Informalizando o formalizado: a (re)produção do espaço urbano e o processo de (des)ocupação da Mata Atlântica na Av. Paralela, Salvador, Bahia, Brasil



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Transcrição:

Informalizando o formalizado: a (re)produção do espaço urbano e o processo de (des)ocupação da Mata Atlântica na Av. Paralela, Salvador, Bahia, Brasil Anderson Gomes da Epifania, Mestre em Geografia, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano, Campus Valença. e-mail: androgomess@gmail.com Maria Eduarda Travassos Cotta, Mestre em Geografia, professora, Secretaria do Estado da Bahia. e-mail: dudacotta@hotmail.com RESUMO Este trabalho apresenta uma realidade comum nos grandes centros urbanos no mundo, e que acontece hoje de forma intensa e acelerada na cidade de Salvador, Bahia, Brasil: ocupações regularizadas das áreas de Florestas Tropicais (Mata Atlântica), neste caso, na Avenida Paralela, um dos lugares que vem passando por transformações na sua paisagem natural, com construções de condomínios residenciais para as classes média e alta, shoppings centers, lojas, abertura de ruas e avenidas e, principalmente, a expulsão dos moradores de áreas de invasão (favelas) que existem há décadas, como o Bairro da Paz, com a intensificação da especulação imobiliária e, como mecanismo de redução da violência urbana nesta localidade. Para o poder público, o desmatamento e a ocupação informal dessa mesma área há anos atrás era inaceitável, hoje, com a implementação de políticas publicas, como o gestado no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, acontece não somente a devastação da Mata Atlântica, bem como o incentivo à ocupação formal e à segregação social dos grupos menos favorecidos. Palavras-chave: ocupação formal. ocupação informal. Mata Atlântica.

Informalizando o formalizado: a (re)produção do espaço urbano e o processo de (des)ocupação da Mata Atlântica na Av. Paralela, Salvador, Bahia, Brasil Introdução Os grandes investimentos oriundos do capital financeiro internacional voltam-se, no âmbito das grandes cidades brasileiras, para a construção de ilhas de Primeiro- Mundo (Maricato, 1999), fartamente providas de infra-estrutura e tecnologia para alavancar as atividades econômicas financeiras e terciárias capazes de, supostamente, instrumentalizar a competitividade dessas novas cidades-globais, deixando à margem destas ações a maior parte da população, desprovida de sua cidadania, do direito a cidade (LEFEBVRE, 1991), espoliadas do direito a moradia e lazer nos grandes centros. Essas ilhas de Primeiro-Mundo geralmente se implantam em áreas de valorização imobiliária recente, as chamadas novas centralidades, distantes dos antigos centros, provocando diretamente a expulsão dos resquícios da cidade informal ainda restante nessas áreas. Fato apresentado por Vainner (2000), a partir da leitura dos trabalhos recentes de consultores de Agências Financeiras Internacionais a exemplo de Borja (1995, 1996, 1997) e Castells (1996). Essas cidades ilhas, além de provocarem a exclusão dos menos favorecidos, se baseiam na competitividade urbana, onde as cidades são visualizadas como mercadorias a serem vendidas, cidades empresas, que buscam o consenso da população com a ideologia do discurso da modernidade, tendo por referência, as reformas feitas em Barcelona. Como resultado desse processo, temos o acirramento da dicotomia cidade formal X cidade informal, com a sobreposição de um modelo de modernidade sobre uma malha urbana, que ainda não conseguiu, paradoxalmente, resolver a histórica desigualdade social e a segregação sócio-espacial conseqüentes da nossa industrialização dependente. Assim, coexistem duas cidades em uma: a que segue a lógica do grande capital, podendo ser comparadas as cidades do primeiro mundo, e uma realidade terceiro mundista; muitas vezes ocupando a mesma área, como enclaves.

Em nível global, tenta-se homogeneizar territórios, (des)territorializá-los (COSTA, 2004), mas a identidade cultural e, atualmente, ambiental, vem modificando a relação homem e meio ambiente, em algumas cidades. O processo de globalização econômica está ampliando o poder em grandes cidades localizadas em países centrais, que controlam o mercado, acumulam o capital e acentuam sua intervenção globalizante em países periféricos. E conseqüentemente, as cidades passam a se diferenciar em: privilegiadas, de avançada tecnologia de informações que controlam o mercado internacional através do domínio e manipulação do meio técnico científico informacional, agregando as grandes sedes do capital internacional, concentrando assim os espaços do mandar (SANTOS, 2002), denominadas por Santos (1998) de metrópoles indissolúveis, dada a sua onipresença em diversos espaços do território. E as marginais, ocupadas pelas classes sociais menos favorecidas, os espaços do fazer, que ficam a mercê das empresas transnacionais, onde a acessibilidade e acesso ao meio técnico científico informacional são controlados aos extremos com a produção de supostas verdades. Surge, então, uma questão importante: a preocupação com o meio ambiente, em particular, o acelerado processo de degradação ambiental das cidades do mundo, as mais atingidas são periféricas, refletindo-se numa crise social, econômica e política. A cidade pode ser definida como o lugar onde um grupo de pessoas se instalam, um sistema dinâmico; com um sistema de objetos próximos, onde impera o meio técnico científico informacional sobre os sistemas de ações (SANTOS, 1996), geralmente possuem interesses comuns: atividades de caráter mercantil, industrial, financeiro e cultural que interagem. O urbano é entendido a partir do sistema de ações através da prática social estabelecida pelos indivíduos em sociedade, base prático sensível, compondo a morfologia social existentes sobre a cidade enquanto forma, base morfológica material, sendo assim um conjunto dialético indissociável (EPIFANIA, 2008). A urbanização seria, dentre outras conceituações, o processo de (re)produção do espaço, onde se articulam intrinsecamente os agentes que regularizam as ações capitalistas, com infra-estrutura, que de certa forma facilita a vida dos citadinos, em detrimento do processo de reprodução da vida; aos quais na maior parte das vezes não são dadas a oportunidade de interagir com este espaço, (re)produzido sobre o discurso do mundo moderno e supostamente único. As regiões metropolitanas nada mais são que cidades que se comunicam a partir de suas combinações funcionais, por haverem fatores

organizacionais, internamente, que se complementam, com grande contingente populacional. Inserindo a cidade do Salvador na discussão: o caso da Avenida Paralela e o processo de desocupação da Mata Atlântica O crescimento urbano vem acontecendo de forma intensa e acelerada na cidade de Salvador, Bahia Brasil. Essa realidade é comum atualmente, mas não deixa de ser preocupante, no que diz respeito, às transformações na paisagem natural, alterando o meio ambiente urbano. Essa realidade é comum atualmente, mas não deixa de ser preocupante, no que diz respeito, às transformações na paisagem e seus impactos, alterando o meio ambiente urbano. As áreas estão sendo densamente devastadas na Avenida Paralela, com construções de condomínios residenciais para as classes média e alta, shoppings, lojas, abertura de ruas e avenidas. Nas proximidades dos bairros de Piatã e Itapuã, até recentemente ocupadas por resquícios de Mata Atlântica, cordão litorâneo e manguezais, vegetação que margeia a orla atlântica brasileira, tem sido alterada para dar lugar aos empreendimentos imobiliários, empreendimentos residenciais verticais, principalmente, utilizando esse espaço natural e, promovendo expulsão gradativa dos moradores de áreas de invasão (favelas) que existem há décadas, como o Bairro da Paz, com a intensificação da especulação imobiliária e, de certa forma, como mecanismo de redução da violência urbana nesta localidade. De acordo com Souza (2005), Diversos fatores têm contribuído, desde meados dos anos de 70, para a formação e consolidação de fenômenos de auto-segregação protagonizados pelas elites urbanas. Dentre esses fatores podem ser destacados: 1) uma paisagem urbana crescentemente marcada pela pobreza e pela informalidade, inclusive nas áreas centrais e nos bairros residenciais privilegiados mais tradicionais; 2) a deterioração das condições gerais de habitabilidade e qualidade ambiental nos bairros residenciais privilegiados tradicionais, devido a congestionamentos, poluição do ar, etc.; 3) a busca por uma maior exclusividade social; 4) eventualmente, a procura de novos espaços residenciais que apresentassem amenidades naturais; e 5), o aumento objetivo da criminalidade violenta e de problemas associados a estratégias de sobrevivência ilegais (como as balas perdidas quando de tiroteios entre quadrilhas rivais d traficantes de drogas, a desvalorização de imóveis

situados próximos a favelas etc.), e também da sensação de insegurança vinculada, com maior ou menor dose de realismo, a criminalidade objetiva. A criminalidade e a insegurança parecem confundir-se com a imagem da cidade tradicional, e o seu agravamento, a partir da década passada, tem feito dessa problemática um fator de estímulo a autosegregação cada vez mais poderoso. (SOUZA, 2005, p. 197; 1999). Figura 1 Bairro da Paz e os empreendimentos imobiliários. Fonte: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=798680&page=198. Acesso em 13/02/2011. Problematizando a temática: da (in)formalidade a (in)formalidade A organização sócio-espacial brasileira continua seguindo os caminhos tradicionais de crescimento econômico, supervalorizando as capitais, num primeiro momento e, em seguida, as cidades médias e pequenas. Todos os agentes sociais envolvidos os proprietários dos meios de produção, sobretudo os industriais; os proprietários fundiários; os promotores imobiliários; o Estado e os grupos sociais excluídos - têm a sua parcela de culpa para a conformação das Regiões Metropolitanas e sua exaustão no uso de seu sistema, que, atualmente, não vem suportando esse inchaço populacional e a escassez de seus recursos. As cidades, que também funcionam como um sistema, mas como um

sistema aberto, se persistir o uso indevido e intenso, a tendência sempre será entrar em pane. Fato este discutido exaustivamente na Geografia, por alguns que se preocupam com a questão urbana, mas seguindo paradigmas consolidados. Considerando que a cidade e o urbano são representados pela maneira como a sociedade se apropria e produz um território onde predominam atividades econômicas dos setores secundários e terciários, em prol do progresso econômico, e simplesmente deixando de lado que a produção deste espaço e o consumo dos recursos naturais estão vinculados diretamente ao lucro e/ou prejuízo decorrentes da utilização da natureza. O crescimento dos centros urbanos, infelizmente, não acontece por igual. O modo de se pensar este crescimento, se dá a partir de lógicas distintas: a econômica e a social. De quem produz um espaço elitizado, ditando regras e valorizando seus terrenos, seja para a comercialização ou especulação imobiliária e, de quem tem que se contentar com as sobras, com os terrenos que não servem para os detentores do poder e (do capital), ou se utilizando terrenos inutilizáveis devido a sua localização e tipo. É nas regiões metropolitanas que o resultado da desigualdade social exacerbada se apresenta de forma escancarada, representada pela segregação espacial e exclusão social, ou seja, por um número crescente de crianças abandonadas, moradores de rua, camelôs, pedintes, marginais, etc. A fragmentação do tecido urbano se intensifica suas relações de poder, acentuando a segregação socioespacial, conforme Souza: "(...) a fragmentação do tecido sociopolítico-espacial coloca em primeiro plano a dimensão política, vale dizer, a dimensão do poder. Está-se diante, portanto, de uma fragmentação territorial, no sentido próprio do termo território: um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder (...). (SOUZA, 2005, p. 216-219) Ao discutir os condomínios e as invasões, como localidades que segregam os espaços urbanos das nossas grandes cidades, criam, dessa forma, espaços de diferenciação e hierarquia não somente entre os indivíduos, separam e isolam as suas experiências e práticas sociais, aceitos ou não, pelos poderes públicos e privados, pois não somente mantém fora de contato os indivíduos, separam aquilo que é considerado hegemonicamente como aceitável e pretendido como válido ocupação formal (condomínios), do que não é aceitável e pretendido com não válido ocupação informal (invasões).

Para o poder público, o desmatamento e a ocupação informal, como o Bairro da Paz, anos atrás era inaceitável, hoje, com a implementação de políticas (PDDU Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano¹), acontece não somente a devastação da Mata Atlântica, bem como o incentivo à ocupação formal e à segregação social. Figura 3 Bairro da Paz versus condomínios Bairro da Paz. Condomínio Colina de Piatã (em construção) Fonte: Fotos retiradas no local, 22 de janeiro de 2011. Fonte: acesso em 13/02/2011. www.deciosampaio.com.br/cr1; O processo de ocupação, atualmente aceito é, sem dúvida, o formal, aceitável, impulsionando a valorização da terra, seguindo o que está no PDDU, mas questionado a todo momento, por deixar lacunas no que se trata da questão socioambiental. Ao discutir o meio ambiente urbano, Rodrigues (1998) trata a problemática ambiental quando a produção do espaço urbano é desigual, onde a ausência da urbanidade para os excluídos, economicamente falando, partilha do processo de urbanização. Segundo a autora, eles partilham em escala ampliada dos resíduos deste processo de urbanização acelerado, respirando o ar poluído das cidades e metrópoles, habitando em situação precária e não tendo trabalho adequado para as necessidades de sua reprodução, sem fornecimento adequado de luz e água e de esgotamento sanitário, sem transportes coletivos suficientes, atendidos como animais não pensantes nos hospitais, postos de saúde e até nas escolas. Enfim, sem condições de vida digna. Com preocupações crescentes com o meio ambiente e incluindo aí, áreas que ainda estão conservadas nos centros urbanos, deve-se levar em consideração que a falta de espaço para construir tem pressionado legal ou ilegalmente construções que estão

mudando a paisagem natural. Por vezes, aqui em Salvador, verifica-se que empresas do ramo imobiliário constroem em terrenos de Mata Atlântica preservada, como na Paralela e, isoladamente ou coletivamente, pessoas da baixa renda ocupam terrenos íngremes e sem importância financeira, que propiciam desabamentos, ou margens de rios e lagos, que dão origem ao despejo de resíduos domésticos e ao assoreamento destas águas. Os dois lados da moeda ricos e pobres pecam ao ocupar sem pensar na existência de áreas verdes para a permanência de qualidade do ar, na manutenção do conforto térmico e da transformação de micro-climas atuantes nas cidades. A questão é a seguinte: como a cidade de Salvador estará daqui a alguns anos, com esse intenso processo de construções, formais e informais, diminuindo suas áreas verdes, aumentando a circulação de veículos particulares, já que não possui transporte público eficiente, diminuindo a circulação do ar, com a verticalização da cidade, uma maior produção de lixo, dentre outros fatores que, certamente, interferem na qualidade de vida na cidade? Somando-se ao processo de exclusão social carências habitacionais e econômicas são itens a serrem analisados com profundidades para a melhora de situações frágeis e que devem ser consideradas. O que não é passível a mensuração, mas pode ser caracterizada como a informalidade, a irregularidade, a ilegalidade, a pobreza, a baixa escolaridade, o oficioso, a raça, o sexo, a origem (MARICATO, 1996) dá-se um grave problema: a ausência de cidadania plena. O Planejamento, bem como, a Gestão Urbana e Ambiental com eficácia têm se constituído em grandes desafios traçados pelo Poder Público para regulação do uso e ocupação do solo. Com a compreensão de que está ocorrendo a destruição da natureza e da sociedade, é que se torna vital a revisão em categorias como espaço e território, para desvendá-los através do planejamento, a partir do qual, novas relações da sociedade e natureza serão construídas. Considerações Finais No caso de Salvador, estes desafios não têm alcançado grande êxito, já que, uma cidade com 462 anos, assistiu, apenas, a três tentativas de Planejamento Urbano formalizado: primeiro em 1935 (EPUCS Escritório do Plano Urbanístico de Salvador),

em segundo, na década de 70 (PLANDURB Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano da Bahia) que resultou a lei n 3.345/83. E a lei n 3.525/85, que aprovou o PDDU (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano) em 1985, que pouco contribuiu para melhorar a Gestão Urbana. O período de 1985/2008 foi marcado pela desarticulação e desatualização do Planejamento/Gestão da cidade. Em 2008, A nova lei do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município do Salvador *LEI N 7.400/2008*, trouxe a tona muitas discussões, foi e ainda é muito questionado, por não apresentar soluções viáveis, tanto nas áreas de ocupação formal, quanto nas áreas de ocupação informal. Salvador é uma cidade que possui uma grande parcela dos seus moradores de baixa renda ocupando áreas frágeis no ponto de vista ambiental, algumas consideradas áreas de risco e, ainda, não existe uma preocupação em se (re)pensar as suas aglomerações urbanas periféricas e buscar possíveis soluções, limitar os bairros, que ainda hoje são analisados como Regiões Administrativas e buscar mecanismos para que haja um planejamento urbano e ambiental compatível com a realidade dessa cidade e atenda seus cidadãos. Referências Bibliográficas BORJA, Jordi. Barcelona: um modelo de transformación urbana. Quito,Programa de Géstion Urbana/Oficina Regional para a América Latina y Caribe,1995.. As cidades e o planejamento estratégico: uma reflexão européia e latino americana. In: FISHER, Tânia (org.). Gestão contemporânea. Rio de Janeiro: FGU, 1996. p. 79-99. BORJA, Jordi; FORN, Manuel de. Políticas da Europa e dos estados para as cidades. Espaços e Debates, ano XVI, n 39, 1996. BORJA, Jordi. CASTELLS, Manuel. Local y global. La gestión de lãs ciudadesem la era de la información. Madrid, United Nations for Human Sttlements/Taurus/Pensamiento, 1997. CASTELLS, Manuel; BORJA, Jordi. As cidades como atores políticos. In: Novos estudos CEBRAP, n 45, jul. 1996, p. 152-166.

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