Dificuldade diagnóstica e mau prognóstico associados à regressão de melanoma cutâneo primário

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Transcrição:

55 Relato de Caso Dificuldade diagnóstica e mau prognóstico associados à regressão de melanoma cutâneo primário Difficulty in the diagnosis and bad prognosis associated with the regression of primary cutaneous melanoma RESUMO O melanoma cutâneo primário em regressão (melanoma em regressão) espontânea parcial é frequente, porém a regressão completa é rara. O diagnóstico é difícil, principalmente na regressão completa. Relatam-se três casos de melanoma em regressão nos quais a biópsia inicial não revelou melanoma, e o diagnóstico foi obtido pelas metástases. Não há consenso sobre o significado prognóstico da regressão. Nos casos descritos, o melanoma em regressão associou-se a pior prognóstico, pela própria característica do tumor ou dificuldade no diagnóstico precoce e estadiamento. Conclui-se que a regressão no melanoma primário pode conferir maior dificuldade ao diagnóstico e estadiamento, com consequente pior prognóstico. Deve-se indicar biópsia excisional de lesão suspeita sempre que possível. Palavras-chave: melanoma; regressão neoplásica espontânea; metástase neoplásica; prognóstico. ABSTRACT The partial regression of cutaneous melanoma is a frequent event. Nevertheless, complete regression is a rare and difficult to diagnose condition.we report three cases of regressed cutaneous melanoma (RCM) whose initial biopsies did not reveal melanoma and in which the diagnosis was based on the presence of metastasis. There is no consensus about the prognosis of RCMs. Some authors relate a higher prevalence of metastasis, coinciding with our cases' outcomes, where the RCM had the worst prognosis due to the tumors' aggressiveness or to the difficulty in establishing an early diagnosis and staging. We have concluded that the regression of melanoma complicates the diagnosis, staging and formulation of a worst-case scenario prognosis. Excisional biopsy should always be the first choice. Keywords: melanoma; neoplasm regression, spontaneous; neoplasm metastasis; prognosis. INTRODUÇÃO O melanoma maligno representa 1,8% de todas as neoplasias malignas, porém corresponde a 11% dos casos de regressão tumoral espontânea, com frequência cinco a seis vezes maior do que em outras neoplasias. A regressão espontânea é caracterizada pelo desaparecimento parcial ou total do tumor na ausência de qualquer terapia capaz de influenciar sua evolução natural. 1 A regressão parcial do melanoma cutâneo primário (MCP) é frequente, ocorrendo em percentual que varia de 10 a 35% dos casos; a completa, entretanto, é rara. A incidência estimada oscila entre 0,22 e 0,27%, havendo 40 casos descritos na literatura. 2 Autores: Camila Ari Seque 1 Mayra Ianhez 2 Laura de Sena Nogueira Maehara 3 Viviane Shinsato Higashi 4 Ivan Dunshee de A. de Oliveira Santos 5 Sergio Yamada 6 Fernando Augusto Almeida 7 Mílvia Maria Simões e Silva Enokihara 8 Nilceo Schwery Michalany 9 Sergio Henrique Hirata 10 Mauro Yoshiaki Enokihara 11 1 Residente do 2º ano do Departamento de 2 Mestre em Dermatologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - São Paulo (SP), Brasil. 3 Residente do 3º ano do Departamento de 4 Residente do 3º ano do Departamento de 5 Doutor em Cirurgia Plástica pela (Unifesp); Cirurgião plástico; Cirurgião de cabeça e pescoço; Coprofessor da Disciplina de Cirurgia Plástica da 6 Mestre em Dermatologia pela Universidade Federal de São Paulo; Professor do 7 Federal de São Paulo; Professor do 8 Doutora em Patologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); Médica do Departamento de Patologia da 9 Mestre em Patologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); Professor do Departamento de Patologia da 10 Federal de São Paulo (Unifesp); Médico do 11 Federal de São Paulo (Unifesp); Médico do Correspondência para: Dra. Camila Ari Seque - (Unifesp) Departamento de Dermatologia Rua Borges Lagoa, 508 Vila Clementino 04038-001 São Paulo SP Recebido em: 01/12/2010 Aprovado em: 10/01/2010 Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - Escola Paulista de Medicina. Conflito de interesse: Nenhum Suporte financeiro: Nenhum

56 Seque CA, Ianhez M, Maehara LSN, Higashi VS, Santos IDAO, Yamada S, Almeida FA, Enokihara MMSS, Michalany NS, Hirata SH, Enokihara MY Ao longo do tempo, estudos sobre a natureza e o significado prognóstico da regressão no MCP apontaram associação com metástases a distância e redução de sobrevida. 3 Aqui são relatados três casos de melanoma em regressão (MR) relacionados a mau prognóstico. CASO 1 Paciente do sexo feminino, branca, 68 anos, com antecedente de neoplasia ovariana tratada, sem recidiva até o momento. Há três anos notou mácula acastanhada de 1 x 0,5cm na região infraclavicular direita, com crescimento progressivo, sem alteração da coloração. Foi submetida a excisão em outro serviço, cujo exame histopatológico revelou queratose actínica. Há seis meses apresentou linfonodomegalia axilar direita de rápida evolução (Figura 1). Realizou-se biópsia excisional, cujo resultado histopatológico foi de neoplasia indiferenciada com imunoexpressão de marcadores S100, Melan A e HMB45, compatíveis com metástase de melanoma. No estadiamento, foram identificadas imagens tomográficas sugestivas de metástases linfonodais na axila direita, adrenais e pulmonares (Figura 2). A revisão histopatológica da lesão cutânea revelou área de regressão de lesão melanocítica (Figura 3), indicando tratar-se de tumor primário. A paciente foi encaminhada à Oncologia Clínica para tratamento químio e radioterápico, evoluindo a óbito após dois meses do diagnóstico de melanoma metastático. CASO 2 Paciente do sexo feminino, branca, 62 anos. Há dois anos notou mácula enegrecida no dorso (Figura 4), tendo sido submetida à biópsia incisional com hipótese de melanoma. O estudo histopatológico demonstrou melanocitose dérmica com fibrose e intensa melanodermia (Figura 5). Retornou ao serviço em menos de um mês apresentando hemiparesia à direita, tendo sido identificadas duas imagens tomográficas sugestivas de metástase cerebral. Foi então realizada abordagem diagnóstica de uma lesão cerebral cujos exames histopatológico e imuno-histoquímico (Figura 6) foram compatíveis com metástase de melanoma, ocorrendo reversão do quadro neurológico após tratamento com fenitoína. Foi então realizada a exérese da lesão cutânea no dorso com diagnósticos histopatológico e imunohistoquímico consistentes com melanoma em regressão (Figura 7). A paciente foi submetida a dez sessões de radioterapia, com recidiva das metástases cerebrais, evoluindo para óbito dez meses após o diagnóstico. A B Figura 1: Linfonodomegalia axilar direita Figura 3: A e B - Histopatologia de biópsia excisional de lesão cutânea infraclavicular direita. A) Área contendo fibrose, proliferação vascular capilar e infiltrado linfocitário com melanófagos de permeio. Sugere tratar-se de regressão de lesão melanocítica (HE 40x). B) Derme papilar com infiltrado linfocitário perivascular, vários melanófagos e corpos eosinofílicos que podem sugerir células em regressão. A epiderme encontra-se adelgaçada e com retificação das cristas interpapilares (HE 100x) Figura 2: Imagens tomográficas sugestivas de metástases linfonodal axilar direita, adrenal esquerda e pulmonar direita

Melanoma em regressão 57 Figura 4: Mácula hipercrômica, assimétrica, entremeada por áreas deprimidas e esbranquiçadas, no dorso. Figura 6: Imuno-histoquímica da lesão de metástase cerebral: imunoexpressão do marcador Melan A nas células neoplásicas (400x) A Figuras 5: A e B Histopatologia de biópsia incisional de lesão cutânea A) Presença de melanófagos (*) e melanócitos dendríticos (setas). (HE 100x). B B) Grande quantidade de melanófagos (HE 400x) Figura 7: Histopatologia de lesão cutânea no dorso excisada: Nódulo de melanoma residual com células melanocíticas malignas e vários melanófagos acima. A epiderme não apresenta neoplasia (HE 40x) CASO 3 Paciente do sexo masculino, branco, 57 anos, apresentando há sete meses prurido e crescimento progressivo de lesão pigmentada na região temporal esquerda. Há quatro meses notou nódulo doloroso com crescimento progressivo na região préauricular homolateral. Ao exame dermatológico caracterizou-se placa intensamente pigmentada de 1,5 x 1cm na região temporal esquerda (Figura 8). À dermatoscopia, a lesão apresentava blotch irregular e excêntrico, área de pseudorrede pigmentar com pontos cinza-azulados (derrame pigmentar ou melanófagos na derme) e estrutura esbranquiçada sobre a lesão (Figura 9). O estudo histopatológico da lesão temporal foi compatível com lesão melanocítica em regressão (Figura 10) e o do linfonodo pré-auricular, com metástase de melanoma. Ao estadiamento, foram identificadas imagens ultrassonográficas sugestivas de metástase hepática. A tomografia de crânio e a radiografia de tórax foram normais. O paciente evoluiu para óbito cinco meses após o diagnóstico. DISCUSSÃO Em 1963, Das Gupta, Bowden e Berg descreveram os primeiros casos de MR, sobre dois pacientes aparentemente sem lesão primária, apresentando metástases linfonodais de melanoma. A biópsia das lesões cutâneas suspeitas revelou fibrose em derme e incontinência pigmentar. Havia duas explicações possíveis: transformação maligna das células nodais ou regressão completa da lesão primária. Em 1965, Smith e Stehlin publicaram extenso estudo e elaboraram critérios diagnósticos para regressão completa do melanona cutâneo primário.

58 Seque CA, Ianhez M, Maehara LSN, Higashi VS, Santos IDAO, Yamada S, Almeida FA, Enokihara MMSS, Michalany NS, Hirata SH, Enokihara MY Figura 8: Placa intensamente pigmentada de 1,5 X 1,0 cm na região temporal esquerda Figura 9: À dermatosocpia, "blotch" irregular e excêntrico, área de pseudo-rede pigmentar com pontos cinza-azulados e estrutura esbranquiçada sobre a lesão Figura 10: Histopatologia de lesão temporal esquerda: atrofia epidérmica com esclerose da derme papilar e intensa melanodermia subjacente além de intensa quantidade de melanófagos (HE 40x) Em relação às demais neoplasias, o MCP apresenta taxas elevadas de regressão espontânea. Sugere-se que a menor susceptibilidade a tumores mais raros, como o melanoma, reflita maior resistência imunológica do hospedeiro, levando, consequentemente, a maior número de regressões. 1 Embora a regressão parcial do MCP seja frequente (10 a 35%), há apenas 40 casos de regressão completa bem documentados, sendo a incidência estimada entre 0,22 e 0,7%.2,3 Em contrapartida, a incidência de melanoma metastático de sítio primário indefinido varia de 2 a 15%. Considerando que parte dos melanomas com regressão completa (MRC) não são diagnosticados e podem evoluir para metástases, acredita-se que a real incidência dos MRC seja expressiva. 1,4 Há predomínio no sexo masculino em relação ao feminino (2,7:1), e a média de idade do diagnóstico é de 46 anos. Feito o diagnóstico, a sobrevida varia entre seis semanas e 11 anos. 1,3 A maioria dos pacientes com regressão completa de lesão relata transformação de um nevo prévio, como aumento, escurecimento, sangramento ou redução do relevo, despigmentação e atrofia, em períodos de dois meses a 14 anos antes do diagnóstico das metástases. 3 Bories et al. realizaram estudo dermatoscópico de lesões com regressão completa confirmadas histologicamente e descreveram os seguintes parâmetros: despigmentação cicatricial-símile, fundo róseo, vasos irregulares e restos pigmentares, sugerindo sua aplicação na pesquisa de lesão primária no melanoma metastático de sítio indefinido. 5 A regressão espontânea das metástases de melanoma também pode ocorrer, havendo 76 casos descritos desde 1866. Os principais sítios de regressão são metástases de pele/subcutâneo e linfonodais. Há associação com melhor prognóstico. 1 Embora indícios clínicos sugiram regressão, o diagnóstico é histopatológico. A regressão é a consequência histológica da interação entre as células neoplásicas e o sistema imune do hospedeiro, resultando em substituição do tumor por fibrose, células neoplásicas degeneradas, melanófagos, proliferação linfocítica e telangectasia. Nas áreas de regressão completa, há total ausência de células de melanoma maligno na derme e epiderme.6 Dunn et al. relataram associação entre regressão histológica completa e intenso infiltrado histiocitário.acredita-se que a presença isolada de melanófagos seja suficiente para inferir sobre uma lesão melanocítica prévia. 3 Todavia, não há consenso sobre a definição exata e medição da regressão. Dependendo dos critérios utilizados, por exemplo, o número estimado de melanomas finos (<1mm) que apresentam regressão varia entre 7 e 61%, e de melanomas finos metastáticos entre 40 e 100%. 6 Não se sabe o mecanismo exato da regressão no melanoma, porém há indícios importantes do envolvimento do sistema imune. São evidências indiretas a presença de infiltrado inflamatório principalmente linfocitário, e também histiocitário (macrófagos), conferindo melhor prognóstico, e a incidência elevada de MCP, de duas a quatro vezes, entre imunossuprimidos. Demonstrou-se que linfócitos T CD4+ e CD8+ reconhecem antígenos das células de melanoma, utilizando-os como alvos para destruição celular. Bodurtha et al. verificaram que a citotoxicidade linfocitária contra duas linhagens alogênicas de células tumorais estava substancialmente elevada em um paciente com melanoma em regressão. 1,2 O significado prognóstico da regressão no MCP é controverso. Diversos estudos relatam que a regressão costuma estar presente nos casos de melanoma metastático, como os aqui relatados. Na análise de 9.500 casos de melanoma do banco de dados da Unidade de Melanoma de Sidney detectou-se regres-

Melanoma em regressão 59 são extensa (que ocupou mais de 75% da área tumoral) em todos os casos de melanoma fino (<0,8mm) com metástase em linfonodos regionais, e McCarthy et al. encontraram evidência histológica de regressão nos casos de melanoma fino (<0,5mm) metastáticos. Em contrapartida, em pesquisa de micrometástases no linfonodo sentinela dos MCP em regressão, observa-se baixa positividade (de 2,2 a 5,7%) em comparação aos MCP sem regressão (17%), o que não justificaria a biópsia de linfonodo 1, 7, 8 sentinela sistemática nos casos de regressão. Além disso, é impossível determinar a porcentagem de melanomas primários que regrediram completamente sem causar doença metastática, prejudicando a interpretação do significado prognóstico da regressão no MCP. 2 Ainda assim, os autores consideram importante o diagnóstico de regressão no MCP, pelo exame clínico detalhado de pele e mucosas somado aos estudos histopatológico e imuno-histoquímico, uma vez que a detecção precoce possibilita tratamento adequado e melhor avaliação de melanomas de sítio primário indefinido. Ressaltam também que a identificação de regressão espontânea implica vigilância quanto ao desenvolvimento de metástases. 2,4 Concluem que o diagnóstico do MCP em regressão é difícil e muitas vezes posterior ao quadro metastático, associado a mau prognóstico. Recomendam realizar biópsia excisional de lesão suspeita sempre que possível. REFERÊNCIAS 1. Kalialis LV, Drzewiecki KT, Klyver H. Spontaneous regression of metastases from melanoma: review of the literature. Melanoma Res. 2009;19(5):275-82. 2. Emanuel OP, Mannion M, Phelps RG. Complete Regression of Primary Malignant Melanoma. Am J Dermatopathol. 2008;30(2):178-81. 3. High WA, Stewart D, Wilbers CR, Cockerell CJ, Hoang MP, Fitzpatrick JE. Completely regressed primary cutaneous malignant melanoma with nodal and/or visceral metastases: a report of 5 cases and assessment of the literature and diagnostic criteria. J Am Acad Dermatol. 2005;53(1):89-100. 4. Schlagenhauff B, Stroebel W, Ellwanger U, Meier F, Zimmermann C, Breuninger H, et al. Metastatic melanoma of unknown primary origin shows prognostic similarities to regional metastatic melanoma: recommendations for initial staging examinations. Cancer. 1997;80(1):60. 5. Bories N, Dalle S, Debarbieux S, Balme B, Ronger-Savlé S, Thomas L. Dermoscopy of fully regressive cutaneous melanoma. Br J Dermatol. 2008; 158(6):1224-9. 6. Payette MJ, Katz M 3rd, Grant-Kels JM. Melanoma prognostic factors found in the dermatopathology report. Clin Dermatol. 2009;27(1):53-74. 7. Shaw HM, Rivers JK, McCarthy SW, McCarthy WH. Cutaneous melanomas exhibiting unusual biologic behavior. World J Surg. 1992;16(2):196-202. 8. McCarthy WH, Shaw HM, McCarthy SW, Rivers JK, Thompson JF. Cutaneous melanomas that defy conventional prognostic indicators. Semin Oncol. 1996;23(6):709-13.