Processos Borderline: confiança que se estende ao ambiente. Me. Fernanda Kimie Tavares Mishima 1. Roberta Cury de Paula 2
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- Maria de Begonha Belém de Caminha
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1 Processos Borderline: confiança que se estende ao ambiente Me. Fernanda Kimie Tavares Mishima 1 Roberta Cury de Paula 2 Profa. Dra. Valéria Barbieri 3 Resumo Apesar do amplo estudo dos aspectos biológicos envolvendo o Transtorno Borderline de Personalidade, raramente considera-se seus fatores psicológicos e conseqüências psíquicas dessa patologia. Este trabalho apresenta os psicodinamismos de 4 mulheres com Transtorno Borderline de Personalidade, enfatizando auto-imagem, relação com o outro e maternagem. Elas tinham entre 35 e 40 anos, participaram de sessões individuais, com uso de entrevista e técnicas projetivas (Desenho da Figura Humana- DFH e Teste de Apercepção Temática-TAT), interpretadas segundo abordagem winnicottiana. As mulheres apresentaram dificuldade em manter vínculos profundos e estáveis; o outro visto com ambivalência; sinais de prejuízo na relação de confiança. Demonstram necessidade de apoio e suporte do ambiente, sugerindo vivências infantis com holding insuficiente e dificuldade no período da transicionalidade. Os sentimentos de desvalorização, fracasso, solidão e vazio prejudicaram o exercício da maternagem, pois se sentiam incapazes de oferecer apoio afetivo para o filho, impossibilitando a expressão espontânea e criativa deles. Palavras-chave: Transtorno Borderline, mulheres, maternagem, técnicas projetivas. O Transtorno Borderline de Personalidade é amplamente estudado quanto aos aspectos biológicos, considerando-se os diferentes tipos de abordagem terapêutica: atendimento psicanalítico, comportamental e sistêmico. É caracterizado por um padrão invasivo de instabilidade nos relacionamentos interpessoais, na auto-imagem e nos afetos, além de intensa impulsividade (APA, 1995). As pessoas portadoras desse 1 Doutoranda pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Psicóloga contratada da Clínica de Psicologia da FFCLRP-USP. 2 Aluna de graduação em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo. Estagiária do Serviço de Atendimento Infantil e Familiar. 3 Docente do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP).
2 transtorno apresentam imprevisibilidade na forma de agir, desconsiderando as conseqüências. O humor imprevisível é demonstrado pelos acessos de raiva e incapacidade de controlar os comportamentos impulsivos, o que facilita a presença de conflito com o ambiente (OMS, 1992). Em detrimento da ampla discussão de seus aspectos biológicos, raramente menciona-se os fatores psicológicos e as conseqüências psíquicas advindas dessa patologia. Por este motivo, o presente trabalho apresenta o funcionamento psicodinâmico de 4 mulheres com Transtorno Borderline de Personalidade, destacando a relação com o ambiente e a influência exercida pela auto-imagem no papel materno. Após realização de sessões individuais interventivas, com uso de entrevistas e técnicas projetivas, as informações coletadas foram analisadas segundo método da livre inspeção por meio do referencial psicanalítico winnicottiano. As mulheres tinham idade entre 35 e 40 anos e buscaram atendimento psicoterapêutico na Clínica de Psicologia da Universidade de São Paulo, com problemáticas semelhantes, como ansiedade excessiva, uso abusivo de comida e intolerância às frustrações nas relações interpessoais. Resultados Em relação às técnicas projetivas aplicadas (DFH e TAT) foi possível perceber que as quatro mulheres apresentaram comprometimento em perceber a realidade tal como ela é, dando indícios de dificuldade em discriminar estímulos internos e externos, muitas vezes confundindo sua própria vida com a de pessoas conhecidas (começam a falar de si e dos filhos ao mesmo tempo, sem separações). As mulheres apresentaram a autoimagem comprometida com prejuízo da percepção da realidade interna, sugerindo ideal de ego rigoroso e exigente, difícil de alcançar. O alto nível de exigência consigo mesmas, exigências bem distantes da realidade, deram indícios de funcionamento da defesa falso self, permeado por
3 sentimentos de inutilidade, futilidade e desvalorização de si, não se apropriando de seu verdadeiro self e se distanciando de suas características reais e espontaneidade. Em relação ao ambiente externo, houve comprometimento na capacidade de manejá-lo a fim de satisfazer suas próprias necessidades, pois confundiam estas necessidades com as dos outros, especialmente dos cônjuges e dos filhos. Houve intensos sinais de angústia e desconforto diante de questões como a sexualidade e feminilidade, prejudicando o contato com o sexo oposto. Paralelo a essa dificuldade, todas as mulheres demonstraram necessidade do auxílio vindo do outro, precisando também da aprovação dele para se sentirem felizes e realizadas (relação de objeto anaclítica). A dificuldade para criar e imaginar estórias parece advir de um prejuízo quanto à fase de dependência da figura materna, com pouco oferecimento de holding e de alguém que pudesse realmente olhar para essas mulheres. Tal aspecto denota prejuízo em sua possibilidade de existir de forma verdadeira e pessoal no mundo. Nesses termos, todas as mães demonstraram dificuldade em sair do concreto e abstrair, mostrando-se rígidas demais e preferindo descrever concretamente suas experiências a relaxar, brincar. Houve o uso intenso do plano racional, em detrimento dos sentimentos e conteúdos afetivos. Considerações Por meio da análise realizada, é possível pensar que as mães não tiveram suas necessidades de dependência supridas pelas próprias figuras parentais, o que poderia acarretar prejuízos, por parte delas, no atendimento à dependência de seus próprios filhos. Elas mostraram ver a própria figura materna como aquela que não provê cuidado e não enxerga suas necessidades, distante afetivamente, além de ser considerada ambivalente, ora apóia, ora agride, com muitas dificuldades para desempenhar seu papel
4 de mãe. As figuras paternas também foram vistas como incapazes de suprir as necessidades, não compensando as falhas maternas e apresentando uma relação pouco afetuosa com as filhas. Ambas as figuras parentais tiveram dificuldade em suprir a dependência e auxiliar no processo de ilusão-desilusão vivido por essas mulheres. Dessa forma, como não puderam fazer uso pessoal dos objetos, a experiência de transicionalidade também se mostrou comprometida, além de prejudicar o contato com seu mundo interno. Por conseqüência, houve o aparecimento de intensos sentimentos de incapacidade, insegurança, baixa auto-estima. Se não conseguem olhar para si mesmas, torna-se difícil olhar e entender o que o outro quer e deseja. Suas relações interpessoais são permeadas pela busca de apoio e cuidado, estabelecendo relações de dependência, chegando a sufocar o outro. Essa dependência em relação ao outro e necessidade de tê-lo perto de si leva a um sentimento ambivalente: querem o objeto perto de si, mas temem uma aproximação grande demais que faça com que percam esse objeto de que dependem tanto (Bergeret, 1998). Ainda nessa relação com o outro, toleram pouco a frustração e os limites, há intensa ansiedade e a busca de algo concreto para diminuí-la. Por buscarem o outro para suprir suas próprias necessidades, não conseguem atender as necessidades dos filhos, prejudicando sua função materna. A dificuldade de maternagem gera desconfiança nos filhos, fazendo com que se sintam inseguros quanto ao agir de modo espontâneo, deixando de criar possibilidades para que eles expressem seu self verdadeiro. Dessa forma, confirma-se o fato de que o envolvimento da mãe com seu filho depende da sua auto-imagem e da relação com aqueles que estão à sua volta (Winnicott, 1993/1965). A falta de espontaneidade, manifestada na dificuldade para regredir e brincar, gera nessas mulheres uma falta de energia para fazer determinadas atividades e um
5 sentimento de estagnação perante o mundo. Assim, elas vivem uma vida sem estilo pessoal, seguindo regras e normas para se sentirem adaptadas e aceitas, mas sem incorporá-las e transformá-las conforme seus desejos e necessidades. Em suma, a dificuldade em se ver e perceber como realmente são prejudica os relacionamentos interpessoais, especialmente os sexuais, pois o outro é visto como necessário para satisfazer a dependência e suprir a carência que elas demonstram, ou seja, a figura masculina é tida como necessária para a satisfação do desejo infantil, mas não dos desejos sexuais. Pela dificuldade em se verem de uma forma integrada e sentirem que suas necessidades não são supridas, acabam por não conseguir satisfazer as necessidades do outro. Tal deficiência afetiva (de dependência) acarreta um bloqueio da doação de si, procurando reter o outro para perto de si a qualquer custo, ao invés de permitir a expressão da continuidade de seu ser pessoal. Referências Bibliográficas Associação Psiquiátrica Americana - APA (1995). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM - IV. Porto Alegre: Artes Médicas. Bergeret, J. (1998). A personalidade normal e patológica. (M. E. V. Flores, Trad.). 3ª. ed. Porto Alegre: Artes Médicas. Organização Mundial da Saúde (1992). Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). São Paulo: Edusp. Winnicott, D. W. (1993). O ambiente e os processos de maturação. (I. C. S. Ortiz, Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original 1965)
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