Texto e fotos: Marcio Jumpei Luciano Porto (www.spotter.com.br) O país sedia um grande exercício de combate aéreo em plena região centrooeste, numa excelente oportunidade de integração operacional entre as forças aéreas da América do Sul. Materia Cruzex - Jumpei.p65 2-3 25/9/2006, 16:04
Em Anápolis, a força de coalizão reuniu diversas forças aéreas para combater o inimigo país vermelho. À esquerda, um Mirage 2000N francês em ala com um A-4AR Fightinghawk argentino. A notícia era quente: o país vermelho invadira o pequeno país amarelo de um modo inesperado e rápido. Depois de infrutíferas tentativas de negociação para que a invasão acabasse, a Organização das Nações Unidas (ONU) se viu obrigada a aprovar uma coalizão liderada pelo país azul para restabelecer e devolver a região invadida ao seu legítimo povo. Essa foi a história fictícia que norteou o exercício militar batizado de Operação Cruzeiro do Sul, ou Cruzex III, e que foi organizada pela Força Aérea Brasileira entre os dias 20 de agosto e 1º de setembro. É a terceira edição do exercício, que já passou por Canoas (RS) em 2002 e Natal (RN) em 2004. O objetivo foi o de reunir diversas forças aéreas da América do Sul num intercâmbio, para aplicar, na prática, técnicas de conflito. A região do confronto ficou estabelecida no centro-oeste do Brasil, sendo que o país vermelho era localizado numa região formada entre o oeste paulista e o Estado do Mato Grosso do Sul. O país azul era basicamente o Estado de Goiás e o país amarelo era localizado no Triângulo Mineiro. A força de coalizão tinha também a participação do país verde, que correspondia à parte centro-leste do Estado de São Paulo, e do país laranja, formado pelo resto do Estado de Minas Gerais. A força de coalizão estava baseada em Anápolis (GO), os vermelhos se concentraram em Campo Grande (MS) e a capital do país amarelo ficou definida em Uberlândia (MG). Entre os países participantes estavam a Argentina, a Venezuela, o Chile, o Uruguai e a França, além do Brasil. A França participou do evento por tabela, por meio da Guiana Francesa. A Bolívia, a Colômbia e o Paraguai participaram, mas somente como observadores, da mesma forma que a marinha brasileira, que mandou uma equipe de observadores. O Peru também viria, mas um acidente com Acima, os mesmos dois aviões em companhia de um A-1 brasileiro. Abaixo, a chegada de uma esquadrilha de A-29 Super Tucano depois de mais um dia de combate. 69 Materia Cruzex - Jumpei.p65 4-5 25/9/2006, 16:05
Um F-5EM do país vermelho reabastece em pleno vôo. Esta foi a primeira oportunidade do 1º/14º GAV mostrar serviço com seus aviões modernizados equipados com mísseis BVR (Beyond Visual Range) ou de alcance além do visual. Um F-16A venezuelano decola para uma missão enquanto um Mirage 50EV, do mesmo país, aguarda a sua vez. Os dois modelos devem ser substituídos pelos Sukhoi Su-30 recém-comprados. Luciano Porto (www.spotter.com.br) Os IA-58 Pucara do Uruguai, um interessante conceito de avião de ataque ao solo, mas que não conseguiu sucesso comercial. um Cessna A-37B Dragonfly em Porto Velho (RO), no dia 20 de agosto, durante a decolagem para o traslado a Anápolis, vitimando os pilotos Concicleres Munõz e Michael Eduardo Queiroz Flesqe, fez que toda a delegação daquele país cancelasse a sua participação. O A-37B não conseguiu decolar do aeroporto Jorge Teixeira e acabou batendo contra o muro que separa o aeroporto de uma região de floresta. A aeronave destroçada acabou por incendiar-se e os dois pilotos morreram carbonizados. Mesmo assim, o pátio da base aérea de Anápolis ficou até apertado com a presença das aeronaves. No total foram empregadas 103 aeronaves, contando tanto as dos países da coalizão como as do país vermelho. O Brasil participou com 67, enquanto as delegações estrangeiras somaram 36 aeronaves. Uma estrutura gigante e só os brasileiros estimaram voar 1.925 horas. O orçamento para a execução da Cruzex III, apesar de aprovado no ano passado pelo governo brasileiro, não foi divulgado pela Força Aérea até o fechamento desta edição; os argentinos, por exemplo, gastaram 1,8 milhão de pesos. Uma manobra como essa também atraiu a imprensa, nada menos que 120 jornalistas, sendo muitos estrangeiros, que fizeram a cobertura da Cruzex III. Para uma delegação de 24 estudantes de jornalismo da Universidade Federal de Goiás, da Faculdade Latino- Americana de Anápolis, do Centro Universitário de Brasília e da Universidade Federal de Brasília, a Cruzex III foi uma grande chance de pôr em prática os seus conhecimentos de cobertura e de assessoria de imprensa de grande porte. E tiveram muito trabalho mesmo, como também teve o departamento de imprensa da Força Aérea Brasileira. Mesmo enfrentando algumas imperfeições, assegurar o atendimento para jornalista europeu que cruza o Atlântico, gasta uma boa quantidade de dinheiro e ainda quer a toda hora ficar na janelinha de todo evento, não é fácil. Os fotógrafos queriam o melhor posicionamento, se possível durante todos os dias para colher as imagens. Afinal, a reunião de tantas aeronaves diferentes em um único local é o que torna a Cruzex III especial. A Argentina trouxe três unidades do A-4AR Fightinghawk e três IA-58 Pucara, o Uruguai também estava com uma frota de três IA-58 Pucara, além de três Cessna A-37B Dragonfly, modelo semelhante ao dos chilenos, que contavam com seis desses jatinhos, que logo receberam o apelido de pererecas voadoras. A Venezuela veio com três Dassault Mirage M50EV, dois Northrop VF-5 (CF-5 A/B), três Lockheed Martin F-16A/B e um Boeing KC- 707. A França veio em peso com uma frota de quatro Dassault Mirage 2000C e quatro Mirage 2000N, além de um Boeing E-3F Awacs de vigilância aérea. Um Antonov An- 124 foi fretado pelos franceses para o transporte do material e de parte do pessoal de apoio. O Brasil forneceu tanto as aeronaves da coalizão como as do país inimigo. Em Anápolis ficaram seis Embraer A-1, três RA-1, cinco A-29 Super Tucano, quatro AT-26 Xavante, três R-99A e cinco Northrop F-5E Tiger II. Em Campo Grande estavam baseados seis Northrop F-5EM, cinco Embraer A-1, um Os Mirage 2000CN franceses perfilados davam uma prévia de como será a paisagem da base aérea de Anápolis a partir de setembro. 70 71 Materia Cruzex - Jumpei.p65 6-7 25/9/2006, 16:06
O E-3F Awacs francês durante a decolagem e, abaixo, um R-99A brasileiro. Os dois sentinelas eram a espinha dorsal para toda a força de coalizão organizar, administrar e manter a vigilância das missões. Embraer R-99 A, um Lockheed Martin KC-130 Hercules e um Bell H-1H Huey. Fora esses, a FAB manteve um Eurocopter H-34 Super Puma, um Helibras H-50, um Embraer SC-95 Bandeirante e quatro T-27 Tucano baseados em Uberlândia. A cidade de Jataí (GO) recebeu dois H-1H e em Brasília (DF) ficavam dois Boeing KC-137 de reabastecimento aéreo. No apoio de logística também houve a participação de um C-130 Hercules, de pelo menos dois C-99 e de um VU-95. Essa verdadeira salada russa de modelos também serviu para treinar a administração tática das forças aéreas para planejar as missões com aeronaves de diversas performances. O roteiro de manobras incluiu o bombardeio de pistas de aeroportos e locais estratégicos e a aniquilação da força aérea inimiga, além do suporte a um exército virtual que iria entrar na área invadida. Basicamente, as aeronaves decolavam em grupos para o Um dos IA-58 Pucara de los hermanos argentinos numa decolagem curta. ataque e em alguns casos a missão era composta de manobras de reabastecimento aéreo. Tudo também era controlado e supervisionado pelo E-3F e pelo R-99A. Esses aviões, com capacidade de vigilância e sensoriamento remoto, geralmente eram os primeiros a decolar, mantinham uma órbita em algum ponto estratégico da região para a coleta de dados e retornavam somente no final do dia. Apesar de todo o conflito ser simulado, há brechas para a ocorrência de situações de emergência de verdade. Na quinta feira, 24 de agosto, um dos Embraer A-1 da frota da coalizão teve que voltar antes do tempo previsto, depois de ter sua asa direita se chocado com um urubu. E dá-lhe procedimentos para o retorno seguro do piloto: um segundo A-1 acompanhou todo o seu retorno até o pouso. Na pista, veículos dos bombeiros e uma ambulância aguardavam o caça, que conseguiu chegar à base aérea de Anápolis sem nenhum trauma aparente. No mesmo dia, um F-5E brasileiro também sofreu alguma pane e teve que ficar orbitando por vários minutos sobre a base aérea para consumir o combustível até alcançar o peso máximo de pouso e retornar em segurança. A segurança sempre esteve no topo da lista de requisitos da Cruzex. Os recursos de controle aéreo da operação também serviram para uma perfeita coordenação com o pesado tráfego aéreo da região. Mas a Cruzex III também chamou a atenção por outros motivos. E dois muito belos, diga-se de passagem. Maria Etcheverry, com seus 30 anos completados em pela Cruzex, Um mesmo vôo e performances tão distintas: um elemento de Cessna A37B Dragonfly é acompanhado por um F-16 venezuelano. Um dos F-5E (de geração mais antiga) da FAB aciona o pára-quedas no pouso em Anápolis. 72 Materia Cruzex - Jumpei.p65 8-9 25/9/2006, 16:07
O E-3F em curta final para o pouso no fim de mais um dia de missão. Sempre o primeiro a decolar e o último a voltar. Marcos Alexandre deixou a carreira de contadora em 1996 para seguir o sonho de entrar na Força Aérea do Uruguai. A tenente, a única piloto de caça de seu país, voa em um dos A-37B e já acumulou mais de 700 horas de vôo. A capitão do esquadrão francês 02_004 La Fayette, Edith Mandy ép Beron, tem 27 anos e voa em Mirage 2000. Ela é categórica em dizer que não há nenhuma restrição física a uma mulher ser piloto militar numa aeronave de alta performance como o caça que pilota e que anteriormente voava em Alphajet. Ela, inclusive, conhece duas compatriotas que tiveram filhos e só foram impedidas de voar durante a gestação, mas que voltaram à ativa logo depois que recuperaram as suas aptidões físicas. Na logística, a Cruzex III também foi a oportunidade de testar as capacidades dos hospitais de campanha tático é a segunda vez que uma unidade dessas, de projeto canadense, capaz de atender até 450 pessoas em um mês, é utilizada num exercício da FAB. Esses hospitais, feitos em módulos, podem ser transportados em um único Hercules e levam um dia para serem montados. E nada da história de que os militares teriam um regime a base de comida ruim. O módulo de alimentação em pontos remotos (Mapre) foi desenvolvido no Brasil e garante comida de primeira, quatro vezes ao dia, para mais de 200 pessoas durante um mês, de forma totalmente autônoma. Todas as comidas são produzidas no mesmo esquema de uma companhia de catering. Os pratos são congelados e enviados a seus destinos, restando o seu aquecimento antes de servir. Testado e aprovado. Mas a Cruzex III foi feita para ter combate aéreo. Se um dos lados possuía uma gama maior de aeronaves, o país vermelho tinha em sua frota os F-5EM que, apoiados pelo R-99A e dotados de recursos eletrônicos de combate de última geração, tornavam aquele país um temível inimigo. É a era da eletrônica dando o seu recado. Inclusive, foi muito comentado pelos jornalistas que os F-5EM teriam capacidade de combater com mísseis BVR de além do alcance visual enquanto que a frota da coalizão, mesmo contando com os Mirage 2000C/N franceses, não estava equipada com esse recurso. Foi a grande chance para o 1º/14º GAV, a quem os F-5EM pertenciam na realidade, de mostrar serviço com os novos equipamentos. Esses aviões foram modernizados pela Embraer em conjunto com a Elbit, que forneceu toda a nova suíte de aviônicos, semelhantes aos encontrados nos A-29 Super Tucano. Numa conversa informal, de bastidores, um ex-piloto de caça brasileiro, inclusive, nos confidenciou que os F-5EM poderiam ter uma capacidade tática muito melhor que os Abaixo à esquerda, quem disse que em plena guerra se come mal? A comida do novo módulo de alimentação em pontos remotos foi devidamente testada e aprovada. Abaixo, um grupo de chilenos no fim do expediente. Por enquanto tudo bem. O Eurocopter H-34 Super Puma (no topo) ficava em prontidão em Uberlândia para qualquer caso de emergência verdadeira. A tenente Maria Etcheverry, que pilota o A-37B na Força Aérea do Uruguai, comemorou seus 30 anos em plena Cruzex III. Belo close de um A-1 A da FAB sobre o Planalto Central (à direita). Materia Cruzex - Jumpei.p65 10-11 25/9/2006, 16:08
Mirage 2000C recentemente comprados pela FAB. Ironicamente, para quem então esperava exercícios de combates diretos, os tais dogfighters, a organização disse que as manobras de engajamento estavam limitadas a 40 quilômetros de aproximação máxima. Ou seja, estava mais do que claro que na Cruzex III a capacidade de organização, planejamento e administração das manobras eram os tópicos mais importantes. Tanto é que um dos elementos mais valiosos de toda a operação era o software de controle aéreo militar Stradivarium disponibilizado pelos franceses. Ele e os próprios recursos de controle aéreo da FAB se tornaram a espinha dorsal para o sucesso de toda essa megaoperação feita nos moldes aplicados pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) que, por sua vez, foi estruturada durante a Guerra do Golfo em 1991 e no conflito na Iugoslávia em 1999. Os dias se passavam e a rotina, apesar de ser a mesma, nunca poderia ser chamada de monótona. Uma hora era a vez da esquadrilha formada de Embraer A-29 Super Tucano decolar em conjunto com os IA-58 Pucara argentinos e uruguaios. O 1º GDA - Grupo de Defesa Aérea, ainda sem os Mirage 2000C, Reginaldo Araújo (www.spotter.com.br) tinha que se contentar em fazer o exercício com os Xavante interinamente utilizados até a chegada dos caças franceses. Esses aí deviam ficar com os dedos coçando perante as decolagens dos venezuelanos com os seus Mirage M50EV ou mesmo com os VF-5 (ok, são antigos, com desempenho já meia sola, mas estão ali fazendo barulho ainda) ou, pior, vendo o seu futuro pelas mãos dos franceses e seus Mirage 2000C/N. Vão ter que esperar até a próxima Cruzex IV para mostrar as suas reais capacidades. E quem sabe até lá virão os Sukhoi SU-30MK comprados pelos venezuelanos e, talvez, os Lockheed Martin F 16 Block 50 dos chilenos. Se tudo correr bem, será mais uma boa oportunidade para a FAB ampliar o conhecimento das capacidades de uso de armas novas, como os mísseis BVR, ainda em desenvolvimento. Por enquanto, a Cruzex III fechou as portas com uma cerimônia singela, com a entrega de uma carta de rendição do país vermelho, como estava escrito de antemão no roteiro. Eles podem ter perdido na simulação, mas que seus F-5EM devem ter dado um belo trabalho Bom, isso é conversa para piloto do 1º/14º GAV remendar e remendar por um bom tempo, pelo menos nos próximos dois anos. Todo cuidado é pouco. Mecânico inspeciona um F-16A venezuelano e checa se não há detritos na enorme entrada de ar da turbina. Reginaldo Araújo (www.spotter.com.br) Final de confronto: o tenente-brigadeiro-do-ar William de Oliveira Barros mostra a carta de rendição dos vermelhos (no detalhe). Desta vez não foi, mas aguardem a próxima, seria esse o pensamento do coronel-aviador Breno Santos, representando o país vermelho? Reginaldo Araújo (www.spotter.com.br) Um dos A-37B decola.verde e baixinho, recebeu o apelido de perereca voadora. Um VF-5 da Venezuela. Este tipo de caça estava representado por três gerações distintas, mostrando a validade de seu projeto. Os venezuelanos tiveram o apoio de um KC-707 para transportar a sua tropa. 78 Os Xavante que foram usados interinamente pelo 1º GDA - Grupo de Defesa Aérea até a chegada dos Mirage 2000C. 79 Materia Cruzex - Jumpei.p65 12-13 25/9/2006, 16:10