Processo criativo em moda no contexto da globalização negativa Creative process in fashion in the context of "negative globalization"



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Transcrição:

9 Colóquio de Moda Fortaleza(CE) - 2013 Processo criativo em moda no contexto da globalização negativa Creative process in fashion in the context of "negative globalization" Jonathan Gurgel de Lima Universidade de São Paulo contato@jonathangurgel.com Resumo: Partindo do conceito de globalização negativa empregado pelo sociólogo pesquisador Zigmunt Bauman, o presente trabalho apresenta um breve panorama do mercado de moda consequente da cultura atual, fomentando uma discussão sobre o processo criativo de moda das empresas de fast fashion e suas consequências desastrosas no desenvolvimento da capacidade criativa dos designers de moda que trabalham nesse mercado. Palavras chave: Processo criativo; fast fashion; design de moda. Abstract: Based on the concept of "negative globalization" employed by sociologist researcher Zigmunt Bauman, this paper presents a brief overview of the fashion market resulting from the current culture, fostering a discussion about the creative process of fashion fast fashion companies and their consequences disastrous in developing the creative ability of fashion designers working in that market. Keywords: Creative process, fast fashion, fashion design. Introdução A globalização e o uso excessivo das novas tecnologias, de forma equivocada afetou diretamente a capacidade criativa do ser humano. Cada vez mais, o homem exerce menos o seu papel de agente ativo na construção da sua rotina de vida e vem se tornando, paulatinamente, um ser passivo e dependente das novas tecnologias. O vício por informações pré-digeridas oferecidas por novas tecnologias que poupam o ser humano até mesmo de pensar, tem, fatalmente, mantido este homem pairando na superficialidade das coisas. Bauman (2007, p.30), comenta que em sua forma atual, puramente negativa, a globalização é um processo parasitário e predatório que se alimenta da energia sugada dos corpos dos Estados-nações e de seus sujeitos. No atual contexto da indústria da moda, a velocidade com a qual novos produtos e coleções são lançados no mercado, tem demandado ainda mais

objetividade e eficiência nos processos que envolvem o desenvolvimento do produto. O setor de criação de uma empresa de moda, nos dias atuais, precisa estar afiado com o ritmo acelerado que define a realidade do mercado. O chamado fast fashion, termo com o qual se convencionou chamar os grandes magazines e lojas de departamento que, para se tornarem mais competitivas, lançam quase que diariamente novos produtos nas lojas, não são hoje mais a tendência e, sim, a realidade vigente do mercado de moda mundial. Desenvolvimento do produto de moda nos dias atuais Mesmo as marcas de luxo, que não conseguem acompanhar o ritmo acelerado de produção devido ao característico refinamento no feitio de seu produto, tem precisado se adaptar a realidade da moda rápida. Atualmente, lançam-se em média quatro coleções principais anuais(figura 5): resort, primavera/verão prétà-porter, pré-outono e outono/inverno prét-a-porter. Resort e pré-outono, são coleções que traduzem o conceito da marca em peças mais comerciais/casuais e antecedem as oficiais de primavera/verão e outono/inverno, respectivamente; primavera/verão prét-a-porter e outono/inverno prét-a-porter, costumam ser apresentadas, por meio de desfiles, em grandes semanas de moda, e, apesar de também serem comerciais, são coleções com um conceito mais apurado e menos casuais. As marcas de luxo mais tradicionais ainda lançam, além dessas, duas coleções de alta costura por ano, peças sob medida e concebidas a sua maior parte a mão. Comparado com algumas décadas atrás, quando se lançavam somente duas coleções mais importantes por ano, podese constatar que houve grandes mudanças em pouco tempo.

Figura 5: Coleções apresentadas por categorias, no site de moda style.com. Fonte: style.com, acesso em 23/01/2013. Profissionais da área de criação de moda possuem uma demanda diária de rendimento criativo. Portanto, é difícil imaginar que nessa realidade tais profissionais tenham que lidar com esta sobrecarga criativa contando apenas com a inspiração, que pode ou não vir. O mercado de moda atual exige pressa e acima de tudo, precisão. Os produtos lançados no mercado precisam corresponder aos anseios das massas ou de um público específico. Já houve o tempo em que a moda era ditada pelos nobres, outros tempos em que a moda era ditada pelos estilistas e há os dias de hoje, onde a moda é ditada por quem usa a roupa. Uma pluralidade imensa de tendências convive ao mesmo tempo, refletindo a grande diversidade de estilos, culturas, pensamentos e gostos ao redor do planeta. A moda hoje não é mais seguir a moda e sim encontrar o seu estilo. De direito, o modelista é um criador livre, sem limites; de fato, em frente a um empreendimento industrial e comercial, o grande costureiro vê sua autonomia criadora limitada pelos costumes do tempo, pelo estilo em voga, pela natureza particular do produto realizado o traje que deve agradar a estética das pessoas e não satisfazer o puro projeto criador. (LIPOVETSKY, 2005, p. 80).

Para tanto, para decodificar o que essas massas ou públicos específicos vão usar antes mesmo de perceberem essa vontade de forma consciente, as marcas têm feito uso dos bureaus de estilo, que contam com especialistas das mais diversas áreas empenhados em identificar as tendências de consumo de moda futuros. A exemplo disso, temos o portal WGSN (figura 6). Figura 6: Home do portal WGSN. Fonte: wgsn.com, acesso em: 26/01/2013. O processo de criação do produto de moda tem seu inicio na identificação das tendências que mais se adaptam ao público de determinada marca. Dentro desse processo está a tarefa de escolher temas, silhuetas, cores e tecidos a serem trabalhados no desenvolvimento da coleção. A pesquisa de tendências trata-se de um apanhado de imagens que irão servir de referência na criação dos modelos da coleção. Essas imagens podem ser objetos, pessoas, lugares, tudo que contextualize e possa ajudar a compor a atmosfera criativa da coleção. Mas, de fato, as imagens que mais ocupam o espaço de um painel criativo de uma coleção são mesmo de roupas, que podem servir de inspiração ou simplesmente serem copiadas, adaptando-se o modelo a outras matérias primas. É interessante e um tanto perturbador, constatar que na era da globalização negativa, a criação de uma coleção de moda pode surgir da cópia de peças.

Reconhecendo-se o perfil de produto no fast fashion, essa é uma característica já fortemente disseminada. Analisam-se as tendências lançadas por marcas consideradas referencial de sucesso naquele momento e assimilam-se os produtos que mais se adéquam à capacidade da empresa. São levadas em consideração nesse momento: o perfil do público alvo, disponibilidade de matérias primas, maquinário copatível, mão de obra, budget da coleção e o potencial lucrativo das peças. Após as pesquisas de tendências, esses estudos servirão de base para o estabelecimento de um conceito que será traduzido em uma coleção. Cada vez menos, tem se percebido a prática da elaboração do croqui no momento da criação de uma coleção. Os designers, provavelmente por questões que envolvem a necessidade de rapidez e objetividade no processo de criação, tem optado por dar enfoque ao desenho técnico (figura 7), que é mais explicativo e se adéqua mais às necessidades da cadeia produtiva. Figura 7: Desenho técnico de uma camisa masculina. Fonte: Acervo próprio. A próxima etapa será a de concepção dos protótipos, partindo do desenvolvimento dos moldes, que deverão ser devidamente adaptados às matérias-primas que posteriormente serão utilizadas na confecção da peça piloto. Após passadas todas essas etapas, os protótipos são avaliados, se necessário, são feitos ajustes. Coletar informações, realizar pesquisas, organizar referências, eleger cores, tecidos, desenhar croquis, estampas, planejar a coordenação

entre as peças, pertencem ao universo dos processos criativos em design de moda. A construção destes se dá através da elaboração de fichas técnicas, estudos de modelagens, confecção de peças-piloto e definição final de tecidos, e aviamentos, que, por sua vez, orientam a produção das peças (NAVALON, 2008). Como podemos observar, são muitos os processos que compõem o design de vestuário de moda contemporâneo. Na grande maioria dos casos, esses processos não são executados pela mesma pessoa, sendo necessária a formação de verdadeiras equipes para executar tais tarefas. Em sua forma mais simplificada, essas equipes são compostas por um modelista, um pilotista e um designer que, além de conceber a ideia, gerencia todos os outros processos, afim de garantir que o resultado saia condizente com o seu projeto, por isso é fundamental para um designer de vestuário que ele entenda de todos os processos, por mais que não seja o executante. Em vista de buscar um mercado imediatista, a moda efêmera, com seu prêt-à-porter, vem distanciar o verdadeiro sentir, pensar, agir e movimentar do corpo humano, partindo para a tecnologia industrializada na arte de confeccionar. Conhecer o mecanismo humano, desenvolver e levar o relacionamento entre individuo e vestuário, considerando os corpos humanos com suas diferenciações e patologias, devem participar da futura visão deste milênio (GRAVE, 2004, p. 11). É pré-requisito básico para um designer de vestuário que entenda, no mínimo, de modelagem, para que não crie peças que não possam ser colocadas em prática. É preciso que no momento da criação, o designer já tenha certa noção de como seguirão os demais processos com a finalidade de dar forma ao seu projeto e que este corresponda às necessidades de seu público. O designer de moda tem em suas atividades um complexo conjunto de ações interconectadas. Ele é um profissional que associa em seu projeto arte, técnica, tecnologia, planejamento e conhecimento das áreas culturais e produtivas da sociedade. (MOURA, 2005). Empresas maiores como grandes magazines ou atacadistas, costumam ter verdadeiras equipes de criação, lideradas por um diretor criativo. A figura do diretor criativo é algo relativamente novo dentro do contexto de uma marca de moda. Em um ambiente em que se faz necessário mais de um designer de moda para desenvolver o produto da marca, esse profissional é o responsável por manter a harmonia da coleção. O diretor criativo peneira e refina as

criações, deixando chegar ao consumidor somente aquilo que é coerente com a marca e seu publico alvo. Levando-se em consideração todo o processo de criação do vestuário de moda, podemos considerar o produto final uma obra coletiva, pois o produto passa pelas mãos de vários profissionais, do desenho a aprovação do protótipo. Mesmo Balenciaga, um dos maiores mestres da moda, conhecido por ter sido um dos poucos estilistas que dominava todos os processos do feitio de uma roupa, uma vez disse ao seu amigo Miró: Você é um sortudo, pois faz uma obra prima sozinho. Eu preciso de quinhentas pessoas... (JOUVE, 2011, p.43). As consequências decorrentes do sistema de criação da moda rápida Este sistema de criação desenvolvido pelas empresas de moda voltadas ao consumo de massa, fundamentado na replicação de tendências e peças de marcas de maior renome tem, sem duvidas, suas consequências, não só em relação ao mercado, como também em relação a capacidade criativa dos designers de moda. No que diz respeito ao mercado, uma das consequências mais visíveis é a quase que homogeneização dos produtos de moda. É possível ver a mesma peça em várias marcas diferentes que trabalham o mesmo segmento. A diferenciação dos produtos, quando há, se encontra principalmente nas matérias primas e no preço. Devido a competitividade acirrada do mercado de moda e a pouca diferenciação no design dos produtos das marcas concorrentes, o foco das empresas para ganhar alguma vantagem no mercado tem sido investir em publicidade e melhores preços, este segundo muitas vezes conseguido através da exploração de trabalhadores em países de terceiro mundo submetidos a grandes jornadas de trabalho e baixíssima remuneração. A ausência de um ambiente propício ao desenvolvimento da criação por parte dos designers que trabalham em empresas de moda fast fashion é, na maioria das vezes, um grande motivo de frustração desses profissionais, pois nenhuma universidade os prepara para este tipo de realidade. É exigido deste profissional não uma grande capacidade criativa, mas que ele seja ágil, preciso

e que aposte em peças que serão certeza de venda, não há lugar para experimentos nesse tipo de mercado. Com o aparecimento da figura do diretor criativo, que é o responsável pelo produto que chega as lojas, o papel dos estilistas tem se resumido quase que a de bons desenhistas e preenchedores de fichas técnicas. Como, de fato, essa é uma capacidade muito técnica, a qual as universidades de moda tem conseguido preparar seus alunos de uma forma muito mais satisfatória, a grande oferta de profissionais aptos para essas tarefas tem provocado uma queda vertiginosa nos salários e o estilista é, cada vez mais, desvalorizado. No Brasil, há relatos de profissionais que são colocados para realizar tarefas consideradas banais em outros setores das fábricas quando não há peças a serem desenhadas ou fichas a preencher. Ser um indivíduo criativo implica em ser capaz de fazer escolhas e de saber usar a intuição. O profissional de moda é educado direta ou indiretamente a fazer uso da previsão, onde seus atos implicam em uma finalidade préestabelecida. Os profissionais precisam desenhar peças que, além de não demorarem a chegar nas lojas, precisam ter o máximo de certeza que serão um sucesso de vendas. Como o estilista no mercado fast fashion tem pouco ou nenhum poder de decisão dentro das empresas que trabalham, não há muito a ser feito: se contentar com a posição de meros piões de fábrica ou procurar outros caminhos para a sua carreira, até mesmo por que a maior oferta de trabalho na área é nesse tipo de empresa, voltada para o fast fashion. Essa desmotivação causada pela rotina mecânica a que se resume as tarefas dos estilistas que trabalham em fast fashion tem contribuído na formação de um tipo de profissional medíocre e completamente frustrado. O modo de sentir e de pensar os fenômenos, o próprio modo de pensar e sentir-se, de vivenciar as aspirações, os possíveis êxitos e eventuais insucessos, tudo se molda segundo ideias e hábitos particulares ao contexto social em que se desenvolve o indivíduo. Os valores culturais vigentes constituem o clima mental para o seu agir. (Ostrower, 2013, p.16) Sobre o desenvolvimento da capacidade criativa do indivíduo em meio ao seu contexto cultural, percebe-se, dentre muitos pontos, que os fatores

motivacionais intrínsecos parecem ser muito mais importantes como fomentadores do desenvolvimento criativo do que os fatores extrínsecos. A motivação intrínseca é relacionada com o nível de envolvimento do individuo com determinada tarefa de maneira pessoal e independente dos estímulos externos. O indivíduo tende a ser mais criativo quando envolvido em tarefas com as quais possui uma afinidade, o também chamado amor pelo fazer. Esta relação pessoal de gosto com a tarefa, faz com que o indivíduo desperte em si o interesse pelo conhecimento amplo daquela área, uma curiosidade e o ímpeto de alcançar o domínio da técnica. O conhecimento técnico pode amplificar as possibilidades criativas. Este conhecimento funciona como uma ferramenta de acabamento e também como um meio para a criação. É a capacidade criativa aliada ao conhecimento técnico que faz com que o indivíduo possa ir além e encontrar outros fins para aquelas ferramentas ou até mesmo recriar os meios e refinar a técnica. O alto grau de comprometimento, aliado ao amplo conhecimento da área em que se está atuando, potencializa a formação de novas ideias. De fato, para Amabile apud. Alencar, motivação intrínseca conduz à criatividade; motivação extrínseca controladora é deletéria à criatividade, mas motivação extrínseca informativa pode conduzir à criatividade, particularmente se há altos níveis iniciais de motivação intrínseca. (2003, p. 5) Amabile define motivação extrínseca controladora como sendo a atribuição de recompensas, fomentação da competitividade e avaliação externa como parte da meta a ser alcançada no processo criativo. Este tipo de motivação pode ser prejudicial a partir do momento em que muda o foco que o individuo deveria ter no problema para a recompensa a ser alcançada. Neste processo, fica mais difícil o indivíduo se deixar arriscar por novos caminhos e sair muito além da zona de conforto. Neste sentido, Amabile apud Alencar(2003) sugere alternativas de estimulação da criatividade em sala de aula ou no ambiente de trabalho: (a) encorajar autonomia do indivíduo,evitando controle excessivo e respeitando a individualidade de cada um; (b) cultivar a autonomia e independência enfatizando valores ao invés de regras; (c) ressaltar as realizações ao invés de notas ou prêmios; (d) enfatizar o prazer no

ato de aprender; (d) evitar situações de competição; (e) expor os indivíduos a experiências que possam estimular sua criatividade; (f) encorajar comportamentos de questionamento e curiosidade; (g) usar feedback informativo; (h) dar aos indivíduos opções de escolha; e (i) apresentar pessoas criativas como modelos(p. 4). Conclusão Cabe a nós, pesquisadores e profissionais da área, refletir sobre qual será o futuro possível para o mercado de moda, que sempre teve o seu DNA pautado na renovação e na criatividade, se nem nossas universidades e nem o mercado de trabalho parecem estar formando pessoas capazes de explorar o seu potencial criativo. Por mais quanto tempo esse sistema de copias e tendências vai conseguir sobreviver em meio a uma sociedade cada vez mais sedenta por novidades e meios de ressaltar a sua individualidade? Referências ALENCAR, E. M. L. S; FLEITH, D. S. Contribuições teóricas recentes ao estudo da criatividade. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Jan-Abr 2003, Vol. 19 n.1 pp. 001-008. BAUMAN, Zigmunt. Tempos líquidos; tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro : Jorge Zahr Ed., 2007. GRAVE, Maria de Fátima. A modelagem sob a ótica da ergonomia. São Paulo: Zennex Publishing, 2004. JOUVE, Marie-Andrée. Balenciaga in Paris. In: Balenciaga : Cristóbal Balenciaga museoa catalogue. Spain : Nerea, 2011. LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. São Paulo: Cia da Letras, 2005. MOURA, Mônica. Design, Arte e Tecnologia. In: Design, Arte e Tecnologia. São Paulo: ED. Rosari e Universidade Anhembi Morumbi, 2005 - CD-rom. NAVALON, Eloise. Design de Moda: Interconexão Metodológica. Universidade Anhembi Morumbi. Dissertação de mestrado. São Paulo, abril de 2008. OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis, Vozes, 1987