Relação entre investimento e estrutura de propriedade em empresas brasileiras



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Transcrição:

1 Universidade de São Paulo Faculdade de Economia e Administração FEA-USP Departamento de Economia II Seminário de Pesquisa em Economia do Desenvolvimento 15/04/2015 Relação entre investimento e estrutura de propriedade em empresas brasileiras Danilo Rocha Doutorando em Economia do Desenvolvimento 1. Introdução Qual a importância de variáveis de governança corporativa e estrutura acionária para as decisões de investimentos das firmas? O objetivo deste artigo é estudar essa questão a partir da análise empírica de firmas de capital aberto brasileiras no período recente. Na literatura econômica, o exame do comportamento do investimento por meio de sua relação com variáveis inerentes às corporações, como fontes de financiamento, formas de governança, estrutura de propriedade e controle, ganhou força nas últimas décadas. Shleifer & Vishny (1997) definem governança corporativa como a forma pela qual os financiadores da firma se asseguram de que terão retorno sobre o investimento. Assim, criam-se mecanismos legais e institucionais por meio dos quais os gestores e controladores da empresa se obrigam a alocar adequadamente o capital e garantir o retorno ao investidor. Para as despesas de investimento, os mecanismos de governança corporativa exercem um papel fundamental. Como dispêndios em bens de capital apresentam especificidade e sunk costs elevados, são as regras de governança que minimizam riscos como a expropriação de recursos pelos gestores e permitem que

2 recursos fluam para as empresas e retornem com segurança aos investidores. Facilita-se, assim, a formação de mercados de capitais e o financiamento da atividade produtiva. No Brasil, a análise do comportamento de empresas pela ótica de suas características de governança ganha importância em razão das transformações estruturais ocorridas na economia do país nas últimas duas décadas. Os processos de privatizações, abertura econômica e expansão do mercado financeiro ocorrido a partir da década de 1990 alteraram a composição da estrutura de propriedade das empresas e suas práticas de governança corporativa. Até o período anterior às privatizações, o Estado detinha o controle direto de muitas firmas e, junto com grupos econômicos familiares e empresas transnacionais, formava o tripé que comandava as decisões de investimentos das firmas instaladas no país. Porém, após o processo de privatizações e abertura da economia, a composição de propriedade das empresas mudou e tornou-se mais heterogênea. Em seu estudo empírico sobre empresas brasileiras, Lazzarini (2011) argumenta que o Estado, de fato, reduziu sua participação no controle majoritário direto de empresas não financeiras, mas, em contrapartida, passou a ter participação minoritária em empresas privadas de modo disseminado. Essas participações se dão por meio de compra de participação acionária de bancos públicos (como Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e, sobretudo, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES); sociedade entre empresas estatais que sobreviveram à política de privatizações, como Petrobras e Eletrobrás, e empresas privadas; e, também, participação de fundos de pensão de funcionários de empresas estatais como Previ (Banco do Brasil), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Petros (Petrobras) em empresas privadas. Assim, a economia brasileira passou por um processo de transição, durante o qual a participação direta do Estado na economia foi substituída por participação indireta. Ao

3 mesmo tempo, continua relevante a presença de grupos econômicos familiares, com forte predominância de propriedade piramidal e concentração societária entre poucos acionistas (ALDRIGHI & NETO, 2007). A expansão do mercado acionário trouxe investidores minoritários à bolsa de valores, mas não a ponto de promover a pulverização de propriedade típica de algumas economias avançadas, como Estados Unidos e Reino Unido. A liberalização econômica também atraiu mais investidores estrangeiros ao mercado acionário brasileiro, mas prepondera, entre companhias abertas, o controle estatal e familiar nacional, embora com diferentes arranjos acionários e graus de concentração. A questão que se coloca é como a estrutura de propriedade influencia o investimento (CAPEX) de empresas não financeiras no Brasil. A atuação do Estado como investidor minoritário afeta as decisões de investimento de empresas privadas? O nível de pulverização ou concentração da propriedade tem relação com o comportamento do investimento das empresas? Como a empresa piramidal de controle familiar se relaciona com o investimento? E qual o papel de fundos de investimentos e investidores institucionais privados nacionais ou estrangeiros com participação em empresas para o nível de investimentos? O objetivo deste projeto é responder empiricamente a questões dessa natureza estimando um modelo econométrico tendo o investimento como variável dependente e a estrutura de propriedade como variável explicativa. Os dados disponíveis formam um painel de 515 empresas brasileiras de capital aberto compreendendo o período entre os anos de 2002 e 2010. No plano teórico, esse problema se relaciona à microeconomia das finanças corporativas e suas ramificações em direção à economia política e à economia do desenvolvimento. A questão central da governança corporativa é a relação de agência entre principais (investidores e controladores) e agentes (gestores). Essa relação implica

4 em um custo de agência, pois os contratos são incompletos e o agente pode tomar decisões que contrariem os interesses do principal (TIROLE, 2001). Entre essas decisões estão concessão de benefícios a si próprios, engajamento em investimentos muito arriscados ou mesmo ações fraudulentas, como o tunelling prática pela qual o gestor vende ativos da empresa a um preço abaixo do mercado, extraindo vantagens disso. Existe também custo de agência entre acionistas majoritários e minoritários, configurando um problema de principal-principal. Nesse caso, grupos majoritários controladores exercem seu poder em detrimento dos interesses de minoritários com baixa capacidade de influência nas decisões da empresa (SHLEIFER & VISHNY, 1997). O conflito de agência entre majoritários e minoritários é mais presente em países em desenvolvimento. Ao contrário do que ocorre em economias desenvolvidas, nesses países a propriedade é mais concentrada, a separação entre propriedade e controle é reduzida e os direitos de propriedade dos minoritários não são adequadamente assegurados. Assim, ainda que na aparência as empresas contem com mecanismos de governança corporativa semelhantes a de economias desenvolvidas, na prática a debilidade institucional dos países em desenvolvimento não garante satisfatoriamente os direitos de propriedade e insufla os conflitos de agência (LA PORTA et al., 1998; YOUNG et al., 2008). A estrutura de propriedade refletiria, então, as condições institucionais do país e seria uma maneira de se minimizarem os custos de agência na governança das empresas. A concentração de propriedade, a propriedade familiar e piramidal e os grupos econômicos seriam formas de organização utilizadas pelas firmas para maximizar os benefícios e minimizar os riscos de um ambiente de negócios cujas instituições são inadequadas para se garantir os direitos de propriedade. A participação minoritária do

5 Estado em empresas privadas também se explicaria pelo fraco ambiente institucional, já que, em países em que a garantia dos direitos de propriedade é débil, a proximidade com o governo seria uma forma de a firma ter atendidos seus interesses com maior facilidade. Desse modo, a propriedade concentrada, familiar e estatal minimiza problemas de governança para investidores e controladores, como restrição financeira, expropriação de ativos e exploração de minoritários. Pelo contrário, os controlares dessas empresas se beneficiam do ambiente de fraqueza institucional para explorar minoritários, obter benefícios privados, receber condições especiais do Estado e auferir retornos extraordinários sobre o investimento. Este artigo prossegue delineando a especificação empírica a ser utilizada na análise dos dados, seção em que se discutem também os pressupostos teóricos do modelo, como o uso do valor do Q de Tobin como proxy da propensão a investir e o papel da dívida e da liquidez interna para o comportamento do investimento da firma. Na seção seguinte, apresentam-se a base de dados e suas variáveis e delineia-se a estratégia de estimação do modelo. 2. Modelo empírico A estratégia de identificação empírica desse problema utiliza o Q de Tobin e outras variáveis de controle, baseando-se no modelo de Mykhayliv e Zuner (2013). O Q de Tobin é uma proxy para se analisar as decisões de investimentos das firmas, introduzida por Tobin (1969) e utilizada desde então na literatura, ainda que com alterações. O Q de Tobin mede-se pela razão entre o valor de mercado de uma firma e o valor contábil de reposição de seus ativos. Seu valor marginal indica a produtividade marginal do investimento e a propensão da firma a investir. Se o valor de mercado da firma for maior do que o valor contábil de seus ativos, a firma está propensa a investir,

6 pois está deixando de investir em projetos rentáveis. Do contrário, a firma está propensa a desinvestir, pois indica que está investindo em projetos pouco rentáveis. Como não é possível, na prática, calcular o valor marginal do Q de Tobin, utiliza-se, na especificação empírica a seguir, a variação da razão entre o valor de mercado da firma e o valor contábil de seus ativos como proxy para a propensão a investir, capturando oportunidades de investimentos e sua rentabilidade. No entanto, o Q de Tobin apenas não é capaz de explicar, empiricamente, o comportamento do investimento das firmas, pois as empresas atuam em ambientes com falhas de mercado nos quais há a interferência de outros fatores, como restrições financeiras (FAZZARI et al., 1988). O Q de Tobin prevê o investimento em um ambiente sem falhas de mercado, o que não é provável no mundo real. Então, estima-se o modelo com outros fatores atuando como variáveis independentes, entre os quais a estrutura de propriedade, que é a variável explicativa de interesse deste trabalho para o comportamento do investimento de empresas brasileiras. O modelo especificado a seguir, delineado por Mykhayliv e Zuner (2013), também leva em consideração, além de estrutura de propriedade e Q de Tobin, liquidez interna (dada pelo fluxo de caixa) e dívida das empresas. Essas variáveis atuam como controles do modelo econométrico. A variável dependente é a razão o investimento e o estoque de capital da firma, cuja proxy é o estoque de capital fixo. O modelo empírico é delineado como segue: = + + + k + + + + + + Nesse modelo, i e t indexam firma e tempo, respectivamente, e I it é o investimento. K it é o estoque de capital fixo, proxy para o estoque total de capital da firma. A razão entre I it e K it é a variável dependente. O Q de Tobin é representado por TQ, e, no modelo, TQ it é sua variação, dada por TQ i(t+1) - TQ it. Além disso, CF it é fluxo

7 de caixa, e D it é a dívida total em cada período. A variável para a estrutura de propriedade acionária é definida pelo somatório de O, que se desdobra em cinco categorias k, medidas em percentual: governo (para propriedade governamental), familiar (propriedade familiar), pulverizada (propriedade pulverizada), institucional (para propriedade de grandes investidores institucionais, como fundos de pensão e de investimento) e estrangeira (para propriedade estrangeira). O modelo traz também as variáveis dummies d k it e d control it, cujos valores são 1 quando algum acionista tem mais de 50% das ações e, assim, detém o controle da empresa. As dummies d t são temporais, t é a tendência temporal, v i é um termo de heterogeneidade específico à firma e ɛ it é termo de erro. As outras letras gregas são os coeficientes a serem estimados a partir de um painel. Nessa especificação, o uso de cada variável, tal como o Q de Tobin, decorre de uma proposição teórica. O objetivo é explicar o investimento por meio das relações entre benefícios privados do controle, restrições financeiras e dívida. A variável estrutura de propriedade reflete os benefícios privados do controle, definidos como os ganhos decorrentes da influência que o controlador exerce sobre a firma, em detrimento de acionistas minoritários (DYCK & ZINGALES, 2004). Assim, a política de investimentos das empresas atenderia aos interesses dos controladores, sem que seus benefícios e custos sejam distribuídos igualmente entre todos os acionistas. Já a variável fluxo de caixa indica o nível de liquidez interna da firma e a possível existência de restrições financeiras. Ela pode ser utilizada também para se identificarem oportunidades de investimento da empresa, por meio de análise de sensibilidade das flutuações de seus fundos internos. A análise de sensibilidade do fluxo de caixa em relação ao investimento permite testar a existência de restrições financeiras para cada categoria de propriedade. Uma sensibilidade positiva do fluxo de caixa em relação ao

8 investimento é considerada indício de restrição financeira. Desse modo, se o investimento aumenta quando há recursos em caixa, existe evidência de restrição financeira, já que a empresa utiliza o próprio caixa para investir, e não financiamentos, que possivelmente são muito caros e inacessíveis (FAZZARI, et al., 1988; MOYEN, 2004; MYKHAYLIV & ZUNER, 2013). A variável dívida também pode indicar oportunidades de investimento, mas, nessa especificação, é considerada como um fator de disciplina do problema de excesso de investimento da firma em caso de elevado nível de fluxo de caixa livre. Assim, a dívida pode restringir o comportamento do investimento, variando de acordo com a categoria de propriedade. É provável, por exemplo, que empresas cujo controle é estatal ou tenham participação do Estado sejam menos restringidas pelo nível de endividamento. Isso acontece, sobretudo, quando o próprio governo é credor dessas empresas, por meio de bancos estatais. 3. Dados e método de estimação Os dados disponíveis para estimar esse modelo formam um painel não balanceado de empresas brasileiras listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (atual BM&FBovespa) entre os anos de 2002 e 2010. Totalizam-se 515 empresas, identificadas por código da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e 3283 observações. Essa amostra compreende todas as empresas que tinham capital aberto em algum momento no período em análise. As fontes dos dados são a consultoria Economática e o Formulário de Referência com informações detalhadas que as empresas são obrigadas a entregar anualmente à CVM (até 2009, o formulário chamavase Informações Anuais IAN).

9 Nessa base de dados, o Q de Tobin é calculado em conformidade com a literatura da área somando-se valor de mercado, exigível de longo prazo e exigível de curto prazo, do que se subtrai o ativo circulante. Esse resultado é dividido pelo ativo total da firma, chegando-se ao Q de Tobin em cada período. A variável dependente é dada pela razão entre dispêndios de capital ( Capital Expenditures CAPEX) e ativo fixo (imobilizado) da companhia, descontando-se a depreciação. É essa a variável que especifica o nível de investimento líquido da firma ao longo do tempo e será explicada pelas variáveis independentes do modelo. A variável explicativa fluxo de caixa é dada pela receita operacional líquida em cada ano, ou seja, a receita operacional após depreciação, juros e impostos. Já a medida da variável dívida é dada pela dívida bruta. No modelo, tanto o fluxo de caixa quanto a dívida são controlados pelo tamanho da firma dividindo-se seus valores pelo ativo fixo. A base de dados traz também algumas variáveis de propriedade acionária e governança corporativa necessárias à estimação do modelo. Entre elas está a identificação do maior acionista último da firma e o percentual de sua participação no capital total e em ações com direito a voto. Assim, pode-se identificar o controlador da empresa. Identificam-se também os casos de existência de propriedade piramidal, as empresas intermediárias entre o maior acionista último e a firma em análise e os acionistas que detêm pelo menos 10% das ações com direito a voto. Porém, para ser possível a estimação, será necessário ainda classificar a estrutura de propriedade de cada firma nas cinco categorias definidas pelo modelo: governo, familiar, pulverizada, institucional e estrangeira, com seus respectivos percentuais. O método de estimação a ser utilizado, ainda baseando-se em Mykhayliv e Zuner (2013), é o Método dos Momentos Generalizados (GMM), cuja vantagem para esse tipo de base de dados em painel são os instrumentos formados a partir dos próprios dados.

10 Assim, busca-se evitar a inconsistência dos estimadores, que provavelmente ocorreria se estimação fosse feita pelo Método dos Mínimos Quadrados (OLS). Essa inconsistência se daria em razão da endogenia dos regressores e da presença de fatores de heterogeneidade específico às firmas. Para solucionar esses problemas, deve-se fazer a regressão pelo GMM em dois estágios, pelo qual se estima o modelo simultaneamente nas diferenças e nos níveis. BIBLIOGRAFIA ALDRIGHI, D.; NETO, R.M. (2007). "Evidências sobre as Estruturas de Propriedade de Capital e de Voto das Empresas de Capital Aberto no Brasil", Revista Brasileira de Economia, Vol. 61, No. 2, pp. 129-152, Abr-Jun. DYCK, A.; ZINGALES, L. (2004). "Private Benefits of Control - An International Comparison", The Journal of Finance, Vol 59, No. 2, Abril. FAZZARI, S. M.; HUBBARD, R.G.; PETERSEN, B. C.; BLINDER, A. S.; POTERBA, J. M. (1988). Financing Constraints and Corporate Investment, Brookings Papers on Economic Activity, Vol. 1988, No. 1 (1988), pp. 141-206. HAYASHI, F. (1982). "Tobin's Marginal q and Average q: A Neoclassical Interpretation", Econometrica, Vol. 50, No. 1 (Jan., 1982), pp. 213-224. LA PORTA, R.; LOPEZ-DE-SILANES, F.; SHLEIFER, A.; VISHNY, R. (1998). "Law and Finance", Journal of Political Economy, 106, pp. 1113-55. LAZZARINI, S. (2011). Capitalismo de Laços: os donos do Brasil e suas conexões. Rio de Janeiro: Editora Campus.

11 MOYEN, N. (2004). "Investment-Cash Flow Sensitivities: Constrained versus Unconstrained Firms". Journal of Finance, Vol. 59, No. 5, pp. 2061-2092. MYKHAYLIV, D.; ZUNER, K. (2013). "Investment behavior and ownership structures in Ukraine: Soft budget constraints, government ownership and private benefits of control", Journal of Comparative Economics 41 (2013), pp. 265-278. SHLEIFER, A.; VISHNY, W. (1997). "A Survey of Corporate Governance", The Journal of Finance, Vol. 52, No. 2 (Jun., 1997), pp. 737-783. TIROLE, J. (2001). "Corporate Governance", Econometrica, Vol. 69, No. 1 (January, 2001), pp. 1-35. TOBIN, J.; (1969). "A General Equilibrium Approach To Monetary Theory", Journal of Money, Credit and Banking, Vol. 1, No. 1 (Feb., 1969), pp. 15-29. YOUNG, M. N.; PENG, M. W.; AHLSTROM, D., BRUTON, G. D.; JIANG, Y. (2008). Corporate governance in emerging economies: a review of the principal principal perspective. Journal of Management Studies 45, 196 220.