Repensando a educação inclusiva Prof.ª Lísia Regina Ferreira Michels Dra em Psicologia da Educação (PUC- SP) Docente da UNIVALI
Percurso histórico: da segregação à inclusão As raízes históricas e culturais do fenômeno da deficiência (diferença) foram marcadas por forte rejeição, discriminação e preconceito. A literatura da Roma Antiga relata que, as crianças com deficiência até o início da era cristã, foram afogadas por terem sido consideradas anormais.
A segregação Na Idade Média as pessoas com deficiência, transtorno mental e criminosos, foram consideradas possuídos pelo demônio, sendo excluídos do convívio social. No Renascimento esse grupo passou a ser considerado doente. A Educação Especial foi construída de forma segregada e excludente; marcada pelo caráter assistencialista: custódia e institucionalização
As primeiras iniciativas educacionais * 1620 - Escolas especiais para surdos- França 1784 - Instituto Real de Cegos, França 1854 - Imperial Instituto de Meninos Cegos 1857 - Instituto Imperial de Educação de Surdos 1954 1a APAE no Rio de Janeiro 1955 2a APAE em Brusque
A história da Educação Especial Início no séc. XVI médicos e pedagogos desafiaram os conceitos da época e passaram a educar seus alunos, sob tutoria A educação formal era direito de poucos e a Educação Especial foi crescendo como um sistema paralelo ao sistema educacional geral
Movimentos sociais Os movimentos sociais pelos direitos humanos,na década de 60, sensibilizaram a sociedade para os prejuízos da segregação de grupos minoritários (Mendes, 2006)
Origem das classes especiais A incapacidade da escola em lidar com todos os alunos da classe regular, deu origem às classes especiais Prevaleceu a crença de que os alunos seriam melhor atendidos em suas necessidades educacionais em ambientes separados
Movimento de integração A partir de 1970 as escolas passaram a aceitar alunos com deficiência em classe comum Deno (1970) propôs o sistema em cascata, nos EUA: 1- classe comum, com ou sem apoio 2- classe comum + serviços suplementares 3- classe especial em tempo parcial 4- classe especial em tempo integral 5- escolas especiais 6- lares 7- ambientes hospitalares ou instituições residenciais
Movimento de integração O sistema de integração escolar tinha como possibilidade a mudança de nível para o aluno, buscando um grau maior de integração escolar, com base nas potencialidades e no progresso do aluno (Mendes, 2006)
Inclusão escolar X Inclusão total Década de 90 O objetivo da escola é auxiliar o aluno a dominar habilidades e conhecimentos necessários para a vida futura, dentro e fora da escola O objetivo da escola é fortalecer as habilidades de socialização e romper os estereótipos
Inclusão escolar X Inclusão total Manutenção do contínuo de serviços desde a classe comum até os serviços hospitalares Atendimento da clientela somente na classe comum
Inclusão escolar X Inclusão total A capacidade de mudança da classe comum é finita e não será adequada a todas as crianças Possibilidade de reinventar a escola e acomodar todas as dimensões da espécie humana
Resolução 112/2006 Conselho Estadual de Educação - SC Art. 1º A Educação Especial integra o Sistema Estadual de Educação de Santa de Catarina, caracterizada como modalidade que demanda um conjunto de procedimentos e recursos específicos que visam ao ensino, à prevenção, à reabilitação e à profissionalização da pessoa com deficiência, condutas típicas e altas habilidades.
Resolução 122/2006 - CED Art. 6º O Sistema Estadual de Educação deve garantir adequações curriculares para contemplar a diversidade, promovendo o acesso e permanência com qualidade dos educandos na rede regular de ensino e estas adequações curriculares devem constar do projeto político pedagógico das unidades escolares.
Resolução 122/2006 - CED 1º. As adequações curriculares envolvem a utilização de recursos especializados, flexibilização das metodologias de ensino, dos planejamentos, da organização didática para atender a diversidade de todos os educandos. 2º. As adequações curriculares quanto à temporalidade, avaliação e terminalidade para serem efetivadas pelas unidades escolares do Sistema Estadual de Educação dependem de legislação específica e parecer técnico da Secretaria de Estado da Educação, Ciência e Tecnologia e da Fundação Catarinense de Educação Especial
Res.112/2006 - CED Terminalidade Específica as escolas devem assegurar a terminalidade específica, para os educandos que em virtude de suas deficiências ou transtornos não puderem atingir os níveis exigidos. Aplica-se a terminalidade específica para os educandos, mediante certificação, com relato descritivo das competências desenvolvidas durante sua permanência na educação básica, registradas no histórico escolar, para os que atingirem: a) 15 anos de idade para os anos iniciais do ensino fundamental; b) 18 anos de idade para os anos finais do ensino fundamental; c) 21 anos de idade para o ensino médio.
É importante refletirmos sobre o que é inclusão: -acolhimento da diversidade humana.
A escola inclusiva Valoriza os alunos em suas peculiaridades étnicas, de gênero e cultura. Pressupõe que todos os sujeitos são capazes de aprender Valoriza aprendizagem significativa. a Mobiliza a rede de apoio. Investe trabalho cooperativo. no
Fundamentos do Ensino Inclusivo (Stainback & Stainback,1999): - Benefícios para todos os alunos. - Atitudes positivas. - Ganhos nas habilidades acadêmicas e sociais. - Preparação para a vida na comunidade.
Fundamentos do Ensino Inclusivo -Benefícios para os professores: aquisição de novas - habilidades, colaboração e apoio dos colegas, capacitação. - Evitar os efeitos prejudiciais da exclusão. - Benefício para a sociedade: equidade de oportunidades
Elementos para criação de comunidades de ensino inclusivo Definição de uma política institucional Projeto Pedagógico Institucional e um plano estratégico. Desenvolver redes de apoio. Adotar abordagens de ensino efetivas. Desenvolver uma assistência técnica organizada e contínua.
Assistência técnica deve incluir: Funcionários especializados dentro e fora da escola, para atuarem como consultores e facilitadores. Biblioteca acessível e atualizada, que enfoque práticas de educação inclusiva recomendadas. Plano abrangente de formação continuada. Oportunidades para os educadores planejarem novas estratégias em conjunto.
Desafios para o profissional de Educação Oferecer um ambiente de desenvolvimento adequado para todos os alunos que escolherem esta modalidade de ensino. Desenvolver um trabalho em colaboração com seus pares.
Dilemas da escola inclusiva 1- Currículo comum para os alunos? Será que um aluno com graves problemas de aprendizagem deve aprender os mesmos conteúdos ou conteúdos diferentes dos seus colegas?
Dilemas da escola inclusiva - O currículo comum deve ser adequado ao contexto social e cultural da comunidade. - O currículo aberto à diversidade se apresenta a todos os alunos, para que todos aprendam quem são os outros, acrescentando-se a sensibilidade para as diferenças que fazem parte da escola.
Dilemas da escola inclusiva 2- A identificação A identificação dos alunos com necessidades educacionais especiais ajudaos ou marca-os negativamente? A deficiência nunca passa em brancas nuvens (Lígia Amaral)
Dilemas da escola inclusiva 3- Pais- profissionais No momento das decisões tomadas quem têm maior influência?
Dilemas da escola inclusiva 4- Inclusão e aprendizagem Uma criança com sérios problemas de aprendizagem aprende mais na classe regular ou na classe especial com mais apoios?
Desafios para o profissional de Educação A mudança de paradigma não é tarefa simples É necessário enfrentar as tensões quando tentamos mudar o que está estabelecido As tensões se produzem em todos os níveis da escola: pessoal, organizacional, técnico e micropolítico (Rodrigues, 2001).
Desafios atuais 1- Dificuldade de analisar criticamente diferentes realidades 2- Necessidade de superação de entendimentos estereotipados sobre o processo de construção do conhecimento da pessoa inserida em seu contexto social e cultural
Desafios atuais 1- Analisar criticamente diferentes realidades 2- Necessidade de superação de entendimentos estereotipados sobre o processo de construção do conhecimento da pessoa inserida em seu contexto social e cultural
Desafios atuais 3- Incorporar o significado da pesquisa como condição para uma ação mais produtiva, propondo respostas criativas e medidas eficazes para a superação dos processos de exclusão educacional, social e laboral
Desafios atuais 4- Ampliar os domínios de ação do professor, da sala de aula para a comunidade ampliada 5- Maior articulação do conhecimento sistematizado para analisar e compreender situações presentes no cotidiano dos alunos com ou sem necessidades educacionais especiais
Desafios atuais 6- A escola, principalmente a escola pública brasileira, têm um papel fundamental na produção e disseminação do patrimônio cultural da humanidade
Desafios 7- Ensinar implica outras dimensões, além da dimensão técnica: - dimensões afetivas - dimensões cognitivas, - dimensões éticas e de desempenho
XIII Congresso Estadual das APAEs IV Fórum de Autodefensores EDUCAÇÃO INCLUSIVA: os caminhos e os desafios do ensino da linguagem escrita. Dra: Lísia Regina Ferreira Michels
1. Problema de Pesquisa Para defender, com propriedade a inclusão de crianças com Síndrome de Down no ensino regular, é preciso assegurar que elas possam, efetivamente, tirar proveito dessa experiência. Nossa questão de pesquisa foi assim formulada: Crianças com Síndrome de Down conseguem demonstrar progressos na apropriação da escrita em uma turma no início do ensino fundamental? Se sim, como?
2. Relevância social e científica Este estudo apresenta uma contribuição importante para a área da Psicologia da Educação, pois evidencia os processos que estão envolvidos na educação inclusiva. Este estudo poderá subsidiar a elaboração de programas de formação de professores no ensino regular, no sentido de colaborar com a construção de escolas que assegurem sucesso escolar para todos os alunos.
3. Referencial Teórico Fundamentos da Educação Inclusiva. A abordagem histórico-cultural. A apropriação da escrita na perspectiva históricocultural.
Fundamentos da Educação Inclusiva Respeito a diversidade humana. Benefícios para todos os envolvidos no ensino inclusivo. Aprendizagem por meio da cooperação entre pares. Trabalho em equipe colaborativa de profissionais (Stainback & Stainback,1999; Pacheco et al, 2007).
A abordagem histórico-cultural As idéias de Vygotsky apresentam a base de uma abordagem importante para a compreensão de uma questão atual relativa a educação inclusiva. A tese central da defectologia, defendida por A tese central da defectologia, defendida por Vygotsky (1997), considera que todo defeito cria os estímulos para elaborar uma compensação.
A linguagem escrita na perspectiva histórico-culturalcultural A escrita deve ser necessária no cotidiano da criança. A linguagem escrita exige um alto grau de A linguagem escrita exige um alto grau de abstração, pois é uma comunicação com um interlocutor ausente (Vygotsky, 1993).
A linguagem escrita para o sujeito começa sendo um simbolismo de segunda ordem, para somente depois, gradualmente, tornar-se um simbolismo de primeira ordem, referindo diretamente à realidade, sem a mediação da fala (Vygotsky, 1998).
4. Método Foi realizado um estudo qualitativo, por meio do estudo de um caso, em uma escola privada de Santa Catarina. Participantes: uma crianca com Síndrome de Down e sua rede de apoio.
Coleta de dados: análise documental, observações sistemáticas em sala, entrevistas, análise dos materiais escritos pela criança no 2 ano e 3 ano do, análise das avaliações bimestrais realizadas pelas professoras.
5.Análise dos dados Sujeito: Marcos ingressou no ensino fundamental com 09 anos de idade. A família de Marcos participa ativamente da sua vida escolar, incentivando o desenvolvimento de suas possibilidades. A escola tem um corpo docente qualificado. e técnico
Categorias de análise O aluno realiza cópia sem qualquer significado; O aluno escreve com ajuda de um adulto; O aluno escreve sozinho.
Primeiro momento: o aluno realiza cópia sem qualquer significado No início do 2 ano, Marcos negava-se a participar das atividades, que eram planejadas e intencionais, para serem trabalhadas por toda a classe. Marcos copia com um adulto segurando em sua mão. O apoio a Marcos era extensivo, havia muita interferência das pessoas, para que o menino realizasse a tarefa escolar.
Segundo momento: o aluno escreve com o apoio do adulto. No segundo semestre do 2 ano, Marcos demonstrava certo interesse pelas atividades, que passaram a ser adaptadas e acessíveis para o aluno. O grupo de apoio passou a questionar se o método adotado para alfabetizar o grupo de alunos, era realmente eficaz para Marcos. A partir do mês de agosto, a professora adotou o método analítico-sintético para alfabetizar Marcos. Ela apresentava uma palavra significativa para o aluno, para que ele aprendesse as sílabas, famílias silábicas correspondentes, e associações entre sons e letras/sílabas.
Segundo momento Diferentes atividades foram desenvolvidas para apoiar Marcos na escrita: - escrita com o alfabeto móvel - cópia de palavras do alfabeto móvel no caderno - recortes de figuras, letras e palavras em revistas - escrita espontânea,cópias, ditados As atividades foram mediadas por um adulto, que soletrava as sílabas, e, a partir delas, Marcos as escrevia. Marcos passou a identificar segmentos sonoros e compreender que palavras diferentes podem compartilhar o mesmo som.
Segundo momento. A professora estava preocupada com o processo de aquisição do código de representação escrita. Sua mediação baseava-se em uma concepção da língua escrita enquanto código, ou seja, enquanto simbolismo de segunda ordem. A linguagem escrita era apresentada a Marcos como uma tarefa escolar. O ensino não era organizado fazendo com que a escrita fosse necessária a Marcos.
Terceiro momento: o aluno realiza a atividade sozinho. Marcos ingressa no 3o ano. O grupo de apoio escolheu uma professora alfabetizadora, para assumir o grupo, com base na experiência de sucesso, em anos anteriores, na educação inclusiva. A professora deu continuidade ao método analítico-sintético, adotado pela professora do 2o ano. O grupo de apoio já não se reunia sistematicamente, como no ano anterior. O grupo delegou a professora a tarefa de assumir, sozinha, o planejamento dos estudos do menino.
Terceiro momento A professora sistematizou o trabalho com as famílias silábicas, por meio de uma cartilha, que constavam nomes significativos para Marcos. Esta estratégia foi importante para apoiar Marcos, no sentido de ajudá-lo a associar e consolidar a conexão entre as imagens ortográficas das silabas e os sons correspondentes. Marcos começou a formar e reconhecer palavras novas. A escrita ainda se apresentava ao aluno como uma tarefa escolar; Eram escassos os momentos em que a escrita era apresentada como uma necessidade da vida cotidiana: na forma de cartas, bilhetes
Terceiro momento O grupo de apoio traçou uma importante meta para Marcos: a sua efetiva participação na sala de aula, como membro do grupo de alunos. Uma mudança significativa foi percebida no campo das interações sociais. Marcos percebia a importância de participar em atividades no grupo. Mediante o auxílio dos adultos e dos colegas de classe, foi possível construir um contexto compartilhado de interações que, em conjunto, promoveram o desenvolvimento das funções psicológicas superiores de Marcos.
Terceiro momento Quando a escrita passou a fazer sentido para o aluno, foi possível notar seu interesse pela escrita e como dela fazia o uso social. Marcos passou a pedir seu lanche, sozinho, na lanchonete da escola, utilizava a ficha para escrever o seu nome ao lado do pedido. Marcos passou a usar a escrita para interagir com o outro, como uma ferramenta necessária em seu cotidiano. Marcos se transformou em um ator social.
Considerações finais A educação de alunos com Síndrome de Down, deve seguir um modelo que respeite a diversidade cognitiva e cultural. A ação educativa deve ser, para todos os alunos, A ação educativa deve ser, para todos os alunos, com ou sem deficiência, intencionalmente planejada para desenvolver as funções psicológicas superiores.
Considerações Finais Buckley e colaboradores (1993, citado por Bissoto, 2005) sugerem alguns cuidados cotidianos a serem tomados na interação com os alunos com Síndrome de Down, para impulsionar seu processo de aprendizagem e de desenvolvimento: a) apoiar a fala e as instruções dadas em sinais e símbolos gráficos b) falar clara e descritivamente, ao narrar ações e situações enfocadas, evitando, sempre, o excesso de palavras.
Considerações Finais Esses dois cuidados minimizam as dificuldades causadas pela memória de curto-prazo que, nas pessoas com Síndrome de Down, apresenta-se disponível por um período mais breve. Para os educadores, pais e pesquisadores, esse é um dado importante, porque traz implicações práticas para a aprendizagem e o desenvolvimento destes alunos.
Marcos avançou no conhecimento da linguagem escrita, pois: conseguiu, fazendo uso do código alfabético de representação da língua escrita, grafar palavras conhecidas; formou, por meio de memorização ortográfica, um vocabulário de palavras, que era capaz de reproduzir com bastante segurança; conseguiu memorizar alguns segmentos silábicos, reconhecendo-os e reproduzindo-os em outras palavras;
requeria auxílio apenas quando escrevia palavras novas (não memorizadas), para segmentar as sílabas; esse apoio era dispensado quando o aluno escrevia palavras conhecidas; utilizava pistas grafo-fonéticas, ou seja, o conhecimento que tinha sobre as correspondências entre sons e sílabas, de modo a memorizar as imagens ortográficas das palavras, reconhecendo-as e reproduzindo-as quando o modelo não se encontrava disponível;
passou a atribuir significado à escrita, que ganhou importância em seu cotidiano; conhecia a função social da escrita, utilizando-a como uma ferramenta para interagir com o outro; conseguia avaliar seu desempenho e perceber que estava realizando atividades em grupo.
MUITO OBRIGADA! Contatos: Lísia Regina Ferreira Michels e-mail: lisia@univali.br Fone: (47) 8414-4661