Não se pode conceber mais nenhuma ideia clara SDAH como perturbação cultural, desencadeada pela quantidade cada vez maior de telas. Christoph Türcke sobre seu livro Hyperaktiv! Kritik der Aufmerksamkeitsdefizitkultur [Hiperativos! Crítica da cultura do déficit de atenção]. [Entrevista conduzida Christiane Hoffmann (Frankfurter Allgemeine Zeitung, 27.05.2012). Trad.: Zé Pedro Antunes.] DPA Türcke: Cada edição de imagem [Bildschnitt] é um pequeno choque, uma pequena dispersão Seu livro tem esse título terrível: Aufmerksamkeitsdefizitkultur [cultura do déficit de atenção]. A verdade é que antes de terminar a palavra o leitor já não está mais atento. Mas todo mundo sabe do que se trata: SDAH. E cultura por quê? Nós vivemos numa cultura de estimulação microeletrônica. Ela nos expõe a um constante bombardeio de impressões. E com a penetração das telas no mundo do trabalho ela deu ainda mais um grande passo adiante. Nossa sociedade inteira tem SDAH? 1
SDAH não é uma doença num ambiente saudável. A sociedade inteira sofre de uma crescente incapacidade de atenção. Nas crianças ela se manifesta apenas com força máxima. Falo de uma cultura da perturbação. Nós sofremos de dispersão concentrada. É um conceito paradoxal. Deve significar: Nós nos concentramos constantemente e forçadamente em nos dispersar. Isso, em vez de levar à distensão, está produzindo stress. E assim as pessoas perdem a capacidade da atenção? As máquinas que produzem imagens sempre produzem nos sentidos um efeito abrupto. Cada edição de imagem é um pequeno choque, uma pequena dispersão. A atenção é estimulada. O que é na verdade positivo, uma importante técnica cultural do cinema. Mas quando a atenção é constantemente interrompida por cortes, ela então resulta em seu contrário. Se o tempo todo são emitidos novos estímulos de Atenção!, Entendido!, então as pessoas se vêem destituídas da capacidade de permanecer em algo. Mas o ser humano é hoje muito mais capaz de atenção do que antes. Basta pensarmos no multitarefas. A atenção é uma capacidade humana que evoluiu ao longo da história. Ela é elástica. Nós hoje podemos dirigir um carro e, enquanto isso, conversar. Mas a elasticidade é limitada. A ideologia do multitarefas parte de falsas premissas. Acreditar que se possa fazer com a mesma atenção cinco coisas ao mesmo tempo é uma falácia. Mas não deveriam então os adultos, e não as crianças, sofrer de SDAH? As crianças vivenciam o modo como os adultos se habituaram a constantes interrupções. Você brinca com o teu filho e, enquanto isso, checa de vez em quando a caixa de e-mails; você folheia um álbum de fotografias e, enquanto isso, a tevê permanece ligada. As crianças aprendem a atenção mais ou menos aos nove meses de idade. É quando elas começam a se deter, admiradas, naquilo que os adultos vão lhe mostrando. Esse processo indicial tem um efeito incalculável no desenvolvimento delas. Se ele é constantemente perturbado, as consequências são dramáticas. O diabo é que absolutamente não se nota nada no início, quando as crianças são ainda bem pequenas. O fato é que as crianças não estão sendo maltratadas, e em geral não se trata de famílias destroçadas. O déficit de atenção tem uma invisibilidade verdadeiramente diabólica, mas são 2
graves os seus efeitos a longo prazo. O único tranquilizante para essas crianças afora a Methylphenidat é, uma vez mais, a tela. Você vê a SDAH como fenômeno cultural. A diagnose corrente diz, no entanto, que se trata de uma perturbação neuronal. Mas normalmente não se trata de um defeito físico, mas de uma consequência da enorme capacidade de adaptação do nosso cérebro. Preparar-se constantemente para novos estímulos, é nisso que consiste sua inteligência e criatividade. Na elaboração desses estímulos, ele configura caminhos e padrões neuronais. E padrões que se preservam são fixados. Padrões estáveis são indispensáveis para a estabilidade mental. Mas quando uma avalanche de estímulos cria a necessidade de constantemente construir algo novo, a construção desanda em destrutividade. Há que imaginá-lo como um canteiro de obras: Você começa a construir uma parede. Cinco tijolos depois, interrompe e começa a parede seguinte, que, por sua vez, mal começada, vai ser deixada de lado para a construção de uma outra parede. Desse modo, não vai surgir nunca um edifício. Pode ser que também a demência senil tenha a ver com a constante dispersão concentrada? Isso até aqui eu não investiguei, mas algumas coisas estão dizendo que sim. Por outro lado: O que há de tão ruim assim na dispersão concentrada, que é o nome que você atribui ao fenômeno? A humanidade, na verdade, se mostra mais criativa e capaz do que nunca em sua história. Isso é ideologia do progresso. Uma quantidade cada vez maior de estudantes hoje não se vê mais em condições de seguir uma atividade pedagógica de hora e meia, mesmo que seja uma apresentação em power point com muitas imagens. O power point, de resto, se duradouramente utilizado como atrativo didático, leva à perda da capacidade de pensar sem o constante acompanhamento de imagens. Talvez as aulas de hora e meia sejam simplesmente uma forma tradicional de cultura. O progresso, hoje, exige a capacidade de rápida reprogramação, de mudanças constantes. Por que isso dá margem a pessimismo cultural? 3
Sem a capacidade de permanecer num tema, não se pode conceber mais nenhuma ideia clara. Não vamos falar por enquanto de desempenhos científicos de ponta. Mesmo a imaginação, a capacidade de produzir imagens interiores, desaparece, porque somos ininterruptamente bombardeados com imagens exteriores. Isso afeta a capacidade da experiência duradoura. Nenhum ensejo para otimismo cultural, mas também não vamos ficar lamentando um desenvolvimento incontornável. A verdade é que desenvolvemos também estratégias contrárias. Quais seriam? A gente cria espaços de preservação, não se expõe duradouramente aos meios de comunicação. Eu, por exemplo, não tenho televisão. Portanto, estratégias individuais de evasão... Mas também se pode criar práticas coletivas. Com os meus alunos, eu promovo jornadas em clausura, em lugares onde não há sinais de internet. Neles, nos ocupamos tão-somente do nosso tema. Como cura para a sociedade hiperativa, você quer prescrever rituais. Por que são importantes os rituais? Para o homem moderno eles são, na verdade, supérfluos. Pura perda de tempo. O ser humano é um animal de repetição. Humano ele se tornou por meio de rituais de sacrifício, com os quais ele repetia e, com isso, dominava os horrores da natureza. Os rituais produzem efeito tranquilizante. Sem a repetição constante a gente não consegue se apropriar de nada. É claro que, pela repetição, coisas erradas também acabam se fixando, mas sem a repetição absolutamente nada pode ser fixado. Mas são os computadores realmente culpados pela hiperatividade? Com seu desprezo pelos rituais, sua recusa da memorização, sua sanha contra regras de aprendizagem, os 68 não contribuíram em igual medida? Primeiro: Máquinas não são nunca culpadas e o computador também não, mas sempre aqueles que lidam com elas. Portanto: Sim, minha geração subestimou a importância dos rituais e das repetições, quando de todo não os abominou. Porém, no mofo dos anos do pós-guerra com tanto vazio ritual. Por termos sido tantas vezes obrigados à memorização destituída de reflexão, acabamos por considerar esse tipo de aprendizagem como irrefletido. 4
Você sugere que a escola crie antídotos, introduzindo uma disciplina: Ritualkunde [N. T.: de acordo com o autor, um nome provisório: Disciplina dos Rituais]. O que viria ser isso? Um eixo tranquilizante a percorrer o inteiro cotidiano escolar do básico ao exame final do ensino médio em todos os tipos de escola. No ensino básico, deveriam ser pequenas apresentações regulares com a contribuição de todas as disciplinas. Mas elas devem ser matéria para estudo. Sem repetições e memorizações, com todo o seu efeito tranquilizante e estabilizador, não dá. E depois? Na sequência, sobre a base dessa prática com as apresentações, deve ser introduzida a Disciplina dos Rituais, que junte religião e estudos sociais, mesmo no que diz respeito às horas/aula. Estruturas sociais não passam de rituais sedimentados. Fazer com que a sociedade como um todo tenha consciência do alcance dos rituais é disso que se trata. Nada confessional, mas com muito senso do significado da religião. Com isso, a escola teria um fórum para os conflitos decorrentes da mistura multicultural, de todas as culturas e subculturas que se impõem umas sobre as outras. Aprender a professar seria um ponto importante. Como manter-me fiel àquilo que para mim é importante, ao que me é sagrado, sem ferir os demais? Tudo isso poderia ser elaborado na Disciplina dos Rituais. Teria, pois, caráter tranquilizante, tanto individual como socialmente. Por que começar apenas na escola? As bases para a hiperatividade, na verdade, já se instalam na mais remota infância, na família. Tem razão. Na verdade, seria preciso começar pela família. Mas o início da vida escolar é a primeiríssima oportunidade de um programa abrangente. Devo admitir: Enquanto nos falamos ao telefone, algumas vezes eu me flagrei querendo checar rapidamente a caixa de e-mails ou se não rolou um SMS. Como se manifesta na tua vida, afinal, a cultura da SDAH? Sobretudo pela obrigação de ficar atento aos e-mails. No mais, como eu já disse, não tenho aparelho de tevê. 5