LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

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Transcrição:

1 LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO É uma doença inflamatória crônica, multissistêmica, de causa desconhecida e de natureza autoimune, caracterizada pela presença de diversos autoanticorpos. Caracteriza-se pela apresentação clinica polimórfica + Neste sentido. toma-se imperativo verificar de forma minuciosa o envolvimento pregresso dos sistemas, pesquisando sobretudo os sintomas mais encontrados na doença, na busca de subsídios para o diagnóstico. Em virtude das lesões cutâneas típicas, o LES foi considerado por muito tempo uma doença restrita às manifestações de pele, até que constatou-se em necropsias a gravidade dos comprometimentos orgânicos. As manifestações clínicas podem aparecer de maneira isolada, consecutiva ou aditiva no decorrer do tempo, sobretudo nos primeiros 5 anos da doença, que é o período em que a enfermidade habitualmente mostra os locais preferenciais de comprometimento. Para o preenchimento destes critérios, o paciente deve apresentar pelo menos 4 dos critérios (com pelo menos 1 clinico e 1 laboratorial) de forma simultânea ou evolutiva. Nestes novos critérios, foram ampliadas as manifestações clínicas, principalmente as cutâneas e as neurológicas. Além disso, foi dada maior relevância ao comprometimento renal, o qual, se confirmado histologicamente e na presença de FAN ou do anticorpo anti-dsdna, já possibilita a classificação como LES. Ainda existem outros sinais e sintomas que, embora não constem destes critérios, podem frequentemente estar presentes e complementam a suspeita clínica.

2 (B8) como de classe II (DR3, DR2, DQw1 e 0Qw2), que se localizam no braço curto do cromossomo 6. Várias associações, como o STAT4, IRF5 e o ITGAM. + Mais de 20 loci de suscetibilidade foram identificados até o momento. EPIDEMIOLOGIA Mais prevalente em mulheres, principalmente na idade fértil, sendo que os seus primeiros sinais e sintomas iniciam-se entre a 2º e a 3º décadas de vida, nas quais o predomínio do sexo feminino é de 10:1. Pode ocorrer em crianças e idosos, porém com menor predomínio do sexo feminino nestes extremos de idade. O LES é uma doença universal encontrada em todas as etnias e em diferentes áreas geográficas, mas parece ser mais prevalente na raça negra. Aproximadamente 10 a 20% destes pacientes apresentam história familiar de alguma doença autoimune ou mesmo de lúpus. ETIOLOGIA A doença é multifatorial e várias condições desempenham um papel predisponente ou coadjuvante na doença. O Componente Genético merece destaque dentre os fatores envolvidos na patogênese. Sabe-se que existe no LES maior frequência de certos haplótipos dos antígenos de histocompatibilidade (HLA), tanto de classe 1 Participação Hormonal - existe na doença um metabolismo anormal de hormônios sexuais, com aumento da 16-alfa-hidroxiestrona e de prolactina, e alterações no metabolismo dos androgênios, com diminuição de testosterona nos homens e de de-hidroepiandosterona nas mulheres com lúpus. Fatores Ambientais - a exposição à luz solar agrava ou desencadeia a doença. + A luz ultravioleta, em especial com a irradiação beta, é capaz de induzir e exacerbar a atividade inflamatória, tanto nos quadros cutâneos quanto sistêmicos do lúpus. A participação de diversos agentes infecciosos, particularmente virais, como mixovírus, reovírus, parvovírus, retrovírus tipo C, Epstein-Barr (EBV), na gênese da doença sempre foi considerada, embora a relação destes agentes com a doença não seja universal. + Além do possível envolvimento no desenvolvimento da doença em indivíduos geneticamente predispostos, os gatilhos infecciosos estão implicados no desencadeamento dos episódios de exacerbação do LES. + EBV apresenta mimetismo molecular com os antígenos Ro/SS-A e Sm, o que poderia levar à ocorrência de reatividade cruzada com

3 antígenos próprios e, consequentemente, contribuir para o desencadeamento de autoimunidade. Diversas substâncias químicas como desencadeantes do lúpus propriamente dito também é conhecido. + Associação temporal do uso de determinados medicamentos, pela apresentação de um quadro clínico mais leve, em geral, sem acometimento renal e do sistema nervoso central (SNC) e pela presença de altos títulos de anticorpos anti-histona de forma isolada. FISIOPATOLOGIA A produção anormal de autoanticorpos pelas células B é o principal evento no LES. Alguns destes anticorpos são extremamente específicos do LES, como o anti-dna de dupla hélice (anti-dsdna), anti-smith (anti-sm) e anti-p. Outros anticorpos encontrados no LES, como anti-u1rnp, anti-ro/ss-a e anti-la/ss-b, também podem ser identificados em outras doenças autoimunes. A apoptose contribui para a resposta imunológica inadequada do lúpus por meio da exposição de antígenos celulares. O tabagismo talvez seja outro fator ambiental envolvido no desenvolvimento do LES. QUADRO CLÍNICO O lúpus é uma doença pleomórfica, cujo diagnóstico se baseia fundamentalmente no quadro clínico que, associado aos dados laboratoriais e sorológicos, favorece a definição. O LES, na fase inicial, acomete com maior frequência o sistema osteoarticular e o cutâneo e, de forma mais grave, o renal e o SNC. Sintomas gerais e constitucionais A anorexia e a perda insidiosa de peso podem ser identificadas no inicio do quadro e até preceder em meses o aparecimento de manifestações orgânicas. A febre como primeiro sinal clínico de LES pode ocorrer em cerca de 50% dos casos, sendo principalmente observada em crianças e adolescentes e, com frequência, associada aos sintomas consumptivos. Linfoadenopatia no LES é encontrada em 30 a 80% dos pacientes, é mais frequente nas crianças, pode ser generalizada ou localizada, com certo predomínio das cadeias cervical e axilar. Hepatoesplenomegalia febril como apresentação inicial de LES exige diferencial com as doenças linfoproliferativas. Lesões cutâneas No inicio da doença, as manifestações cutâneas são extremamente frequentes, correspondendo a cerca de 70% dos casos.] São observadas em mais de 90% dos pacientes lúpicos em algum momento da doença. O Lúpus Cutâneo Agudo é o mais conhecido no LES. A forma localizada é descrita como rash malar ou rash em asa de borboleta, notadamente simétrica e fortemente associada à fotossensibilidade.

4 + A lesão é encontrada em 20 a 60% dos pacientes lúpicos, sendo exacerbada ou precipitada após exposição à radiação ultravioleta. + A característica destas lesões é a evolução para hiperpigmentação após resolução da fase inflamatória inicial. A forma generalizada é conhecida como rash maculopapular ou dermatite lúpica fotossensível e se apresenta como erupção exantematosa ou morbiliforme generalizada. O Lupus cutâneo crônico engloba uma série de lesões, nas quais a discoide é a mais conhecida. Inicialmente, a lesão discoide clássica é caracterizzada por placa eritematosa e hiperpigmentada que evolui com lentidão na periferia, deixando uma cicatriz central hipopigmentada com atrofia. Na maioria das vezes, esta lesão é única e preferencialmente encontrada na face, no couro cabeludo, no pavilhão auricular e no pescoço. As úlceras orais geralmente, não são dolorosas e são encontradas em até 25% dos pacientes, sendo relacionadas à atividade inflamatória da doença. Lúpus Cutâneo Subagudo - é caracterizado pela presença de lesões eritematosas papuloescamosas (tipo psoriasiformes) ou anulares (tipo placas policíclicas), localizadas sobretudo em regiões de exposição solar. + Ambas as formas de lesão estão fortemente associadas à fotossensibilidade e à presença dos anticorpos anti-ro/ss-a. As lesões evoluem após o tratamento sem deixar cicatrizes profundas, mas produze áreas de hipopigmentação, tipo vitiligoides, que podem se tornar permanentes. Ainda fazem parte do LES algumas Outras Lesões cutâneas não específicas, cuja importância reside na alta frequência na doença: a alopecia, a vasculite cutânea e o livedo reticular. O padrão de vasculite é determinado pelo nível e pela intensidade do dano inflamatório dos vasos comprometidos. Podem apresentar quadro de vasculopatia trombótica decorrente da síndrome dos anticorpos antifosfolípides (SAF), caracterizada por formação de trombos recorrentes envolvendo vasos de todos os tamanhos, mas sem sinais significativos de inflamação. Fenômeno de Raynaud, fortemente associado à presença dos anticorpos anti-u1rnp. Sua frequência e intensidade estão condicionadas à exposição ao frio. Manifestações musculoesqueléticas São frequentes nas fases iniciais de doença, sendo que artralgia e/ou artrite podem ser a principal queixa em aproximadamente 75 a 80% dos indivíduos no momento do diagnóstico. Os quadros articulares tornam-se mais marcantes no curso da doença quando comprometem até 90% dos pacientes. Apesar de não existir um padrão articular, a maioria dos casos cursa com quadros de poliartrite simétrica episódica, de caráter

5 migratório ou aditivo, e quase sempre não deformante. Por vezes, a rigidez matinal é bastante proeminente. A presença de fator reumatoide em aproximadamente 25% no LES também contribui para esta dificuldade diagnóstica, o que determina uma atenção especial às pacientes femininas jovens que apresentam inicialmente poliartrite com características clínicas de artrite reumatoide. Na evolução da doença, cerca de 10 a 15% dos casos apresentam artropatia crônica ou artropatia tipo Jaccoud, que se caracteriza por desvio ulnar seguido de subluxação, deformidades do tipo pescoço-de-cisne e subluxação das interfalângicas do polegar. + Estas deformidades são decorrentes da instabilidade provocada pelo processo inflamatório crônico da cápsula articular, dos ligamentos e dos tendões. Outro quadro articular importante no LES é a necrose avascular, que pode acometer vários sítios, sendo o mais frequente a cabeça femoral e, na maioria dos casos, associada ao tratamento com glicocorticoides. A tenossinovite pode ocorrer em até 10% dos pacientes em qualquer fase da doença e ser independente do envolvimento articular. Mialgia generalizada é comum durante os episódios de exacerbação clínica da doença, por isso, pode ser a queixa inicial em 40 a 45% dos casos. A miosite inflamatória envolvendo musculatura proximal com elevação de enzimas musculares, como a creatinofosfoquinase (CPK) e a aldolase, ocorre em uma porcentagem menor, ao redor de 5 a 10%. Envolvimento cardiovascular Pode se manifestar por pericardite sintomática em 20 a 30% durante o curso da doença. O quadro agudo pode ser isolado ou fazer parte de serosite generalizada, particularmente associada à pleurite. Os sintomas clássicos de pericardite variam desde discretos e transitórios até graves e persistentes, sendo que o atrito pericárdico pode ser encontrado mesmo em indivíduos assintomáticos. A miocardite clínica é encontrada sobretudo no decorrer do LES, sendo caracterizada por taquicardia persistente e sinais clínicos de insuficiência cardíaca de instalação aguda, em geral acompanhada de alterações no mapeamento cardíaco e em enzimas musculares. A aterosclerose precoce nos pacientes lúpicos é, na atualidade, uma importante causa de mortalidade na doença em decorrência de infarto agudo do miocárdio. A pleurite é uma manifestação pulmonar frequente, ocorrendo em 40 a 60% dos casos, assim como o derrame pleural, que ocorre em 16 a 40% durante o curso da doença. Sistema nervoso Engloba uma série de condições neurológicas que são identificadas entre 25 e 70% dos pacientes.

6 (mononeurite multiplex), além de distúrbios do movimento como tremores, coreia e parkinsonismo. Envolvimento renal A Nefrite Lúpica ainda é uma das maiores preocupações na doença e exige maior atenção tanto no início como no seguimento dos pacientes. A maioria dos quadros renais se apresenta nos primeiros 5 anos de LES, mas podem ser detectados em qualquer momento do curso. + A identificação precoce é extremamente importante para adequação do tratamento. A maioria dos quadros epilépticos é do tipo grande-mal, de eventos tônico-clônicos. A psicose ocorre em até 10% dos casos e pode se manifestar em diferentes formas, como esquizofrenia e distúrbios bipolares. Embora não estejam presentes em todos os quadros neuropsiquiátricos, os anticorpos antiproteína P ribossômica (anti-p) podem auxiliar no diagnóstico e no acompanhamento de alguns pacientes com quadros psiquiátricos graves associados à doença, em particular psicose e depressão. Os quadros difusos incluem ainda a cefaleia, o pseudotumor cerebral e a síndrome orgânica cerebral, caracterizada por distúrbio de função mental com delírio, inadequação emocional, prejuízo da memória ou concentração. Nos quadros focais, encontra-se o acidente vascular cerebral (AVC), a mielite transversa, a síndrome de Guillain-Barré, a meningite asséptica, a neuropatia craniana e a periférica Os sintomas e os sinais específicos de nefrite só ocorrem em avançado grau de síndrome nefrótica ou insuficiência renal. Embora a proteinúria e a presença de cilindros façam parte dos critérios de classificação da doença, outros parâmetros, como hematúria e aumento de creatinina, devem ser considerados para o diagnóstico de glomerulonefrite (GN). A identificação precisa só pode ser definida frente à biópsia renal de acordo com a classificação histológica proposta pela Organização Mundial da Saúde, sendo necessários, no mínimo, de 10 a 15 glomérulos para uma análise fidedigna do padrão de nefrite lúpica. A GN mesangial (classe II) - 10 a 20% dos casos renais, caracterizada por hematúria e proteinúria discretas com função renal preservada e na ausência de hipertensão arterial.

7 A GN proliferativa focal (classe III) - 10 a 20% dos casos e se caracteriza por sedimento nefrítico acompanhado de proteinúria, por vezes nefrótica (20 a 30%), com hematúria, cilindrúria, hipertensão e discreta perda de função renal. A GN proliferativa difusa (classe IV), a mais grave das nefrites, corresponde a 40 a 60% dos casos e é caracterizada por uma combinação de sedimento nefrítico e nefrótico, com proteinúria e hematúria mais significativas. A hipertensão arterial está invariavelmente presente e a insuficiência renal é marcante. A GN membranosa (classe V) é identificada por sindrome nefrótica e ocorre em 10 a 20% dos casos. De acordo com as recomendações, a biópsia renal é indicada para todos os pacientes lúpicos com evidência clinica de GN ativa, a não ser no caso de contraindicações para este procedimento. A biópsia é recomendada para os pacientes lúpicos com: Aumento da creatinina sem causa definida Proteinúria > 1 g/24 horas. Proteinúria > 0,5 g/24 horas mais hematúria > 5 hemácias/campo. Proteinúria > 0,5 g/24 horas mais cilindros celulares no exame de urina. Alterações Hematológicas A série branca é a mais frequentemente alterada, com leucopenia e linfopenia isoladas ou associadas. O monitoramento destes parâmetros é útil no acompanhamento de doença, pois a diminuição de seu número em geral reflete a atividade do lúpus, desde que excluído o uso de medicações imunossupressoras. A anemia pode ser identificada em até 80% dos pacientes com lúpus em alguma fase da doença e pode ser classificada em imune e não imune. A mais comum das anemias não imunes é a da doença crônica, seguida pela anemia ferropriva e a secundária à doença renal. A anemia hemolítica Coombs positivo é a principal representante do grupo das anemias imunes e é a única que faz parte dos critérios de classificação da doença Outra forma de hemólise identificada é a anemia hemolítica microangiopática, caracteristicamente Coombs negativo e com esquizócitos na periferia, em geral relacionada à presença de vasculite sistémica. A plaquetopenia, definida como menos de 150.000 células/mm³, é encontrada em 15% dos casos de LES. Acometimento Gastrointestinal Os pacientes lúpicos também podem apresentar acometimento gastrointestinal, manifestando-se como peritonite asséptica com ascite, hepatite, pancreatite, vasculite mesentérica que pode levar à isquemia e à perfuração intestinal, obstrução intestinal subaguda e enteropatia perdedora de proteínas. + Os sintomas de dor abdominal, náuseas, vômitos e diarreia devem ser adequadamente avaliados nos pacientes com LES.

8 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Em geral, o VHS está aumentado na atividade de doença, refletindo a fase aguda dos processos inflamatórios, porém pode persistir elevado mesmo após o controle da doença, não se correlacionando com sua atividade inflamatória. PCR é geralmente baixa no LES e aumenta nos processos infecciosos, auxiliando por vezes no diagnóstico diferencial destas duas condições. A avaliação imunológica é fundamental para a caracterização da doença autoimune. Os FAN detectados pela imunofluorescência indireta são o primeiro teste a ser realizado, pois é positivo em mais de 98% dos casos e é um dos critérios de classificação da doença. Não específico pois o FAN ocorre em um grande número de doenças crônicas (infecciosas, neoplásicas), autoimunes e mesmo em indivíduos normais (particularmente em idosos). Diante da suspeita de LES e da positividade do FAN, é fundamental tentar caracterizar os autoanticorpos específicos da doença, particularmente o anti-dna nativo (antidsdna) e o anti-sm, pois suas detecções corroboram o diagnóstico. Os anticorpos antiproteina P ribossômica, presentes em apenas 10% dos casos de LES, podem, em alguns casos, ser os únicos marcadores de doença e também auxiliar no acompanhamento de pacientes com quadros graves de distúrbios psiquiátricos associados a esta doença. Outros anticorpos também são detectados e caracterizam o padrão de resposta imune do LES, sendo frequentes os anticorpos anti- U1RNP, anti-ro/ss-a, anti-la/ss-b e os anticorpos antifosfollpides. Aproximadamente 25% dos casos de LES apresentam positividade do fator reumatoide. A determinação da atividade hemolítica do complemento e dos níveis séricos dos seus componentes C3 e C4 é extremamente útil na monitoração de doença e da resposta terapêutica. Medidas gerais TRATAMENTO É importante orientar sobre a proteção contra a luz solar ou outras formas de irradiação ultravioleta, pelos riscos de exacerbação não só das lesões cutâneas, mas também de quadros sistêmicos. O tabagismo pode dificultar a melhora dos quadros cutâneos e renais devendo, portanto, ser desestimulado. Dieta deve ser balanceada e as restrições serão indicadas de acordo com as comorbidades; A atividade física visando ao condicionamento deve ser estimulada A suplementação com cálcio (preferencialmente na dieta) e vitamina D é sempre instituída quando são utilizados glicocorticoides ou quando houver previsão da manutenção por longos períodos As imunizações contra pneumococo e influenza são seguras, mas, em geral, são menos eficazes na vigência de imunossupressores e prednisona em dose maior que 20 mg/dia.

9 A vacina contra a hepatite B também é segura e eficaz As vacinas com vírus vivos não devem ser prescritas para pacientes com LES. Uma vez que a fertilidade no LES é normal, deve-se aconselhar a anticoncepção em pacientes com doença ativa e/ou em uso de drogas com potencial teratogênico. A gestação deve ser planejada em conjunto com a paciente, sendo que, quanto mais tempo a doença estiver controlada, menor o risco de reativação. A paciente deve ser avaliada quanto à presença de anticorpos antifosfolipides e anti- Ro, pelo risco de síndrome antifosfolípide obstétrica e lúpus neonatal, respectivamente. A hidroxicloroquina deve ser mantida durante a gestação, para evitar reativação da doença e prevenir lúpus neonatal cardíaco em filhos de pacientes com anticorpo anti-ro positivo. Anti-inflamatórios não hormonais Devem ser utilizados com cautela na doença, particularmente nos pacientes com envolvimento renal, pois podem agravar esta disfunção ou mesmo dificultar o monitoramento dos quadros renais. O uso está indicado para o controle do quadro articular crônico, serosites leves a moderadas e febre associada à doença. Glicocorticoides São preferencialmente usados no início da doença ou durante os surtos de atividade, pois promovem rápido controle das manifestações clinicas. Em razão dos efeitos colaterais, a menor dose possível deve ser indicada nesta fase Doses muito altas ( 1 mg/kg/dia para adultos e 1 a 2 mg/kg/ dia para crianças/adolescentes) estariam indicadas nos casos graves, como manifestações renais, hematológicas (plaquetopenia e anemia hemolítica) e de SNC. Uma alternativa é a utilização de pulsoterapia de glicocorticoide (metilprednisolona) com dose intravenosa de 500 a 1.000 mg/dia em 3 dias consecutivos. Doses baixas a moderadas são usadas para o controle inicial de manifestações mais brandas. Antimaláricos Em geral, procura-se associar outro agente ao glicocorticoide, no sentido de diminuir o seu tempo de uso e promover redução na sua dose diária. Neste sentido, os antimaláricos são habitualmente prescritos. A hidroxicloroquina (6 mg/kg/dia, dose máxima 400 mg/dia) é o antimalárico de escolha. Imunossupressores Estão indicados como poupadores de glicocorticoides e para o controle da atividade da doença. Nos casos leves a moderados, utiliza-se a azatioprina, o metotrexato, a ciclosporina e o micofenolato de mofetila. A ciclofosfamida em dose alta estaria indicada nos casos mais graves, enquanto o

10 esquema de dose mais baixa (Euro-Lupus) está indicado para os casos leves e moderados. Biológicos Rituximabe - anticorpo monoclonal quimérico anti-cd20, é eficaz em melhorar atividade articular, trombocitopenia, índices de atividade de doença, títulos de anti-dsdna e hipocomplementenemia, além de ter efeito poupador de glicocorticoide. Há evidências mais fracas de melhora em atividade cutânea, anemia e manifestações neuropsiquiátricas. Belimumabe - (anticorpo monoclonal humano que promove bloqueio do BLySestimulador de células B) tem maior eficácia em pacientes com atividade cutânea, articular, anti-dsdna positivo e hipocomplementenemia. Tratamento para envolvimento cutâneo A talidomida (100 a 200 mg/dia), a dapsona (100 mg/ dia), o metotrexato (10 a 20 mg/semana) e azatioprina (1 a 2 mglkg/dia) podem ser considerados quando as lesões cutâneas não forem responsivas aos antimaláricos. Os quadros hematológicos, como plaquetopenia e hemólise, requerem doses altas de glicocorticoide via oral ou em pulsoterapia nas suas fases iniciais. Nos casos refratários após a associação com os antimaláricos, deve-se considerar o uso de azatioprina (1 a 3 mg/kg/dia), esteroides androgênicos e ciclofosfamida endovenosa. Tratamento da nefrite

11 REFERÊNCIA Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças osteometahólicas, doenças reumatológicas. 2 ed. Barueri, SP: Manole, 2016.