A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO MATO GROSSO DO SUL NA DÉCADA DE 1990 Celi Corrêa Neres- UNIDERP/FMB/USP



Documentos relacionados
foram encontrados dados sobre a existência de outros serviços de atendimento em escolas de ensino regular antes da divisão do Estado.

PROJETO DE LEI N O, DE 2004

QUAL A (RE)ORIENTAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DA MODALIDADE EDUCAÇÃO ESPECIAL NO MUNICÍPIO DE ITAGUAÍ/RJ? REFLETINDO SOBRE A META 4

PROJETO DE INCLUSÃO ESCOLAR. Inclusão escolar de crianças e adolescentes com transtornos psíquicos e problemas em seu desenvolvimento.

Lara, Patrícia Tanganelli - UNESP/Marília Eixo Temático: Formação de professores na perspectiva inclusiva

11. EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Apoio à Valorização da Diversidade no Acesso e na Permanência na Universidade

ACESSIBILIDADE E DIREITOS DOS CIDADÃOS: BREVE DISCUSSÃO

Universidade Federal de Roraima Centro de Educação CEDUC Curso de Pedagogia Laboratório de Informática

Pedagogia Estácio FAMAP

Iniciando nossa conversa

Pedagogia das Diferenças: Um Olhar sobre a Inclusão

Lei nº de 04/04/2013

FACULDADE INTERNACIONAL DO DELTA PROJETO PARA INCLUSÃO SOCIAL DOS SURDOS DA FACULDADE INTERNACIONAL DO DELTA

Perfil Educacional SEADE 72

REGULAMENTO ESTÁGIO SUPERVISIONADO CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA FACULDADE DE APUCARANA FAP

Gráfico 1 Jovens matriculados no ProJovem Urbano - Edição Fatia 3;

Prefeitura Municipal de Santos

CÂMARA MUNICIPAL DE ITABORAÍ ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Indicador(es) Órgão(s) 26 - Ministério da Educação

Incentivar a comunidade escolar a construir o Projeto político Pedagógico das escolas em todos os níveis e modalidades de ensino, adequando o

1. O papel da Educação no SUS

O Sr. ÁTILA LIRA (PSB-OI) pronuncia o seguinte. discurso: Senhor Presidente, Senhoras e Senhores. Deputados, estamos no período em que se comemoram os

Art. 1º Fica modificada a redação da Seção V do Título IV da Lei Complementar nº 49, de 1º de outubro de 1998, que passa ter a seguinte redação:

Palavras-chave: Currículo. Educação Infantil. Proposta Curricular.

A EMPREGABILIDADE DOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS E SUAS IMPLICAÇÕES NA CIDADE DE LINS

EIXO II EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE: JUSTIÇA SOCIAL, INCLUSÃO E DIREITOS HUMANOS PROPOSIÇÕES E ESTRATÉGIAS

TÍTULO: AUTISMO INFANTIL: UM ESTUDO DA LEGISLAÇÃO ACERCA DA INCLUSÃO NO ENSINO REGULAR

SISTEMA DE INFORMAÇÕES GERENCIAIS Guia Rápido O que há de novo no SIG?

Carta Aberta aos Estudantes e Trabalhadores dos Cursos de Graduação a Distância em Serviço Social no Brasil

Dispõe sobre o atendimento educacional especializado aos alunos identificados com altas habilidades ou superdotados no âmbito do Município de Manaus.

Resolução nº 30/CONSUP/IFRO, de 03 de outubro de 2011.

Fornecimento de Óculos para Alunos Portadores de Deficiência Visual

Necessidade e construção de uma Base Nacional Comum

Estrutura e Funcionamento da Educação Básica. Objetivos da aula: Revisão da aula de 2 de abril. Ciências Sociais. Profa. Cristiane Gandolfi

Extensão Universitária: Mapeamento das Instituições que Fomentam Recursos para Extensão Universitária RESUMO

TEXTO RETIRADO DO REGIMENTO INTERNO DA ESCOLA APAE DE PASSOS:

REFLEXÃO A CERCA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL RESUMO

Faculdade Sagrada Família

9. EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

Aspectos a serem considerados para se reduzir os entraves ao desenvolvimento da educação a distância no Brasil

Educação ambiental na gestão das bacias hidrográficas

ESTÁGIO SUPERVISIONADO Licenciatura em Artes Visuais

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS PORTARIA Nº 693, DE 25 DE NOVEMBRO DE 2014

Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos Abril Julho/2006

SÍNDROME DE DOWN E A INCLUSÃO SOCIAL NA ESCOLA

Resumo: Palavras-chave: Biblioteca escolar. Política de Desenvolvimento de Acervo. Bibliotecários escolares. Ciência da Informação.

AIMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO CONTINUADA COLABORATIVA ENTRE PROFESSORES QUE ATUAM COM PESSOAS COM AUTISMO.

A CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO D E C R E T A

EIXO V 348. Gestão Democrática, Participação Popular e Controle Social 349. A articulação e mobilização da sociedade civil e de setores do Estado

O Colégio Seta é mantido pelo Colégio Seta S/C LTDA., estabelecida a Rua Antonio Agu, 361 Osasco Centro, Cep

Lei nº 8.111, de 08 de outubro de 2009.

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMOI-ESTRUTURADA PARA CARACTERIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE APOIO NO MUNICÍPIO

A INCLUSÃO DOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS EDUCATIVAS NAS SÉRIES INICIAIS SOB A VISÃO DO PROFESSOR.

PROJETO DE LEI N.º 3.466, DE 2012 (Do Sr. Raimundo Gomes de Matos)

A UTILIZAÇÃO DE RECURSOS VISUAIS COMO ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA NO PROCESSO DE ENSINO - APRENDIZAGEM DE ALUNOS SURDOS.

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR RESOLUÇÃO Nº 2, DE 27 DE SETEMBRO DE

Belém/PA, 28 de novembro de 2015.

WORKSHOP INCLUSÃO MATEMÁTICA

Palavras-chave: Deficiência Visual. Trabalho Colaborativo. Inclusão. 1. Introdução

XLIII PLENÁRIA NACIONAL DO FÓRUM DOS CONSELHOS ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO - FNCE

LICENCIATURA EM MATEMÁTICA. IFSP Campus São Paulo AS ATIVIDADES ACADÊMICO-CIENTÍFICO-CULTURAIS

ESTRUTURA, POLÍTICA E GESTÃO EDUCACIONAL AJUDA

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CONSELHO SUPERIOR DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO RESOLUÇÃO N , DE 27 DE FEVEREIRO DE 2013

Conferência Internacional do Trabalho Convenção 159

RESOLUÇÃO N 008/2015. A Diretora Geral da Faculdade Unilagos, no uso das atribuições que lhe são conferidas pela Legislação em vigor, RESOLVE

ESTADO DE SANTA CATARINA Secretaria de Estado da Educação Diretoria de Educação Básica e Profissional

Trabalho com Pedagogia da Alternância nas Casas Familiares Rurais (91)

A APAE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA

OS SABERES PROFISSIONAIS PARA O USO DE RECURSOS TECNOLÓGICOS NA ESCOLA

ESTADO DE ALAGOAS GABINETE DO GOVERNADOR

Informações básicas. Programa Ensino Integral

NOTA TÉCNICA REDE DE CUIDADOS À PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO ÂMBITO DO SUS

A DISLEXIA E A ABORDAGEM INCLUSIVA EDUCACIONAL

Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos Abril Julho/2006

Plano Nacional de Educação: uma dívida histórica do Estado brasileiro

PROJETO DE LEI N o, DE 2012

O PROGRAMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DIREITO À DIVERSIDADE E O COORDENADOR PEDAGÓGICO

BULLYING NA ESCOLA: A IMPORTÂNCIA DO PROFISSIONAL DE SERVIÇO SOCIAL NO ENFRENTAMENTO DESSA PROBLEMÁTICA

RESUMO. Palavras-chave: Educação matemática, Matemática financeira, Pedagogia Histórico-Crítica

DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE) Bom-dia, Excelentíssimo. Senhor Ministro-Presidente, bom-dia aos demais integrantes

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO NA AREA DA SAÚDE

A INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NUMA ESCOLA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA: DA TEORIA À PRÁTICA

PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Fundamentos e Práticas em Libras II

Das atividades, atribuições e carga horária

LEI Nº 2.581/2009. O Prefeito Municipal de Caeté, Minas Gerais, faz saber que a Câmara Municipal aprovou e ele sanciona a seguinte Lei:

Av. Gen. Carlos Cavalcanti, CEP Tel. 0** (42) Ponta Grossa Pr. -

DEPARTAMENTO DE GENÉTICA

PEDAGOGIA HOSPITALAR: as politícas públicas que norteiam à implementação das classes hospitalares.

Relato de Grupo de Pesquisa: Pesquisa, Educação e Atuação Profissional em Turismo e Hospitalidade.

Conheça as 20 metas aprovadas para o Plano Nacional da Educação _PNE. Decênio 2011 a Aprovado 29/05/2014

PLANO ESTRATÉGICO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO 2013/2018

REVISTA DE FINANIAMENTO DA EDUCAÇÃO - FINEDUCA CURSO DE PEDAGOGIA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CURSO DE PEDAGOGIA NA MODALIDADE À DISTÂNCIA -

Universidade Presidente Antônio Carlos UNIPAC Pró-reitoria de Pesquisa, Extensão, Pós-graduação e Cultura Assessoria de Extensão PROGRAMA DE EXTENSÃO

ÁREAS TEMÁTICAS SITUAÇÕES PROBLEMA SOLUÇÕES SUGERIDAS PROFISSIONALIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

TERMO DE REFERÊNCIA Nº 78/2012. Acordo de Empréstimo LN 7513 BR COMPONENTE SAÚDE CONSULTORIA PESSOA FÍSICA

ANÁLISE DAS MELHORIAS OCORRIDAS COM A IMPLANTAÇÃO DO SETOR DE GESTÃO DE PESSOAS NA NOVA ONDA EM ARACATI CE

BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Transcrição:

A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO MATO GROSSO DO SUL NA DÉCADA DE 1990 Celi Corrêa Neres- UNIDERP/FMB/USP Texto Eixo temático 1- Políticas Educacionais e Movimentos sociais Este trabalho é resultado das primeiras aproximações da discussão do projeto de pesquisa " A educação especial em mato grosso do sul na década de 1990: O pensado e o Instituído, que tem como objeto de investigação o impacto das Políticas públicas para a educação especial no Estado de Mato Grosso do Sul, na década de 1990, no que se refere ao acesso, permanência e progressão na escolaridade dos alunos com necessidades educacionais especiais. Esta década que se configurou como marco da educação especial no Estado, que apoiado na política nacional, propôs a descentralização dos serviços da educação especial, como forma de alcançar a integração/inclusão do aluno com necessidades educacionais especiais 1 na escola regular e na sociedade. Apoiado no grande programa de gestão Nova proposta de Educação para Mato Grosso do Sul, o governo estadual criou as Unidades Interdisciplinares de Atendimento Psicopedagógico (UIAPS). O projeto, em seu texto inicial, fazia referência ao sistema educacional do Estado, que na sua estrutura tem dificuldade em assegurar aos Portadores de Necessidades Especiais (PNE), o acesso, ingresso e progressão na escolaridade 2. Reconhecendo essas dificuldades como estruturais, a Secretaria Estadual de Educação, ao criar essa estrutura descentralizada, promoveu mudanças na organização da educação especial. Implantou as UIAPS, unidades descentralizadas de atendimento que contavam com técnicos que se deslocavam para as escolas para realizar avaliação, acompanhamento e encaminhamento para os serviços especializados ou da comunidade. Neste período houve 1 Para este estudo, usaremos a denominação alunos com necessidades educativas especiais ou ainda PNE- Portadores de Necessidades Especiais, por entendermos que este é também um viés que explica a forma pela qual se expressa a história da educação especial. Verificamos em nossos estudos que na sociedade burguesa, somente a partir do momento em que o deficiente passa, com a simplificação do trabalho, a ser incorporado no processo produtivo, é que vamos observar o interesse na sua educação. Como conseqüência deixa de ser deficiente e passa a possuir apenas algumas necessidades especiais. NERES, Celi Corrêa. Educação Profissional do Portador de Necessidades Especiais, para quê? ( o caso de Campo Grande- MS). Campo Grande, UFMS, 1999. Dissertação( Mestrado em Educação). 2 MATO GROSSO DO SUL. Diretrizes gerais para o ensino do portador de necessidades especiais. v. 4. Campo Grande MS, 1992. p. 13.

um grande aumento nos serviços de educação especial no Estado, que contava, em 1998, com 50 UIAPS, distribuídas em 47 municípios 3. Nosso questionamento é: Em que medida esta proposta proporcionou aos alunos com necessidades educacionais especiais acesso, permanência e progressão na escolaridade? Alguns estudos como o de Neres 4 e Araújo 5 apontaram que a descentralização dos serviços especializados apresentavam problemas, como a carência de profissionais especializados e as dificuldades dos encaminhamentos para outros serviços públicos. Prieto 6, chama atenção para o fato de que a integração/ inclusão escolar não se resume ao acesso, mas sobretudo na permanência dos alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular e a garantia de apreensão do conhecimento sistematicamente acumulado pela humanidade. Podemos assinalar ainda que, ao analisar a história da educação especial, observamos na sociedade capitalista, a preocupação em oferecer atendimento educacional à pessoa com necessidades educacionais especiais, para que este possa ser mais um no rol daqueles que podem vender sua força de trabalho e tornar-se produtivo. Somente a partir dessa condição, a pessoa com necessidades especiais passa a ser mais um entre aqueles que necessitam de diretrizes que lhes assegurem a igualdade de direitos preconizados para todos os homens: direito à educação, trabalho e assistência. Filgueiras 7 afirma que a história do atendimento na área social no Brasil, pode ser entendida a partir da história das formas de organização do trabalho. No momento em que, no espaço urbano-industrial, inúmeros trabalhadores encontram-se em situação difícil, fruto das más condições de trabalho, trazidas pelos baixos salários e até pelo desemprego, as políticas sociais públicas são criadas para assistir esses trabalhadores e seus filhos. Assim, as escolas, as creches, como muitas outras instituições, são implantadas para atender as crianças, os jovens e também as pessoas com deficiência. 3 MATO GROSSO DO SUL. Relatório da DEE. 1997. 4 NERES, Celi Corrêa. Educação profissional do Portador de Necessidades Especiais, para quê? ( o caso de Campo Grande: UFMS, 1999. Dissertação( Mestrado em Educação) 5 ARAÚJO, Valdir F. Análise das propostas de atendimento de educação especial em relação ao cotidiano das escolas em Corumbá. Relatório de Iniciação científica. UFMS: CNPq, 1985. 6 PRIETO, Rosângela, G. Os caminhos da educação especial e a inclusão escolar. Revista UNICSUL. São Paulo: 2002, p. 233-244. 7 FILGUEIRAS, Cristina A.C. Trabalho, sociedade e políticas públicas, Cadernos de Pesquisa. S. Paulo. n. 97. 1996. p. 13-20.

De acordo com Jannuzzi 8, as políticas sociais de atendimento aos alunos com necessidades educacionais são criadas na medida em que, na sociedade, foram considerados capazes de integrar a força de trabalho, de forma direta ou indireta, ou seja, pela liberação daqueles que se ocupavam em assisti-los. Com base no exposto, faz-se necessário reforçar que não há como analisar a política educacional sem compreender o papel do Estado, já que este é responsável pela materialização das ações governamentais. Essas ações revelam a forma pela qual o Estado define sua atuação nas políticas sociais, de acordo com as necessidades impostas, segundo o modelo socioeconômico vigente. O crescente avanço tecnológico, a automação, a robótica e a micro-eletrônica, ocorridos já nos anos 80, trouxeram grandes mudanças no mundo do trabalho e de produção do capital. Essas mudanças no mundo do trabalho trouxeram o desemprego e na sua esteira, o aumento considerável da economia informal e de serviços, apontados por Antunes 9, enfraqueceram ainda mais os cofres públicos, dada a diminuição de impostos e a complexidade das carências sociais que geraram despesas trazidas pela miserabilidade, pelas difíceis condições de vida dos trabalhadores. De acordo Alves ( 2002), o Estado em sua função reguladora, no sentido de conter as tensões sociais, tem a função de realocar trabalhadores expulsos da produção, função que vem desempenhando nos limites de suas possibilidades. No plano legal, além dos direitos garantidos na Constituição de 1998, tivemos em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que trouxe alguns artigos sobre as crianças e jovens com necessidades especiais, o Plano Decenal de Educação Para Todos (1993-2003), que faz previsão de atendimento educacional à essas crianças. Em 1994, foi formulada a Política Nacional de Educação Especial. No mesmo ano, tivemos a Declaração de Salamanca e Linha de Ação Sobre Necessidades Educativas Especiais (documento elaborado na conferência mundial sobre necessidades educativas especiais) e por fim, em 1996, tivemos a educação especial contemplada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB Lei n.º 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. O documento da Declaração de Salamanca e Linhas de Ação Sobre Necessidades Educativas Especiais, também, fazia um apelo às ONG S e aos organismos internacionais de financiamento, especialmente aos patrocinadores da Conferência Mundial de Educação 8 JANNUZZI, Gilberta M. Políticas sociais públicas de educação especial. Revista Vivência n.º 12. Fundação Catarinense de Educação Especial. 1990. p.24. 9 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 3º. Ed. Campinas- SP: Cortez,1995.p. 149-150.

Para Todos, a UNESCO, UNICEF, OIT, OMS e Banco Mundial, para a união de esforços no sentido atender aos PNES. Elaborada durante a Conferência Mundial Sobre Necessidades Educativas Especiais, a Declaração de Salamanca teve como objetivo principal defender a proposta de integração do PNE e apoiar os programas de ensino que facilitem a educação de alunos e alunas com necessidades educativas especiais. 10 Através do apelo à solidariedade, ao pacto social, o Estado convoca a sociedade para o atendimento das questões sociais. Esta atitude do Estado vai ao encontro da tese de redução dos gastos públicos com as políticas sociais, defendidas pelo modelo econômico de desenvolvimento intitulado neoliberal. Essas políticas de ajuste econômico eram defendidas pelo Banco Mundial e condicionam as relações de financiamento aos países endividados. As medidas do ajuste, segundo o Banco Mundial, permitiriam o crescimento econômico, o que possibilitaria o pagamento da dívida externa dos países devedores. Tais medidas que condenavam o protecionismo, o excesso de regulação e do intervencionismo por parte do Estado, expressavam a própria limitação deste em assumir as políticas sociais, frente à crise vivida por esses países. È nesse contexto que pretendemos estudar a materialidade e os desdobramentos das Políticas Nacionais para a educação especial no Mato Grosso do Sul, na década de 1990, tendo como questão principal analisar o acesso, permanência e progressão na escolaridade dos alunos com necessidades educacionais especiais. Como já foi apontado, em 1991, o governo estadual realizou algumas alterações na organização dos serviços de educação especial no Estado, através do lançamento do Programa: Nova Proposta de Educação para Mato Grosso do Sul. O eixo central dessa proposta, na área da educação especial, era a descentralização do atendimento educacional ao PNE da rede estadual de ensino. A diretoria de educação especial, criada em 1981, foi extinta, sob o argumento de que deveria ser entendida e promovida no contexto da educação geral. Em seu lugar foi criada a Coordenadoria de Apoio ao Ensino do Portador de Necessidades Especiais (CAPNE), cujo objetivo era o de promover sempre que possível a integração do PNE no ensino comum e reestruturar as modalidades de atendimento até então existentes. Nesse momento, a proposta da integração, defendida na educação especial, passou a inspirar o discurso desta coordenadoria. 10 BRASIL. CORDE. Declaração de Salamanca e linhas de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília. 1994. p. 11.

A CAPNE, com vistas a cumprir a necessidade de atendimento descentralizado, criou as UIAPS e publicou o documento Diretrizes Gerais Para o Ensino do Portador de Necessidades Especiais, que tratava da caracterização das Unidades e das modalidades de atendimento a serem adotadas na educação especial. Dentro dessa política de serviços, as UIAPS se responsabilizaram pelo atendimento ao PNE e sua integração na rede regular de ensino, através da triagem, avaliação, encaminhamento e acompanhamento nas diversas modalidades de atendimento: Ensino domiciliar, ensino itinerante, classe comum com apoio especializado, sala de recursos e classe especial". 11 O atendimento era realizado na escola, por dois técnicos, um pedagogo e um psicólogo que se deslocavam até as escolas estaduais para triagem, diagnóstico, acompanhamento e encaminhamento dos alunos que freqüentavam o ensino comum. O PNE, uma vez diagnosticado, era encaminhado para os serviços especializados, criados na própria escola (salas de recursos e classes especiais) ou na escola mais próxima à sua residência. Sendo necessário, eram agendadas consultas com fonoaudiólogo e fisioterapeuta na UIAP ou com médico neurologista no consultório. A UIAP contava apenas com 1 fisioterapeuta, 1 fonoaudióloga e 1 médico neurologista, para atender toda a demanda das escolas de Campo Grande. O trabalho dos técnicos das UIAPS, nas escolas, possibilitou o levantamento de uma grande clientela que foi atendida e encaminhada para as classes especiais e salas de recursos. Houve uma ampliação nos serviços atrelados ao ensino regular: classes especiais, salas de recurso e ensino itinerante que, foram organizados para atender ao PNE nas escolas estaduais. No início foram criadas 14 UIAPS, sendo 03 (três) instaladas em Campo Grande e 11 (onze) no interior do Estado, atendendo 11 municípios. Em 1998, o Estado contava ou com 50 UIAPS, distribuídas em 47 municípios 12. A abertura das UIAPS acarretou uma proliferação de serviços,, junto ao ensino regular, que significou um aumento no número de atendimento ao PNE e, de certa forma, aos alunos oriundos do ensino comum, em decorrência do fracasso escolar. O atendimento oferecido pelas UIAPS, traduziu-se numa multiplicação de esforços, no sentido de organizar serviços de atendimento de forma braçal, dada a morosidade dos 11 MATO GROSSO DO SUL. Modalidades de atendimento previstas na Série Políticas Educacionais. Diretrizes Gerais Para o Ensino do Portador de Necessidades Especiais. v. 4. Campo Grande - MS. 1992. 12 MATO GROSSO DO SUL. Relatório da DEE. 1997.

processos de abertura de salas de recursos e classes especiais e da escassez de recursos para implantação das mesmas: a falta de professores especializados; do espaço físico inadequado, da falta do espaço físico na escola; do reduzido número de técnicos para atender todas as escolas da rede; da dificuldade de encaminhamento dos PNES para avaliação com outros profissionais (médicos, fonoaudiólogos e fisioterapeutas, etc.), devido ao reduzido número destes nos setores da educação e da saúde; da dificuldade do deslocamento do aluno para a sala de recursos quando necessitava de transporte coletivo (não tinha o passe de ônibus, a família não tinha condições financeiras para comprar, a Secretaria de Educação não fornecia em tempo hábil). Enfim trata-se da falência do serviço público, na sua forma geral. Com a mudança do Governo do Estado, em 1995, houve alteração no quadro de pessoal 13 da Secretaria de Educação. A nova equipe que assumiu a educação especial, instalou novamente, em 1996, a Diretoria de Educação Especial 14, ligada à Superintendência de Educação da Secretaria. Esta Diretoria propõe a criação do Centro Integrado de Educação Especial em Campo Grande (CIEESP). Com a criação do CIEESP, em 1997, 15 as UIAPS passaram a fazer parte da Coordenadoria Integrada. O CIEESP foi criado em Campo Grande com a proposta de se multiplicar no interior do Estado, que ainda conta com o trabalho das UIAPS na sua forma original. O CIEESP foi criado com a finalidade de garantir ao PNE serviços especializados, uma vez que a Diretoria de Educação Especial (D.E.E.) entendia que o atendimento ao alunado especial era ainda limitado, devido, principalmente, à falta de instituição pública que realize a avaliação diagnóstica e o atendimento específico aos vários tipos de deficiência 16. As atividades do CIEESP, através das coordenadorias, poderiam resolver as dificuldades de avaliação e encaminhamento enfrentado pelas UIAPS. O CIEESP contava com uma série de serviços agregados nas 10 coordenadorias que mantinha: coordenadoria de atendimento do Deficiente Físico, ao Deficiente Auditivo, Visual, Mental, Altas Habilidades, Coordenadoria de vivência em artes, de informática, de 13 Percebe-se na trajetória da Educação Especial no Estado, que as formas de organização dos serviços de atendimento alteram-se quando da mudança de governo. Essa realidade já não assusta os técnicos, que com a mudança dos governantes já esperam as novidades (expressão utilizada por um técnico entrevistado que atua na educação especial no Estado). 14 MATO GROSSO DO SUL. Decreto n.º 8.559, de 23/04/96. Campo Grande MS. 1996. Dispõe sobre a reorganização da estrutura administrativa e a composição de cargos e funções da Secretaria de Estado e dá outras providências. 15 MATO GROSSO DO SUL. Decreto 8.782 de 12/03/97. Campo Grande MS. 1997. Cria o Centro Integrado de Educação Especial, CIEE, com sede na capital do Estado, e dá outras providências. p. 01. 16 MATO GROSSO DO SUL. Secretaria Estadual de Educação. Projeto Para Implantação do Centro Integrado de Educação Especial. Campo Grande MS. 1996.

prevenção e capacitação, de integração ao PNE no mercado de trabalho e Coordenadoria Integrada. Era um grande número de serviços criado no sentido de atender o PNE e que sofria dos mesmos problemas enfrentados até então: falta de técnicos especializados, morosidade no atendimento, grandes listas de espera nos serviços, falta de recursos, situação que encontra lugar comum nos programas gerenciados pelo Estado. No relatório das atividades desenvolvidas no 1º semestre de 1997 pela Coordenadoria Integrada, que agregou as UIAPS, encontrava-se registradas as dificuldades enfrentadas pela equipe de atendimento às escolas: a descontinuidade das propostas na área da educação especial, número de técnicos insuficientes para atender os 74 (setenta e quatro) serviços existentes em Campo Grande: 10 classes especiais, 51 salas de recursos para deficientes mentais, 05 para deficientes auditivos, 04 para deficientes visuais, 02 serviços de ensino itinerante, 02 salas de suplência e acompanhamento de 98 (noventa e oito) alunos integrados no ensino comum 17. Segundo levantamento do setor de educação, apresentado no Diagnóstico Sócio- Econômico de Mato Grosso do Sul, em 1994 foram atendidos 1.509 PNEs nos programas especiais (classe especial, instituições, oficinas pedagógicas, etc...), na rede estadual de ensino e 6.945 receberam atendimento nas ONG s conveniadas com a Secretaria Estadual de Educação. Considerando que, segundo dados do IBGE, Mato Grosso do Sul possui 1.780.037 pessoas e que destas 10% ( segundo dados da OMS) possuem algum tipo de deficiência, temos no Estado de Mato Grosso do Sul 178.034 PNES. Com a mudança do governo do Estado, em 1999, os serviços de educação especial sofrem alterações. A Diretoria de Educação Especial passou a ser denominada Diretoria de Apoio ao Ensino do Portador de Necessidades Especiais, as UIAPS e o CIEESP são extintos e são criadas as Unidades de Apoio à Inclusão do Portador de Necessidades Especiais. Foram criadas 77 Unidades de Inclusão de acordo com Decreto Nº. 9.404, de 11 de março de 1999, sendo 1 sediada em Campo Grande e as demais no interior do Estado. Essas Unidades ficaram responsáveis pelo atendimento ao aluno com necessidades educacionais especiais, de acordo com as modalidades de conferidas pela deliberação no. 4827 CEE/MS, que regulamentava a educação especial no Estado e com a política de inclusão da pessoa com necessidades educacionais especiais. 18 17 MATO GROSSO DO SUL. CIEE. Coordenadoria Integrada. Relatório de atividades do 1º semestre de 1997. Campo Grande MS. 1997. p. 9-10. 18 MATO GROSSO DO SUL. Decreto nº 9.904 de 11 de março de 1999. Campo Grande-MS. Cria as Unidades de Apoio à Inclusão do Portador de Necessidades Especiais Unidades de Inclusão nos municípios que menciona e dá outras providências.

Diante do exposto, tivemos um novo discurso trazendo mais um elemento na elaboração de políticas para a educação especial, embora tenhamos que reconhecer que a materialidade dessas políticas ainda é algo a ser conquistado.