Reflexões sobre legislação, conservação e a sociobiodiversidade

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Transcrição:

Reflexões sobre legislação, conservação e a sociobiodiversidade Priscila Facina Monnerat Engenheira Florestal Instituto Contestado de Agroecologia - ICA

A devastação histórica das florestas no Paraná 1890 1930 1937 1950 1965 Figura 1 Destruição das florestas do Paraná em um século Fonte: Gubbert Filho,1988 1980 Em apenas um século (1890 a 1990), o Estado do Paraná reduziu sua cobertura de 83,41% de seu território, para cerca de 5,20% de seu território (GUBERT, 1988)

Legislação X Conservação - Muito antes do que se costuma imaginar, já se criticava no Brasil a devastação do meio ambiente; - 150 textos - 50 autores que tratavam sobre as consequências sociais, econômicas e políticas da devastação das florestas brasileiras; - A superação das práticas devastadoras passavam pela implementação de reformas socioeconômicas profundas, que rompessem com o legado do colonialismo: o tripé escravidão, latifúndio e monocultura;

1907 - o Paraná editou o primeiro código florestal e durante a primeira guerra mundial a extração de araucária tornou-se desenfreada(gubert, 1988). Complexo da Lumber - Fonte: História ambiental

As leis votadas e condensadas nos códigos florestais do governo federal, dos estados do Paraná e de São Paulo são magníficas quanto ao seu teor, mas são letra morta diante do que observamos (Hoene, 1928) Descarrilhamento em meio a floresta de Araucaria. - Fonte: História ambiental

A legislação acaba sendo mais dura com pequenos e médios proprietários do que com grandes proprietários que são os grande causadores da destruição. -2001 - Resolução CONAMA n. 289 Licenciamento em Projetos de Assentamentos da Reforma Agrária (PAs) obrigatórias a recuperação e a manutenção das formações vegetais nativas remanescentes; elaboração de estudos dos aspectos econômicos, sociais e ambientais - subsídio à elaboração das propostas para a sua gestão sustentável; - Atualmente, é a Resolução do CONAMA n. 387/2006, que estabelece os procedimentos para o licenciamento ambiental em Projetos de Assentamentos.

Sobre as mudanças no novo código - O Código florestal impõe limites ao direito de propriedade: proprietário da terra mas não das florestas porque elas são um bem de uso comum da sociedade cuja função transcende o direito individual de propriedade; - O código Florestal é o principal conjunto de regras que permite a intervenção do Estado na propriedade privada da terra (Marés, 2011); - o Código Florestal era o último obstáculo à expansão do atual modelo de desenvolvimento da agricultura empresarial ou do agronegócio, cujas consequências já foram ilustradas no Paraná;

Para mudar o atual cenário... 1) Mudança na estrutura agrária: Reforma agrária e reconhecimento dos territórios dos povos e comunidades tradicionais; 2) Mudança na matriz tecnológica de produção; 3) Politicas Públicas para a voltadas para diferentes identidades socioculturais :camponeses, extrativistas, indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, ribeirinhos, faxinalenses, geraizeiros, sertanejos, quebradeiras de côco, seringueiros;

No Estado do Paraná : - 20 mil famílias em 323 Projetos de Assentamentos de Reforma Agrária (INCRA) - Área de um pouco mais de 425 mil hectares, ocupando 2,4% do território paranaense; - Destes, aproximadamente 120 mil hectares são de Reserva Legal e Área de Preservação Permanente.

Experiências na recuperação e conservação da sóciobiodiversidade - Há muitas experiências no âmbito da recuperação e conservação da sociobiodiversidade que nos mostram estratégias para reverter a crise ambiental; - Ações coletivas baseadas no conhecimento dos agricultores, aliadas ao conhecimento científico são essenciais na utilização dos recursos da biodiversidade para o desenvolvimento de uma nova agricultura; - a agricultura familiar camponesa e os povos tradicionais produzem respostas consistentes e diversificadas para críticas questões que desafiam o futuro de toda a sociedade;

Experiências na recuperação e conservação da sócio biodiversidade Agricultura agroflorestal - Cooperafloresta Barra do Turvo - 110 famílias; - Remanescentes de quilombola; - Construção de caminhos para a superação da exclusão social e da degradação dos recursos naturais; - Associativismo; - Formação agroflorestal; - Produção agroflorestal; - Beneficiamento e comercialização;

O Projeto Flora :cultivando agrobiodiversidade no Paraná Recuperação Ambiental + Produção Agroflorestal O Projeto Flora, realizado desde 2013, com patrocínio do Programa Petrobras Socioambiental, tem como desafio fortalecer a parceria existente entre a agricultura camponesa e conservação ambiental, transformando áreas degradas em ambientes saudáveis e produtivos. Para isso, seu objetivo principal é promover a reconversão produtiva de áreas degradadas em sistemas agroflorestais, através de um amplo processo de educação ambiental e de formação.

Proponentes Gestão Compartilhada + Rede de Parceiros As ações do projeto FLORA são coordenadas a partir do Instituto Contestado de Agroecologia e de 3 centros de formação em agroecologia: a Escola Latino Americana de Agroecologia - ELAA, a Escola Milton Santos EMS e a Escola José Gomes da Silva, cada um deste centros conta com uma equipe composta por técnicos e multiplicadores que atuam nas regiões do estado.

Processo de formação: Educação Agroflorestal + Ambiental As ações partem de um amplo processo de educação ambiental e formação agroflorestal voltadas para diferentes participantes. Destaca-se a realização dos Seminários Ambientais, das Oficinas de capacitação para implantação e manejos de sistemas agroflorestais, as Visitas de intercâmbio e a promoção de cursos, além das Caravanas Ambientais nas escolas do campo.

Reconversão produtiva de áreas degradadas em sistemas agroflorestais Hortas, pomares, lavouras e pastagens consorciadas com a conservação e recuperação ambiental são implantadas nas unidades demonstrativas de agroflorestas espalhadas pelo estado. Já são mais de 200 hectares (ha) produtivos implementados pelo Projeto FLORA e gerenciados pelas famílias com apoio da equipe técnica.

Pesquisa e Sistematização O Projeto FLORA tem um papel fundamental também na sistematização das experiências de agroecologia já consolidadas nas áreas de reforma agrária. Práticas e saberes, registrados e construídos a partir do acompanhamento das famílias, são organizados e divulgados pela equipe do projeto, reafirmando o potencial de conservação e recuperação ambiental das áreas destinadas a Reforma Agrária no Paraná.

Considerações Finais É com base na análise histórica do cenário de uso e ocupação da terra e das florestas no estado do Paraná e, tendo como referência permanente, o olhar crítico possibilitado pela atuação em conjunto com outras organizações, as universidades, centros de pesquisa e principalmente com as famílias camponsesas, que o Projeto FLORA, busca aliar a potencialidade dos Assentamentos da Reforma Agrária na recuperação e conservação ambiental a partir da agroecologia e das agroflorestas. Uma experiência que vem sendo gestada no Paraná e que pode ser replicada em muitas outras realidades do Brasil.

O que podemos aprender com estas experiências? As diversas identidades socioculturais, que tem se mostrado como os verdadeiros guardiões dos bens comuns e da agrobiodiversidade; Devemos incentivar experiências que são desenvolvidas a partir de conhecimentos tradicionais e modos de vida associados à conservação e ao uso sustentável da agrobiodiversidade; É preciso ter políticas públicas voltadas para a melhoria da vida no campo e específicas para cada uma das diversas identidades socioculturais;

Somos raros e preciosos porque estamos vivos, porque Obrigado! podemos pensar dentro de nossas possibilidades. Temos o privilégio de influenciar e talvez controlar o nosso futuro. Acredito que temos a obrigação de lutar pela vida na Terra - não apenas por nós mesmos, mas por todos aqueles, humanos e de outras espécies, que vieram antes de nós e a quem devemos favores -, e por aqueles que, se formos inteligentes, virão depois de nós. Não há nenhuma causa mais urgente, nenhuma tarefa mais apropriada do que proteger o futuro de nossa espécie. Carl Sagan, 1997