Um olhar sociotécnico sobre a Engenharia de Software. Engenharia de Software??

Documentos relacionados
Fatos e Artefatos como Construções Sociotécnicas 1º Período de 2008

METODOLOGIA DE PESQUISA CIENTÍFICA. Prof. Renato Fernandes Universidade Regional do Cariri URCA Curso de Tecnologia da Construção Civil

Acadêmicos: Franciele, Gabriele, José Edson e wygner

PESQUISA CIENTÍFICA -Aula 4-

Universidade Estadual de Roraima Mestrado Profissionalizante em Ensino de Ciência

DIFERENTES PERSPECTIVAS EPISTEMOLÓGICAS EM PESQUISA. Prof. Dto. Luiz Antonio de OLIVEIRA.

O conhecimento e a incerteza do ponto de vista do ceticismo

CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM ANÁLISE E DESENVOLVIMENTO DE SISTEMAS DISCIPLINA : METODOLOGIA DA PESQUISA ASSUNTO: PESQUISA

AULA 1 A constituição do campo de uma sociologia da vida econômica (I)

CURSO DE BACHARELADO EM EXPRESSÃO GRÁFICA

CURSO METODOLOGIA ECONÔMICA. Professora Renata Lèbre La Rovere. Tutor: Guilherme Santos

Teoria e prática da pesquisa científica em Planejamento e gestão do território

Comparação entre as abordagens de classe marxiana e weberiana

Metodologia de Pesquisa. Profa. Iara Augustin

Fazer sociologia, um desafio

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE. O que é Ciência?

II - Métodos das Ciências. Métodos das Ciências. Métodos das Ciências. 2.1 Métodos que proporcionam as bases lógicas da investigação

O Positivismo de Augusto Comte. Professor Cesar Alberto Ranquetat Júnior

Metodologia do Trabalho Científico

Método Cientíco. Prof. Moacir Ponti 2017/1. Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação USP

Resolução de Problemas com Computador. Resolução de Problemas com Computador. Resolução de Problemas com Computador

A SOCIOLOGIA E A RELAÇÃO ENTRE O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE

A elaboração de informações documentárias. Nair Yumiko Kobashi (partes da tese de doutorado, 1994)

FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Percorrendo a Travessia de Golfos Base para o Método de Percurso Cognitivo

4. Tipos de Pesquisas

AULA 02 O Conhecimento Científico

Teoria e Análise das Organizações. Prof. Dr. Onofre R. de Miranda Setembro, 2014

Guia Experimental. Episódio de Modelagem II. Grupo:

O Ensino de Ciência da Computação. Práticas de ensino de algoritmos (Hazzan, Cap. 3 / EAD Cap. 2) Péricles Miranda

PARADIGMAS SOCIOLÓGICOS DECORREM DA FORMA DE VER A RELAÇÃO ENTRE O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE.

Agenealogia dos Estudos Culturais é objeto de dissenso

Os Sociólogos Clássicos Pt.2

FILOSOFIA DA CIÊNCIA. Prof. Adriano R. 2º Anos

CURSO METODOLOGIA ECONÔMICA. Professora Renata Lèbre La Rovere. Tutor: Guilherme Santos

Avaliação de IHC. Aula 07 25/03/2013. INF1403 Introdução a IHC. Profa. Luciana Salgado

Apresentação da noção de argumento válido como aquele em que a conclusão é uma consequência lógica das premissas tomadas em conjunto.

TÓPICOS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA MOMENTO 06

METODOLOGIA DE PESQUISA. Prof. Dr. Camila Ortiz Martinez

VI Congresso de Neuropsicologia e Aprendizagem de Poços de Caldas

Diretrizes Para Elaboração de Projetos de Pesquisa.

Produção de conhecimento: uma característica das sociedades humanas

RACIONALISMO X RELATIVISMO

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO CONSELHO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO SECRETARIA DOS ÓRGÃOS COLEGIADOS

Descrição do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Políticas Públicas

O pensamento sociológico no séc. XIX. Sociologia Profa. Ms. Maria Thereza Rímoli

Dificuldades das empresas de TI em atingir a excelência

10 Ensinar e aprender Sociologia no ensino médio

Inteligência Articial: Introdução

AULA 03 A lógica da ciência

Interpretações do Brasil

Interpretações do Brasil

Revisar envio do teste: Avaliação On-Line 2 (AOL 2) - Questionário

Avaliação formativa e contínua; Pintura de expressão livre. Descoberta e organização progressiva de superfícies. Desenvolver a destreza sensorial;

Publicação Científica

Unidade I APRENDIZADO ORGANIZACIONAL. Prof. Dr. Evandro Prestes Guerreiro

SOBREPOSIÇÃO DE DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL NO SOFTWARE

Escritos de Max Weber

PERCEBENDO O NOVO RURAL BRASILEIRO. ANA LOUISE FIÚZA NEIDE MARIA DE ALMEIDA PINTO Pesquisadoras do Gerar/UFV

2 BIMESTRE é a da direção tomada por um processo natural.

Metodologia Científica e Tecnológica

CONCEITO DE VETOR - ENTENDIMENTO DE ACADÊMICOS DE ENGENHARIA 1. Viviane Roncaglio 2, Cátia Maria Nehring 3.

Aula 6. A pesquisa e suas classificações. METODOLOGIA

JUVENTUDE E ESCOLA (RELAÇÃO JUVENTUDE E ESCOLA)

CIÊNCIA & CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Sociedade como fonte do pensamento lógico

I ENCONTRO DE PESQUISADORES FAZENDÁRIOS METODOLOGIA PARA O DESENVOLVIMENTO DE PESQUISA CIENTÍFICA: ORIENTAÇÕES INICIAIS UNIDADE II O MÉTODO CIENTÍFICO

OUTROS TIPOS DE CONHECIMENTOS

Algoritmos genéticos Abordagem unificada de algoritmos evolutivos simples

TCC - Trabalho de Conclusão de Curso

SERG 2014 SEMIOTIC ENGINEERING RESEARCH GROUP

CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM ENFERMAGEM INOVAÇÃO TECNOLOGICA

SUMÁRIO INTRODUÇÃO 3 1 EPISTEMOLOGIA CRÍTICA 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 8 REFERÊNCIA 9

INTRODUÇÃO AO O QUE É A FILOSOFIA? PENSAMENTO FILOSÓFICO: Professor Cesar Alberto Ranquetat Júnior

A Sociologia da Ciência. Os imperativos institucionais da Ciência R. K. Merton

Escola Secundária com 3º CEB de Lousada. Ficha de Trabalho de Matemática do 9.º Ano N.º. Assunto: Preparação para o 2º Teste de Avaliação

E. S. JERÓNIMO EMILIANO DE ANDRADE DE ANGRA DO HEROISMO. Conteúdo Programáticos / Matemática e a Realidade. Curso de Nível III Técnico Comercial

Introdução à Computação

Habilidades Cognitivas. Prof (a) Responsável: Maria Francisca Vilas Boas Leffer

Estrutura e análise do texto acadêmico. Prof. Marcos Vinicius Pó Introdução às Humanidades e Ciências Sociais

Design de IHC: Primeira Aproximação

Trabalho Interdisciplinar Dirigido I

2. Comte, precursor da sociologia ou sociólogo? 3. A contribuição e limitações do POSITIVISMO. 4. Estrutura de análise das correntes teóricas

1º Anos IFRO. Aula: Conceitos e Objetos de Estudos

Engenharia de Software. Projeto de Arquitetura

Notas de Aula 03: Introdução a Orientação a Objetos e a UML

Tipo de Prova: Escrita e Oral

Introdução. Métodos de Pesquisa Experimental em Engenharia de Software. Fabio Queda Bueno da Silva, 2010.

Interpretações do Brasil

= {números irracionais} = {números reais positivos} = {números reais negativos} = {números reais não positivos} = {números reais não negativos}

AULA 7: ORALIDADE E LETRAMENTO

Integral Desenvolvimento Humano Ltda.

Planejamento Estratégico

Construindo Caminhos para Análise de Políticas de Saúde no Brasil: o debate sobre a perspectiva do ciclo de política

O caminho moral em Kant: da transição da metafísica dos costumes para a crítica da razão prática pura

PARADIGMAS, METODOLOGIA E CAMINHOS DA CIÊNCIA

Transcrição:

Um olhar sociotécnico sobre a Engenharia de Software Um?? olhar?? Sociotécnico?? sobre?? a Engenharia???? Engenharia de Software?? - técnico X sociotécnico - social X sociotécnico 1 1

Fato científico O fixo, o permanente Independe da opinião subjetiva do pesquisador. contrapõe-se à transitoriedade das teorias à parte da sociedade e da cultura 2 2

Fato científico Vou introduzir as expressões contexto de descoberta e contexto de justificação para [a] distinção (...) entre o modo de o pensador chegar à sua teoria e seu modo de apresentála diante de um público (...) Hans Reichenbach 3 3

Gênese e desenvolvimento de um fato científico (1935) Ludwik Fleck "Que raio de livro é esse? Um fato é um fato. Ele nem tem gênese nem desenvolvimento. 4 4

Fleck o conhecimento é criação social por excelência. 5 5

Fleck Fleck O estilo de pensamento não é o tom particular dos conceitos nem a forma peculiar de reuni-los É uma coerção determinada de pensamento e mais ainda: é a totalidade da preparação e da disponibilidade intelectual, orientada a ver e atuar de uma forma e não de outra. A dependência de qualquer fato científico ao estilo de pensamento é evidente. 6 6

Fleck Fleck (...) podemos definir o estilo de pensamento como um perceber dirigido em conjunto com a correspondente elaboração intelectiva e objetiva do percebido (...) Ao portador comunitário do estilo de pensamento chamamos de coletivo de pensamento. 7 7

Thomas Kuhn A Estrutura das Revoluções Científicas (1962) - um paradigma é o que os membros de uma comunidade científica compartilham e, reciprocamente, uma comunidade científica consiste em homens que compartilham um paradigma. Avança-se nos problemas que o paradigma permite detectar e resolver. 8 8

Thomas Kuhn A Estrutura das Revoluções Científicas (1962) A característica mais surpreendente dos problemas de investigação normal (...) é a de tão pouco aspirarem a produzir novidade. não há uma verdade absoluta. Kuhn põe em causa o conceito de verdade como objeto da ciência: se pode falar de verdade, mas apenas como sendo intraparadigmática e intra-comunitária. 9 9

F l e ck (...) é praticamente impossível estabelecer enunciados protocolares baseados na observação direta e dos quais se depreendam os resultados como uma conclusão lógica. Algo assim só é possível na legitimação posterior do saber, mas não quando se está fazendo o trabalho propriamente cognitivo. B runo r L atou ) ( 1987) O destino de fatos e máquinas está nas mãos dos usuários finais; suas qualidades, portanto, são conseqüência, e não causa, de uma ação coletiva. 10 10

Em 1973, David Bloor propôs o Programa Forte para a sociologia do conhecimento. Até o final dos anos 60, boa parte do esforço em sociologia da ciência concentrou-se em questões tais como o formato institucional da ciência, seu sistema de recompensas e sua estrutura de carreira, constituindo o que se poderia mais propriamente chamar de uma sociologia de cientistas. 11 11

Em 1973, David Bloor propôs o Programa Forte para a sociologia do conhecimento. Causas explicam erros, limitações e desvios. Na avaliação do que deu certo, a explicação se dá por conta da lógica, da racionalidade e da verdade; não é necessário que causas sejam invocadas. A questão central é que os aspectos racionais da ciência são tidos como auto-moventes e autoexplicados. As explicações empíricas ou sociológicas confinam-se ao campo do irracional 12 12

Explicações assimétricas natureza O que é verdadeiro é explicado pela natureza sociedade O que é falso é explicado pela sociedade Princípio de simetria de Bloor natureza A natureza não explica nem o que é falso, nem o que é verdadeiro sociedade Tanto o que é verdadeiro quanto o que é falso são explicados pela sociedade Princípio de simetria generalizada natureza A natureza e a sociedade precisam ser explicadas sociedade A explicação parte dos híbridos 13 13

Princípio de simetria generalizada natureza A natureza e a sociedade precisam ser explicadas sociedade A explicação parte dos híbridos Natureza e sociedade não são mais os termos explicativos, mas sim aquilo que requer uma explicação conjunta reproduzir ante as chamadas sociedades modernas o mesmo olhar do antropólogo frente às chamadas culturas pré-modernas, estudadas por ele de tal forma que se pode vê-lo passar, sem mudar seus instrumentos de análise, da meteorologia ao sistema de parentesco, da natureza das plantas à sua representação cultural, da organização política à etnomedicina, das estruturas míticas à etnofísica ou às técnicas de caça. 14 14

Sociotécnico: : propõe ciência e sociedade entrelaçadas como um tecido inconsútil, como um pano sem costura; um entrelaçamento que pode ser descrito pela idéia de rede, as chamadas redes sociotécnicas. 15 15

um mesmo fio conecta a mais esotérica das ciências e a mais reles politicagem... as proporções, as questões, as durações, os atores não são comparáveis e, no entanto, estão todos envolvidos na mesma história (...) a rede é o fio de Ariadne destas histórias confusas. 16 16

Mais que propriamente gerado pela operação de um método científico privilegiado, o conhecimento pode ser encarado como produto ou efeito de uma rede de materiais heterogêneos; um processo de engenharia heterogênea na qual partes e pedaços do social e do técnico são conjuntamente conformados, e então convertidos em um conjunto de produtos científicos igualmente heterogêneos. 17 17

a análise da luta pela criação de ordens é central na abordagem sociotécnica. Seu objeto é a exploração e a descrição de processos locais de moldagem, de orquestração social, de ordenação e resistência. Em síntese, trata-se de explorar o processo denominado freqüentemente de tradução, o qual gera efeitos ordenadores tais como artefatos, agentes, instituições ou organizações. 18 18

tradução significa deslocamento, traição, ambigüidade. Significa, portanto, que partimos da não equivalência entre interesses e que o objetivo da tradução é tornar equivalentes duas proposições. traduzir é um verbo que implica transformação e possibilidade de equivalência, a possibilidade segundo a qual uma coisa (por exemplo, um ator) possa representar outra (por exemplo, uma rede). 19 19

a abordagem sociotécnica propõe que as sociedades modernas não podem ser descritas sem que se as reconheçam como possuidoras de um caráter fibroso, filiforme, tramado, encordoado, capilar, impossível de ser apreendido pelas noções de níveis, camadas, territórios, esferas, categorias, estruturas, sistemas. 20 20