3.6 Que globalização? As Organizações Internacionais como motor para a igualdade



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Transcrição:

3.6 Que globalização? As Organizações Internacionais como motor para a igualdade 3.6.1 As instâncias internacionais, a capacitação e a participação das organizações não governamentais É sabido que as mulheres encontraram desde muito cedo um fórum mais receptivo às suas reivindicações e protestos em algumas das organizações internacionais, como a ONU, e desde praticamente a sua constituição que as organizações de mulheres, especialmente as de âmbito internacional, através dos mais variados processos e pelas mais diversas vias, procuraram activamente influenciar as instâncias de decisão intergovernamental. O lobbying é uma das práticas mais comuns a que as organizações acedem com alguma facilidade, dada a receptividade que encontram nas organizações intergovernamentais. Encontramos alguma explicação para esta receptividade quer nas regras, quer na intensificação das relações internacionais. A acção das organizações internacionais, nomeadamente da da Organização das Nações Unidas, da Organização Internacional do Trabalho, da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico e do Conselho da Europa, em prol do reconhecimento dos direitos das mulheres deve, pois, ser sublinhada. Também a União Europeia tem desenvolvido intenso trabalho na promoção da igualdade entre mulheres e homens. Na verdade, elas têm ditado a agenda das políticas de igualdade, através das mais diversas iniciativas 1. A crescente intensificação das relações internacionais e interdependência entre os Estados ao nível do sistema-mundo têm conferido um relevo assinalável às instâncias internacionais, quer sejam ou não intergovernamentais. Como se chegou ao momento presente e quais são as questões fundamentais em torno da globalização das políticas de igualdade entre homens e mulheres, é o que se refere a seguir. A crescente internacionalização das estruturas políticas e a globalização dos movimentos sociais, por um lado, a par do aumento do multilateralismo (em vez do bilateralismo) nas relações internacionais e dos ganhos de influência das organizações não governamentais internacionais levam à construção do que alguns autores designam uma sociedade civil global. As organizações da sociedade civil têm vindo a ser encaradas como parceiros 1 O conteúdo desta secção é em grande parte retirado de Virgínia Ferreira (2000). 267

privilegiados de intervenção quer junto das organizações internacionais, quer junto da União Europeia. As organizações da sociedade civil surgem, portanto, como elementos fundamentais do novo "regime internacional" (Reinalda, 1997), numa conjuntura ideológica e política em que se assiste ao regresso de um certo relativismo ético, especialmente depois da queda do Muro de Berlim e de tudo o que ela significa em termos do esmorecimento de alternativas políticas, e nomeadamente quanto à proeminência crescente das questões políticas, como os direitos humanos, a boa governação e a participação das populações, para além do cada vez maior destaque aos direitos sociais. Os ganhos de influência das ONG internacionais, em que encontramos muitas redes feministas, são conquistados à custa do lobbying e das próprias regras de relacionamento entre os governos e as instâncias intergovernamentais. Estas recorrem frequentemente aos serviços das ONG, para validar as informações oficiais e para assessoria tanto na formulação como no acompanhamento, execução e monitorização de programas e projectos. O crescente reconhecimento da igualdade de direitos entre mulheres e homens é, em parte, devido precisamente aos esforços de redes internacionais de organizações de mulheres que conseguiram fazer aceitar a visão de que metas consensuais como o "desenvolvimento económico auto-sustentável" ou a "defesa dos direitos humanos" só podem ser alcançados se se tiverem em conta as relações sociais de sexo. 3.6.1.1 O Movimento das Mulheres no Desenvolvimento Muito do trabalho desenvolvido por essas redes internacionais passou pela denúncia e exposição dos fundamentos do fracasso das políticas de desenvolvimento implantadas nos países mais pobres, da responsabilidade das organizações internacionais de ajuda à modernização das economias subdesenvolvidas. O Movimento Mulheres no Desenvolvimento (Women in Development WID), surgido no princípio da década de 70, junto das Nações Unidas, marca o início desse trabalho de denúncia. A expressão Women in Development foi cunhada por uma rede, sediada em Washington, de mulheres peritas em questões de desenvolvimento que, pela primeira vez, chamaram a atenção para o facto de as estratégias de desenvolvimento terem diferentes impactos nos homens e nas mulheres e de fomentarem a degradação da situação destas em vez da sua melhoria. Em resultado da sua acção de lobbying, o Congresso Americano aprovou em 1973 uma emenda à legislação que incluía nas regras da ajuda externa a exigência de as medidas integrarem as mulheres nas economias nacionais, melhorando o seu estatuto e maximizando desse modo os esforços desenvolvimentistas. Podemos assim afirmar que, desde o início dos anos 70, com o movimento WID, as instâncias internacionais de cooperação para 268

o desenvolvimento têm vindo a impor políticas de igualdade aos países receptores da ajuda prestada. Para além dos Estados Unidos da América, foram particularmente relevantes as iniciativas da Suécia, da Noruega, do Canadá e da Holanda. O que é que esta perspectiva trouxe de novo? O movimento WID partia da rejeição do estatuto de beneficiárias com necessidades especiais em saúde e bem-estar atribuído às mulheres, para lhes reconhecer um estatuto de membros produtivos das sociedades. As mulheres passaram a ser vistas como o missing link dos processos de desenvolvimento (Ravazi e Miller, 1995a). O quadro argumentativo era perfeitamente economicista se a contribuição económica das mulheres for aumentada e reconhecida e se se inserirem no mercado de trabalho, o seu estatuto social também o será e o seu poder face aos homens aumentará em consonância. Argumentava-se que a negligência do papel das mulheres como produtoras estava na base do insucesso de grande parte das políticas. Tal posição legitimou a promoção de pesquisas que incidiam apenas sobre as mulheres, e a distribuição de recursos através de projectos dirigidos a mulheres, traduzidos em apoios a actividades empresariais em pequena escala, através da facilitação do acesso ao micro-crédito, ao aconselhamento e à modernização tecnológica. Pensouse, então, que o investimento na produtividade das mulheres teria um retorno em termos económicos e sociais melhorando o acesso das mulheres à tecnologia e ao crédito, a produtividade do seu trabalho aumentaria e isso teria um impacto positivo no desenvolvimento nacional. Muitos destes projectos, no entanto, fracassaram. Frequentemente os seus objectivos económicos foram convertidos em acções de bem-estar social para as mulheres ou limitaram-se a desenvolver as suas competências em nutrição e em artesanato tradicional, o que fez com que pouco se tivesse conseguido na redução da marginalização económica das mulheres. Com efeito, as medidas preconizadas não tinham em conta as relações de poder entre os sexos, nem a grande interdependência existente entre as actividades dos homens e as das mulheres no assegurar da sobrevivência. O impacte do WID fez-se sentir especialmente na intensificação da pesquisa sobre a situação das mulheres e no impulso dado ao crescimento de mecanismos institucionais (por exemplo, comissões da condição feminina) no seio dos governos e agências de desenvolvimento, mandatadas para incluir as mulheres no desenvolvimento (Ravazi e Miller, 1995a). Houve assim lugar à reavaliação de projectos internacionais de desenvolvimento destinada a detectar erros de concepção e causas dos insucessos dos programas de desenvolvimento, tendo-se constatado, por exemplo, que, frequentemente, os homens recebiam acções de formação sobre culturas agrícolas que apenas as mulheres faziam. 269

3.6.1.2 O Modelo Participativo de Desenvolvimento Da crítica às limitações das abordagens e das práticas inspiradas no WID, vai surgir o movimento Gender and Development (GAD). Baseado numa análise das relações sociais de sexo, não toma como ponto de partida argumentos de eficiência dos investimentos, nem da relevância da contribuição das mulheres para o desenvolvimento. As instituições do desenvolvimento são antes instadas a ter em conta as relações sociais de sexo, em ordem a melhorar as políticas e as práticas desenvolvimentistas. Não significa desinteresse em aumentar o acesso das mulheres aos recursos nem em aumentar a sua produtividade. Simplesmente não partem da ideia de que para aumentar a sua produtividade baste redistribuir recursos, nem de que, para aumentar a autonomia das mulheres, baste aumentar o seu acesso a esses recursos (Ravazi e Miller, 1995a). Pela enunciação da sua perspectiva, percebe-se uma articulação clara entre a estratégia do mainstreaming (a construção da igualdade entre os sexos deve presidir à formulação, implementação e avaliação de todas as políticas), e a do empowerment das mulheres (recursos e capacitação para mais autonomia). O empowerment pode ser entendido como um processo através do qual as populações e as mulheres em particular, individual ou colectivamente, tomam consciência de como as relações de poder operam nas suas vidas e ganham auto-confiança e capacidade para as desafiar. A popularidade de que goza correntemente o conceito de empowerment reflecte a mudança de um paradigma de mudança decidida de cima para baixo para outro mais participativo, no qual às populações deve ser dada voz quanto às opções à sua escolha. Esta mudança tem-se traduzido na tendência crescente para as agências doadoras de ajuda ao desenvolvimento estabelecerem parcerias electivas com as organizações da sociedade civil, preterindo a via estatal. Esta nova perspectiva impõese em programas de concessão de crédito, formação para a participação política e a liderança, e a saúde reprodutiva. A mudança de paradigma em curso é bem ilustrada por alguns exemplos concretos. Face à crítica ao carácter restritivo do âmbito das políticas, limitado à igualdade no emprego, as organizações internacionais, não governamentais ou cívicas têm vindo a pressionar os governos nacionais para alargar o âmbito da sua intervenção. São agora integradas questões que vão para além da garantia de um tratamento justo no emprego e no trabalho das mulheres. As novas áreas estratégicas de acção são a educação para a igualdade e a cidadania, o combate à pornografia e ao tráfico de mulheres, a saúde reprodutiva, o assédio sexual, a violação e a violência em geral contra as mulheres e a feminização da pobreza, relacionada com as leis da família e as condições de acesso à propriedade e à segurança social. 270

A via seguida teve como principal veículo a cooperação internacional para o desenvolvimento. Enquanto principais contribuintes para a ajuda internacional aos países pobres, certos países, especialmente os nórdicos, exerceram uma grande pressão para que as preocupações com a melhoria da situação e do estatuto das mulheres fossem incluídas nas agendas das relações externas e dos programas das organizações internacionais para o desenvolvimento. A política de relações externas e de ajuda ao desenvolvimento de alguns países e da União Europeia assenta nos seguintes pressupostos: - a igualdade entre os sexos é um pré-requisito da justiça social e do efectivo desenvolvimento económico-social; - para além dos governos dos países receptores da ajuda, serão também parceiros do diálogo, as organizações não governamentais de mulheres. Nesta óptica, é importante que numa análise nunca sejam mostradas separadamente as disparidades da situação e das necessidades das mulheres e dos homens no acesso aos recursos económicos, educação, participação nas decisões, etc. Estes dados devem integrar a análise no seu todo, tal como nos documentos de política, na definição de estratégias e de projectos concretos de intervenção. Neste quadro, a ajuda depende da existência de planos de acção para a melhoria dos direitos humanos e as condições económicas das mulheres e de metodologias de acompanhamento e avaliação que indiquem quando, onde e como é que as mulheres e os homens serão envolvidos no processo de ajuda ao desenvolvimento, como é que os seus papéis, interesses e actividades serão tidos em conta e como é que umas e outros são informados dos vários esforços de desenvolvimento. Os traços fundamentais deste novo modelo são a institucionalização da perspectiva das relações sociais de sexo nas políticas e a participação das populações na definição das suas estratégias. 271