Curso de Evidência na Emergência. Manual de Procedimentos 2008



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Transcrição:

Curso de Evidência na Emergência Manual de Procedimentos 2008

Curso de Evidência na Emergência 2008 Manual de Procedimentos 1ª Edição: Porto, Maio de 2008 Editado para a Reanima por: António H. Carneiro Elisabete Neutel Design e Paginação: Next Color - Soluções Digitais, lda. Impressão: Multitema, S.A. Tiragem: 1000 exemplares Edição patrocinada pela Pfizer

Colaboração de Abílio Reis Adélio Vilaça Alfredo Martins Aníbal Albuquerque António Bastos António H. Carneiro Assunção Tuna Bruno Moreira Carla Teixeira Castro Poças Elisabete Neutel Ernestina Gomes Hélder Pereira Helena Estrada Joana Damásio Jorge Dores JP Pimentel José Barros José Pedro Pereira Irene Aragão Luís Monteiro Manuel Correia Margarida Amil Marta Salgado Nuno Cortesão Paula Lago Paulo Paiva Piedade Amaro Pedro Leuschner Pedro Póvoa Rui Araújo Rui Barros Rui Carneiro Sílvia Leite Sofia Cabral Teresa Cardoso Teresa Moreira Vasco Barreto

Índice Introdução _António H. Carneiro e Elisabete Neutel.............................................................................................8 Acidose _Paulo Paiva......................................................................................................................11 Cetoacidose diabética _Paulo Paiva e Jorge Dores...........................................................................................19 Hipercalémia _Paulo Paiva e JP Pimentel....................................................................................................25 Hipocalémia _Paulo Paiva e JP Pimentel....................................................................................................29 Analgesia no doente em estado crítico _Elisabete Neutel..................................................................................33 Sedação no doente em estado crítico _Elisabete Neutel...................................................................................43 Anemia aguda e CD Sangue _Elisabete Neutel e Margarida Amil.............................................................................53 Coagulopatia e utilização de CD do Sangue _Elisabete Neutel e Margarida Amil.............................................................65 Anafilaxia _Carla Teixeira e António H. Carneiro...............................................................................................79 Alterações do sódio _Paulo Paiva e João Pedro Pimentel.....................................................................................83 Insuficiência respiratória aguda _Alfredo Martins.........................................................................................91 Pneumonia adquirida na comunidade _Alfredo Martins e Vasco Barreto....................................................................101 Crise aguda de broncoconstrição _Alfredo Martins.......................................................................................107 DPOC agudizada _Alfredo Martins e Rui Carneiro...........................................................................................113 Embolia pulmonar _Abílio Reis..........................................................................................................121 Pneumonia nosocomial _Helena Estrada e Abílio Reis......................................................................................131 ARDS _António H. Carneiro e Piedade Amaro.................................................................................................137 Manual do CEE 2008 Procedimentos 5

Manual do CEE 2008 Procedimentos 6 Hemoptises maciças _Pedro Leuschner e Alfredo Martins...................................................................................141 Submersão / afogamento _Rui Carneiro e Alfredo Martins..................................................................................149 Pneumotórax _Nuno Cortesão e Alfredo Martins............................................................................................157 A grávida com insuficiência respiratória aguda _Rui Barros e Vasco Barreto...............................................................163 Hemorragia digestiva alta _Teresa Moreira, Paula Lago e Castro Poças.......................................................................169 Hemorragia digestiva baixa _Sílvia Leite, Marta Salgado e Castro Poças......................................................................179 Choque _António H. Carneiro e Pedro Póvoa.................................................................................................185 Sépsis grave _António H. Carneiro e Teresa Cardoso.........................................................................................193 Insuficiência cardíaca agudizada _Teresa Cardoso e Sofia Cabral...........................................................................197 Síndrome coronária aguda _Aníbal Albuquerque e Sofia Cabral.............................................................................203 Crise hipertensiva _António Bastos e Manuel Rodrigues.....................................................................................209 A grávida com crise hipertensiva _António Bastos e Manuel Rodrigues......................................................................225 Tamponamento cardíaco _Teresa Cardoso e Severo Torres..................................................................................233 Endocardite _Teresa Cardoso e Severo Torres...............................................................................................237 Algoritmo da PCR no adulto _António H. Carneiro e Rui Araújo, segundo as recomendações ERC................................................243 Algoritmo das bradicardias _António H. Carneiro e Rui Araújo, segundo as recomendações ERC.................................................247 Algoritmo das taquidisritmias _António H. Carneiro e Rui Araújo, segundo as recomendações ERC...............................................251 Abordagem inicial do doente com trauma grave _António H. Carneiro, segundo as recomendações ETC.......................................257 TCE grave _Ernestina Gomes e Elisabete Neutel.............................................................................................267

Traumatismo Vértebro-medulares _António H. Carneiro, segundo as recomendações ETC.....................................................285 Traumatismo torácico _António H. Carneiro e Nuno Cortesão, segundo as recomendações ETC...................................................299 Traumatismo abdominal _António H. Carneiro e Irene Aragão, segundo as recomendações ETC..................................................309 Traumatismo da bacia _Hélder Pereira e Adélio Vilaça......................................................................................319 Traumatismo dos membros _Hélder Pereira.............................................................................................329 Coma _Luís Monteiro.....................................................................................................................341 Défices neurológicos focais _Assunção Tuna e Manuel Correia..............................................................................345 Síndrome meníngeo _Joana Damásio e Luís Monteiro.......................................................................................351 Meningite _Luís Monteiro.................................................................................................................357 Encefalite _Luís Monteiro.................................................................................................................363 Estado de Mal Convulsivo _Assunção Tuna e Luís Monteiro.................................................................................367 Cefaleias _José Barros e Assunção Tuna....................................................................................................373 AVC agudo (isquémico / hemorrágico) _José Pedro Pereira e Assunção Tuna.....................................................................379 Hemorragia sub-aracnoideia espontânea _Joana Damásio e Assunção Tuna................................................................389 Trombose venosa central _Assunção Tuna e Bruno Moreira.................................................................................395 Perfusões António H. Carneiro e Elisabete Neutel............................................................................................399 Manual do CEE 2008 Procedimentos 7

Manual do CEE 2008 Procedimentos 8 Introdução As JMIP 2008 foram elaboradas com base no programa do Curso de Evidência na Emergência (CEE), criado pela Reanima em 2005. Nesse sentido decidiu-se rendibilizar o esforço de preparação das JMIP 2008, com a elaboração de um Manual para o CEE, que pudesse ser útil não só aos destinatários como aos Médicos envolvidos nas boas práticas na área da urgência polivalente. A Reanima tem desenvolvido igualmente modelos formativos nas áreas da Reanimação, do Trauma, da Ventilação, do Equilíbrio Ácido- Base e da Sépsis, entre outros. Por essa razão, os textos deste manual limitam-se a aflorar esses temas sem os explorarem como o fazem com outras áreas do conhecimento. Por razões metodológicas e pedagógicas decidiu-se que a organização dos vários textos teria uma estrutura comum, assente nos seguintes pontos: 1. Optamos por elaborar dois textos: Manual de procedimentos (destinado a ser transportado no bolso do Médico) e Manual de fundamentos onde se desenvolvem os argumentos que justificaram as opções expressas no Manual de procedimentos (destinado a ser utilizado como livro de consulta). 2. Nos dois casos a estrutura do texto segue a mesma orientação, primeiro definem-se: Termos e conceitos, para depois se desenvolverem os Motivos precipitantes / causas, a que se segue a sistematização da Classificação / terminologia. Clarificados estes pontos propõe-se o Tratamento de cada uma das entidades e a Metodologia de avaliação dos resultados.

Sendo esta a primeira versão de um documento imaginado e criado de novo, é seguro e certo que nele se reconhecem pontos fortes e se identificam igualmente pontos a melhorar. Os textos vinculam os autores e os editores e as opções expressas traduzem propostas de actuação pragmáticas, fundamentadas no estado da arte e caldeadas na experiência de trabalho em torno da Emergência / Urgência sob a égide da UCIP do HGSA, ao longo de dezassete anos. Pretendem os editores que a próxima versão seja, também, em suporte electrónico. A apreciação crítica que cada um dos utilizadores entenda fazer, pode contribuir para melhorar a segunda versão. Se quiser colaborar connosco assumiremos essa disponibilidade como um contributo que nos honra e que desde já agradecemos. Cumpre-nos agradecer à Pfizer na pessoa do Sr. José Manuel Ferreira o apoio que nos concedeu para esta primeira edição do MCEE António H. Carneiro Elisabete Neutel Abril 2008 Manual do CEE 2008 Procedimentos 9

Acidoses Paulo Paiva - Março 2008 1. Definição / Conceito Ácido é toda a substância capaz de fornecer hidrogeniões (H+), quando está em solução. Base é toda a substância que aceita hidrogeniões quando está em solução. A acidez de uma solução é uma propriedade que resulta do nº de hidrogeniões nela dissolvidos, representada pelo ph. Há Acidemia se a [H + ] subir e o ph 7,35. Há Alcalemia se a [H + ] baixar e o ph 7,45. Acidose e alcalose são termos que definem processos fisiopatológicos, conforme tendem ao aumento da [H+] ou à diminuição da [H + ], respectivamente. Podem coexistir ao mesmo tempo e no mesmo individuo mais do que uma perturbação fisiopatológica a influenciar o ph em sentidos opostos. Tampões são as moléculas capazes de aceitar e ceder H+ para equilibrar o ph. Gap aniónico = Na + - (Cl- + HCO 3 -) = 10±2 = 8-12 meq/l. Representa os aniões não medidos, que correspondem maioritariamente à albumina. Por cada 1g/dL que a albumina diminui, o Gap Aniónico esperado diminui 2,5 meq/l. Um aumento do Gap Aniónico > 5 meq/l significa que há acidose metabólica, mesmo com ph normal (os ácidos, ao libertarem o H+, deixam em circulação um anião). Portanto existe acidose metabólica quando: ph < 7.35 e HCO 3 - diminuído ou aumento do Gap aniónico > 5 meq/l. Gap aniónico da urina (Urine Net Charge) é a diferença entre cargas positivas (sódio + potássio) e negativas (cloro) medidas na urina. O Gap aniónico da urina é uma medida indirecta da amónia e traduz a excreção de amónia na urina associada a cloro. Compensações Para cada alteração do equilíbrio acima exposto, o organismo desencadeia uma resposta compensadora que tem sempre o mesmo sentido da alteração inicial. Os níveis de compensação esperados em face de um distúrbio primário estão determinados e podem ser avaliados: Manual do CEE 2008 Procedimentos > Acidoses 11

Manual do CEE 2008 Procedimentos > Acidoses 12 Acidose respiratória aguda Por cada de 10 mmhg da PaCO 2 deve haver um de 1 meq/l de HCO 3 - Acidose respiratória crónica Por cada de 10 mmhg da PaCO 2 deve haver um de 3,5 mmol/l de HCO 3 - Alcalose respiratória aguda Por cada de 10 mmhg da PaCO 2 deve haver um de 2 meq/l de HCO 3 - Alcalose respiratória crónica Por cada de 10 mmhg da PaCO 2 deve haver uma de 4 meq/l de HCO 3 - Acidose metabólica Por cada de 10 meq/l do HCO 3 - espera-se uma de 12 mmhg da PaCO 2 Alcalose metabólica Por cada de 10 meq/l do HCO 3 - espera-se um de 7 mmhg da PaCO 2 Nas situações de acidose em que o rim aumenta a produção de amónia e a excreta sob a forma de NH 4 Cl, a excreção de cloro aumenta e o valor final do Gap é negativo. Ou seja, se Cl- > (Na + + K + ) o Gap da urina terá valor negativo e significa que existe aumento da produção de NH 4 + com excreção associada a cloro, e isto representa perdas de HCO 3 - extra-renais com rim normofuncionante. Se Cl- < (Na + + K + ) o Gap da urina terá valor positivo o que significa que há défice de produção NH 4 + (acidose tubular renal) ou excreção de NH 4 + com outro anião (ex. cetoácidos). O Gap aniónico da urina não é válido: na ausência de acidose, se o ph da urina é > 6.5, na presença de bicarbonatúria, na cetoacidose, durante a administração de carbenecilina ou outros aniões, durante a administração de lítio e na hipercalcémia. Gap osmótico na urina é a diferença entre a osmolaridade medida e a osmolaridade calculada da urina. Usa-se em situações de acidose metabólica com gap aniónico normal e em que o gap aniónico na urina é positivo, para distinguir se a NH4 + está mesmo diminuida ou a ser excretada com outro anião que não o Cl-. Gap osmótico da urina = U.Osm - [ 2(Na + + K + ) + Ureia/6 + Glicose/18] Numa acidose metabólica com Gap aniónico normal, se o Gap osmótico da urina < 200 significa que há défice de produção de NH4 + (acidose tubular renal). Se o gap osmótico da urina for > 200 significa excressão aumentada de amónia associada a outro anião (por. ex. cetoácidos).

2. Motivo precipitante / Causa Acidoses metabólicas com Gap aniónico aumentado: I - Adição de ácidos Endógenos: Acidose L- láctica; Cetoacidose (diabética, alcoólica) ; Insuficiência Renal (incapacidade de excretar) ; Acidose D-láctica Exógenos :Ingestão de tóxicos; Metanol; Álcool; Etileno glicol Acidoses metabólicas com gap aniónico normal: II - Perdas de HCO 3 - Digestivas: diarreia; fístula intestinal Renais: acidose tubular renal, acetazolamida; pós tratamento de cetoacidose Acidose dilucional: soro fisiológico III - Incapacidade do rim para formar HCO 3 - de novo Insuficiência Renal Acidose tubular renal Acidoses metabólicas com Gap aniónico elevado: Correspondem às situações em que há aumento de uma substância ácida no sangue. Por isso há que formular as seguintes questões: Há hipóxia? Se a resposta for sim, o diagnóstico a considerar é a acidose láctica. Há corpos cetónicos aumentados? Se a resposta for sim, o diagnóstico é cetoacidose. Há insuficiência renal? Neste caso há acumulação dos ácidos normais do metabolismo. Há aumento do Gap osmótico da urina? Se sim, suspeitar de outro ácido circulante (tóxico? Ácido D-láctico?) Acidoses com gap aniónico normal: Correspondem a situações em que há perda ou não produção efectiva de bicarbonato (extra-renal ou renal) Situações mais frequentes no Serviço de Urgência: diarreia, fístula intestinal, drenagem de fluídos pancreáticos, acidose dilucional por hidratação agressiva com soro fisiológico, o que aumenta o espaço vascular e dilui o bicarbonato, diminuindo a sua concentração. O Gap aniónico não aumenta porque aumenta o cloro, acidose tubular renal e estados de recuperação da cetoacidose. Manual do CEE 2008 Procedimentos > Acidoses 13

Manual do CEE 2008 Procedimentos > Acidoses 14 Acidose tubular renal (ATR) distal: surge quando há défice de produção de NH3 ou defeito na secreção de H + pelas células intercalares. Causas: as mais frequentes são as doenças autoimunes (Síndrome de Sjogren, lúpus, crioglobulinemia, tiroidite, hepatite crónica activa, cirrose biliar primária), hipercalciúria e nefrocalcinose (tanto podem ser causa como consequência de acidose tubular renal distal), drogas ou toxinas, nefrite túbulo intersticial ou doenças genéticas. Clínica: Sintomas osteoarticulares: artralgias fraqueza muscular dor lombar Outros achados: acidose hiperclorémica: [HCO 3 -] pode ser < 10 meq/l, hiperexcreção de catiões, hipercalciúria, alterações do potássio (a hipocaçlémia pode ser grave) e alterações do sódio. Consequências principais: nefrocalcinose (em 56 % dos doentes), litíase renal (forma de apresentação em 48-58 % dos doentes), insuficiência renal, pielonefrite, atraso crescimento e osteomalácia. Consequências: Na acidose tubular renal, a incapacidade do rim em gerar bicarbonato de novo vai ter como consequência a utilização do osso como tampão, com mobilização de cálcio e consequente hipercalciúria. Assim, a presença de sintomatologa osteoarticular, nefrocalcinose ou litíase renal são pistas para o diagnóstico num doente com acidose metabólica com Gap aniónico normal. A nefrocalcinose é a causa da insuficiência renal. 3. Classificação / Terminologia A caracterização sistemática e classificação das alterações do equilíbrio ácio-base deve fazer-se utilizando uma Sequência universal de avaliação: 1º Avaliação dos dados clínicos para antecipação dos desvios esperados 2º Avaliação do estado da volemia 3º Análise sistemática dos dados da gasometria e ionograma

1º Avaliação dos dados clínicos para antecipação dos desvios esperados: Exemplos a considerar: Situação Alteração previsível Alcalose respiratória enquanto reagir à hipóxia com hiperventilação Sépsis Acidose metabólica se compromete a eficácia hemodinâmica Alcalose respiratória enquanto reagir à hipóxia com hiperventilação Vómitos Acidose metabólica se a perda é essencialmente de bicarbonato intestinal (obstrução distal à 2ª porção do duodeno) Diuréticos Alcalose metabólica por perda renal de H+ e K+ Taquipneia/ polipneia Alcalose respiratória Coma diabético Acidose metabólica Paragem cardio-respiratória Associação de acidose respiratória e acidose metabólica Depende do tóxico mas na maioria dos casos provoca acidose metabólica Intoxicação medicamentosa Acidose respiratória se o tóxico provocar depressão respiratória Alcalose respiratória por hiperventilação se a intoxicação for por salicilatos Ingestão crónica de alcalinos Alcalose metabólica Overdose de opiáceos Acidose respiratória aguda Acidose metabólica se compromete a eficácia hemodinâmica Hemorragia grave Alcalose respiratória enquanto reagir à hipóxia com hiperventilação Bronquite crónica Acidose respiratória crónica Manual do CEE 2008 Procedimentos > Acidoses 15

Manual do CEE 2008 Procedimentos > Acidoses 16 2º Avaliação de estado da volémia Sinais de desidratação/hiperhidratação: Refletem a hidratação do espaço intracelular Pesquisados pelas manifestações neuropsiquicas e cutâneo-mucosas Sinais de hipovolémia/euvolémia/hipervolémia efectiva: Fefletem sobretudo o estado circulatório e a perfusão de orgãos Pesquisados pelas manifestações hemodinâmicas, o estado de perfusão periférica e central 3º Análise sistemática dos dados da gasometria e ionograma: inclui 3 avaliações 1. Como está a oxigenação 2. Como está o equilíbrio ácido-base 3. Como estão os iões 1. Como está a oxigenação? Inclui, por sua vez, 3 avaliações: 1.1. PaCO 2 : Identifica presença de hipoventilação 1.2. Gradiente álveolo-arterial (G(A-a)): Identifica alterações nas trocas (relação ventilação:perfusão ou alteração da barreira) 1.3. Resposta ao aumento da FIO 2 : Identifica presença de shunt 2. Como está o equilíbrio ácido-base? Inclui também 3 avaliações: 2.1. Qual é o desvio primário? Para identificar a alteração primária do equilíbrio ácido-base analisam-se o HCO 3 - e a PaCO 2. Em princípio, a alteração primária é aquela que tem o mesmo sentido que o desvio do ph. Se o ph não está normal, definir se está alcalémico ou acidémico e, de seguida, identificar a ose que manda neste ph: HCO 3 - elevado alcalose metabólica HCO 3 - baixo acidose metabólica PaCO 2 elevada acidose respiratória PaCO 2 baixa alcalose respiratória 2.2. Como estão as compensações? Calcular o nível de compensação esperado e compará-lo com o verificado. Quando os mecanismos de compensação são eficazes e há níveis de compensação esperados trata-se de um distúrbio simples. Se compensação não for a que seria de esperar é porque há distúrbio misto.

2.3. Como está o Gap Aniónico? Com gap aniónico aumentado o aumento do gap deve ser acompanhado de uma descida equivalente do bicarbonato. Se o aumento do Gap aniónico é superior (em pelo menos 5 meq/l) à descida de HCO 3 - há distúrbio misto: acidose metabólica + alcalose metabólica. Esta alcalose oculta é responsável pela não descida do bicarbonato no valor esperado. Se o aumento do gap aniónico é inferior (em pelo menos 5 meq/l) à descida de HCO 3 - há outro tipo de distúrbio misto: acidose metabólica com gap aniónico aumentado + acidose metabólica com gap aniónico normal. Nas situações em que o gap aniónico é normal deve ser prosseguida a investigação recorrendo a 3 perguntas: Qual é a Urine net charge : (Na + + K + ) Cl-? Qual é o Gap osmótico da urina? Qual é o ph da urina? 3. Como estão os iões? Dirige-se aos 3 iões habitualmente presentes na gasometria e que podem por em risco a vida: O sódio, o potássio e o cálcio. hipocalémia grave (K + < 2,5 meq/l) ou hipercalémia grave (K + > 7 meq/l) hiponatrémia grave (Na + < 115 mmol/l) ou hipernatrémia grave (Na + > 160 mmol/l) hipocalcémia (Ca++ <1,05 mmol/l) ou hipercalcémia (Ca++ >1,3 mmol/l) sintomáticas Nestas situações há risco iminente para a vida, o que exige correcção imediata. 4. Tratamento O tratamento das acidoses inclui: Tratamento imediato das situações de perigo iminente Reposição do estado de volémia Resolução sistemática dos desvios identificados O tratamento das acidoses metabólicas com gap aniónico elevado fazse corrigindo o distúrbio primário. Só deve ser dado bicarbonato em situações de acidemia extrema com perigo iminente. No caso de ph < 7,0 pode ser administrado bicarbonato até corrigir a [HCO 3 -] para 8 a 10 mmol/l e ph > 7,2. O tratamento das acidoses metabólicas com gap aniónico normal faz-se corrigindo o distúrbio primário e administrando bicarbonato. A administração de bicarbonato deve ser calculada pelo peso corporal, administrando doses de 1 meq/kg e reavaliando o ph após administração. Manual do CEE 2008 Procedimentos > Acidoses 17

Manual do CEE 2008 Procedimentos > Acidoses 18 A dose a administrar depende do peso e características do doente Riscos da administração de HCO 3 - Mais valias da administração de HCO 3 -: Tratamento da Acidose Tubular Renal: Objectivo: manter HCO 3 > 20 meq/l O tratamento com NaCO 3 permite sobrecarga de volume, hipocalémia, hipocalcémia, produção excessiva de CO 2 (atenção aos doentes ventilados) e possível hipoglicemia remoção de H + das proteínas intracelulares e geração de mais ATP solução de Shohl (citrato de sódio), cápsulas de HCO 3 - ou citrato de K + corrigir a hipocalémia, eliminar a litíase, re-expandir o volume corrigir a acidose. 5. Critérios de avaliação da resposta ao tratamento / monitorização Sangue: Gases sangue Ionograma Albumina Glicose Ureia Creatinina Osmolaridade Os exames para a avaliação dos desequilíbrios ácido-base: Urina (amostra ocasional) Sedimento Ionograma (incluindo cloro) Osmolaridade Ureia Creatinina Nos doentes graves monitorizar: Parâmetros vitais Ritmo cardíaco Oximetria Diurese e estado de consciência Volumes administrados Balanço hídrico Gasometria arterial com iões Abreviaturas / glossário [H + ] = concentração de hidrogeniões ATR = Acidose Tubular Renal

Cetoacidose diabética Paulo Paiva e Jorge Dores - Março 2008 1. Definição / Conceito A cetoacidose diabética (CAD) é um estado caracterizado por défice absoluto ou relativo de insulina, agravado pela instalação de hiperglicemia, desidratação e alterações do metabolismo intermediário produtoras de acidose metabólica. A CAD ocorre primariamente em doentes com Diabetes Mellitus tipo 1 e é a forma de apresentação em cerca de 3% desses doentes As consequências secundárias às alterações metabólicas incluem acidose metabólica com gap aniónico aumentado, diurese osmótica induzida pela hiperglicemia originando depleção de sódio, potássio, fosfatos e água. Os doentes estão habitualmente profundamente desidratados e têm níveis significativos de depleção de potássio embora com caliémias normais ou elevadas pelo desvio extracelular observado na acidemia. A perda urinária de cetoácidos com função renal normal e diurese aumentada pode também originar um componente de acidose metabólica com gap aniónico normal. Em resumo, na CAD há: Acidose metabólica com gap aniónico normal (enquanto a função renal está normal) Acidose metabólica com gap aniónico aumentado (a partir do momento em que há acumulação de cetoácidos) Hiperglicemia Diurese osmótica Desidratação Deplecção de sódio, potássio, fosfatos Manual do CEE 2008 Procedimentos > Cetoacidose diabética 19

Manual do CEE 2008 Procedimentos > Cetoacidose diabética 20 Apresentação clínica: História: Sintomas clássicos de hiperglicemia: Outros sintomas: Sintomas de infecção ou condições associadas: Sede Poliúria e polidipsia Noctúria Fraqueza generalizada Mal estar/letargia Nauseas/vómitos Sudação diminuida Anorexia ou aumento do apetite Confusão Exame físico: Febre Disúria Arrepios Dor torácica Dor abdominal Dispneia Sinais gerais: Sinais vitais: Sinais especificos: Mau estado geral Pele e mucosas secas Respiração profunda e dificil Turgor cutâneo diminuido Reflexos diminuidos Taquicardia Hipotensão Taquipneia Hipotermia Febre, se infecção Hálito cetonico (frutado) Confusão Coma Dor/defesa abdominal (pode simular abdómen agudo)

2. Motivo precipitante / Causa Causas frequentes: Infecção (40%) Infecção urinária é a mais frequente Interrupção de tratamento com insulina (25%) Diabetes inaugural (15%) Outras causas (20% no total): Enfarte do miocárdio ou Acidente vascular cerebral Gravidez complicada Trauma ou Stress Consumo de cocaína Cirurgias Consumo exagerado de bebidas com carbohidratos concentrados Diagnósticos diferenciais: Cetoacidose alcoólica Apendicite aguda Coma hiperosmolar hiperglicémico não cetósico Acidose láctica Acidose metabólica Enfarte do miocárdio Choque séptico Pneumonia em imunodeprimido Toxicidade por salicilatos Infecção urinária Hipocalémia Hiponatrémia 3. Classificação A avaliação inicial do doente deve: Avaliar e assegurar as funções vitais seguindo a sequência ABCDE Identificar os problemas principais do doente, nomeadamente em relação ao cumprimento terapêutico recente Antecipar as alterações metabólicas prováveis Avaliar o estado de hidratação e de volémia Manual do CEE 2008 Procedimentos > Cetoacidose diabética 21

Manual do CEE 2008 Procedimentos > Cetoacidose diabética 22 Fazer despiste dos principais focos de infecção. Todos os doentes devem ter: Assegurado acesso vascular Monitorizados os sinais vitais Monitorizada a diurese Realizada gasometria do sangue arterial com iões Efectuadas colheitas para hemo-leucograma, glicemia, função renal, ionograma, urina sumária e sedimento urinário. Realizado ECG e Rx pulmonar Monitorizada a glicemia capilar horária. 4. Tratamento As prioridades absolutas no tratamento são: Repor o défice de volume; Corrigir os desequilibrios electrolíticos; Corrigir o défice de insulina; Iniciar de imediato o tratamento da causa (nomeadamente tratamento empírico das infecções); Estabelecer um plano de monitorização 1º. Hidratar Primeiro administrar soro fisiológico: 1 a 3L na 1ª hora (num adulto o défice de volume é em média de 3 litros), até à estabilidade hemodinâmica, com ausência de sinais de má perfusão central e periférica. Posteriormente num débito ajustado à manutenção destes parâmetros (200-1000 ml/h). Após a estabilização inicial, alterar para soro heminormal (soro mais equivalente às perdas dependentes da diurese osmótica). 2º. Insulina Deve ser deferido o inicio de insulina até o doente estar com a reposição de fluidos em curso e haver resultado do doseamento de potássio (habitualmente da gasometria) para evitar o risco de hipocalémia com risco de vida por administração agressiva de insulina. Bólus inicial de 0.1 U/Kg IV seguido de perfusão IV contínua de 0,1 U/Kg/h e pesquisa horária de glicemia capilar Quando a glicemia < 250 alterar para soro com glicose a 5% e reduzir a perfusão para 0,05 U/Kg/h Manter perfusão até haver resolução da cetoacidemia, identificada pela normalização do gap aniónico (ou ph normalizado). A glicemia deve baixar à razão de 50-75 mg/dl por hora. Se tal não acontece considerar, de forma sequencial: Correcção de volume insuficiente = aumentar a perfusão; Resistência à insulina = aumentar a insulina horária em 50 a 100%. Evitar descidas superiores a 100mg/dl por hora. Iniciar insulina sc 30 min antes de parar a perfusão. 3º. Corrigir potássio A reposição de potássio deve acompanhar a fluidoterapia inicial sempre que os níveis de potássio (na gasometria) sejam inferiores a

5,5 meq/l. Iniciar correcção quando o doente começar a urinar e adicionar potássio em função do potássio sérico: K + sérico (meq/l) K + a administrar (meq/l) 6 0 5-6 10 4-5 20 3-4 40 Se o K + inicial for normal ou baixo, isso significa que o défice de K + é grave. Se há disrritmias e hipocalémia, administrar sulfato de Mg (10 a 20 meq). 4º. Bicarbonato O tratamento com bicarbonato só é necessário nas situações muito graves: ph < 7.0 em doentes jovens, ph < 7.15 nos idosos, PaCO 2 muito baixa, com o doente a evidenciar cansaço ou esforço respiratório excessivo se o doente mantiver hipercalémia grave apesar do tratamento com insulina. Objectivo: atingir ph > 7.2 e HCO 3 - > 10 meq/l. Atenção: Não dar HCO3- sem primeiro corrigir o défice de potássio. 5º. Fosfato A diurese osmótica origina perda renal de fosfato. Quando for possível deve ser doseado o fósforo: Se fósforo < 4 mg/dl, administrar fosfato de potássio, Dose: 10-20 meq/l no soro (pode ser dado 2/3 do potássio indicado para a reposição sob a forma de KCl e 1/3 sob a forma de KPO4). Objectivo: normalizar o K + sérico. 5. Critérios de avaliação da resposta ao tratamento / monitorização Criar folhas de registo temporal ( flow-sheets ) que permitam identificar em colunas horárias os dados essenciais do tratamento (fluidos, insulina, potássio), da monitorização, da gasometria e dos restantes exames analíticos. A gasometria com iões é o exame mais importante para a estratificação do risco e para a monitorização da evolução. A primeira gasometria deve estar disponível antes de iniciar o tratamento com insulina e devem ser repetidas pelo menos cada 2h. A análise da gasometria ter em atenção: ph Relação PaO 2 /FIO 2 Bicarbonato Iões Resposta respiratória (PaCO 2 ) Lactatos Gap aniónico Manual do CEE 2008 Procedimentos > Cetoacidose diabética 23

Manual do CEE 2008 Procedimentos > Cetoacidose diabética 24 Devem ser monitorizados: Parâmetros vitais Ritmo Oximetria de pulso Estado de consciência (escala AVDN) Preenchimento capilar Diurese e glicemia capilar horárias Devem ser realizados: Gasometria arterial (com iões e lactato) cada 1-2h Bioquímica do sangue com função renal, ionograma, glicemia, fosforo, cálcio, marcadores de necrose miocárdica, enzimas pancreáticas e PCR, cada 4-6h Pesquisa de corpos cetónicos na urina cada 4h. Pode haver aumento (ou aparecimento) paradoxal de corpos cetónicos com a melhoria do doente, por passar a ser excretado mais acetoacetato (que é identificado pela fita teste) e menos hidroxibutirato (que não é detectado pelas fitas teste). Por este motivo, o melhor indicador do nível de ácidos circulantes é o gap aniónico. Hemograma, pelo menos uma vez. ECG inicial e sempre que houver mudança do ritmo ou suspeita de manifestações relacionadas como isquemia ou disturbios iónicos. Rx pulmonar, hemoculturas, exame sumário e sedimento urinário, ecografia abdominal e reno-vesical pelo menos no inicio, para despiste de causas. Vigiar complicações: Acidose láctica, por choque. Pode manter-se por tratamento insuficiente, infecção, isquemia ou doença hepática subjacentes; Edema cerebral, por hiperhidratação excessiva. Manifesta-se por cefaleias, agravamento do estado de consciência e edema papilar. Trombose arterial, por hiperviscosidade. Pode manifestar-se a nível coronário, cerebral, mesentérico ou dos membros. CAD = Ceto Acidose Diabética Abreviaturas / glossário PCR = Proteína e Reactiva

Hipercalémia Paulo Paiva e JP Pimentel - Março 2008 1. Definição / Conceito As alterações da caliémia são, das anomalias iónicas, as que representam maior risco de vida. K + sérico normal = 3.5-5 mmol -1. Hipercalémia = K + sérico> 5.5 mmol -1 Hipercalémia grave = K + sérico> 6.5 mmol -1 (Em doentes com trombocitose o K + deve ser doseado no plasma para evitar a saída de K + das plaquetas durante a coagulação) A caliémia é influenciada pelo ph, porque a acidemia promove a saída de K+ da célula. Os doentes com insuficiência renal e/ou acidemia são os que estão em maior risco de hipercaliémia. A hipercalémia grave afecta músculos e nervos provocando fadiga e raramente paralisia flácida, por vezes associada a distensão abdominal. As alterações do ECG evoluem em paralelo com a gravidade de hipercalémia e constituem critério de emergência de intervenção. 2. Motivo precipitante / Causa Considerar a possibilidade de hipercalémia em todos os doentes com arritmia de novo e/ou PCR Pseudohipercalémia Por hemólise durante a colheita. Por destruição celular na leucocitose ou trombocitose maciças. Amostra de sangue colhida de uma via com K + em perfusão Saída de K + das células Destruição celular maciça: rabdomiólise, hemólise, síndrome de lise tumoral, isquemia tecidular aguda... Cetoacidose diabética Paralisia periódica hipercalémica - rara Retenção renal de K + 1. Diminuição primária de mineralocorticoides: hipoaldosteronismo hiporreninémico, cuja causa mais comum é a nefropatia diabética Manual do CEE 2008 Procedimentos > Hipercalémia 25

Manual do CEE 2008 Procedimentos > Hipercalémia 26 doença de Addison = falência da supra-renal com défice de mineralocorticoides. 2. Diminuição primária do Na + no tubo colector: Insuficiência renal aguda oligúrica. 3. Tubo colector anormal: Doenças genéticas raras e nefrite tubulo-intersticial com lesão do tubo colector. Fármacos Diuréticos poupadores de K + IECA s Ciclosporina Ingestão / administração excessiva de K + 3. Classificação / Terminologia Hipercalémia crónica e o doente é hipotenso Hipercalémia crónica e o doente é hipertenso Hipercalémia aguda sem alterações no ECG Hipercalémia aguda com alterações no ECG As alterações do ECG são um contínuo, mas correlacionam-se com a gravidade de hipercalémia, incluindo: Prolongamento do intervalo PR (BAV 1º grau PR>0,2seg) Ondas P aplanadas ou inesistentes Ondas T altas (em tenda) T mais altas que a onda R em + de 1 derivação Alargamento do QRS (> 0.12 seg); Depressão do ST Bradicardia sinusal (ou BAV) Taquicardia ventricular PCR (assistolia, FV/TV ou AEsP)

4. Tratamento Hipercalémia aguda: Se há alterações no ECG e suspeita de hipercaliémia o tratamento inicia-se logo Objectivos do tratamento: 1. Bloquear os efeitos do K + no coração 2. Promover da entrada de K + nas células 3. Retirar o K + em excesso no organismo 4. Monitorizar e prevenir o efeito rebound 5. Prevenir a recidiva Hipercalémia ligeira: K + >5,5 <6 mmol -1 Resina permutadora de iões: resónio de cálcio 15-30 g, ou Kayexalate (polistireno sulfonato de Na + ) em 50-100mL de Sorbitol 20%, per os ou em enema de retenção início de efeito entre 1-3h com pico às 6h Furosemida 1mg/Kg -1 iv lento nos doentes com diurese; Fluídos iv nos doentes hipovolémicos. Hipercalémia moderada: K + >6 <6,5 mmol -1, sem alterações no ECG Insulina de acção rápida = 10U em glicose hipertónica = 50g iv, a perfundir em 15-30min início de efeito entre 15-30min com pico aos 30-60min Monitorizar cuidadosamente a glicemia Hipercalémia grave: K + >6,5 mmol -1, sem alterações no ECG Insulina de acção rápida = 10U em glicose hipertónica = 50g Salbutamol, 5mg em aerossol, a repetir se necessário início de efeito entre 15-30min Se existir acidemia considerar a adição de bicarbonato de Na+, 50mmol iv em 5min, com precauções nos doentes com hipervolemia (insuficientes renais, cardíacos, ) início de efeito entre 15-30min Hipercalémia grave: K + >6,5 mmol -1, com alterações no ECG = a prioridade é a protecção cardíaca Cloreto de Ca 2 + 10% - 10mL iv em 2-5min início de efeito entre 1-3min antagoniza a toxicidade do K + sobre a membrana, mas não o remove pelo que é necessário juntar os restantes tratamentos: Insulina de acção rápida = 10U em glicose hipertónica = 50g iv Salbutamol, 5mg em aerossol, Se existir acidemia considerar a adição de bicarbonato de Na+, 50mmol iv em 5min Indicações para diálise Doente anúrico / oligúrico Com sobrecarga de volume Miólise massiva sem resposta aos diuréticos Hipercalémia resistente ao tratamento prévio Manual do CEE 2008 Procedimentos > Hipercalémia 27

Manual do CEE 2008 Procedimentos > Hipercalémia 28 Importante: Com o tratamento agudo é necessário iniciar o tratamento etiológico + o tratamento sub agudo com a intenção de evitar o rebound do potássio que se pode seguir ao fim do tempo de actuação da fase aguda Hipercalémia crónica: 5. Critérios de avaliação da resposta ao tratamento / monitorização Correcção da caliémia (monitorizar) Normalização das alterações do ECG se o doente é hipotenso ou tem hipotensão ortostática o diagnóstico provável é um défice de mineralocorticoides e portanto o tratamento é substitutivo (fludrocortisona,...) se o doente é hipertenso, aumentar a excreção de K + com diuréticos da ansa que aumenta a chegada de Na + ao tubo colector cortical. Nos doentes com acidemia é necessário associar bicarbonato de sódio. Em todos os casos há que ajustar a dieta / ingestão de K + as particularidades da doença PCR = Paragem Cardio-Respiratória BAV = Bloqueio Aurículo-Ventricular FV = Fibrilhação Ventricular TV = Taquicardia Ventricular Abreviaturas / glossário AEsP = Actividade Eléctrica sem Pulso ECG = electrocardiograma. IECA = Inibidores do Enzima Conversor da Angiotensina

Hipocalémia Paulo Paiva e JP Pimentel - Março 2008 1. Definição / Conceito As alterações da caliémia são, de entre as anomalias iónicas, as que representam maior risco de vida (com risco de disritmia e mesmo PCR, em particular em doentes com cardiopatia prévia ou a tomar digoxina). K + sérico normal = 3.5-5 mmol -1. Hipocalémia = potássio sérico < 3.5 mmol -1 - Hipocalémia grave = potássio sérico < 2.5 mmol -1. A caliémia é influenciada pelo ph: a acidemia promove a saída de K + da célula, sucedendo o inverso na alcalémia. O principal mecanismo de adaptação às alterações rápidas da concentração de K + é a entrada de K + nas células, já que a excreção de potássio na urina é lenta e regulável ao passo que a excreção gastrointestinal é mínima (inferior a 5mEq/dia) e não é regulável. A hipocalémia grave afecta músculos e nervos provocando fadiga, astenia, cãibras, obstipação e nos casos graves (K + <2,5mmoL-1) rabdomiólise, paralisia muscular ascendente e dificuldade respiratória. 2. Motivo precipitante / Causa Considerar a possibilidade de hipocalémia em todos os doentes com arritmia de novo e/ou PCR Perdas digestivas (as mais comuns): Diarreia/fístulas digestivas Vómitos: Diminuição da ingestão: Perdas renais: Aumento primário de mineralocorticoides a. Hiperreninismo primário em que há aumento da renina e da aldosterona sem contracção de volume; b. Hiperaldosteronismo primário a renina baixa e aldosterona aumentada c. Grupo de patologias com renina e aldosterona baixas: Síndrome de Cushing (a mais comum) Aumento primário de Na + no tubo distal - o doente está depletado de volume e hipotenso e a situação mais frequente é o uso de diuréticos com acção no tubo distal. Manual de Emergência 2008 Procedimentos > Hipocalémia 29

Manual de Emergência 2008 Procedimentos > Hipocalémia 30 Entrada de K + nas células Alcalose promove a entrada de K + nas células e perdas renais. Estados de proliferação celular rápida, por exemplo linfoma de Burkitt, leucemias. Paralisia periódica hipocalémica Pseudohipocalémia (rara), ocorre em casos de aumento maciço dos leucócitos como nas leucemias. Associada à depleção de magnésio dificulta a correcção do potássio sem corrigir o magnésio. Diálise: no final da hemodiálise e/ou da diálise peritoneal a exigir ajuste do plano de diálise. Hipocalémia por hipertratamento de hipercalémia 4. Tratamento O tratamento está indexado à caliémia, mas o valor exacto para intervir depende da situação clínica do doente, podendo em situações específicas exigir tratamento antes do doseamento laboratorial. O principal critério de emergência no tratamento da hipocalémia é o aparecimento de alterações no ECG, designadamente: Ondas U proeminentes Ondas T alargadas e de baixa amplitude Depressão do ST Disritmias, incluindo ritmos de PCR Tratamento: perfundir K +, com cloreto de potássio iv, até a caliémia normalizar. Ao administrar KCl iv devem-se cumprir as seguintes regras: por veia periférica utilizar concentrações < 40mEq/L porque pode causar flebite; o ritmo de perfusão NÃO deve ultrapassar os 10mEq/h; acidose + hipocalémia = grave défice de K +. se a correcção da acidose exigir administração de bicarbonato, corrigir sempre primeiro a hipocalémia, porque a correcção da

acidemia agrava o défice de K + extracelular; se coexistir hipomagnesémia administrar sulfato de magnésio; no tratamento de disritmias agudas com risco de vida (em particular em situação péri-intervenção coronária / cardíaca) pode ser necessário administrar: 2 mmol min -1 em 10 min, seguidos de 10 mmol em 5-10 min 5. Critérios de avaliação da resposta ao tratamento / monitorização Correcção da caliémia (monitorizar) Normalização das alterações do ECG Prevenção das alterações electrolíticas Corrigir activamente as alterações electrolíticas antes da ocorrência de disritmias com risco de vida; Eliminar factores precipitantes (medicamentos, ); Monitorizar a caliémia a intervalos regulares e proporcionais à gravidade da situação; Monitor a função renal e ph nos doentes com factores de risco para alterações metabólicas; Rever as estratégias de diálise, quando indicado. PCR = Paragem Cardio-Respiratória BAV = Bloqueio Aurículo-Ventricular FV = Fibrilhação Ventricular Abreviaturas / glossário TV = Taquicardia Ventricular AEsP = Actividade Eléctrica sem Pulso ECG = electrocardiograma. Manual de Emergência 2008 Procedimentos > Hipocalémia 31

Manual de Emergência 2008 Procedimentos > Hipocalémia 32 3. Classificação / Terminologia Hipocalémias < 20mEq/L K+ na urina > 20mEq/L Perdas digestivas Pressão arterial e volume arterial efectivo Renina e Aldosterona Alta Baixa Normal Ren. Ald. Ren. Ald. Ren. Ald. HCO3- sérico Elevado Baixo Cl- urinário Estenose da artéria renal Adenoma supra renal Hiperplasia supra renal Hiperaldosteronismo Remediável com corticóides Síndrome de Cushing Excesso aparente de mineralocorticóides Sínd de Liddle Acidose tubular renal Baixo Vómitos Elevado Diuréticos Mg 2+ Bartter Giteleman

Analgesia no doente em estado crítico Elisabete Neutel - Março 2008 1. Definição / Conceito: Sedação provém do latim sedare, acariciar e consiste no alívio da ansiedade/agitação (apreensão, aumento da actividade motora, descarga autonómica) e significa induzir um estado de tranquilidade. Consoante a necessidade esta pode ser ligeira, moderada ou profunda. Dor: experiência sensorial e emocional desagradável, real ou potencial, associada a lesão tecidular, ou que pode ser descrita de acordo com as manifestações próprias de tal lesão (definição da Organização Mundial de Saúde). A dor é sempre uma experiência subjectiva. A incapacidade de a comunicar verbalmente não invalida a possibilidade de sentir dor e a necessidade de tratamento específico. Cada indivíduo aprende a noção da palavra através de experiências na vida. A avaliação, valorização sistemática e registo clínico da Dor e do seu alívio, é um critério básico de boas práticas. Analgesia: abolição ou alívio de um estímulo nóxico ou sensação de dor. 2. Motivo precipitante / Causa O doente em estado crítico tem muitos factores precipitantes de agitação, dor e desconforto: procedimentos invasivos, trauma, dispositivos terapêuticos e de monitorização (cateteres, drenos, tubo OT), cuidados gerais (punções venosas, aspiração de secreções, pensos, suturas, ) e imobilização prolongada. O desconforto e a agitação induzem resposta neuro-humoral ao stress que contribuem para sono inadequado, exaustão, desorientação, agitação, alterações cardiovasculares (taquicardia e HTA c/aumento do consumo de O 2 pelo miocárdio), hiperglicemia, hipercoagulabilidade, imunossupressão, disfunção neuroendócrina (aumento da vasopressina, renina-angiotensina, cortisol) estados hipercatabólicos,... O controlo da resposta ao stress exige a combinação de analgesia e sedação. Ao falarmos de sedação está inerente a analgesia e como tal devemos falar em conforto do doente. Todo o doente em estado crítico necessita e tem direito á sedação e analgesia adequadas. Manual do CEE 2008 Procedimentos > Analgesia no doente em estado crítico 33

Manual do CEE 2008 Procedimentos > Analgesia no doente em estado crítico 34 3.Classificação / Terminologia A Dor é um sintoma que acompanha, de forma transversal, a generalidade das situações patológicas que requerem cuidados de saúde. O controlo eficaz da Dor é um dever dos profissionais de saúde e um direito dos doentes. Existem, actualmente, diversas técnicas que permitem controlar a dor, na grande maioria dos casos, nas suas diferentes vertentes da dor: Dor aguda: sensação fugaz e auto-limitante de início recente e de provável duração limitada, havendo, normalmente, uma definição temporal e/ou causal. Dor Aguda Peri-operatória: Dor presente num doente cirúrgico, de qualquer idade, em regime de internamento ou ambulatório, causada por doença pré-existente, devida a intervenção cirúrgica ou à conjugação de ambas. A dor crónica, persiste / repete-se durante um período de tempo mais prolongado. Este tipo de dor domina a vida e as preocupações do doente, de sua família e dos amigos. A dor crónica vem geralmente acompanhada de um conjunto complexo de alterações somáticas e psicossociais (por exemplo, rigidez, imobilização, depressão, ansiedade, problemas psicossociais), que são parte integrante do problema da dor crónica e intensificam o sofrimento do doente. A qualidade de vida dos indivíduos directa ou indirectamente afectados por dores crónicas, pode vir a ficar drasticamente reduzida. Consequências fisiopatológicas da dor e agitação Sist. afectado Mecanismo Efeito clínico Respiratório da tensão muscular e compliance pulmonar hipoxémia, hipercápnia, alt ventilação/perfusão, atelectasia Endócrino ACTH/adrenalina, concentração de insulina catabolismo proteico, hiperglicemia Cardiovascular esforço do miocárdio arritmias, arritmias, angina, isquemia miocárdica, Imunológico produção de células do sistema imunitário função imunitária Genitourinário tonus esfincteriano, tonus muscular retenção urinária Gastrointestinal tonus esfincteriano, tonus muscular Ileo paralítico

4. Tratamento Para tratar os nossos pacientes em primeiro lugar temos que Estabelecer um plano de sedação/analgesia: 1º. Parametrizar os objectivos da sedação / analgesia à condição concreta do doente (politraumatizado, sépsis, cardiopatia valvular ou isquémica, ). 2º. Assegurar um plano de tratamento que inclua a definição de objectivos para: alívio do medo e ansiedade, controle da agitação, amnésia, alívio da dor, minimizar o desconforto provocado pela tecnologia: ventilação mecânica, tubos, Recomendações na avaliação da dor: A avaliação e registo da intensidade da Dor, pelos profissionais de saúde, tem que ser feita de forma contínua e regular, à semelhança dos sinais vitais, de modo a optimizara terapêutica, dar segurança à equipa prestadora de cuidados de saúde e melhorar a qualidade de vida do doente. Avaliação da dor e da resposta ao tratamento: O doente está confortável? Os objectivos foram atingidos? Pesquisar e corrigir causas reversíveis Optimizar ambiente Tratamento não farmacológico Aliviar a dor Objectivos para a analgesia Reavaliar objectivos diariamente Titular terapêutica para manter os objectivos da analgesia Titular opióides (reduzir 10-25%-dia) Hemodinamicamente instável Fentanil 25-100ug ev q 5-15min 100-200ug/h até conforto Margem terapêutica: 50-100 ug/h Hemodinamicamente estável Morfina 2-5mg ev q 5-15min bólus 1-10mg/h até conforto Margem terapêutica: 3-20 mg/h Manual do CEE 2008 Procedimentos > Analgesia no doente em estado crítico 35

Manual do CEE 2008 Procedimentos > Analgesia no doente em estado crítico 36 No doente acordado deverá ser usada uma escala de dor Escala Visual Analógica A Escala Visual Analógica consiste numa linha horizontal, ou vertical, com 10 centímetros de comprimento, que tem assinalada numa extremidade a classificação Sem Dor e, na outra, a classificação Dor Máxima. O doente terá que fazer uma cruz, ou um traço perpendicular à linha, no ponto que representa a intensidade da sua Dor. Há, por isso, uma equivalência entre a intensidade da Dor e a posição assinalada na linha recta. Escala Qualitativa Sem Dor Dor Ligeira Dor Moderada Dor Intensa Dor Máxima Na Escala Qualitativa solicita-se ao doente que classifique a intensidade da sua Dor de acordo com os seguintes adjectivos: Sem Dor, Dor Ligeira, Dor Moderada, Dor Intensa ou Dor Máxima. Escala numérica: Sem Dor 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Dor Máxima A Escala Numérica consiste numa régua dividida em onze partes iguais, numeradas sucessivamente de 0 a 10. Esta régua pode apresentar-se ao doente na horizontal ou na vertical. Pretende-se que o doente faça a equivalência entre a intensidade da sua Dor e uma classificação numérica, sendo que a 0 corresponde a classificação Sem Dor e a 10 a classificação Dor Máxima (Dor de intensidade máxima imaginável). A classificação numérica indicada pelo doente será assinalada na folha de registo.