ESCOLA SUPERIOR ABERTA DO BRASIL ESAB CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM PSICOPEDAGOGIA CLINICA E INSTITUCIONAL GRASIELA PROCÓPIO DUARTE



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ESCOLA SUPERIOR ABERTA DO BRASIL ESAB CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM PSICOPEDAGOGIA CLINICA E INSTITUCIONAL GRASIELA PROCÓPIO DUARTE A CRIANÇA ESTRANHA NA ESCOLA: PSICOPEDAGOGIA E CRIANÇAS AUTISTAS VILA VELHA ES 2011

GRASIELA PROCÓPIO DUARTE A CRIANÇA ESTRANHA NA ESCOLA: PSICOPEDAGOGIA E CRIANÇAS AUTISTAS Monografia apresentada ao Curso de Pós- Graduação Lato Sensu em Psicopedagogia Clínica e Institucional da Escola Superior Aberta do Brasil ESAB, como requisito para obtenção do titulo de Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional, sob orientação do Prof. Me. Marcony Brandão Uliana VILA VELHA - ES 2011

GRASIELA PROCÓPIO DUARTE A CRIANÇA ESTRANHA NA ESCOLA: PSICOPEDAGOGIA E CRIANÇAS AUTISTAS Monografia aprovada em de de 2011. Banca Examinadora VILA VELHA ES 2011

DEDICATÓRIA Dedico às crianças, estranhas ou não...

AGRADECIMENTO Agradeço a Deus, A meus pais, ao Yan, à Celinha, ao Marcus e à Maria Amélia, A meus amores e aos meus dissabores, Sem vocês eu não teria chegado aqui, Sem vocês eu não irei avançar mais...

A tarefa daqueles que lidam com as crianças é a de fazê-las ter vontade de viver, de despertá-las para o mundo, não as deixando ao sabor do destino, mas, responsabilizando-as pela invenção de suas próprias vidas e de sua sociedade. Freud

RESUMO Palavras-chave: Autismo. Psicanálise. Psicopedagogia. Este trabalho pretende responder como o profissional da Psicopedagogia pode contribuir para a inserção e o aprendizado de crianças autistas no ambiente escolar favorecendo-lhe a criatividade e o desenvolvimento de suas potencialidades. Para isso, será utilizada metodologia de pesquisa de caráter exploratório-descritivo, utilizando da revisão bibliográfica e análise documental. As obras escolhidas para serem analisadas são o livro autobiográfico do filme Temple Grandin de direção de Mick Jackson e do livro autobiográfico Uma menina estranha de Temple Grandin e Margareth Scariano. Pela pesquisa bibliográfica e pela história de vida de Temple Grandin pretende-se compreender o autismo sob a ótica da Psiquiatria e da Psicanálise; contextualizar o transtorno autista no ambiente escolar; verificar como o profissional da educação pode intervir/auxiliar para a inserção de crianças autistas na escola; analisar o caso de autismo "recuperado". O trabalho será dividido em quatro capítulos, no primeiro será de conceituação dos saberes: psicologia, pedagogia, psicanálise, psiquiatria e psicopedagogia; abordará a formação do sujeito e a importância da socialização; tratará da questão da relevância da escola para a inserção do sujeito na sociedade; pontuará a aprendizagem, a escola e a educação escola e conceituará e diferenciará inteligência dos problemas de aprendizagem (distúrbios e dificuldade de aprendizagem). O segundo capítulo terá conceituação do o autismo, pontuação de suas causas, o diagnóstico e o tratamento, além de apresentá-lo à luz da psicanálise, abordando a posição do psicanalista frente ao autismo. No terceiro capítulo será feito a leitura das obras a serem analisadas. O último capítulo apresentará a resposta do problema da pesquisa: como o psicopedagogo, pode atuar no ambiente escolar, com crianças autistas, visando o favorecimento da sua aprendizagem, possibilitando-a a desenvolver a criatividade e potencialidades, bem como o objetivo geral e os objetivos específicos foram alcançados. O transtorno não tem cura e suas causas são desconhecidas, mas seus sintomas podem ser amenizados, tornando as crianças mais independentes o possível. Para isso esses profissionais devem permanecer atentos às peculiaridades da criança, sendo menos invasor o possível, sem rotular, estigmatizar ou abandonar. Ele deve amar a criança, respeitando seu tempo e seu ritmo, mesmo que seus fantasmas internos apareçam.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 8 CAPÍTULO 1 - CIENCIAS E SABERES... 11 1.1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS... 11 1.2 PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO... 12 1.2.1 Percepção social... 13 1.3 APRENDIZAGEM E EDUCAÇÃO ESCOLAR... 14 1.4 INTELIGÊNCIA x PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM...16 CAPÍTULO 2 - O AUTISMO... 20 2.1 AUTISMO E PSIQUIATRIA... 21 2.2 AUTISMO E PSICANALISE...26 2.2.1 Vertente desenvolvimentista... 26 2.2.2 Vertente psicanalítica... 28 2.2.2.1 A constituição do sujeito versus autismo... 30 2.2.2.2 O Som e o silêncio... 37 2.3 CAUSA...39 2.4 DIAGNÓSTICO... 40 2.5 TRATAMENTO... 42 2.5.1 Posição do analista na clínica com autistas... 44 CAPÍTULO 3 - TEMPLE GRANDIN UMA MENINA ESTRANHA...46 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 57 REFERÊNCIAS... 60

8 INTRODUÇÃO O Transtorno Autista foi distinto da doença mental esquizofrenia e postulado pelo psiquiatra Kanner em 1943. Trata-se, conforme a DSM IV (2002), de uma psicopatologia que afeta o desenvolvimento da interação social e da comunicação de forma acentuadamente anormal e um repertório muito restrito de atividades e interesses. Suas manifestações variam conforme o nível de desenvolvimento e da idade cronológica da criança. Repulsa ao toque, comportamento agressivo, incapacidade de falar, sensibilidade intensa a odores e ruídos repentinos, preferência ao isolamento e tendência ao isolamento são algumas características de pessoas autistas. Os autistas são taxados como pessoas que se trancam em seu mundo mental, terra onde não se pisam e se desconhece, porém, é possível certificar pela bibliografia e pelos casos apresentados por diversos autores, como Campanário, Soller e Azevedo e até mesmo pela história de Temple Grandim que as crianças acometidas por este transtorno, muitas vezes, são crianças com o coeficiente intelectual normal, ou mesmo elevado. Contudo, devido a sua dificuldade de interação social, sua inserção na escola e seu aprendizado podem ficar comprometidos. Ao mesmo tempo em que elas apresentam esta dificuldade, é também difícil tratar o estranho e o desconhecido, como nos confessa Villa (2010). Para ele, é o som que amedronta os profissionais, uma vez que o silêncio aflora seus inúmeros fantasmas interiores, afastando-os ou impelindo-os a auxiliar na recuperação dessas crianças. Considerando que existe esta dificuldade em tratar o desconhecido, no ambiente escolar, o primeiro lugar onde as crianças, normalmente, freqüentam longe do espaço familiar e onde passam grande parte de suas vidas, não seria diferente. Há a necessidade em preparar os profissionais para acolher e favorecer a inserção dessas pessoas diferentes e especiais. É necessário trabalhar a favor das crianças autistas, ajudando-as a descobrir seus talentos ocultos e a se tornarem menos estranhas. Surge, então, o problema: como o profissional da psicopedagogia pode contribuir para a inserção de crianças autistas no ambiente escolar, favorecendo-lhe o aprendizado?

9 Desta forma, o objetivo geral da pesquisa é analisar como o profissional da psicopedagogia pode contribuir no sentido da inserção e do aprendizado de crianças autistas no ambiente escolar. Os objetivos específicos são: investigar o autismo sob a ótica da Psiquiatria e da Psicanálise; contextualizar o transtorno autista no ambiente escolar; investigar como o profissional da educação pode intervir/auxiliar para a inserção de crianças autistas na escola; analisar o caso de amenização dos sintomas do autismo de Temple Grandin. Para buscar responder o problema levantado, alcançando o objetivo geral e os objetivos específicos, a metodologia escolhida para o trabalho é de caráter exploratório-descritivo, o qual utilizará de recursos da pesquisa bibliográfica e da análise documental. A análise documental consiste na investigação do livro autobiográfico de Temple Grandin, Uma menina estranha, e, de seu filme intitulado pelo seu próprio nome. Temple Grandin nasceu em 1947, nos Estados Unidos, aos três anos e meio foi diagnosticada como autista. Aos seis meses não se aninhava no colo materno, ficando rígida e rejeitando o corpo de quem a abraçava, até os três anos e meio comunicou somente por gritos, assobios e murmúrios. Brincava com suas fezes, como se fossem massa para modelar. Ora ignorava sons altíssimos, ora reagia com violência com pequenos estalidos. O cheiro de uma flor a atormentava, descontrolando-a ou fazendo com que se refugiasse em seu mundo interior. (GRANDIN, SCARIANO, 1999). O diagnóstico de autista fez a mãe de Grandin lutar por ela. Temple ingressou na escola ainda criança. Ela teve muitos problemas, principalmente com a agressividade. Suas notas eram péssimas. Ela não dançava conforme a música da escola, pois tinha seu próprio ritmo, seu próprio som, sua maneira própria de enxergar e compreender o mundo. Conseguia pensar somente fatos concretos. Conceitos abstratos não faziam parte de seu mundo. Foi expulsa da escola, estigmatizada, ridicularizada por muitos, mas também aceita e estimulada por tantos outros. Na infância tinha somente uma amiga. Temple estudou psicologia e comportamento animal. Desenvolveu uma máquina do abraço,

10 para estimulá-la e relaxá-la. Aos trinta anos de idade, conseguiu dar seu primeiro aperto de mão e olhar nos olhos de alguém. Continuou esforçando-se para se melhorar a cada dia mais. Terminou seu doutorado, viaja o mundo dando palestras e desenvolve importantes projetos em sua área de trabalho. Para isso, o trabalho será dividido em quatro capítulos. O primeiro capítulo conceituará os saberes: psicologia, pedagogia, psicanálise, psiquiatria e psicopedagogia. Abordará a formação do sujeito e a importância da socialização. Tratará da questão da relevância da escola para a inserção do sujeito na sociedade. Pontuará a aprendizagem, a escola e a educação escolar. Conceituará e diferenciará inteligência dos problemas de aprendizagem (distúrbios e dificuldade de aprendizagem). No segundo capítulo deverá ser conceituado o autismo, pontuando suas causas, o diagnóstico e o tratamento e apresentá-lo à luz da psicanálise. No terceiro capítulo será feito a leitura do filme Temple Grandin (2010) de direção de Mick Jackson e do livro autobiográfico Uma menina estranha (1999) de Temple Grandin e Margareth Scariano. No último capítulo deverá ser apresentado as contribuições do profissional da psicopedagogia para a inserção das crianças autistas no ambiente escolar, favorecendo-lhe o aprendizado.

11 CAPÍTULO 1 - CIÊNCIAS E SABERES 1.1- CONCEITOS FUNDAMENTAIS Este trabalho articula diversos saberes, como a pedagogia, a psicologia, a psicanálise, a psiquiatria e a psicopedagogia. Para melhor contextualização, iniciaremos com a conceituação de cada um. A palavra Pedagogia é de origem grega e significa paidós (criança) e agogé (condução). É a ciência do ensino. Para Paulo Freire (apud BORGES, 2008) a educação relaciona-se ao diálogo crítico, à conscientização, à humanização relacionando-se ao fazer pedagógico. Psicologia vem do grego psykhologuía, de psykhé, "psique, "alma", "mente" e λόγος, lógos, "palavra", "razão" ou "estudo"). Hiran Pinel em Fundamentos Gerais da Psicopedagogia Clínica (2002) pontua que a psicologia é uma ciência ampla, com diversas vertentes. Dentre estas abordagens tem-se a Teoria Psicanalítica, que estuda o inconsciente, a Teoria Comportamental que dá ênfase ao comportamento humano, a Teoria Fenomenólogica-existencial, com foco no fenômeno, além da Gestalt, da Teoria Centrada na Pessoa e da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem. A psicologia, portanto, é a ciência que se preocupa com o comportamento humano em seus diversos aspectos e condutas observáveis. Ela pode utilizar de métodos e instrumentos de medições. Conforme Luciana Infantini Almeida em Intervenções Psicológicas na ótica da psicanálise (2011), a psicanálise é uma abordagem dentro da ampla psicologia e foi criada por Sigmund Freud. Seu autor acreditava que na base do comportamento humano encontram-se conteúdos inconscientes, como desejos, sentimentos, pulsões. É, portanto, uma ciência do inconsciente. Seu tratamento ocorre através do processo de Livre Associação, Interpretação de Sonhos, análise dos Atos Falhos e da Resistência. Seu propósito é descobrir, no inconsciente dos seres humanos, suas necessidades, complexos, traumas e tudo que perturbe seu equilíbrio emocional.

12 Psiquiatria é a especialização da medicina que se ocupa de desenvolver e testar modelos de conhecimento, prevenção e tratamento dos diversos transtornos psiquiátricos.( INSTITUTO DE PSIQUIATRIA, 2011 ) A psicopedagogia, segundo Hiran Pinel (2002), se ocupa da aprendizagem humana, advindo da questão problema de aprendizagem, situada além dos limites da psicologia e da pedagogia. Seu trabalho é de cunho clínico (cuidador) ou instituicional (preventivo). É possível inferir, portanto, a partir dessas conceituações que a pedagogia é a ciência do ensino; a psicologia é a ciência da mente; a psicanálise trata dos processos inconscientes; a psiquiatria busca no orgânico as causas das doenças e, normalmente, faz uso de medicações; e já a psicopedagogia, encontra-se além dos muros da psicologia e da pedagogia, ela se ocupa da aprendizagem humana, apresentando-se como forma cuidadora das dificuldades de aprendizagem ou como forma preventiva, no ambiente institucional. Considerando a complexidade do ser humano, cabe a interdisciplinaridade das ciências para entendê-lo, compreendê-lo e tratá-lo tal como ele se apresenta, abstendo os diversos profissionais de estigmas, rótulos e preconceitos. 1.2- O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO Wagner Dias Freitas em Psicologia Social (2008) enfatiza que o ser humano é um ser social. A socialização é um tipo de interação, que molda a natureza da personalidade humana, o comportamento humano, a interação e a participação na sociedade. É um processo progressivo e cumulativo, no qual a criança assimila comportamentos, valores, normas, códigos e ritos de um determinado grupo. O indivíduo torna-se membro de um conjunto social. Sem a socialização, a sociedade e o homem não seriam possíveis. Freitas (2008) define a socialização, de maneira ampla, como a internalização de idéias e de valores estabelecidos coletivamente e a assimilação de papéis e de

13 comportamentos socialmente desejáveis. É a incorporação do homem à sociedade. (FREITAS, 2008, p. 15) O autor aponta que o processo de socialização é fundamentalmente a educação. Educação esta que se aprende no convívio com outras pessoas correspondendo ao modo de agir em diversos momentos da vida. Ela ocorre dentro da família, com amigos, desconhecidos e mesmo no ambiente escolar. Ele completa que a socialização pode ser interpretada como condicionadora do comportamento, ou seja, ela determina a maneira de agir e comportar-se em cada situação, mediante a incorporação das normas e regras de conduta ditadas pela sociedade. Porém, por ser difusa e fragmentada por vários processos, deixa espaços de ação livres para a iniciativa individual espontânea. Para Freitas (2008) pessoas pouco socializadas não absorveram completamente os princípios que regem a sociedade, isto pode ocasionar-lhes problemas de adaptação e interação social ao longo da vida. 1.2.1 Percepção social Conforme Borges (2008) percepção é uma função cerebral que dá sentido aos estímulos recebidos a partir do histórico pessoal, é através dela que é possível interpretar e organizar os estímulos recebidos, dando-lhes significados. Portanto, é aquisição, interpretação, seleção e organização das informações obtidas pelos sentidos. Segundo Freitas (2008) a percepção social é pré-condição do processo de interação social. Ela consiste na recepção dos estímulos pelos órgãos dos sentidos atribuindolhes significados. Tem início no momento de chegada do estímulo sensorial ao percebedor e finaliza com a tomada de consciência. Embora a percepção passe pelos órgãos dos sentidos, ela é singular, visto ocorrer de forma única para cada pessoa. Um mesmo fenômeno é sentido, percebido e processado de acordo com o que a pessoa traz consigo mesma dentro de sua

14 bagagem psíquica. O que um percebe é diferente daquilo que é percebido pelo outro. 1.3- APRENDIZAGEM E EDUCAÇÃO ESCOLAR Existem vários conceitos pontuais de aprendizagem, que se entrelaçam e se complementam, apresentando, assim, um conceito global. Para Freitas (2008) aprender significa adquirir capacidades e habilidades físico-motoras e conhecimentos. O processo de aprendizagem ocorre no amadurecimento, no desenvolvimento físico ou na experiência, isto é, na medida em que o ser desenvolve-se fisicamente ou pelo contato direto com algo que lhe chame atenção. Ela é o produto da interação contínua do organismo com o mundo físico e social e aquisição de novas formas de comportamento que combinam com comportamentos inatos. Maria Doralice Veiga Alves em Psicopedagogia: Avaliação e Diagnóstico (2007) esclarece que a aprendizagem é um processo integrado que altera qualitativamente a mente de quem aprende. As pessoas absorvem as informações pelos hábitos adquiridos, ou por técnicas de ensino. Ela afirma que a vontade de aprender faz parte do psiquismo humano. Para Alves (2007) a aprendizagem pode ainda ser uma mudança relativamente durável no comportamento de forma mais ou menos sistemática, ou não, adquirida pela experiência, pela prática motivada e pela observação. A motivação é essencial ao processo de aprendizagem. Maria da Conceição Coqueiro e Ana Maria Furtado em Dificuldades de Aprendizagem (2007) ressaltam que a aprendizagem e o desenvolvimento iniciam quando o ser humano nasce e se depara com suas necessidades, sentimentos. e potencialidades. A família apresenta, portanto, papel de suma importância nesse processo. É a partir do desenvolvimento psicomotor, intelectual e afetivo-social que a criança traça o perfil de sua identidade, desta forma o principal objetivo da aprendizagem é a formação integral do indivíduo.

15 Desta forma, o ser humano desde o momento de seu nascimento está apto para aprender. São os primeiros movimentos, primeiros gestos, primeiros balbucios. Destes surgem movimentos complexos e palavras, frases e textos inteiros. Aprender inclui o simples e o complexo, seguindo a motivação interior de cada um. A aprendizagem é individual e é influenciada pelo meio em que se vive, primeiramente pela família. Kely Cristina Pereira em Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental e Médio (2009) aponta que os principais canais de conservação e inovação dos valores e dos conhecimentos são as instituições sociais como a família, a igreja, o mercado profissional, a mídia e a escola. Os seres humanos dependem do processo educativo para a sua sobrevivência, a educação é imprescindível. A Educação para Pereira (2009) significa conduzir para um lugar diferente daquele em que se está. Ela pode ser compreendida de duas formas: Educação vivencial espontânea: aprende-se simplesmente pelo viver, num processo contínuo; Educação proposital ou intencional: deliberada e organizada em locais predeterminados como escola, e também pela mídia. O papel da escola, em uma visão generalizada, é dar embasamento teórico, mas segundo Pereira (2009) a escola não deve apenas ensinar, ela deve criar uma forma de estimular o aluno a descobrir por si mesmo, tanto o saber acadêmico, quanto o moral e cívico. O conhecimento não deve ser encarado como obrigação, pois se sabe que os maiores projetos da humanidade tiveram inicio na sala de aula. Como nos lembra Antônio Flávio e Barbosa Moreira e Vera Maria Candau em Educação escolar e cultura: construindo caminhos ( 2003) a escola é uma instituição cultural, pois não há educação onde a cultura não esteja entrelaçada. A escola transmite a cultura da humanidade, em particular do momento em que se vive. Seguindo seus pensamentos, a escola é uma instituição construída no contexto da modernidade com a finalidade de desenvolver a função fundamental de transmitir a cultura, oferecendo as novas gerações o que a humanidade produziu de mais significativo.

16 Para Borges e Furtado (2007) a escola não interfere apenas na transmissão do saber científico, culturalmente organizado, mas também, na socialização e individualização da criança, auxiliando no desenvolvimento da afetividade, habilidades sociais, reafirmação de sua identidade e ampliação de seu mundo de relações. Há um estreito laço entre aprendizagem, educação e escola. Ao interligarmos a visão da escola na educação, pode-se inferir que ela é muito mais do que transmissora de conceitos e saberes acadêmicos, é a responsável pela a inserção do individuo na sociedade, apresentando-lhe normas de convivência, transmitindo a cultura, desenvolvendo cidadãos críticos e conscientes, além de propiciar a prática da criatividade e a descoberta de novos saberes. 1.4- INTELIGÊNCIA VERSUS PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM Borges (2008) aponta que a inteligência relaciona-se a capacidade de compreender e conhecer o mundo em que vive, de raciocinar sobre seres animados e inanimados que o cercam e estabelecer relações entre eles. Para Piaget (1982, apud ALVES, 2007) inteligência é uma adaptação, um caso particular de adaptação biológica, ela é essencialmente uma organização com função de estruturar o universo como o organismo estrutura o meio imediato. Leandro S. Almeida e Ricardo Primi no BPR5: Manual Técnico (2000) apresenta os conceitos de inteligência fluida e inteligência cristalizada de Cattel. A inteligência fluída é a capacidade de raciocinar, estabelecer relações e generalizações sobre os problemas que não tem soluções previamente aprendidas. Representa a capacidade biológica do sujeito ou seu potencial intelectual pouco influenciável pela cultura. Já a inteligência cristalizada traduz a capacidade intelectual do sujeito evoluindo ao longo do seu processo de aculturação, refletindo as experiências educativas e culturais. Relaciona-se com a extensão e profundidade dos conhecimentos que a pessoa tem armazenado.

17 A teoria da inteligência múltipla é apresentada por Howard Gardner apud Alves (2007), nela inteligências são potenciais, ativados ou não, pelos valores culturais, familiares e pessoais, não é algo que é apenas mensurável. Elas são inerentes ao homem, cabendo a ele ativá-las, desenvolvendo-as e levando-as a sua maior potencialidade. As inteligências são: Lógico-matemática: relacionada à capacidade de resolver problemas, operações matemáticas e questões científicas; Linguística: relacionada à língua falada ou escrita; Espacial: capacidade de visualização minuciosa do mundo visual; Musical: relaciona-se a capacidade de compor, tocar e apreciar padrões musicais; Físico-cinestésica: capacidade de utilizar o corpo para dança e esporte; Intrapessoal: capacidade de auto-conhecimento; Interpessoal: capacidade de compreender, entender as motivações e desejos dos outros; Naturalista: sensibilidade de compreender e assimilar fenômenos da natureza. Percebe-se, então, que a inteligência faz parte da natureza humana. A inteligência pode ser dividida em sete tipos, podendo ser fluída, ou seja, traduzida pela capacidade de raciocinar e generalizar problemas previamente desconhecidos, ou cristalizada, influenciada pela cultura. Cabe ao homem desenvolvê-la e potencializála, de acordo com seus interesses e aptidões. Ser inteligente é interagir com o mundo em que cerca, relacionando os seres, é adaptar-se biologicamente ao meio. A aprendizagem relaciona-se com a inteligência, ou com a capacidade de potencializá-la. Ser inteligente não implica em necessariamente ter facilidade em aprender. Há pessoas que apresentam algumas dificuldades para aprender. Alves (2007) aponta que as dificuldades de aprendizagem são provenientes de aspectos naturais ou secundários e são passíveis de mudanças por meio de recursos de adequação ambiental. Borges e Furtado (2008) ressaltam que fatores: físicos, emocionais, sensoriais, neurológicos, intelectuais ou cognitivos, educacionais ou sócio-econômicos podem

18 causar distúrbios que originam nas dificuldades de aprendizagem, na medida em que o homem é um ser integral, e que a deficiência de algum fator pode implicar na deficiência de algum aspecto de sua vida. Dentre as dificuldades de aprendizagem destaca-se a disgrafia, a dislexia, a disortografia e discalculia, que podem estar presentes, também em crianças autistas. Para Fonseca (1975, apud ALVES, p.49, 2007) a dificuldade de aprendizagem é um termo global com causas relacionadas ao sujeito que aprende, ao professor, aos conteúdos pedagógicos, ao método de ensino, ao ambiente físico e social da escola visto que cada um aprende de sua maneira, e nem sempre é possível adaptar às generalizações oferecidas por tais fatores. Cada sujeito é único. Enquanto os distúrbios de aprendizagem relacionam-se a um grupo de dificuldades específicas e pontuais, caracterizados pela presença de uma disfunção neurológica. Alves (2007) designa distúrbio de aprendizagem, as crianças com dificuldades de aquisição teórica, embora apresente inteligência normal e não apresente algum desfavorecimento físico, emocional ou social. Diferentemente de deficiência mental, os distúrbios de aprendizagem são reversíveis, as crianças podem aprender pela adequação de métodos e atenção. Os distúrbios de aprendizagem são manifestados, segundo Alves (2007) pelos distúrbios de atenção e concentração; dificuldades de leitura, dificuldades na matemática. Ela considera uma criança com distúrbio de aprendizagem se ela tiver um desempenho inferior a de outras crianças na mesma faixa etária e com experiências de aprendizagem apropriadas e apresenta discrepância entre seu desempenho e sua habilidade intelectual. As dificuldades e os distúrbios de aprendizagem diferem das deficiências mentais na medida em que são reversíveis se diagnosticados e tratados de forma adequada e apropriada para o desenvolvimento da criança. Compara-se uma criança a outra. Estabelecem-se padrões de normalidade de intelecto. Pela observação é possível perceber quando o desenvolvimento intelectual da criança difere da normalidade. Esta diferença encontra-se além ou aquém do esperado? Trata-se de uma deficiência mental ou de algum distúrbio que pode estar

19 gerando uma dificuldade? Mesmo que seu intelecto esteja dentro dos padrões da normalidade, seja ele médio ou médio superior, algum distúrbio de aprendizagem pode se manifestar. A detecção dos problemas de aprendizagem e tratamento adequado pode reverter o quadro, favorecendo o desenvolvimento intelectual da criança.

20 CAPÍTULO 2 - O AUTISMO É possível encontrar vários significados e conceitos para o termo autismo. Para este trabalho recorremos à Sociedade Americana de Autismo (ASA), ao Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, 4ª edição, DSM IV (2002), à Classificação Internacional de Doenças, CID-10. A Autism Society of American, ASA, define autismo como: uma inadequacidade no desenvolvimento que se manifesta de maneira grave por toda a vida. É incapacitante e aparece tipicamente nos três primeiros anos de vida. Acomete cerca de 20 entre cada 10 mil nascidos e é quatro vezes mais comum no sexo masculino do que no feminino. É encontrado em todo o mundo e em famílias de qualquer configuração racial, étnica e social. (AUTISM-SOCIETY, 2011) Os sintomas são causados por disfunções físicas do cérebro, incluindo: 1. Distúrbios no ritmo de aparecimentos de habilidades físicas, sociais e lingüísticas. 2. Reações anormais às sensações. As funções ou áreas mais afetadas são: visão, audição, tato, dor, equilíbrio, olfato, gustação e maneira de manter o corpo. 3. Fala e linguagem ausentes ou atrasadas. Certas áreas específicas do pensar, presentes ou não. Ritmo imaturo da fala, restrita compreensão de idéias. Uso de palavras sem associação com o significado. 4. Relacionamento anormal com os objetivos, eventos e pessoas. Respostas não apropriadas a adultos e crianças. Objetos e brinquedos não usados de maneira devida. (AUTISM-SOCIETY, 2011) O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, 4ª edição, DSM IV (2002), é publicado pela Sociedade Americana de Psiquiatria e fornece os critérios de classificação dos Transtornos Mentais. Neste, o Transtorno Autista, sob código, F84.0, é também denominado autismo infantil precoce, autismo da infância e autismo de Kanner. Consta os quadros Transtorno Autista, Transtorno de Rett, Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno de Asperger. Suas manifestações variam de acordo com o desenvolvimento e idade cronológica. Caracteriza-se pelo desenvolvimento acentuado anormal ou prejudicado na interação social e comunicação, de atividades e interesses. Pode haver prejuízos múltiplos com comportamentos não-verbais (contato visual, expressão facial, posturas e gestos corporais) que regulam a interação social e a comunicação. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2002)

21 Para a Classificação Internacional de Doenças, CID-10 (2000) o autismo infantil (F84.0) é um transtorno global do desenvolvimento caracterizado por: desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes da idade de três anos. Atribui-se o diagnóstico a crianças que apresentam comprometimento qualitativo à integração social recíproca e à comunicação, além de comportamento restrito, estereotipado e repetitivo. O transtorno acompanha comumente de numerosas outras manifestações inespecíficas, como: fobias, perturbações de sono ou da alimentação, crises de birra ou agressividade (auto-agressividade).(datasus, 2008) É possível inferir que dentro as várias conceituações sobre o autismo, seja denominado por Autismo Infantil ou Transtorno Autista, dentre outras, eles se entrecruzam. Desta forma, pode-se considerar que o transtorno autista acomete crianças até três anos de idade, afetando suas relações interpessoais e apresentando manifestações comportamentais típicas e estereotipadas. No autismo, como Tânia Ferreira nos traz em A criança e a loucura apontamentos sobre a clínica do autismo e da psicose (2000), o sujeito encontra-se em dois mundos, seu mundo autista e o mundo das relações, tão amedrontador que é preferível evitá-lo, utilizando-se de recursos estereotipados e repetitivos, afastando o mau que tentar se aproximar. 2.1- AUTISMO E PSIQUIATRIA Flora Fernandes em seu artigo Psicopatologia Introdução e definição (2008) define Psicopatologia como estudo descritivo dos fenômenos psíquicos de cunho anormal, exatamente como se apresentam à experiência imediata, de forma independente dos problemas clínicos. Estuda os gestos, o comportamento e as expressões dos enfermos além de relatos e autodescrições realizadas pelos mesmos. Oscar Cirino em Psicanálise e Psiquiatria com crianças: desenvolvimento ou estrutura (2001) enfatiza os dizeres de Jaspers que em psicopatologia, todo o procedimento do clínico é guiado pelo que ele chama de relações de