TÓPICO ESPECIAL 25 de setembro de 2015



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Os desafios fiscais do Brasil Thiago Neves Pereira Fernando Honorato Barbosa Resgatar o equilíbrio das contas públicas será crucial para que o Brasil enfrente os desafios recentes que se colocam para a economia. A essência da volatilidade recente nos mercados está na falta de uma adequada ancoragem fiscal. Sem equilibrar as contas públicas, as taxas de juros, o risco país e o câmbio não interromperão a trajetória de deterioração. Isso porque, ao não equacionar o déficit fiscal haverá menor disposição dos investidores locais e estrangeiros em financiar a dívida pública, que vai cada vez mais tendo seu prazo reduzido e seu custo aumentado. Portanto, pode-se dizer que o país sofre de um problema de ancoragem, como debatido na literatura econômica. Sem a âncora fiscal não é possível precificar os ativos. Sem clareza da dinâmica fiscal daqui para frente, as expectativas se deterioram na direção de ainda mais inflação e menor crescimento, mesmo em relação aos níveis atuais. O objetivo deste Tópico Especial é descrever os desafios fiscais que o país terá que enfrentar para equacionar as contas públicas e colocar a dívida novamente em trajetória de estabilidade ou declínio nos próximos anos. A razão central para a deterioração dos preços dos ativos nas últimas semanas está na perspectiva de crescimento contínuo da dívida pública no Brasil. Como se pode notar no gráfico a seguir (Gráfico 1), mesmo usando hipóteses consideradas favoráveis, a dívida pública não para de crescer até pelo menos 2018. A dívida bruta no Brasil tem crescido nos últimos anos por conta da perda de capacidade de geração de superávits primários, pelo aumento dos empréstimos ao BNDES e pela contrapartida do carregamento das reservas internacionais 1. Alguns analistas sugerem que os juros são os verdadeiros responsáveis pelo crescimento da dívida pública. Os juros que um país paga, entretanto, refletem seu nível de inflação e a confiança nas contas públicas. Portanto, em nosso julgamento, os juros são claramente consequência dos desequilíbrios macro e não causa deles. Em essência, a despesa pública no Brasil cresce muito acima do PIB há inúmeros anos. 75,0 73,0 7 69,0 67,0 65,0 63,0 6 59,0 57,0 55,0 58,9 Gráfico 1 - Dívida Bruta (% PIB) 72,5 71,1 69,2 64,7 66,4 66,3 65,6 6 63,3 62,6 Fonte: Min. Planejamento, BRAM 2014 2015 2016 2017 2018 BRAM Governo (atual) Governo (início do ano) 1

Para estabilizar a dívida pública, o Brasil tem que ser capaz de voltar a produzir superávits primários robustos nos próximos anos. Como se pode notar na tabela a seguir (Tabela 1), supondo um crescimento de 2% do PIB e juros reais da ordem de 6,0%, é necessário que o Brasil economize cerca de 3,0% do PIB para estabilizar a dívida. Isso equivale a cerca de R$ 200 bilhões ao ano, um esforço expressivo quando comparado aos desafios que o governo encontra para zerar o déficit orçamentário de 2016, originalmente estimado em R$ 3 bilhões. Historicamente, o Brasil produziu superávits primários até mesmo superiores a 3,0% do PIB (Gráfico 2), mas essa capacidade se esgotou. Podemos separar as razões para esse esgotamento em quatro blocos: (1) rigidez constitucional dos gastos; (2) correção do valor de benefícios em descompasso com o equilíbrio de longo prazo (3) excesso de desonerações e incentivos tributários 2 ; (4) queda do crescimento econômico. Algumas das desonerações excessivas e algumas reformas do gasto vêm sendo endereçadas desde o início do ano, mas a rigidez dos gastos, as regras de reajuste dos benefícios e a retomada do crescimento irão requerer grandes reformas para serem equacionadas. A solução para o desafio fiscal do país, portanto, passa por uma combinação de reformas do gasto, avaliação de eficiência, aumento de impostos e reformas microeconômicas que estimulem o crescimento. Tabela 1 - Resultado primário necessário para estabilizar a Dívida Bruta Crescimento do PIB Elaboração: BRAM Estabilizar a Dívida em 69% (2016) Taxa de Juro Real 4% 6% 8% 0% 2,8 4,1 5,5 1% 2,0 3,4 4,8 2% 1,4 2,7 4,1 3% 0,7 2,0 3,3 3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 - - Gráfico 2 - Resultado Primário: Setor Público Consolidado (%PIB) 3,7 3,7 3,2 3,2 3,2 3,2 3,3 2,6 2,9 2,2 1,9 2002 2003 Fonte: BCB, BRAM 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 1,8 2013-0,6 2014 A elevada rigidez das despesas públicas dificulta enormemente a ampliação do superávit primário daqui em diante. Em 2002, as despesas passíveis de contingenciamento representavam 27,1% do orçamento da União e, atualmente, esses valores somam apenas 12,1%. Com menores despesas passíveis de contingenciamento, o ajuste fiscal no curto prazo fica muito dependente de cortes nos investimentos. Isso limita a amplitude do ajuste primário, é prejudicial ao país e evidencia a necessidade de um debate que altere regras e permita cortes e ajustes nas despesas que hoje não são contingenciáveis, como previdência e salários. O que a tabela a seguir ilustra (Tabela 2) é que as despesas com a previdência, assistência social e com os salários dos servidores públicos consomem sozinhas R$ 870 bilhões do orçamento total de R$ 1,2 trilhão, ou seja, 72% do orçamento. Sem reformas nessas áreas será impossível produzir flexibilidade adequada no orçamento para termos um colchão de segurança para crises e gerar resultados primários robustos no futuro. Apenas as despesas de Previdência, Saúde e Educação devem acrescentar 0,4 p.p do PIB às despesas totais por ano, até 2030, necessitando de uma nova CPMF 3, por exemplo, a cada quatro anos, apenas para neutralizar tal aumento de despesa 4. 2

Tabela 2 - Despesas - Orçamento Federal 2016 (PLOA 2016) R$ bi % PIB Despesas Totais 1.210,6 19,4% Despesas Obrigatórias 960,2 15,4% Seguridade Social e Benefícios Assistenciais 592,1 9,5% Salários 252,6 % Subsídios 46,8 0,8% Outras 68,7 1,1% Despesas Discricionárias Totais 250,4 % Saúde e Educação 124,9 2,0% Bolsa Família 28,8 % PAC 42,4 0,7% Outras 54,3 0,9% Fonte: Ministério do Planejamento O aumento do déficit da previdência que irá saltar de R$ 50 bilhões em 2013 para R$ 125 bilhões em 2016 decorre essencialmente de problemas estruturais. O Brasil gasta com previdência e assistência social o equivalente a 12,0% do PIB para uma parcela de idosos acima de 65 anos de apenas 7,5% da população. Quando comparado a outros países (Gráfico 3), o país gasta muito mais do que seria esperado para a parcela equivalente de idosos na população. Essa equação só será solucionada com o estabelecimento de regras de idade mínima de aposentadoria e de equiparação da idade e regras de aposentadoria entre todos os grupos da sociedade 5, dado o forte aumento da população de idosos esperado para os próximos anos. O déficit da previdência não se elevou apenas por conta das regras de aposentadoria, mas pela concessão de reajustes muito acima do compatível com o equilíbrio de longo prazo. A elevação do salário mínimo que atingiu o maior valor real em mais de 70 anos amplificou o problema das regras pouco rígidas na concessão de benefícios (Gráfico 4). As despesas com benefícios equivalentes a um salário mínimo cresceram 184% desde 2006, enquanto aquelas superiores a um salário mínimo cresceram 18,0% (Tabela 3), em parte, é verdade, em função da queda das faixas mais altas para a de um salário mínimo. A cada 10% de aumento do salário mínimo, por exemplo, as despesas previdenciárias e assistenciais se elevam em cerca de R$ 60 bilhões ao ano. Assim, além de reformar as regras de acesso, o componente de indexação dos salários à inflação passada poderia gradualmente ser substituído por alguma medida de inflação futura ou de produtividade, o que ajudaria no objetivo de desindexar a economia e a convergir os incentivos na direção de produzir a menor inflação futura possível para que os ganhos de salários reais fossem preservados 6. Gasto com Previdência (%PIB) 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Gráfico 3 - Gasto com previdência e perfil demográfico Brasil Turquia México Chile Polônia Luxemburgo Estados Unidos Itália Grécia Finlândia Japão Alemanha Fonte: OECD, UN 5 10 15 20 25 30 35 % da população acima de 60 anos 90 80 70 60 50 40 30 20 10 668,7 Gráfico 4 - Salário Minimo (R$) Preços Constantes* 547,3 278,5 1944 1947 1950 1953 1956 1959 1962 1965 1968 1971 1974 1977 1980 1983 1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007 2010 2013 Fonte: Ministério Previdência, BRAM. *Deflacionado pelo indicador disponível no período. 800,3 3

Tabela 3 - Valor dos Beneficios - Ano (Total R$ milhão) Total Benefícios menores do que 1 SM Benefícios maiores do que 1 SM 2006 173.048 74.784 98.264 2014 328.579 212.554 116.024 Variação (%) 89,9 184,2 18,1 Fonte: Ministério da Previdência Social, BRAM Além da previdência, houve significativo aumento das despesas com programas sociais, saúde e educação nos últimos anos (Gráficos 5 e 6), também fruto de regras constitucionais e de avanços nos valores pagos. Os programas sociais (seguro desemprego, abono salarial, LOAS/ RMV e bolsa família), saúde e educação representavam 14,1% das despesas da União em 2002 (1,8% do PIB) e encerraram 2014 consumindo 23,4% das despesas da União (2,2% do PIB). O crescimento das despesas com saúde e educação seguiu a indexação determinada na Constituição, que até o ano passado definia que as despesas com saúde avançassem ao ritmo de aumento nominal do PIB, enquanto a educação dependia de uma parcela do imposto de renda (IR) e impostos sobre produtos industrializados (IPI). Para os próximos anos, os gastos com saúde serão vinculados a 15% da Receita Corrente Líquida da União (RCL), enquanto para a educação, o Plano Nacional de Educação (PNE) definiu atingir a meta de 10% do PIB até 2022. Assim, essas rubricas devem continuar ganhando espaço no orçamento federal nos próximos anos. O mesmo deve ocorrer com o seguro desemprego, abono salarial, LOAS/RMS e bolsa família. 2,5 2,0 1,5 Gráfico 5 - Despesas Programas Sociais (%PIB) 2,2 1,4 0,3 1,7 0,4 0,6 0,6 0,8 2006 2010 2014 Seguro Desemprego e Abono LOAS Bolsa Família Fonte: STN, BRAM 0,7 Gráfico 6 - Despesas com Saúde e Educação* 2,5 (%PIB) 2,2 2,0 1,7 1,8 0,7 1,5 0,3 1,4 1,5 1,3 2006 2010 2014 Saúde Educação Fonte: STN, BRAM; * Apenas despesas de custeio À primeira vista, essas despesas são essenciais para o país. Mas o que se nota nas comparações internacionais é que o Brasil não gasta pouco com saúde e educação, por exemplo, mas produz um gasto pouco eficaz. Os atuais níveis de dispêndios com saúde e educação no país são próximos àqueles observados em várias outras economias (Gráficos 7 e 8) com indicadores de desempenho estudantil e de saúde muito superiores aos brasileiros. De forma semelhante, o seguro desemprego registrava recordes sucessivos de desembolso nos últimos anos, enquanto o país apresentava a menor taxa de desemprego da sua história. As despesas com pensão por morte no Brasil são muito superiores àquelas observadas no Japão, Bélgica ou França, países muito mais ricos do que o Brasil. No caso do auxílio doença (Gráfico 9) e do seguro defeso, o crescimento das despesas também, chama atenção, desproporcional ao que seria esperado 7. Tentando 4

reverter esse quadro, o governo alterou as regras de concessão de alguns desses benefícios no início do ano, mas as novas regras ainda são insuficientes para adequar a despesa com abono, seguro desemprego e pensão por morte ao equilíbrio de longo prazo das contas públicas, o que irá requerer novas adequações no futuro. Nesse conjunto de despesas, o foco na eficácia e no controle permanente das regras de acesso é fundamental. A avaliação recorrente de políticas públicas, a focalização do gasto e a exigência de contra partida no Brasil 8 precisa ganhar dimensão e se espalhar para todos os programas de governo. 7,0 6,0 5,0 3,0 2,0 Gráfico 7 - Despesas com Educação* (% PIB) 6,3 6,4 4,6 4,9 5,1 5,2 5,3 3,6 3,8 3,9 Indonésia Japão Índia Chile Austrália México United States Euro area Fonte: Banco Mundial, BRAM. * União, Estados e Municípios Brasil África do Sul 9,0 8,0 7,0 6,0 5,0 3,0 2,0 1,2 1,3 Indonésia Gráfico 8 - Despesas com Saúde (% PIB) 8,1 8,1 8,5 Índia Fonte: OMS, BRAM 3,2 México 3,7 Chile 4,3 4,3 4,7 África do Sul Turquia Brasil 6,3 Austrália Estados Unidos Zona Euro Japão 20.000 18.000 16.000 14.000 12.000 10.000 8.000 6.000 4.000 2.000 0 8.979 Gráfico 9 - Auxílio Doença (R$ milhão) Preços Correntes 11.318 11.177 12.138 10.944 10.707 11.394 13.470 14.878 17.039 18.978 Fonte: MPS, BRAM As despesas com salários chamam atenção muito mais pelo tamanho do dispêndio do que pela sua dinâmica recente (Gráfico 10). As despesas com pessoal e encargos federais representavam 21,3% dos gastos da União em 2014 contra 30,6% em 2002. Com isso, essa despesa em percentual do PIB recuou de 4,8% para % no período. O quadro de funcionários cresceu 31% desde 2002 (Tabela 4), proporção semelhante àquela observada para o emprego na economia como um todo (29,8%) e abaixo do crescimento real do PIB, de 49% no período. Portanto, pode-se dizer inclusive que houve algum ganho de produtividade. Mas como as despesas com salários são relevantes no total do orçamento público, qualquer elevação de salário tem um impacto substancial nas contas públicas, da ordem de R$ 30 bilhões a cada 10%. Portanto, apesar do recuo desse dispêndio, seria oportuno introduzir regras que permitissem ajustes mais rápidos na folha de pagamentos federal em momentos de crise, evitando que os trabalhadores mais produtivos do governo tivessem seu aumento de salário limitado pela rigidez imposta pelas regras de desligamento do serviço público. 5

Gráfico 10 - Despesas com Pessoal e Encargos 5,0 Socias (%PIB) 4,8 4,8 4,6 4,4 4,4 4,3 4,2 3,8 3,6 3,4 2002 2006 2010 2014 Fonte: STN, BRAM Tabela 4 - Número de Funcionários - Ativos 2002 2006 2010 2014 Total 912.192 1.005.842 1.111.633 1.195.822 Executivo 809.975 887.579 970.605 1.060.462 Legislativo 20.501 27.238 25.289 24.902 Judiciário 81.716 91.025 115.739 110.458 Fonte: Minist. Planejamento, BRAM Recuperar a capacidade de arrecadação é essencial no curto prazo e isso envolve redução de desonerações, de subsídios e algum aumento de impostos apesar da já elevada carga tributária. O primeiro passo para recuperar a capacidade de arrecadação é reverter as desonerações realizadas nos últimos anos, que somaram mais de R$ 100 bilhões em 2014 (Gráfico 11). Grande parte das desonerações foi revertida no início de 2015, mas outras ainda podem ocorrer nos próximos trimestres. Além disso, os subsídios voltados a estimular o crescimento sem muita efetividade até o momento somaram um valor importante (Gráficos 12 e 13). Dentre esses programas, os mais volumosos foram os do BNDES, do Minha Casa Minha Vida, da CDE (setor elétrico) e FIES (com impacto na dívida futura e não no fluxo). Todos, em alguma medida, passam por revisões. Ainda assim, esse conjunto de reversões de desonerações não será capaz de solucionar o problema fiscal, que requer ações de curto prazo para evitar uma deterioração ainda maior da dívida, o que irá requerer aumentos transitórios de impostos enquanto as reformas estruturais não são implementadas. Gráfico 11 - Desonerações - Ano (R$ milhão) 120.000 104.043 100.000 78.585 80.000 60.000 46.464 40.000 20.000 0 2012 2013 2014 Fonte: SRF, BRAM 0,9 0,8 0,7 0,6 0,4 0,3 0,2 0,1 Gráfico 12 - Despesas com Subsídios (%PIB) 0,9 0,2 0,4 0,2 2002 2006 2010 2014 * Subsídios e subvenções, CDE, Comp. RGPS e MCMV Gráfico 14 - Despesas com Minha Casa, Minha Vida 16.000 (R$ milhão) 14.862 14.000 12.000 11.538 10.000 8.000 7.003 8.034 6.000 4.000 2.000 847 805 0 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Fonte: STN, BRAM 6

Por fim, é preciso considerar que a queda do crescimento tem afetado a arrecadação e comprometido o esforço fiscal. Até meados da década passada, as receitas líquidas apresentaram avanço médio acima do crescimento das despesas (Tabela 5), isso principalmente devido ao aumento de impostos (CPMF) e pela reforma da legislação do PIS/COFINS que elevaram a carga tributária. Contudo, esse cenário começou a mudar a partir de 2006, e de forma mais acentuada após 2010. O menor crescimento econômico e a ampliação das desonerações (Gráfico 15) reduziram a capacidade de arrecadação do governo, que ficou mais dependente das receitas extraordinárias para o cumprimento dos superávits primários. Essa queda das receitas não permitiu evidenciar certo esforço do lado das despesas, que vêm crescendo no menor ritmo dos últimos anos, apesar de ainda crescerem acima do PIB. A retomada do crescimento, entretanto, requer um conjunto de reformas microeconômicas cujo sucesso não pode prescindir do equilíbrio macro das contas públicas, que é a origem dos desajustes econômicos. Tabela 5 - Crescimento Receitas e Despesas (% preços constantes) Período (média) Rec. Líquida Despesas PIB 1999-2002 7,5 5,5 2,3 2003-2006 6,0 6,4 3,5 2007-2010 6,7 7,9 4,6 2011-2014 3,3 5,4 2,1 2014-3,7 6,1 0,1 2015* -2,9-2,2-2,5 Fonte: STN, BRAM. * Projeção BRAM 4% 3% 2% 1% % -1% -2% Gráfico 15 - Demanda doméstica e Arrecadação de impostos (YoY - variação real) 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 arrecadação de impostos demanda doméstica 15,0% 1% 5,0% % -5,0% -1% Portanto, apenas com profundas mudanças na legislação das receitas e despesas o governo conseguirá elevar de forma significativa o superávit primário. O esforço até agora implementado tem sido importante, como se pode notar pela queda das despesas no ano. Mas será necessário rediscutir as regras de benefícios em vigência no país, reduzindo o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias. Adicionalmente, o país também terá que elevar transitoriamente as receitas, seja pelo aumento de alíquotas ou pela criação de novos impostos. Como os ajustes nas despesas são limitados no curto prazo, essa nova agenda fiscal deverá ser de médio e longo prazo. Portanto, para o país voltar a registrar níveis mais elevados de superávits primários, capazes de recolocar a dívida bruta em trajetória descendente, exigirá pelo lado do governo reformas estruturais, perseverança no controle dos gastos, análise permanente da eficiência e alguma elevação de impostos para financiar a transição da atual fase de desequilíbrio para um quadro de estabilidade e crescimento ancorado em reformas microeconômicas e aumento da produtividade. 7

Notas de rodapé: 1) Quando o tesouro transfere recursos para o BNDES, a dívida bruta aumenta. Ao mesmo tempo, o governo gera um crédito contra o BNDES. Assim, a dívida líquida (dívida bruta menos ativos do governo) permanece estável. Algo semelhante ocorre com as reservas internacionais. Ao comprar dólares, o Banco Central entrega reais ao mercado que, para não produzirem inflação e queda da taxa de juro efetiva, são resgatados do mercado com a emissão de dívida. Esses títulos elevam a dívida bruta e as reservas servem de ativo, mantendo a dívida líquida estável. As agências de rating em geral preocupam-se mais com a dívida bruta, por isso o foco deve se concentrar nela. Para uma discussão mais detalhada desse tema veja Tópico Especial de Novembro de 2012, A trajetória de dívida bruta como barômetro fiscal e base das outras metas fiscais. 2) A literatura fiscal especializada chama essas desonerações de tax expenditures (gastos tributários) pois tratam-se de incentivos equivalentes a gastos do governo. 3) No auge da CPMF, com alíquota de 0,38%, o tributo arrecadava 1,5% do PIB. 4) Mansueto Almeida, Samuel Pessoa e Marcos Lisboa em O Ajuste Inevitável ou o país ficou velho antes de se tornar desenvolvido, São Paulo, julho/2015, mimeo. 5) Há inúmeros artigos publicados a esse respeito, em relação à necessidade de harmonização de regras de acesso entre homens, mulheres, professores, militares e trabalhadores rurais, para citar alguns. A previdência rural, por exemplo, seria mais bem caracterizada como assistência social, uma vez que seus beneficiários não contribuem para o sistema. Há inúmeras propostas que preveem separar no orçamento as despesas com previdência daquelas tipicamente de assistência. Ainda que isso não resolva o problema fiscal, torna mais transparente as escolhas orçamentárias. A previdência rural acumulou um déficit de R$ 48,5 bilhões entre janeiro e julho de 2015, sendo que apenas 9% da população se enquadra nessa categoria, com 1/3 dos novos pedidos de aposentadoria vindo dos trabalhadores rurais. As regras de acesso à previdência dos funcionários públicos foram aprimoradas nos últimos anos, transformando o déficit da previdência dos funcionários públicos (RJU) um problema menor comparativamente ao dos funcionários da iniciativa privada (INSS). 6) Alguns economistas sugerem desvincular o valor do benefício da aposentadoria do salário mínimo, uma vez que, em tese, não se devem transferir ganhos reais para os setores que não mais produzem na economia. Mas isso pode gerar uma incompatibilidade entre o valor de um benefício e o que o país considera válido e necessário como mínimo para sobrevivência. 7) Para uma discussão detalhada desse tema, veja Tópico especial de Novembro de 2013, Dispêndios do governo com os programas abono e seguro-desemprego. 8) A focalização do gasto, em oposição às políticas de universalização do gasto, prevê que as transferências públicas sejam feitas sob critérios muito estreitos em que se tenha certeza que o beneficiário do recurso realmente se enquadra nos requisitos considerados necessários para obter aquele benefício. No caso da contra-partida, é fundamental restabelecer critérios para a continuação do recebimento do benefício, seja a matrícula de filhos na escola, seja a reavaliação em prazo bastante curto dos acidentes de trabalho, seja a busca de qualificação quando há pagamento de seguro desemprego. 8

FERNANDO HONORATO BARBOSA Economista-chefe fernandohb@bram.bradesco.com.br ANDRE NASCIMENTO NOGGERINI andrenoggerini@bram.bradesco.com.br DANIEL XAVIER FRANCISCO danielxavier@bram.bradesco.com.br JOSE LUCIANO DA SILVA COSTA lucianocosta@bram.bradesco.com.br HUGO RIBAS DA COSTA hugo@bram.bradesco.com.br THIAGO NEVES PEREIRA thiagopereira@bram.bradesco.com.br Tel.: 2178-6600 economia@bram.bradesco.com.br Material produzido em 25/09/2015 às 15h00 Outras edições estão disponíveis no Site: www.bradescoasset.com.br, As opiniões, estimativas e previsões apresentadas neste relatório constituem o nosso julgamento e estão sujeitas a mudanças sem aviso prévio, assim como as perspectivas para os mercados financeiros, que são baseadas nas condições atuais de mercado. Acreditamos que as informações apresentadas aqui são confiáveis, mas não garantimos a sua exatidão e informamos que podem estar apresentadas de maneira resumida. Este material não tem intenção de ser uma oferta ou solicitação de compra ou venda de qualquer instrumento financeiro. BRAM - Bradesco Asset Management é a empresa responsável pela atividade de administração de recursos de terceiros do Banco Bradesco S.A. BRAM - Bradesco Asset Management - Todos os direitos reservados. 9