Tempo decorrido entre o primeiro contato com a unidade de nefrologia e o início da diálise em pacientes com insuficiência renal crônica

Documentos relacionados
Encaminhamento do paciente com Doença Renal Crônica ao nefrologista

Perfil Epidemiológico de Pacientes Portadores de Doença Renal Crônica Terminal em Programa de Hemodiálise em Clínica de Santa Cruz do Sul - RS

DESAFIOS DA TRS NO BRASIL OU DOENÇA RENAL CRÔNICA : É MELHOR PREVENIR

Por que um curso para a área de Nefrologia? Doença Renal Crônica. Frequente e grave, mas também prevenível e tratável...

Glomerulonefrite Membranosa Idiopática: um estudo de caso

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANSMISSIVEIS. Doenças Renais Parte 1. Profª. Tatiane da Silva Campos

AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL EM DIABÉTICOS ADULTOS*

Prevenção Secundária da Doença Renal Crônica Modelo Público

CENSO DE DIÁLISE SBN 2013

RESUMOS APROVADOS. Os trabalhos serão expostos no dia 23/11/2011, no período das 17h às 19h;

Diagnóstico e tratamento tardios da insuficiência renal crônica terminal

Custo-efetividade do Tratamento da Anemia em Pacientes Renais em Terapia Renal Substitutiva no Brasil.

ANEXO I Procedimentos incluídos na Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS para o tratamento da Doença Renal Crônica

FREQUÊNCIA ALIMENTAR DE PACIENTES PORTADORES DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNIA EM TRATAMENTO DE HEMODIÁLISE NO INSTITUTO PRÓ VIDA RENAL, LONDRINA-PR

Doença Renal Crônica no Brasil. Epidemia Silenciosa

Encaminhamento tardio ao nefrologista e a associação com mortalidade em pacientes em hemodiálise

Insuficiência Renal Crônica

Atividade, Gravidade e Prognóstico de pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico antes, durante e após prima internação

Acessos Vasculares Definitivos para Hemodiálise : *Abordagem Multidisciplinar*

Insuficiência renal aguda em hospital ensino Acute renal failure in teaching hospital

PEDIDO DE CREDENCIAMENTO DO SEGUNDO ANO NA ÁREA DE ATUAÇÃO NEFROLOGIA PEDIÁTRICA

EFEITOS DA TOXINA DA CARAMBOLA EM INDIVÍDUOS COM DOENÇA RENAL E EM TRATAMENTO DIALITICO

TÍTULO: AVALIAÇÃO DOS NÍVEIS SÉRICOS DE GLICOSE EM INDIVÍDUOS COM DIABETES MELLITUS E CREATININA E UREIA EM INDIVÍDUOS NEFROPATAS.

Resultados do Censo de Diálise da SBN, 2007 Dialysis Census Results from the Brazilian Society of Nephrology

Introdução: O transplante renal é a melhor forma de substituição da função. renal em termos de esperança de vida e qualidade de vida.

Doença com grande impacto no sistema de saúde

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANSMISSIVEIS. Doenças Renais Parte 4. Profª. Tatiane da Silva Campos

DIA MUNDIAL DO RIM 13 DE MARÇO DE 2014-FORTALEZA, CE 1 EM 10. O RIM ENVELHECE, ASSIM COMO NÓS

NÚCLEO INTERDISCIPLINAR DE TRATAMENTO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA

ATENÇÃO FARMACÊUTICA À POPULAÇÃO DE MUNICÍPIOS PARAENSE COMO ESTRATÉGIA DE PREVENÇÃO DO DIABETES, HIPERTENSÃO ARTERIAL E DA DOENÇA RENAL CRÔNICA

IMPORTÂNCIA DOS MARCADORES SÉRICOS NO ESTADIAMENTO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA

Prevalência de casos de insuficiência renal crônica (irc) atendidos pelo serviço de atendimento móvel de urgência de rio verde, goiás

49(2) In Memoriam. Educação Médica/Medical Education. Editorial/Editorial. Estudos de Caso/Case Reports. Artigos Originais/Original Articles

Artigo Original TRATAMENTO DO CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO NO IDOSO ACIMA DE 80 ANOS

COMPLICAÇÕES RENAIS NO TRANSPLANTE HEPÁTICO

Profa Dra Rachel Breg

Departamento de Nefrologia do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade de São Paulo (USP) RESUMO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE MEDICINA

Análise de sobrevida do diabético em centro brasileiro de diálise Survival analysis among diabetic patients on hemodialysis in Brazil

INDICADORES BIOQUÍMICOS DA FUNÇÃO RENAL EM IDOSOS

Detecção precoce de sepse e segurança do paciente. O que fazer? Flavia Machado

PREVALÊNCIA DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA EM PACIENTES DIABETICOS EM UM LABORATORIO CLÍNICO EM CAMPINA GRANDE

Tema: Informações técnicas sobre o CINACALCET (Mimpara ) para pacientes em tratamento dialítico

Censo Brasileiro de Diálise, 2009

Artigo Original TUMORES DO PALATO DURO: ANÁLISE DE 130 CASOS HARD PALATE TUMORS: ANALISYS OF 130 CASES ANTONIO AZOUBEL ANTUNES 2

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE

FÍSTULAS ARTERIOVENOSAS NÃO PRIMÁRIAS PARA HEMODIÁLISE RELATO DE SÉRIE DE CASOS

Transplante de pâncreas

FATORES DE RISCO CARDIOVASCULARES: COMPARAÇÃO ENTRE OS SEXOS EM PACIENTES TRANSPLANTADOS RENAIS 1

ESTUDO DA INFLAMAÇÃO ATRAVÉS DA VIA DE EXPRESSÃO GÊNICA DA GLUTATIONA PEROXIDASE EM PACIENTES RENAIS CRÔNICOS

DRC: um multiplicador do risco cardiovascular. Roberto Pecoits-Filho

INFLUÊNCIA DO USO DE VENTILAÇÃO MECÂNICA INVASIVA SOBRE A TAXA DE MORTALIDADE DE IDOSOS COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

Mariângela Leal Cherchiglia. Juliana Alvares Alessandra Almeida Maciel Francisco de Assis Acúrcio Eli Iola Gurgel Andrade

Anemia da Doença Renal Crônica

RESUMO SEPSE PARA SOCESP INTRODUÇÃO

REVISTAINSPIRAR movimento & saúde

Higor Felipe Cesar Ramalho da Silva¹; Cristianne da Silva Alexandre.²

Relatório do Censo Brasileiro de Diálise, 2008 Brazilian Dialysis Census Report, 2008

NÚMERO: 008/2011 DATA: 31/01/2011 Diagnóstico Sistemático da Nefropatia Diabética

ATIVAÇÃO ENDOTELIAL EM PACIENTES PEDIÁTRICOS COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

Relatório do censo brasileiro de diálise de 2010

1. Legislação em vigor sobre acessibilidade aos cuidados de saúde. Portaria n.º 95/2013. D.R. n.º 44, Série I de

Inquérito Brasileiro de Diálise Crônica Análise das tendências entre 2011 e 2013

CENSO DE DIÁLISE SBN 2011

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CAMPUS DE SOBRAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE DA FAMÍLIA PAULO HENRIQUE ALEXANDRE DE PAULA

I. RESUMO TROMBOEMBOLISMO VENOSO APÓS O TRANSPLANTE PULMONAR EM ADULTOS: UM EVENTO FREQUENTE E ASSOCIADO A UMA SOBREVIDA REDUZIDA.

EPIDEMIOLOGIA DA DOENÇA RENAL CRÔNICA TERMINAL NO DISTRITO FEDERAL: EXPERIÊNCIA DO HOSPITAL REGIONAL DA ASA NORTE

CONHECIMENTO DE IDOSOS SUBMETIDOS À HEMODIÁLISE QUANTO AOS CUIDADOS COM A FÍSTULA ARTERIOVENOSA

1. Estratificação de risco clínico (cardiovascular global) para Hipertensão Arterial Sistêmica

Aproximadamente metade das crianças com dislipidemia carregará essa. Quando Devemos Pesquisar Dislipidemia em Crianças?

Análise dos Critérios de Encaminhamento de Pacientes da Atenção Básica a um Serviço de Nefrologia de um Hospital Público do Distrito Federal

Como redigir artigos científicos QUINTA AULA 03/10/11. Primeiro passo. Revisão da literatura. Terceiro passo. Segundo passo

Comparação de biópsia renal guiada ou não por ultrassom em transplantados renais

DIÁLISE NO BRASIL : cenário atual e desafios. Carmen Tzanno Branco Martins PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEFROLOGIA

Doença renal crônica é um problema de saúde pública no Brasil. Emmanuel A. Burdmann Presidente da SBN

J. Health Biol Sci. 2016; 4(2):82-87 doi: / jhbs.v4i2.659.p

Relatório do Censo Brasileiro de Diálise Crônica 2012

ADEQUAÇÃO DAS ORIENTAÇÕES FARMACÊUTICAS PARA O USO CORRETO DE MEDICAMENTOS AO PERFIL DOS PACIENTES ASSISTIDOS EM CLÍNICA DE HEMODIÁLISE

28-30 MARÇO 2019 CENTRO DE CONGRESSOS DE VILAMOURA ALGARVE PORTUGAL XXXIII CONGRESSO PORTUGUÊS DE NEFROLOGIA XXXIII CONGRESSO APEDT

Avaliação da Função Renal em Idosos Atendidos na Estratégia de Saúde da Família

Diálise Crônica no Brasil - Relatório do Censo Brasileiro de Diálise, 2011

Inquérito Brasileiro de Diálise Crônica 2016

28-30 MARÇO 2019 CENTRO DE CONGRESSOS DE VILAMOURA ALGARVE PORTUGAL XXXIII CONGRESSO PORTUGUÊS DE NEFROLOGIA XXXIII CONGRESSO APEDT

Inquérito Brasileiro de Diálise Crônica 2014

Caso Clínico. (abordagem de Glomerulopatias pós-transplante)

12. CONEX Apresentação Oral Resumo Expandido 1 O CONHECIMENTO DA POPULAÇÃO FRENTE À TEMÁTICA: DOENÇA RENAL CRÔNICA

Pró-Reitoria Acadêmica Escola de Saúde e Medicina Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Gerontologia

ESCLEROSE AMIOTRÓFICA LATERAL: um protocolo para assistência de enfermagem na UTI

Preditores de lesão renal aguda em doentes submetidos a implantação de prótese aórtica por via percutânea

49(2) In Memoriam. Educação Médica/Medical Education. Editorial/Editorial. Estudos de Caso/Case Reports. Artigos Originais/Original Articles

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO EM SAÚDE (Modalidade à Distância)

TALITA GANDOLFI PREVALÊNCIA DE DOENÇA RENAL CRÔNICA EM PACIENTES IDOSOS DIABÉTICOS EM UMA UNIDADE HOSPITALAR DE PORTO ALEGRE-RS

Camila Ap. Marques Faria de Melo Kíssila Brito Fiszer

Sociedade Brasileira de Nefrologia

AVALIAÇÃO DO ESCORE HOSPITAL COMO PREDITOR DE MORTALIDADE E REINTERNAÇÃO EM PACIENTES ADMITIDOS EM ENFERMARIA CLÍNICA EM UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO

Particularidades no reconhecimento da IRA, padronização da definição e classificação.

Transcrição:

Tempo decorrido entre o primeiro contato com a unidade de nefrologia e o início da diálise em pacientes com insuficiência renal crônica Flávia Gomes de Campos, Dilson Palhares Ferreira, Rodolfo Archanjo de Souza Emídio, Ana Caroline de Melo e Barros e Fábio Herbert Borges Santos RESUMO Introdução. A doença renal crônica aumenta em número de casos anualmente no Brasil, e seu custo terapêutico é sobremodo elevado. Assim, é essencial a elaboração de estratégias de prevenção e tratamento precoce para aumentar o tempo de tratamento conservador e oferecer melhor assistência àqueles com necessidade de diálise. Objetivo. Determinar o intervalo entre a primeira consulta em unidade de nefrologia e o início da terapia dialítica em pacientes com insuficiência renal crônica. Método. Estudo descritivo retrospectivo cujas informações foram obtidas por revisão em prontuários de pacientes sob diálise na Unidade de Nefrologia do Hospital Regional de Sobradinho da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal durante o mês de agosto de 2011. Foram identificados 65 prontuários. Nove deles não foram analisados por inconsistência de dados, informações incompletas ou de baixa confiabilidade. Resultados. Dos 56 pacientes do estudo, 52% com início de diálise nos primeiros trinta dias após a primeira consulta com a nefrologia, 16% nos primeiros seis meses, 4% de seis a doze meses e 29% após um ano de contato com a nefrologia e seu diagnóstico de doença renal crônica. Do total, 50% foram do sexo masculino, 87,5% em idade produtiva (extremos 18 e 64 anos) e 84% em hemodiálise. Na ocasião da primeira consulta com o nefrologista, 60% dos pacientes tinham filtração glomerular inferior a 15 ml/min/1,73m 2, 33%, de 15 a 29 ml/ min/1,73m 2 e, 7%, de 30 a 59 ml/min/1,73m 2. Flávia Gomes de Campos médica assistente, Unidade de Clínica Médica, Hospital Regional de Sobradinho, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Dilson Palhares Ferreira médico-residente em Nefrologia, Hospital Rodolfo Archanjo de Souza Emídio médico nefrologista, preceptor e supervisor do programa de residência médica em Nefrologia, Hospital Ana Caroline de Melo e Barros médica-residente em Nefrologia, Hospital Regional de Sobradinho, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Fábio Herbert Borges Santos médico-residente em Nefrologia, Hospital Correspondência: Flávia Gomes de Campos. SQN 209, bloco G, ap. 408, Asa Norte, CEP 70.854-070, Brasília, DF. Internet: flah.campos@gmail.com Recebido em 16-11-2011. Aceito em 30-5-2012. Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses. 82 Brasília Med 2012;49(2):82-86

Flávia Gomes de Campos e cols. Insuficiência renal crônica Conclusão. A maioria dos pacientes teve início da diálise em curto espaço de tempo após o diagnóstico da doença renal crônica. Viabilizar o encaminhamento precoce ao especialista é fundamental para a prevenção da doença renal crônica ou para seu tratamento precoce se inevitável. Palavras-chave. Insuficiência renal crônica; diálise; diagnóstico; tratamento. ABSTRACT Elapsed period from the first contact with the nephrology service and the start of dialysis treatment on patients with chronic renal disease Introduction. Chronic kidney disease increases each year in Brazil and it has high treatment costs. Therefore, it is essential to elaborate strategies of disease prevention and early diagnosis for a longer period of conservative treatment and to offer better assistance to dialysis patients. Objective. To determine the interval between the first contact with the nephrology service and the start of dialysis treatment on chronic kidney disease patients. Method. This was a retrospective, descriptive study. Data were obtained after reviewing the medical records of patients undergoing treatment in August, 2011 at Hospital de Sobradinho, Health Secretariat of the Federal District of Brazil. A total of sixty-five records were identified; nine were discarded due to inconsistent or incomplete data or lack of information or reliability. Results. After reviewing all the patients medical records (n = 56), we observed that 52% had initiated dialysis treatment within the first thirty days, 16% had done it within the first six months, 4% from 6 to 12 months and 29% a year after their first contact with the nephrology service and the diagnosis of chronic renal disease. Half of the patients were male, 87.5% were economically active (from 18 to 64 years old) and 84% were undergoing hemodialysis treatment. We also analyzed the glomerular filtration rate in the first appointment: in 60% of patients, the rate was below 15 ml/min/1.73m 2 ; in 33%, it ranged from 15 to 29 ml/min/1.73m 2 ; in 7%, it ranged from 30 to 59 ml/min/1.73m 2. Conclusion. Most patients undergoing dialysis treatment had initiated treatment soon after being diagnosed as chronic kidney disease patients. Early diagnosis and subsequent follow-up with the nephrologist are essential to prevent chronic kidney disease or to treat it as soon as possible, if needed. Key words. Cronic kidney disease; dialysis; diagnosis; treatment INTRODUÇÃO A doença renal crônica consiste em lesão renal com perda progressiva e irreversível da função glomerular, tubular e endócrina dos rins. Em sua fase mais avançada, denominada fase terminal de insuficiência renal crônica, os rins não conseguem mais manter a normalidade do meio interno do paciente. 1 A doença renal crônica aumenta anualmente com impacto em morbidade e mortalidade no Brasil. Apresenta causas variadas como hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, glomerulopatias, doença renal policística, obstrução do trato urinário, infecções, intoxicações medicamentosas, distúrbios vasculares e causas indefinidas. No Brasil, a hipertensão arterial sistêmica, o diabetes mellitus e a glomerulonefrite crônica são as principais causas de insuficiência renal crônica dialítica e respondem por 75% das origens de doença renal crônica estádio V.² O contato precoce do paciente renal crônico com o especialista possibilita tratamento precoce, prorroga o tempo de tratamento conservador e reduz os custos com a terapia renal substitutiva. O objetivo do estudo foi determinar o tempo decorrido desde o início da diálise até o primeiro contato com uma unidade de nefrologia de pacientes com insuficiência renal crônica atendidos em hospital público do Distrito Federal. Brasília Med 2012;49(2):82-86 83

MÉTODO Trata-se de estudo descritivo retrospectivo em que as informações foram adquiridas em prontuários de pacientes em diálise na Unidade de Nefrologia do Hospital Regional de Sobradinho da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal durante o mês de agosto de 2011. Do total de 65 pacientes em diálise, nove foram excluídos do estudo por não constarem informações completas no prontuário ou por haver inconsistência de dados ou baixa confiabilidade na informação prestada. O termo de consentimento livre e esclarecido foi dispensado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. RESULTADOS Dos 56 pacientes que tiveram seus prontuários revisados, 52% tiveram início da diálise nos primeiros trinta dias após o primeiro contato com a unidade de nefrologia, 16%, nos primeiros seis meses, 4%, de seis a doze meses, e 29%, após um ano de contato com a nefrologia e seu diagnóstico de doença renal crônica (v. figura). Não houve diferença na frequência quanto ao sexo; 87,5% estavam em idade produtiva (de 18 a 64 anos de idade) e 12,5% tinham 65 anos ou mais; 84% faziam tratamento de hemodiálise e os outros 16% estavam em programa de diálise peritoneal. As causas da doença renal crônica foram: hipertensão arterial sistêmica (38%), diabetes mellitus (14%), glomerulonefrite crônica (4%), outras (23%), não identificada (21%). O ritmo de filtração glomerular na primeira consulta foi assim distribuído: inferior a 15 ml/min/1,73m 2 em 60% dos pacientes, de 15 a 29 ml/min/1,73m 2 em 33% deles e de 30 a 59 ml/min/1,73m 2 em 7% dos doentes. 60 52% 50 40 Percentagem 30 20 10 0 16% 11% 9% 7% 4% 2% <1 1-6 6-12 12-24 24-36 36-48 >48 Meses Figura. Distribuição da amostra quanto ao tempo decorrido desde o primeiro contato com a Unidade de Nefrologia do Hospital Regional de Sobradinho até o início da diálise de pacientes com insuficiência renal crônica 84 Brasília Med 2012;49(2):82-86

Flávia Gomes de Campos e cols. Insuficiência renal crônica DISCUSSÃO Pouco mais da metade dos pacientes teve início da diálise nos primeiros trinta dias após seu contato com o serviço de nefrologia e consequente diagnóstico de doença renal crônica. O encaminhamento tardio ou a dificuldade de acesso ao especialista, bem como a própria falta de esclarecimento do paciente sobre sua doença podem ter contribuído para esse resultado. A busca pelo especialista em estádios avançados da doença renal crônica, com necessidade de tratamento dialítico após curto período de acompanhamento especializado, é preocupante. 3,4 Por outro lado, não há consenso sobre em qual estádio de insuficiência renal crônica deve-se encaminhar o paciente ao serviço de nefrologia. 5 Na diretriz brasileira de doença renal crônica, 6 a orientação é encaminhamento para o nefrologista quando o paciente tiver filtração glomerular menor que 30 ml/min ou mais precocemente, caso haja fator de risco para descompensação da doença renal crônica, ou seja, estádio IV de doença renal crônica. Recomendação semelhante é feita no Reino Unido, em que é preconizado encaminhamento precoce do doente ao nefrologista para possibilitar o adequado preparo à terapia renal substitutiva por acesso vascular definitivo. 7 Wei e colaboradores 8 mostraram que a percentagem de pacientes que iniciaram diálise com acesso vascular do tipo fístula arteriovenosa, sem inserção de cateter duplo lúmen e sem hospitalização, foram 57,7%, 50,7% e 40,8% respectivamente no grupo com encaminhamento precoce ao nefrologista, e 37,7%, 29% e 18,8% respectivamente no grupo com encaminhamento tardio. Foi observado que o custo médio do tratamento por doente no início da diálise é significativamente menor naqueles encaminhados precocemente ao especialista (US$942 ± 1,941) comparados com aqueles de encaminhamento tardio (US$2,410 ± 2,481). Este resultado se deu pela preparação antecipada do acesso vascular e pela não necessidade de hospitalização no início de diálise. 8 Quando se analisam o custo-efetividade e a qualidade de vida, o momento de encaminhamento ao nefrologista tem impacto no tratamento e no prognóstico do doente. 9 A média de anos de vida dos doentes depois do diagnóstico foi 3,53 anos para os pacientes encaminhados precocemente e 3,36 anos para aqueles com encaminhamento tardio. Os anos de vida livres de terapia renal substitutiva após o diagnóstico foram 2,18 e 1,76 anos, respectivamente, para os pacientes encaminhados precoce e tardiamente. 10 A sobrevida dos enfermos encaminhados precocemente é maior, havendo melhor controle das complicações da doença renal crônica como doenças cardiovasculares, doença mineral e óssea, anemia, hipertensão arterial sistêmica e desnutrição. 11 Pacientes com acompanhamento nefrológico tardio passaram em internação quase o dobro do tempo (41 dias) daqueles encaminhados precocemente (25 dias). 10 O encaminhamento tardio tem impacto negativo em morbidade e mortalidade. 12 Os portadores de insuficiência renal crônica tendem a chegar descompensados e a entrar precocemente em diálise. 13 Tem sido mostrado que os pacientes apresentam maior probabilidade de irem a óbito durante o primeiro ano de diálise quando do encaminhamento tardio ao nefrologista. A maior responsável, como fator independente, pela mortalidade dos pacientes encaminhados tardiamente é a urgência dialítica. 14 A necessidade do uso de cateter venoso central como acesso para hemodiálise é um preditor independente de mortalidade nos pacientes encaminhados tardiamente ao nefrologista. 15 O encaminhamento precoce ao nefrologista permite melhor planejamento da propedêutica e da terapêutica da doença, a possibilidade de decidir em conjunto com o paciente a melhor modalidade de diálise e o preparo do acesso para diálise em tempo adequado. Além disso, reduz o tempo de hospitalização e a mortalidade, propicia melhor preparo para acesso vascular, aceitação de diálise peritoneal 16,17 e maior sobrevida. 18 Em conclusão, a maioria dos pacientes em diálise neste hospital da rede pública do Distrito Federal teve início desse tratamento em curto espaço de Brasília Med 2012;49(2):82-86 85

tempo após seu primeiro contato com a unidade de nefrologia e o diagnóstico de sua doença. Esse fato permite inferir que os pacientes chegaram tardiamente ao especialista. Deve-se viabilizar encaminhamento precoce ao nefrologista e conscientizar a população sobre a importância da avaliação da função renal para prevenir a doença renal crônica, quando possível, e tratá-la precocemente, quando inevitável, para diminuir custos e reduzir a morbidade e a mortalidade. Agradecimentos. Aos pacientes da Unidade de Nefrologia do Hospital Regional de Sobradinho e ao serviço de arquivo médico do Hospital Regional de Sobradinho. REFERÊNCIAS 1. Romão Júnior JE. Doença renal crônica: definição, epidemiologia e classificação. J Bras Nefrol. 2004;26(supl. 1):1-3. 2. Censo de Diálise SBN 2010. Sociedade Brasileira de Nefrologia [Internet]. 2010 [acesso 6 nov 2011]. Disponível em: http://www. sbn.org.br/censos/censo2010fina-lizado.ppt. 3. Bastos MG, Kirsztajn GM. Chronic kidney disease: importance of early diagnosis, immediate referral and structured interdisciplinary approach to improve outcomes in patients not yet on dialysis. J Bras Nefrol. 2011;33(1):74-87. 4. Cheung CK, Bhandari S. Perspectives on egfr reporting from the interface between primary and second care. Clin J Am Soc Nephrol. 2009;4(2):258-60. 5. McClellan WM, Ramirez SP, Jurkovitz C. Screening for chronic kidney disease: unresolved issues. J Am Soc Nephrol. 2003;14(Suppl 2):S81-7. 6. Barretti P. Indicações, escolha do método e preparo do paciente para a terapia renal substitutiva (TRS) na doença renal crônica (DRC). J Bras Nefrol. 2004;26(3 supl 1):47-9. 7. The National Collaborating Centre for Chronic Conditions (UK). Chronic kidney disease: National clinical guideline for early identification and management in adults in primary and secondary care. London: Royal College of Physicians (UK); 2008 [acesso 10 out 2011]. Disponível em: www.nice.org.uk/nicemedia/ live/12069/42116/42116.pdf. 8. Wei SY, Chang YY, Mau LW, Lin MY, Chiu HC, Tsai JC et al. Chronic kidney disease care program improves quality of pre-endstage renal disease care and reduces medical costs. Nephrology (Carlton). 2010;15(1):108-15. 9. de Abreu MM, Walker DR, Sesso RC, Ferraz MB. Health-related quality of life of patients recieving hemodialysis and peritoneal dialysis in São Paulo, Brazil: a longitudinal study. Value Health. 2011;14(5 Suppl 1):S119-21. 10. McLaughlin K, Manns B, Culleton B, Donaldson C, Taub K. An economic evaluation of early versus late referral of patients with progressive renal insufficiency. Am J Kidney Dis. 2001;38(5):1122-8. 11. Raithatha A, McKane W, Kendray D, Evans C. Catheter access for hemodialysis defines higher mortality in late-presenting dialysis patients. Ren Fail. 2010;32(10):1183-8. 12. Lhotta K, Zoebl M, Mayer G, Kronenberg F. Late referral defined by renal function: associations with morbidity and mortality. J Nephrol. 2003;16(6):855-61. 13. Clark WF, Na Y, Rosansky SJ, Sontrop JM, Macnab JJ, Glassock RJ et al. Association between estimated glomerular filtration rate at initiation of dialysis and mortality. CMAJ. 2011;183(1):47-53. 14. Descamps C, Labeeuw M, Trolliet P, Cahen R, Ecochard R, Pouteil- Noble C et al. Confounding factors for early death in incident end-stage renal disease patients: role of emergency dialysis start. Hemodial Int. 2011; Jan 12. [Epub ahead of print]. 15. Herget-Rosenthal S, Quellmann T, Linden C, Hollenbeck M, Jankowski V, Kribben A. How does late nephrological co-management impact chronic kidney disease? An observational study. Int J Clin Pract. 2010;64(13):1784-92. 16. Smart NA, Titus TT. Outcomes of early versus late nephrology referral in chronic kidney disease: a systematic review. Am J Med. 2011;124:1073-80.e2. 17. Ryckelynck JP, Abbadie O, Castrale C, Lavainne F, Fakhouri F, Lobbedez T. Why and how to promote peritoneal dialysis? Presse Med. 2011;40(11):1053-8. 18. Chen SC, Hwang SJ, Tsai JC, Liu WC, Hwang SC, Chou MC et al. Early nephrology referral is associated with prolonged survival in hemodialysis patients even after exclusion of lead-time bias. Am J Med Sci. 2010;339(2):123-6. 86 Brasília Med 2012;49(2):82-86