Cruzamentos Teóricos entre Educomunicação e Interacionismo 1. Felipe Gustavo Guimarães SALDANHA 2 Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG

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Transcrição:

Cruzamentos Teóricos entre Educomunicação e Interacionismo 1 Felipe Gustavo Guimarães SALDANHA 2 Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG RESUMO O artigo oferece reflexões sobre a convergência que acontece no espaço da educação formal entre a epistemologia interacionista e o paradigma educomunicativo. Filiados à primeira, são mencionados a importância da linguagem e da mediação na visão sociointeracionista de Vygotsky e os princípios construtivistas para estimular a aprendizagem com tecnologias identificados por Jonassen. Ligados ao segundo, são introduzidos os conceitos sistematizados por Soares e outros autores. Na sequência, discorre-se sobre alguns pontos de contato entre as duas perspectivas. PALAVRAS-CHAVE: construtivismo; educomunicação; mediação; sociointeracionismo; tecnologias da informação e da comunicação. INTRODUÇÃO Ao longo do século XX, ganharam força concepções teóricas que, em contraponto ao paradigma da educação conteudista, atribuem maior importância ao papel do aluno e à construção de significados no processo de aprendizagem. Em comum, estas concepções compartilham da epistemologia chamada de interacionismo, tendo como vertentes as ideologias construtivista e sociointeracionista. No mesmo período, no seio dos movimentos sociais (e, portanto, no contexto da educação não formal), surgiram experiências práticas que buscaram estimular os participantes a se relacionar com os meios e as tecnologias de comunicação de forma crítica, além de apropriar-se deles em benefício da sua própria expressão. Tais iniciativas deram origem a uma área de intervenção social conhecida como educomunicação. Atualmente, o paradigma educomunicativo também abrange a educação formal, na qual se manifesta nos âmbitos administrativo, disciplinar e interdisciplinar. Assim, é natural que o seu caminho cruze o da epistemologia interacionista, a partir do que se 1 Trabalho apresentado no DT 6 Interfaces Comunicacionais do XX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, realizado de 19 a 21 de junho de 2015. Orientadora do trabalho: Elise Barbosa Mendes, mestra em Educação pela UFU e doutora em Engenharia de Produção pela UFSC. Professora do Programa de Pós-graduação em Tecnologias, Comunicação e Educação da UFU. Email: elise@ufu.br. 2 Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela UFU. Mestrando do Programa de Pósgraduação em Tecnologias, Comunicação e Educação da UFU. Email: fgsaldanha@gmail.com. 1

pode perguntar: até que ponto a face educativa da educomunicação converge com o interacionismo? Embora vários pensadores da educação sejam apontados como precursores ou inspiradores dos pressupostos educomunicativos, boa parte dos autores que fundamentam o campo são das áreas da Comunicação e das Ciências Sociais ou têm formação na interface comunicação-educação e não da Pedagogia (SALDANHA, 2013). Portanto, que contribuições as teorias educacionais, especialmente as teorias interacionistas da aprendizagem, poderiam dar à educomunicação e vice-versa? Neste artigo, buscamos estudar alguns pressupostos teóricos de ambos os campos e identificar possíveis cruzamentos teóricos entre eles. Em função da diversidade de conhecimentos elaborados nessas áreas, faremos um recorte. Do lado da epistemologia interacionista, deteremo-nos sobre a perspectiva sociointeracionista de Vygotsky e os princípios construtivistas para a aprendizagem com tecnologias de Jonassen. Do lado da educomunicação, apresentamos as sistematizações dos pesquisadores do Departamento de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), em especial Ismar Soares. Longe de esgotar o assunto, nossa intenção é, por um lado, convidar os comunicadores a se envolverem com o mundo da escola e pensarem sobre a possibilidade de utilizar suas habilidades de forma interdisciplinar, fora de sua área de atuação principal. Por outro lado, queremos provocar nos educadores a reflexão sobre as potencialidades da comunicação no processo de transformação da educação formal tradicional. RECORTES DO INTERACIONISMO Vygotsky (1991) afirma que o comportamento humano possui um elo intermediário entre o estímulo e a resposta, chamado de signo, que é um estímulo artificial ou autogerado. O signo permite que, diferentemente dos outros animais, os seres humanos controlem o próprio comportamento, com o auxílio de estímulos extrínsecos. O autor também defende que a linguagem (sistema de signos) interfere na forma como o mundo é percebido: a percepção natural é substituída por um processo complexo de mediação. O mundo é visto não apenas em cor e forma, mas também com sentido e significado. Como exemplo, o autor cita um relógio: nós não o vemos apenas 2

como algo redondo e preto com dois ponteiros, mas o reconhecemos como um objeto específico. Ao analisar o desenvolvimento da inteligência na criança, o autor percebe que, em um primeiro momento, quando a criança precisa se dirigir a um adulto para conseguir solucionar um problema, ela utiliza a fala em um contexto de interação social, para pedir ajuda. Porém, à medida que ela se envolve no processo de solução, a fala adquire uma função intrapessoal, além da interpessoal, e passa a ser utilizada no planejamento das suas próprias ações (fala egocêntrica). Neste processo, a criança impõe a si mesma uma atitude social. Esse é um exemplo de internalização, processo em que há a reconstrução interna de uma operação externa. Esse processo envolve atividades mediadas (indiretas), que são os signos e os instrumentos. A diferença é que o instrumento é orientado externamente e leva a mudanças nos objetos, enquanto o signo é orientado internamente e não muda o objeto; sua função é o controle do próprio indivíduo. A internalização de formas culturais de comportamento, tendo como base as operações com signos, constitui o aspecto característico da psicologia humana. As contribuições da psicologia interacionista são fundamentos para o conceito de aprendizagem significativa, isto é, aquela que resulta da assimilação entre novas informações e informações previamente disponíveis na estrutura cognitiva do indivíduo, levando à construção de novos significados (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1980). Trata-se de uma situação que, em oposição à aprendizagem mecânica, o aluno não só possui como também consegue utilizar o conhecimento relevante aprendido (MAYER, 2002). Esse tipo de aprendizagem leva em conta a internalização resultante da interação social. Ausubel, Novak e Hanesian (1980) também identificam um continuum entre aprendizagem receptiva, na qual o conteúdo é apresentado ao aluno, e aprendizagem ativa (ou por descoberta), em que o aluno tem que descobrir (produzir) suas proposições. Enquanto a primeira está mais ligada à memorização, a segunda tem o intuito de internalizar estratégias de solução de problemas. Algumas vantagens do método da descoberta são as possibilidades de intensificar e personalizar a concretude da experiência, bem como aumentar a retenção e a aprendizagem devido ao maior esforço, motivação, excitação e vivacidade associados à descoberta. Sob uma perspectiva interacionista, a aprendizagem significativa atende a alguns atributos, objetivos ou critérios interdependentes, que podem ser chamados de 3

princípios construtivistas (JONASSEN; PECK; WILSON, 1999). Tais princípios fornecem um conjunto de diretrizes para a criação de ambientes de aprendizagem construtivista que auxiliem o aluno a: Interagir e manipular o ambiente (aprendizagem ativa); Refletir e criar significado sobre sua atividade e suas observações para aprender as lições (aprendizagem construtiva); Articular objetivos de aprendizagem (aprendizagem intencional); Envolver-se na solução de problemas complexos, mal estruturados e ligados a contextos da vida real (aprendizagem autêntica); Buscar a opinião e as ideias de outras pessoas para resolver problemas (aprendizagem colaborativa). Os ambientes de aprendizagem construtivista podem ser definidos como espaços de exploração pessoal e grupal nos quais os alunos controlam as atividades de aprendizagem. São constituídos por um problema, determinado pelo seu contexto, apresentação e manipulação; por casos relacionados, isto é, perspectivas e abordagens múltiplas para o problema em análise; por recursos que provenham informações necessárias e selecionáveis pelos alunos; por ferramentas cognitivas e de conversação, que apoiem a colaboração entre comunidades de alunos; e por aspectos sociais e contextuais que devem ser levados em conta na implementação destes ambientes. Os recursos e ferramentas disponíveis nos ambientes de aprendizagem construtivista hardwares, técnicas e métodos que envolvem os alunos podem ser chamados de tecnologias. A tecnologia desempenha papéis como ferramenta de produtividade, veículo de acesso à informação, contexto para solução de problemas, meio social para interconexão de comunidades de alunos e parceira intelectual para reflexão sobre a aprendizagem. Ela também oferece os instrumentos para a avaliação do processo: os produtos tecnológicos gerados pelos estudantes ao longo do processo funcionam como indicadores do que aprenderam. Na abordagem construtivista, os alunos não aprendem diretamente da tecnologia ou dos professores, mas sim da reflexão que fazem sobre a atividade. Ou seja, aprendem com a tecnologia e não da tecnologia. 4

RECORTES DA EDUCOMUNICAÇÃO A educomunicação surge na segunda metade do século XX, na América Latina, em espaços não formais de educação da sociedade civil. Ao contrário de iniciativas de leitura crítica de mídia, mais comuns nos Estados Unidos e na Europa, a experiência latino-americana tinha como foco a produção comunicativa democrática e participativa por crianças e jovens (SOARES, 2002, 2011a). Hoje, a educomunicação pode ser entendida como um campo de intervenção social autônomo caracterizado por um paradigma que orienta: [...] o conjunto das ações inerentes ao planejamento, execução e avaliação de produtos e processos voltados para a criação e desenvolvimento de ecossistemas comunicativos abertos e criativos, em espaços educativos (formais, não formais ou, mesmo, informais), mediados pelas tecnologias da informação 3, mediante uma gestão democrática e compartilhada de tais recursos, tendo como meta a ampliação do coeficiente comunicativo dos sujeitos e a prática plena da cidadania. (SOARES, 2011b, p. 313) O campo da educomunicação é constituído por áreas de intervenção que agrupam as diversas ações. São elas: educação para a comunicação; expressão comunicativa através das artes; mediação tecnológica na educação; pedagogia da comunicação; gestão comunicativa; e reflexão epistemológica. Destacamos as áreas de mediação tecnológica na educação, relacionada ao uso das tecnologias da informação na comunidade educativa e às formas democráticas de sua gestão, e pedagogia da comunicação, ligada à leitura crítica de mídia e à promoção de formas próprias de expressão pelos alunos na educação formal (SOARES, 2011a). O profissional com habilidades relacionadas às áreas de intervenção é chamado de educomunicador, entendido como o facilitador que aplica intencionalidade educativa ao uso dos processos, recursos e tecnologias da informação a partir da perspectiva de uma mediação participativa e democrática da comunicação (SOARES, 1999, p. 40). O educomunicador pode atuar no magistério, na pesquisa e na consultoria. Seu trabalho com os meios de comunicação serve de espaço para o exercício pedagógico da formação de cidadãos críticos, participativos e inseridos no seu meio social (SOARES, 1999). 3 A expressão Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), usada correntemente nos textos da área da comunicação, se refere mais especificamente às formas digitais destas tecnologias, especialmente no contexto da difusão mundial da microinformática e da internet (AFONSO, 2002). 5

No caso do magistério, o profissional pode agir nos âmbitos administrativo (voltado para a gestão das relações), disciplinar (comunicação como disciplina e tratamento educomunicativo em toda a grade curricular) e transdisciplinar (por meio de uma pedagogia de projetos), tendo em vista o pressuposto de que a comunicação antes de ser um objeto a ser estudado é um dos elementos constitutivos do próprio processo educacional, uma espécie de eixo transversal de toda prática educativa (SOARES, 2011a, p. 86). O conceito de ecossistema comunicativo, presente na definição de educomunicação, foi definido pela primeira vez por Martín-Barbero (1996) e atualmente pode ser entendido como sendo a organização do ambiente, a disponibilização dos recursos, o modus faciendi dos sujeitos envolvidos e o conjunto das ações que caracterizam determinado tipo de ação comunicacional (SOARES, 1999, p. 69). Os indivíduos e as instituições famílias, escolas, emissoras, usuários do espaço cibernético criam ecossistemas que se superpõem e influenciam uns aos outros, conformados a partir de distintas regras de convivência. No caso da educomunicação, a regra é favorecer o diálogo social, levando em conta as potencialidades dos meios de comunicação e de suas tecnologias. Neste sentido, buscam ser democráticos, abertos e participativos, bem como colocar os envolvidos em igualdade de condições (SOARES, 2005, 2009, 2011a). Assim, mais do que um instrumento para melhorar a performance do professoreducomunicador, as tecnologias propiciam um ecossistema comunicativo no qual se tem acesso a novos contatos e a novas informações, e o professor pode atuar como um mediador (SOARES, 2007). Portanto, a comunicação não é vista apenas pelo seu viés tecnológico, mas sob uma perspectiva que garanta a superação da tradicional visão instrumental das tecnologias, para instaurar um discurso sobre o cenário e o ambiente em que atuam. Nesse sentido, o âmbito dos debates é o das mediações e não apenas o da instrumentalidade tecnológica (SOARES, 2002, p. 18). Como se vê, o conceito de mediação tem espaço privilegiado na educomunicação. Sua origem remonta aos estudos de recepção promovidos pela teoria culturológica e pela escola de comunicação latino-americana, que partiram cada qual à sua maneira da premissa de que o uso e os efeitos da mídia devem ser estudados no que se refere às construções subjetivas de significados, tanto a construção atribuída à mídia quanto as que são desenvolvidas em resposta à mídia (WHITE, 1998, p. 58). No caso da América Latina, a atenção estava voltada menos para o impacto das mensagens sobre a audiência 6

do que para o modo como as audiências reagiam e se articulavam ao receber e ressignificar os conteúdos midiáticos (SOARES, 2011a, p. 34) 4. Para Jesús Martín- Barbero, os estudos de mídia deveriam enfocar os locais dos quais se podem observar e compreender a interação entre a lógica da produção e a da recepção (WHITE, 1998, p. 55, grifo no original). Neste sentido, a mediação pode ser definida como um tipo de espaço, no qual diversas construções de significado podem acontecer, dependendo da lógica cultural do receptor e da possibilidade de negociação que se estabelece para a construção do significado (WHITE, 1998, p. 55). Jacquinot (1998) aponta que, em oposição ao saber escolar, os meios de comunicação privilegiam o efêmero e o emocional. Os alunos chegam à escola impregnados de cultura midiática, em função do tempo que passam em frente às várias telas. Neste contexto, o professor deve aproximar estes dois saberes, considerando que: os alunos efetivamente aprendem da mídia; os conhecimentos da mídia podem ajudar os alunos a exprimir, utilizar, identificar e enriquecer os conhecimentos escolares; e a forma de apropriar saberes e valores mudou, justamente por causa das transformações culturais influenciadas pelas tecnologias. Este professor seria o educomunicador, um educador que não desvaloriza a cultura midiática, mas vê nela riqueza pelos seus conteúdos e pela oportunidade de trabalhar sua análise e comparação, além de aceitar um novo referencial em que o aluno também pode ensinar ao mestre (especialmente a manipulação das novas tecnologias) e os alunos podem ensinar uns aos outros, de forma colaborativa. CRUZAMENTOS TEÓRICOS Este trabalho não é a primeira proposta de análise dos pontos em comum entre a educomunicação e o interacionismo, em especial sob a ótica do construtivismo. Em mais de uma oportunidade, ainda que brevemente, Soares (2005, 2008) aponta a sintonia entre a educomunicação e a perspectiva construtivista da educação. Jacquinot (1998) vai além e, ao apontar convergências entre as teorias educativas e as teorias da comunicação, cita expressamente a concepção construtivista da aprendizagem, que privilegia o significado e a sua construção. 4 Até a década de 1980, os projetos educomunicativos latino-americanos apresentavam uma tendência de denuncismo, sob influência da Escola de Frankfurt (SOARES, 1999). Já nos Estados Unidos, os programas de media education ou media literacy estiveram mais voltados para proteger os receptores dos efeitos negativos da mídia ou focados na leitura crítica de mídia (SOARES, 2002, p. 24). 7

Ao discorrer sobre a função do educomunicador, a autora ainda afirma que ele deve, antes de abordar um tema ou noção, perguntar aos alunos o que eles sabem sobre a questão e onde aprenderam o que revela a sintonia com a noção de que, no contexto da aprendizagem significativa, as informações relevantes já existentes na estrutura cognitiva dos alunos devem ser mapeadas. O saber midiático que os alunos trazem para a sala de aula certamente compõe grande parte destas informações. Além disso, Jacquinot (1998, p. 12) também aponta que o duplo objetivo do educomunicador é o de exigir respeito aos valores democráticos (formação do cidadão) e de acompanhar os progressos cognitivos de cada um (formação intelectual). Percebe-se o compromisso, por um lado, com os valores socialmente estabelecidos a serem internalizados pelos alunos (Vygotsky) e, por outro, com a individualidade do desenvolvimento cognitivo de cada um deles (preocupação subjacente em toda a perspectiva interacionista). A convergência mais forte que identificamos é o conceito de mediação. Embora as definições de Martín-Barbero e Vygotsky sejam diferentes, em ambas se percebe a presença de elementos intrínsecos e extrínsecos ao sujeito (nesta, operações internas e externas; naquela, as lógicas culturais de recepção e produção) e que a interação entre eles, em um contexto social, leva à negociação e a construção de significados. Assim, o papel do professor-educomunicador-mediador é o de auxiliar (facilitar), de forma dialógica e participativa, o aluno a internalizar (aprender significativamente) os signos e instrumentos específicos do projeto educativo em questão considerando que eles são fornecidos em grande parte pela mídia e pelas tecnologias da comunicação e com isso ajudando-o também a construir (negociar) os próprios significados e a própria percepção do mundo, que é mediada pelas linguagens da escola, dos meios de comunicação e das demais esferas da vida. Em suma, como afirma Jacquinot (1998), o papel principal do professor não é mais o de acumular conhecimento, mas o de se servir deles para construir uma certa representação do mundo. Outra semelhança está entre os ambientes de aprendizagem construtivista propostos por Jonassen e o ecossistema comunicativo defendido pela educomunicação. Ambos propõem a identificação dos recursos tecnológicos disponíveis, seja como fonte de informação (produtos midiáticos) ou como ferramenta (TICs), e dos aspectos sociais e ambientais (contextuais). Da mesma forma, os dois compartilham princípios similares e buscam promover uma aprendizagem ativa/participativa, autêntica/criativa, intencional/democrática e aberta/colaborativa. Percebe-se também que os papéis da 8

tecnologia nestes ambientes, propostos por Jonassen, se aproximam da visão defendida por Soares de crítica à instrumentalidade tecnológica. Finalmente, acreditamos que o saber midiático, predominantemente emocional, pode ser incorporado à sala de aula especialmente por meio da aprendizagem por descoberta, devido ao seu caráter de excitação e vivacidade. Por ser particularmente útil para a aprendizagem de métodos de solução de problemas, a aprendizagem ativa pode ser direcionada tanto ao trabalho com as TICs quanto com os textos (escritos, falados, audiovisuais, etc.) da mídia, permitindo ao aluno uma experiência mais rica no entendimento de como usar as tecnologias e como ler criticamente os meios de comunicação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo apresentou possíveis pontes entre pressupostos teóricos identificados ou como pertencentes à educomunicação, ou ao interacionismo. Na verdade, cremos que estamos em um território onde a interdisciplinaridade é constante, visto que em todos estes campos do conhecimento (educação, comunicação, educomunicação) as contribuições de pensadores de fora são frequentes. Não queremos reforçar as caixinhas do saber acadêmico; ao contrário, pensamos que todos os tipos de conhecimento (inclusive os não acadêmicos) são fundamentais para melhorar a qualidade da educação formal. Com os pontos de contato apresentados aqui, esperamos oferecer uma contribuição inicial para que os professores comprometidos com os ideais abordados no texto busquem assegurar a coerência epistemológica das atividades que desenvolvem em sala de aula e envolvem a comunicação. Da mesma forma, pretendemos instigar os profissionais da comunicação a pensarem em como podem contribuir para a educação, especialmente a que acontece dentro dos muros da escola, entendendo e, na medida do possível, falando a mesma língua que os educadores. Que esse encontro de saberes seja rico e proveitoso. REFERÊNCIAS AFONSO, Carlos A. Internet no Brasil - alguns dos desafios a enfrentar. Informática Pública, Belo Horizonte, v. 4, n. 2, p.169-184, 2002. 9

AUSUBEL, David P.; NOVAK, Joseph D.; HANESIAN, Helen. Psicologia educacional. Rio de Janeiro: Interamericana, 1980. JACQUINOT, Geneviève. O que é um educomunicador? O papel da comunicação na formação dos professores. I Congresso Internacional de Comunicação e Educação São Paulo (maio 1998). Disponível em: <http://www.usp.br/nce/aeducomunicacao/saibamais/textos>. Acesso em: 15 nov. 2012. JONASSEN, David H.; PECK, Kyle L.; WILSON, Brent G. Learning with Technology: a constructivist perspective. Upper Saddle River: Prentice Hall, 1999. MARTÍN-BARBERO, Jesus. Heredando el futuro: Pensar la educación desde la comunicación. Nómadas, Bogotá, n. 5, p.1-13, 1996. MAYER, Richard E. Rote Versus Meaningful Learning. Theory Into Practice, Columbus, v. 41, n. 4, Autumn 2002, p. 226-232. SALDANHA, Felipe Gustavo Guimarães. Educomunicação: análise sobre pesquisas e práticas do Departamento de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. 2013. 145 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social: Habilitação em Jornalismo) Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2013. SOARES, Ismar de Oliveira. Comunicação/Educação: A emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais. Contato, Brasília, n. 2, p. 19-74, jan./mar. 1999.. Gestão comunicativa e educação: caminhos da educomunicação. Comunicação & Educação, São Paulo, n. 23, p.16-25, jan./abr. 2002.. NCE A trajetória de um núcleo de pesquisa da USP. Comunicação & Educação, v. 10, n. 1, 2005, p. 111-113.. A mediação tecnológica nos espaços educativos: uma perspectiva educomunicativa. Comunicação & Educação, v. 12, n. 1, 2007, p. 31-40.. Quando o Educador do Ano é um educomunicador: o papel da USP na legitimação do conceito. Comunicação & Educação, v. 13, n. 3, 2008, p. 39-52.. A contribuição da revista Comunicação & Educação para a criação da Licenciatura em Educomunicação. Comunicação & Educação, v. 14, n. 3, 2009, p. 7-17. 10

. Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação Contribuições para a reforma do Ensino Médio. São Paulo: Paulinas, 2011a. (Coleção Educomunicação.). Educomunicação e Terceiro Entorno: diálogos com Galimberti, Echeverría e Martín- Barbero. In: MELO, José Marques de (org.). Pensamento comunicacional uspiano: impasses mundializadores da Escola de Comunicações e Artes (1973-2011): volume 2. São Paulo: ECA/USP / SOCICOM, 2011b. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. WHITE, Robert A. Tendências dos Estudos de Recepção. Comunicação & Educação, n. 13, 1998, p. 41-66. 11