologias e aplicações envolvidas em todas as fases do processo, tais como: elaboração de especificações de compra, aceitação dos equipamentos, implantação em campo, aceitação das soluções e avaliação de resultados. Muitas vezes esses pontos impactam o cronograma do projeto, levando a atrasos que, por sua vez, acabam reduzindo o período de avaliação das soluções em campo. Além desses desafios, outro ponto que tem merecido atenção, tanto em nível nacional como internacional, devido às diversidades encontradas nas empresas de energia elétrica, é a definição de um framework para análise e definição dos benefícios do projeto. Conclusão Como se pôde observar neste trabalho, a implantação em larga escala das redes elétricas inteligentes envolve uma série de desafios para as empresas de energia elétrica. Do ponto de vista tecnológico, as questões de automação da rede de distribuição, interoperabilidade e padronização são pontos importantes para o avanço das redes elétricas inteligentes, sendo que uma atenção especial deve ser dada à interoperabilidade dos sistemas de comunicação, AMI e plugues para veículos elétricos. O envolvimento do consumidor também tem se mostrado um fator importante para o sucesso dos projetos-piloto, exigindo o desenvolvimento de soluções adaptadas às necessidades dos consumidores locais e possibilidade de disponibilização de informações que permitam aos consumidores um uso mais eficiente da energia elétrica. A definição de métricas que permitam a avaliação dos benefícios, levando em consideração as necessidades locais de cada empresa de energia elétrica, se apresenta como um dos fatores decisivos para o avanço das implantações de redes elétricas inteligentes. O estabelecimento de um framework para qualificação e quantificação de benefícios dos projetos-piloto e a designação de uma entidade para captar e compartilhar estudos de caso, as melhores práticas e lições aprendidas de projetos-piloto, a exemplo do trabalho realizado pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos (BOSSART; BEAN, 2011), são ações fortemente recomendadas para que as organizações aprendam com as diversas experiências e possam apropriá-las em implementações futuras de smart grid no Brasil. A geração de subsídios para a evolução das regulamentações por parte das agências reguladoras também tem se revelado um importante resultado da realização dos projetos-piloto. Considerando todos esses desafios, a realização de projetos-piloto de maior escala é, e continuará sendo por mais alguns anos, um importante passo rumo à efetiva implantação das redes elétricas inteligentes. Referências AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL). Resolução Normativa n 482. Brasília, 17 de abril de 2012. Seção: Informações Técnicas. Disponível em: <http://www.aneel.gov.br/>. Acesso em: 08 abr. 2013. BEIDOU, F. et al. Smart Grid: Challenges, Research Directions and Possible Solutions. In: IEEE INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON POWER ELECTRONICS FOR DISTRIBUTED GENERATION SYSTEMS, 2., 30-31 mar. 2010, HeFei, P.R. China. Proceedings... HeFei: IEEE, 2010. p. 670-673. BOSSART, J. S.; BEAN, J. E. Metrics and Benefits Analysis and Challenges for Smart Grid Field Projects. In: IEEE ENERGYTECH, 25-26 maio 2011, Cleveland. Proceedings... Cleveland: IEEE, 2011. p. 1-5. CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS 20 Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 9, n. 1, p. 15-22, jan./jun. 2013

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