Educação e Comunicação: de um julgamento condenatório moralizante para uma relação dialógica democrática

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1 Educação e Comunicação: de um julgamento condenatório moralizante para uma relação dialógica democrática A emersão de um novo campo de intervenção para humanizar uma instituição privada....quando se aspira a uma sociedade global humanizante, não avassalada pelo mercado, pela competitividade e pela homogeneização cultural e sim edificada pelo diálogo, a cooperação solidária e a reafirmação das identidades culturais, o desenvolvimento da competência comunicativa dos sujeitos atuantes aparece como um fator altamente necessário, e em torno do qual gravitam os outros aspectos; como acontece, aliás, com a participação política e social. (Mário Kaplún) 1 Por Maíra Bondezzan A educomunicação é evidenciada em muitos projetos do campo educacional e muito tem contribuído na transformação do espaço rígido da escola em ecossistemas comunicativos com o aumento do diálogo, da expressão crítica, da discussão interativa em busca do conhecimento, maior integração entre docentes e alunos, além de uma educação voltada para a compreensão dos meios de comunicação de massa que fazem parte do cotidiano de todas as pessoas na contemporaneidade. Apesar dos excelentes resultados na aplicação da gestão educomunicativa por especialistas das mais diversas áreas humanas, em especial educadores e comunicólogos, pouco tem sido feito em ambientes privados. Algumas empresas já realizaram ações educomunicativas mesmo que inconscientemente. Afinal, responsabilidade social e cultural virou modismo e por isso muitas instituições privadas passaram a utilizá-la como estratégia de marketing. Neste sentido, alguns projetos de grande contribuição educativa e participativa foram colocados em prática e, claro, explorados comercialmente. Na busca da diferenciação face à crescente competitividade, as empresas acabam mergulhando em ações e atividades puramente mercadológicas e se esquecem de sua responsabilidade enquanto empresa que cresce com a ajuda da sociedade onde está inserida. Esquece-se também, muitas vezes, do público interno, reunindo todos os seus esforços na busca da satisfação exclusiva dos compradores de seus produtos ou contratantes de seus serviços. O que se vê são profissionais sobrecarregados, estressados, mal-renumerados, quase sem benefícios, sem conseguir tirar férias ou, ao menos, sair no horário certo de final de expediente. 1 KAPLÚN, Mário. Processos educativos e canais de comunicação, in Comunicação e Educação, jan./abr. 1999, p. 75.

2 A educomunicação é um campo de intervenção não somente do espaço da educação formal, mas de qualquer outro espaço, inclusive o privado, desde que se busque uma gestão democrática, crítica, dialógica, participativa e humanitária. Ainda existem poucas documentações e bibliografias neste sentido. Por isso, emerge a necessidade de um novo profissional, o educomunicador, como profissional responsável por humanizar/vivificar o espaço privado, sendo mediador no processo de transformação de empresas em ecossistemas comunicacionais expressivos como parte fundamental de uma gestão democrática e criativa. Educomunicação: conceituação de um novo campo de intervenção social A educomunicação é a inter-relação da comunicação e da educação, atravessada por diversas outras áreas das Ciências Humanas como a antropologia e a sociologia. Como concluiu Ismar de Oliveira Soares, coordenador do NCE Núcleo de Comunicação e Educação da USP Universidade de São Paulo, após pesquisa realizada com especialistas e profissionais dedicados à Comunicação Educativa e à Comunicação para os Meios de Comunicação de toda a América Latina, a inter-relação entre a Comunicação Social e a Educação ganhou densidade própria e se afigura como um campo de intervenção social específico 2. Um novo campo interdisciplinar que surge como alternativa de gestão democrática, dialógica, participativa e de exercício de autonomia e cidadania. Um campo encarado com preconceito pela educação formal, que o vê como algo ameaçador, contrário aos seus paradigmas tradicionais. E, em contrapartida, mal visto pelos comunicadores que não conseguem enxergar a educação como uma prática comunicativa. Afinal, a comunicação segundo a visão funcionalista predominante em nossa sociedade e em voga no mercado é sinônimo de mídia. Educação e comunicação parecem, desta forma, campos antagônicos, sem qualquer ligação aparente. Segundo Mário Kaplún,...a Comunicação Educativa abarca certamente o campo da mídia, mas não apenas esta área: abarca também, e em lugar privilegiado, o tipo de comunicação presente em todo processo educativo, seja ele realizado com o sem o emprego dos meios. Isso implica considerar a Comunicação não como um mero instrumento midiático e tecnológico, e sim, antes de tudo, como um componente pedagógico. 3 Na prática, no entanto, essa junção tem se mostrado totalmente viável. Educação e comunicação se complementam, tornando possível a implantação de políticas de comunicação educativa, resultando na criação de ecossistemas educativos mediados por processos de 2 SOARES, Ismar de Oliveira. Comunicação/Educação, a emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais, in Contato, Brasília, Ano 1, M 1, jan./mar. 1999, p KAPLÚN, Mário. Processos educativos e canais de comunicação, in Comunicação e Educação, jan./abr. 1999, p. 68.

3 comunicação e pelo uso das tecnologias da informação. Segundo Ismar de Oliveira Soares, os objetivos da educomunicação são: promover o acesso democrático dos cidadãos à produção e difusão da informação, identificar como o mundo é editado nos meios; facilitar o processo ensino-aprendizado através do uso criativo dos meios de comunicação (entra tecnologias, vista a partir não da tecnologia em si, mas de suas características e da importância de ter acesso a elas); promover a expressão comunicativa dos membros da comunidade educativa. 4 O termo educomunicação vem ganhando densidade própria e tem sido colocado em prática nos últimos anos em diversos projetos vivenciados na América Latina, em especial no Brasil. No entanto, essa relação não é recente. Ela se evidencia, já no início do século XX, através da atitude condenatória dos segmentos da sociedade, em especial religiosos e educadores, que se mostravam preocupados com a ideologia e os conteúdos políticos intrínsecos à cultura de massa. A aproximação entre Comunicação e Educação era, pois, vista a partir da suspeita de violenta manipulação e dominação das consciências e das vontades, que passariam a ser administradas pelos centros de decisão econômica e política que detinham em suas mãos os poderosos veículos de comunicação, em especial, as emissoras de rádio. 5 A partir da segunda metade do século, muito se falou sobre o audiovisual nos espaços educativos e, por sua vez, difundiu-se na Europa e na América Latina o chamado cineclubismo, prática onde os cidadãos faziam uma análise crítica dos conteúdos midiáticos. A educomunicação ganhou visibilidade ao longo dos anos 70, período das ditaduras militares latino-americanas, através da chamada educação não formal/popular e da mídia alternativa, quando entidades e grupos usavam os meios de comunicação em projetos de cidadania, a partir de ONGs. Deste período, podemos destacar o MEB Movimento de Educação de Base, que pregava a educação como conscientização, problematização da sociedade, além da atuação de Paulo Freire que ressaltava a importância de uma educação para os meios nos programas de alfabetização e educação popular, procurando mostrar que a comunicação é fundamental nas relações humanas e que a inter-relação de seus elementos básicos confere uma certa autonomia ao processo educativo. Nos anos 80 a 90, a filosofia que sustentou a luta por uma comunicação democrática e participativa passou a dar, também, sustentação à ação de inúmeros grupos inseridos na prática social, entre os quais as Organizações não-governamentais. Temas alternativos, como o meio ambiente, ganham evidência através da conscientização para a preservação. 4 SOARES, Ismar de Oliveira. Um novo campo entre a comunicação e a educação. Artigo do site de 19/11/ SOARES, Ismar de Oliveira. Comunicação/Educação, a emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais, in Contato, Brasília, Ano 1, M 1, jan./mar. 1999, p. 21.

4 Finalmente, no final da década de 90, o vertiginoso desenvolvimento dos meios eletrônicos, principalmente das redes mundiais de comunicação, como a internet, acabou por reafirmar e reconfigurar a necessidade da constituição do novo campo. Três pesquisadores ofereceram e ainda oferecem importantes contribuições à ação dos educadores e comunicadores educativos: Burrhus Skinner ( ) que deu origem às experiências de ensino por objetivos, através de processos e recursos tecnológicos observáveis e controláveis, Célestin Freinet ( ) na defesa de que educação é sinônimo de expressão e depende de interlocutores e Paulo Freire ( ) que reafirmou a concepção de educação para os meios como atividade inerente aos programas de alfabetização e de educação popular. A gestão da comunicação nos espaços comunicativos não é restrita aos ambientes voltados para programas escolares formais. Ela pode perfeitamente ser aplicada em ações não formais de educação, como nas emissoras de rádio e televisão educativas, nas editoras e centros produtores de material didático, nas instituições que administram programas, na educação a distância, nos centros culturais, entre outros, inclusive no ambiente privado. Reconhecemos, assim, que já existe um ponto de mutação na confluência entre Educação e Comunicação, que inclui um senso agudo de responsabilidade social, de justiça e de altruísmo. Trata-se de um lugar que precisa ser ocupado. E a ocupação se dá no momento em que a Educação se entende, ela mesma, como processo comunicativo (Freire) e no instante em que a Comunicação se descobre como processo de mediação social, no espaço da transformação da cultura (Barbero). A autonomização do novo campo ocorre na confluência das interrelações que o constituem, a caminho de uma nova racionalidade. 6 No entanto, o que tem se visto são predominantemente projetos educomunicativos no campo da educação formal. Neste sentido, tratam-se de práticas que propiciam a introdução dos recursos da informação no ensino (como rádio, televisão e internet), não apenas como meros instrumentos didáticos (tecnologias educativas) ou objeto de análise (leitura crítica dos meios), mas, principalmente, como meio de expressão e de produção cultural, envolvendo professores, alunos e comunidade de forma democrática e participativa. Estes projetos introduzem a comunicação nos espaços rígidos da educação formal, vivificando as relações entre professores, alunos e comunidade. Referências Bibliográficas KAPLUN, Mario. Processos educativos e canais de comunicação, in Comunicação e Educação, jan./abr. 1999, p SOARES, Ismar de Oliveira. Comunicação/Educação, a emergência de um novo campo e o perfil 6 SOARES, Ismar de Oliveira. Comunicação/Educação, a emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais, in Contato, Brasília, Ano 1, M 1, jan./mar. 1999, p. 45.

5 de seus profissionais, in Contato, Brasília, Ano 1, M 1, jan./mar. 1999, p SOARES, Ismar de Oliveira. Um novo campo entre a comunicação e a educação. Artigo do site de 19/11/2001.