UMA CONTRIBUIÇÃO DA CLÍNICA DO SELF AO ESTUDO DOS TESTES PROJETIVOS
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- Iasmin Canela Bennert
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1 UMA CONTRIBUIÇÃO DA CLÍNICA DO SELF AO ESTUDO DOS TESTES PROJETIVOS Gilberto Safra Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Resumo O autor aborda os testes projetivos pela perspectiva da psicanálise do self. Apresenta breve contextualização histórica do aparecimento dos testes projetivo para ressaltar as contribuições de Winnicott dos três sentidos de realidade, subjetivo, transicional e compartilhado, para o estudo dos testes projetivos. Descreve os fenômenos estéticos, aperceptivos e projetivos relativos a cada um dos sentidos de realidade. Palavras Chaves Psicanálise, Winnicott, Jogo, Comunicação subjetiva, Interlocução. A Psicologia Clínica foi oficialmente estabelecida em 1895 por Lighter Witmer com a criação do primeiro laboratório de Psicologia Clínica em Philadelphia, Estados Unidos. Witmer pretendia realizar um trabalho em Psicologia que fosse clínico e fundamentado nos princípios metodológicos científicos. Ele trabalhava, principalmente, com casos com problemas de aprendizagem e de comportamento. Sua visão era funcionalista e bastante pedagógica. A reação negativa frente ao trabalho de Witmer foi intensa, particularmente dos psicólogos associados a APA (American Psychology Association). Estes afirmavam que faltava cientificidade ao trabalho do psicólogo clínico. Um grupo de psicólogos interessados na clínica separou-se da APA e eles fundaram uma Associação de Psicólogos Clínicos. Surgia uma vertente em psicologia clínica que pretendia realizar um trabalho que pudesse operar com metodologia aparentada com a utilizada pelas ciências exatas. O próprio Witmer acreditava que o psicólogo clínico deveria trabalhar junto a hospitais com perspectiva de trabalho semelhante à empregada pela medicina. Na Europa, no mesmo ano, Freud publicava Estudos sobre Histeria e com essa contribuição tinha início uma vertente de 44
2 trabalho cada vez mais em um vértice compreensivo e interpretativo. Neste o ser humano era muito mais visto como um ser simbólico e menos como um organismo que funcionava. Em 1909, Freud visita o continente americano e a influência de seu pensamento, a partir de então, intensifica-se na Psiquiatria e Psicologia americanas. Por volta das duas grandes guerras surgem os testes de inteligência e em suas esteiras aparecem os primeiros testes projetivos: o TAT e o Rorschach. A perspectiva originária presente no momento do aparecimento dos testes é a do instrumento. Os testes psicológicos eram vistos como instrumentos de pesquisa e de coleta de material. Os dados poderiam ser coletados e quantificados, o que era desejável para que o trabalho do psicólogo clínico fosse considerado científico. Dessa forma, a Psicologia Clínica estaria mais próxima das ciências exatas, que eram consideradas o paradigma da ciência. Os testes vistos como instrumentos tentavam alcançar estatuto semelhante a outros instrumentos empregados em outras áreas do conhecimento, tais como lunetas ou microscópios. O teste de Roschach e o TAT possibilitavam a assimilação do pensamento freudiano ao mesmo tempo em que acolhiam a exigência de objetividade e quantificação necessárias a um ramo da ciência. O psicólogo clínico de maneira semelhante aos pesquisadores das ciências exatas possuía também seus instrumentos por meio dos quais poderia pesquisar seu objeto. Com a maior utilização em Psicologia Clínica de metodologia de investigação proveniente das ciências humanas e também com a participação dos psicanalistas nas Universidades, desenvolveuse uma perspectiva de trabalho em que os testes deixam de ser vistos como instrumentos para serem vistos como procedimentos. A noção de procedimento aparece com a mudança de paradigma metodológico em Psicologia Clínica. O modelo S-O (sujeito-objeto) de trabalho científico é substituído pelo modelo S- S (sujeito-sujeito). A perspectiva psicodiagnóstica passa a ser compreensiva, ou seja, hermenêutica. Os testes projetivos são visto sobre o matriz de trabalho desenvolvida a partir da contribuição de dois psicanalistas: Arminda Aberastury e Donald Winnicott. Arminda Aberastury desenvolveu o ludodiagnóstico, modalidade de realização de diagnóstico psicanalítico em que o processo transferencial e o jogo possibilitariam a compreensão da 45
3 angústia do paciente. Por outro lado, Winnicott com a apresentação das Consultas Terapêuticas realizadas com o auxílio de rabiscos, proporcionou um trabalho de intervenção psicanalítica, no momento mesmo em que a comunicação entre paciente e analista era realizada. Ambos influenciaram psicólogos clínicos a re-posicionarem suas atividades em psicodiagnóstico em uma modalidade de trabalho compreensivo com o uso de procedimentos. Há ai uma aproximação do uso dos testes ao jogo lúdico ou aos rabiscos winnicottianos. Acredito que a obra de Winnicott (1951) pode contribuir ainda mais para o psicodiagnóstico e o uso de procedimentos projetivos. Esse autor assinala que o processo maturacional leva o self ao estabelecimento de três sentidos de realidade: subjetiva, transicional, compartilhada. A realidade subjetiva acontece na experiência de ilusão, em que o gesto do bebê cria o objeto necessitado e a mãe se coloca ali onde o bebê a criou. Esse é o momento em que o sentido de simesmo é constituído. O mundo nesse estado é continuidade do si-mesmo. A realidade transicional é denominada por Winnicott da terceira área da experiência humana. Ela é criada a partir da discriminação entre o mim e o não-mim e pela experiência da primeira possessão (objeto transicional). Aqui o fenômeno não é nem totalmente subjetivo, nem totalmente objetivo. É o campo da criação do símbolo e da posterior experiência cultural. A realidade compartilhada emerge da possibilidade da criação da externalidade, por meio da destruição do objeto subjetivo. O indivíduo reconhece o mundo objetivamente, sem que isso retire de si a experiência pessoal. A utilização dos objetos do mundo acompanha a posição em que uma pessoa se encontra no processo maturacional. Os objetos são vistos como subjetivos, intermediários ou objetivos. Ao utilizarmos em nossa prática clínica os procedimentos projetivos é preciso que tenhamos claro que serão vistos e utilizados por nossos pacientes segunda essas perspectivas. Dessa forma, as pessoas ainda tentado constituir o objeto subjetivo tenderão a usá-los como parte de si, no anseio de por meio de nossos procedimentos criar o que necessitam. Aqui a experiência de terem reconhecidas as suas angústias originárias é fundamental. A palavra chave para essa situação é: comunicação subjetiva. Na relação subjetiva com o profissional 46
4 precisam usar o procedimento de tal modo, que em um tempo subjetivo possam vir a se surpreender ao serem reconhecidas em uma comunicação com o seu psicólogo que originariamente parecia ser sem intenção. O paciente que pode estar na realidade transicional poderá também utilizar nossos procedimentos como forma de alcançar a experiência relacional que necessita. A palavra chave aqui é: jogo. É no jogo que a angústia alcança o registro simbólico que permite ao paciente dar continuidade ao seu vir-a-ser. O paciente que atingiu a realidade compartilhada usa nossos procedimentos como maneira de conseguir um outro com quem seja possível dialogar as suas questões fundamentais. Aqui a palavra chave é: interlocução. Os três sentidos de realidade nos auxiliam, também, a compreendermos de maneira mais acurada os processos pelos quais os pacientes se aproximam dos testes psicológicos. O primeiro tipo de paciente, o que vive na realidade subjetiva, tem uma aproximação estética dos testes projetivos. Não se trata de um processo projetivo, como freqüentemente se pensa, mas sim estéticos. A apreensão estética tem qualidade eminentemente subjetiva: o paciente é afetado pelos procedimentos. Na experiência estética não há sujeito e objeto, há um único ser. As produções apresentadas tendem a aparecer como imagens de self. Os pacientes que conseguem viver na terceira área da experiência têm frente ao estímulo oferecido uma apercepção. Há nesse caso uma visão criativa e pessoal do que lhe é apresentado. Está implícito nesse processo de apreensão do objeto a experiência de jogo. As produções apresentadas aparecem como objetos apresentativos, nos quais surgem aspectos fundamentais da biografia do paciente, em suas perspectivas passadas e pelo anseio do futuro. Os pacientes que alcançaram a realidade compartilhada vêem o estímulo como objeto cultural e projetam nos estímulos oferecidos suas problemáticas pessoais. Há nesse processo de projeção uma ação psíquica que visa o encontro do outro como alteridade. No diálogo assim estabelecido emerge o estilo do self do paciente. Com a evolução do self os três sentidos de realidade estão sob o domínio do ego, sob a criatividade do indivíduo. Isto possibilita que ele possa trafegar entre essas realidades sem prejuízo ao seu self. 47
5 Temos pela compreensão desses três sentidos de realidade a possibilidade não só de diagnosticarmos os estados de self do paciente, mas também de intervirmos terapeuticamente nesse processo. A não discriminação desses elementos levam-nos a tomar qualquer relação com os testes como projetivos o que obscurece o trabalho pretendido. Abstract The author approaches the projective tests thru the view of the Psychoanalysis of the self. Presents a brief historical contextualization of the appearance of the projective tests. The ai, is to stress Winnicott s contribution on the three reality sense, subjective, transicional, shared, for studying the projective tests. Describes the aesthetical phenomena, aperceptive and projective related to each one of the reality sense. Key Words Psychoanalysis, Winnicott, Play, Subjective Communication, Interlocution. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS WINNICOTT, D. W. (1951). Objetos e fenômenos transicionais. In: Textos selecionados. da pediatria à psicanálise. Trad. Jane Russo. 4..ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves,
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