A presença da mulher nos cuidados em saúde ST 27 Denise Streit Morsch Instituto Fernandes Figueira/FIOCRUZ. Palavras-chave: Cuidados intensivo neonatais, maternagem, cuidados humanizados. Mulheres/Mães em UTI Neonatal Novos Conhecimentos e Melhores Intervenções. Ao entrarmos num ambiente de cuidados intensivos neonatais encontramos importantes e diferentes imagens. Num primeiro momento, o que mais chama a nossa atenção são os bebês com seus aparelhos, submetidos às intervenções necessárias, seu sofrimento e sua enorme capacidade em lutar pela vida. Após nos distanciarmos deste maior impacto, nos deparamos com outras questões significativas a equipe médica, em geral rápida, assertiva, determinada; a equipe de enfermagem atenta, próxima e capacitada a executar o que lhes foi solicitado com urgência e precisão; e ao lado de tudo isto, a família dos bebês. São muitas as discussões teóricas, artigos, mesmo livros sobre cada um destes parceiros em UTIs Neonatais. Já contamos com uma extensa literatura para nos auxiliar na compreensão das diversas tramas que percorrem estas relações, seja o que diz respeito aos contatos, a comunicação entre todas estas pessoas, a trama psíquica que envolve os cuidados da equipe e o cuidado da família; os jogos projetivos que fazem parte da situação cuidar de um bebê doente como profissional e cuidar de um bebê doente como família. Entretanto, muito desta literatura baseia-se em autores que escreveram há quatro, cinco ou mais décadas, a partir de extensas observações de histórias de bebês que não necessitaram utilizar respiradores, usar surfactante, óxido nítrico, ou permanecer por muitos meses em hospitais. Muito, portanto, tem sido discutido a partir de Winnicott (...), Spitz (1972), Bowlby (1984), que reconhecemos como mestres das possíveis intervenções que iniciaram todos os cuidados com os bebês, nestas situações especiais. Estes mesmos autores afirmaram em suas obras que não se preocuparam com bebês prematuros ou aqueles nascidos com algumas situações especiais, ao mesmo tempo em que valorizaram o surgimento de profissionais que pudessem se responsabilizar por criarem pontes entre os aspectos teóricos e os práticos entre estas diferentes situações. Ou seja, em sua sabedoria estimularam que se pensasse mais e além. Assim, foram seguidos magistralmente por Lebovici (1991), Cramer (1993), Golse (2003), entre tantos outros. Este somatório de idéias e pensamentos sobre o que se passa com o mundo interno e mesmo comportamental do bebê, da equipe e da família, vem crescendo a cada ano e também passaram a estimular pessoas em nosso país a 1
participarem desta imensa preocupação. E assim, especialmente através de cursos de pós-graduação vinculados a hospitais escolas, surgiram diferentes dissertações e teses vinculadas ao tema. Isto ocorre no mesmo período em que se torna ampla e extensa a discussão sobre humanização nos cuidados hospitalares e em especial nos cuidados hospitalares com bebês. O olhar focado no bebê passa a exigir que seu entorno seja cuidado e que seus cuidadores sejam acolhidos. Pierre Budin, pioneiro em perinatologia já havia afirmado após sua imensa experiência com bebês hospitalizados e suas mães de que de nada adiantava salvar um bebê se sua mãe fosse perdida. Já apontava que esta era uma figura fundamental a ser cuidada, nesta situação. Por um tempo isto ficou esquecido, especialmente por questões sanitaristas, medo de infecção e descrença na possibilidade de que a mulher/mãe tivesse condições de participar dos cuidados com o bebê, seu filho, numa instituição hospitalar. Apontava tal atitude, para uma fragilidade feminina frente ao filho doente, acrescida do fato da mesma encontrar-se num período de pós-parto, portanto necessitada de repouso, de extremos cuidados, colocada como portadora, no momento, de uma certa incapacidade para o desempenho dos cuidados maternos. Estas considerações ainda encontram-se presentes, tanto nas equipes como nas próprias famílias que com freqüência tentam retirar a mulher/mãe/parturiente/puérpera do acompanhamento da história de seu filho na sala de parto (uso de sedação quando de um nascimento de um bebê com má-formação, não esperado, ou no caso de um natimorto); - o desestímulo à produção de leite, com indicação de usar medicamento e/ou enfaixamento das mamas pelo nascimento de um bebê de extremo baixo peso; tentativas de impedir o contato com a morte do bebê, dificultarem sua proximidade física com o corpo do bebê, contra indicarem sua ida ao enterro do filho; comentários sobre sua saúde reprodutiva, ou seja, sobre sua capacidade de poder ser receptora e contenedora de um feto/bebê, entre outros. Ou seja, acompanhamos situações e ações concretas envolvendo a locação da mãe em um lugar de menor capacidade para o enfrentamento da situação. Acresce-se a isto o peso da intervenção médica na situação. Na maior parte dos casos, a prematuridade não tem início no nascimento prematuro. Geralmente já ocorreram medidas profiláticas para que o bebê não nascesse tão precocemente, já aconteceram exames como ultra-som, Doppler, exames laboratoriais, sugestão de internações e recomendações de repouso durante a gestação, trazendo para a mulher, inúmeras exigências. E apesar de todo um investimento no cuidado com o bebê, ou mesmo com a mãe no caso do risco ser materno, o nascimento é facilitado ou realizado através de decisão e intervenção médica. Com isto retiram-se de cena os protagonistas principais, subvertendo a ordem natural deste processo que seria um jogo entre o corpo do bebê e o de sua mãe para dar lugar ao desencadeamento do parto. Isto é 2
algo que as mulheres relatam com freqüência, com pequenas variantes: E aí o médico disse que tinha que intervir. Não dava para esperar mais. Já outras dizem: Não vi nada... aconteceu..., o médico resolveu operar. Estas expressões remetem para uma vivência de não participação, ou de uma submissão a um comando médico na condução do parto. É importante sublinhar que, a palavra parto é praticamente abolida do vocabulário da mulher. Seus relatos sugerem que ocorreu uma intervenção médica trazendo um bebê numa hora e de uma forma não esperada. Por não ter chegado ao final da gestação, a mãe sente-se usurpada de um tempo que, acredita, a ajudaria no desenvolvimento do bebê, permitindo que este chegasse à vida mais capacitado. Ao mesmo tempo, sente falta de um tempo que a ajudasse viver períodos que a preparariam para cuidar de seu bebê. Com freqüência lembram o fato de não terem apresentado uma barriga grande, quando todos as teriam olhado e valorizado em seu trabalho de construir um bebê. Ao ouvi-las, tem-se a impressão que comentam sobre uma saudade do que não foi possível ter, embalada pela culpa de não terem sido capazes de obtê-lo. Ou seja, seus bebês recém-nascidos de risco em internação intensiva neonatal, trazem estranhas e diferentes novidades para as mulheres/mães, envolvendo aspectos relacionados a uma avaliação de suas competências. Seu questionamento é imenso, e mesmo nos casos em que os médicos mostram a ocorrência de hipertensão materna ou diabetes, envelhecimento da placenta, elas questionam seu diagnóstico, fazendo relações e associações que caracterizam a possibilidade da etiologia ser de área emocional. Ou seja, a mulher apresenta uma tendência em assumir o ônus deste acontecimento. Estas observações aliadas a um conhecimento teórico de autores já referidos acima, nos têm conduzido a formulação de novos conceitos na compreensão do que se passa, nesta situação. Isto permitiu que pensássemos sobre a maternagem ampliada, o funcionamento e a importância da preocupação materna e médica primária, bem como o significado que vem alcançando a metodologia canguru na percepção materna de sua competência. Ampliar nossa discussão nestes temas é o que propomos neste fórum de discussão. A partir da visão de humanização, o próprio Ministério da saúde convocou um grupo de profissionais totalmente envolvidos com o cuidado em UTIs neonatais para discutirem mudanças de paradigmas nos cuidados intensivos neonatais. Surge então o programa de Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso Método Canguru (Brasil, 2002) onde se privilegia o acolhimento à 3
família, se redireciona e é garantido a mulher seu lugar privilegiado nos cuidados com o bebê, lhe sendo oferecida a possibilidade de ser parceira da equipe. Este mesmo programa traz seu direito a receber visitas que a sustentem e a apóiem e aponta para um dos aspectos fundamentais da rede social de suporte que ela necessita através da maternagem ampliada. Ou seja, a participação dos avós na atenção ao Recém nascido de Risco ou ainda a função da transgeracionalidade na UTI Neonatal. Por fim surge a compreensão e discussão do conceito de Preocupação Médica Primária que passa a ser entendido como um funcionamento necessário e adaptativo da mulher/mãe em função das necessidades atuais de seu filho. Estes três novos conceitos i têm permitido que surjam formas novas de serem compreendidos condutas e funcionamentos maternos próprios desta situação, com uma imensa repercussão no empoderamento (empowerment) da figura materna. Ou seja, podemos atualmente olhar para a mulher/mãe na UTI Neonatal com algumas especificidades que eram até pouco tempo, praticamente desconhecidas. Não porque os fenômenos não aconteciam, mas porque não nos permitíamos um olhar de estranhamento, um olhar provocador, o qual vem permitindo criatividade na intervenção. Pela nova leitura, de conceitos que não nos ofereciam a mais correta compreensão pois eram decorrentes de outras experiências e observações, num outro período de desenvolvimento dos cuidados neonatais, podemos hoje entender que, ao receber o cuidado adequado, a mulher adquire uma série de condutas, até então desconhecidas para ela, mas capazes de lhe facilitar a competência necessária para o desempenho da maternagem, em situação de risco neonatal. Referências: Bowlby, J. Apego, vol.1 da Trilogia Apego e Perda, Martins Fontes, São Paulo, 1984. BRASIL. Ministério da Saúde, Manual do Programa de Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso, 2002. Cramer, B. Profissão Bebê, Martins Fontes, São Paulo, 1993. Golse,B. - Sobre a Psicoterapia Pais-bebê: narratividade, filiação e transmissão, Casa do Psicólogo, São Paulo, 2003. Lamour, M. e Lebovici, S. Les Interactions du Nourrison avec sés partenaires: évaluation et Modes d abord préventifs et Thérapeutiques, in La Psychiatrie de L Enfant, vol. XXXIV, 1, (171-276), 1991. Spitz, R. El Primer Año de Vida del Niño, Aguilar, 1972. 4
Winnicott, D. Textos selecionados Da Pediatria à Psicanálise, Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1988. i Conceitos estes que vem sendo discutidos e criados junto com Dra. Suely Deslandes (IFF/FIOCRUZ), Mestranda Nina de Almeida Braga (IFF/FIOCRUZ), Dra. Zeni Lamy (HUFMA). 5