Mudança Organizacional: Trade Off entre o Desempenho Logístico e o Capital Humano



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Transcrição:

Mudança Organizacional: Trade Off entre o Desempenho Logístico e o Capital Humano RESUMO Autoria: Ana Carolina Simões Braga, Silvia Marcia Russi De Domenico Este caso de ensino trata do processo de desmobilização de ativos imobiliários implementado por um grupo multinacional sueco em uma de suas divisões no Brasil. Traz o relato das características da organização, seguindo-se a descrição da escolha e implementação da estratégia para a mudança, e informa o trade off entre o capital humano e o desempenho logístico. Visa discutir processos de mudança organizacional a partir da adoção de novos padrões institucionais, de forma a entender como e porque as mudanças ocorrem. O caso é indicado para as disciplinas de gestão estratégica e mudança organizacional, aplicável a cursos de pós-graduação. 1

INTRODUÇÃO A Beta Ltda. foi fundada em 1883 por Gustaf de Beta, na Suécia, atuando atualmente em 100 países. A empresa é líder na produção especializada de produtos e soluções de aquecimento (calor), refrigeração (frio) e transporte de produtos fluidos. Seus produtos desde a época de sua fundação contempla equipamentos para separação de líquidos e partículas sólidas de outros líquidos; recentemente esta tecnologia passou a ser aplicada também na separação de gases. Em 1959, a empresa iniciou suas atividades no Brasil. Entre 1991 a 2000, a Beta Ltda. fez parte do grupo Tetra Beta. Em 1991, a unidade de negócio de equipamentos agrícolas foi separado da Beta Ltda. e incorporado no grupo Tetra Beta, quando a Beta Ltda. foi vendida. Em 2003, a Beta Ltda. adquiriu uma divisão do grupo Omega (biotecnologia), proporcionando à empresa um posicionamento de mercado em soluções integradas para processos de cultura de células de animais. Em dezembro de 2010, a Beta Ltda. adquiriu a dinamarquesa Soma, fabricante de caldeiras a vapor, água quente, fluído térmico, aquatubulares e recuperação de calor. A projeção desta aquisição para os próximos anos é de um aumento de 30% do faturamento no Brasil e 10% no faturamento mundial. A maior parte das receitas da Beta Ltda. provém da produção de três produtos-chave, quais sejam: i) decantadores; ii) trocadores de calor; e iii) centrífugas. A Beta Ltda. atua no Brasil em diversos mercados industriais como o alimentício, farmacêutico, petroquímico e sucroalcooleiro, mais especificamente o mercado interno, tendo um faturamento anual próximo a 130 milhões de euros. Apresentando pouca diferenciação de produtos, o nível de serviço é fortemente baseado na customização, visando atender necessidades especificas de cada cliente, sendo este um fator diferenciador da empresa frente a seus concorrentes. Na época da entrada da Beta Ltda no Brasil, o lugar escolhido foi a Avenida das Nações Unidas em São Paulo\SP, uma área adequada para atividades industriais, tendo a Marginal Pinheiros como seu principal acesso para o escoamento de suas mercadorias. Entretanto, o rápido crescimento da cidade que nunca para trouxe uma nova configuração para essa região, sendo considerada na última década do século XX uma das regiões mais nobres da cidade São Paulo (FERRAZ, 2004). A urbanização trouxe consigo não somente a valorização regional, mas também dificuldades quanto à questão de acessibilidade. Ao longo do tempo, a localização na Avenida das Nações Unidas implicava não somente uma alta manutenção predial, mas também problemas de operação logística que afetava o nível da prestação de serviços. Nesse contexto, em meados de 2000, o CEO Mundial da Beta Ltda. anunciou a estratégia de desmobilização de ativos imobiliários em todas as unidades espalhadas pelo mundo, tendo por objetivos principais: a) redução dos custos advindo da depreciação e manutenção predial; b) investimentos em seu core business; e c) aumento na capacidade instalada. O aumento da capacidade instalada é vital para o posicionamento da empresa Beta Ltda. no Brasil. Em uma entrevista concedida pelo seu presidente, o aumento no custo de energia e de água no mercado brasileiro abre novas possibilidades de mercado, direcionando a empresa tanto para o desenvolvimento de processos mais sofisticados, quanto para o aumento da oferta a fim de atender os mercados internos e externos, mais especificamente o Cone Sul, um mercado que apresenta um movimento aproximado de 100 milhões de euros anuais. Ainda, o novo site, irá possibilitar a produção interna de equipamentos que antes eram importados, visando aumentar a competitividade da empresa. OS ACONTECIMENTOS 2

No início do ano de 2000, o presidente e o vice-presidente mundial da empresa Beta Ltda. em uma reunião com os principais executivos de todas as unidades de negócio distribuídas pelo mundo decidiram pelo processo estratégico de desmobilização dos ativos imobiliários, resultado da conjuntura econômica que o mundo vivenciava no despontar do século XXI. Os processos de desmobilização de ativos imobiliários também são conhecidos por Sale & Lease Back (SLB) e Built to Suit (BTS). O SLB baseia-se na venda do imóvel para terceiros, no qual a locação é feita para o dono anterior. O BTS fundamenta-se na construção do imóvel por um investidor, atendendo as determinações especificas do usuário. Ambos apresentam contratos de longo prazo. O Quadro 1 informa as premissas estabelecidas pela alta direção da empresa Beta Ltda. A forma de desmobilização de ativos imobiliários escolhido foi a Built to Suit (BTS). Nele a construção do novo site é feito por um investidor especializado, atendendo tanto as especificidades fabris quanto o tempo e o valor do aluguel. O capital humano foi considerado à medida que se estabeleceu uma distância mínima a ser percorrida por dia (ida e volta) pelos funcionários, no caso 50 km entre o domicilio e o novo site. Já em relação aos aspectos operacionais e financeiros, os executivos tinham como propósito aumentar o posicionamento estratégico da empresa por meio da maximização dos níveis dos serviços prestados e a minimização dos custos advindos da manutenção e depreciação contábil predial. Quadro 1: Objetivos estabelecidos. OBJETIVOS CARACTERÍSTICAS Perfil do Imóvel (novo) Tipo Arrendatário Tempo de Contrato 10 a 15 anos sendo renovável pelo mesmo tempo Estabelecimento de distância de 50 km (ida e volta) a ser Capital humano percorrida Caráter Logístico Maximização dos níveis de serviços ao cliente Minimização dos custos de manutenção predial e de Caráter Financeiro impostos Fonte: Elaborado pelas autoras De 2000 até meados de 2006, o projeto de desmobilização de ativos imobiliários ficou em stand by, aguardando o melhor momento no setor imobiliário brasileiro para dispor o site da unidade administrativa e fabril à venda. O final do ano de 2006 é marcado por um cenário favorável, período que ocorreu o primeiro aquecimento no setor imobiliário brasileiro. É nesse período que se deu a venda do site na Avenida das Nações Unidas, a um valor não informado, guardado a sete chaves. Segundo o diretor de supply chain, o contrato de venda tinha uma cláusula que determinava a entrega do site em agosto de 2008, ou seja, em 18 meses a Beta Ltda. teria de arranjar outro local para instalar a fábrica e desocupar as atuais instalações. Assim, a fase seguinte do processo de desmobilização de ativos foi delineada pelo levantamento das áreas potenciais para localização do novo site. Conforme o diretor de supply chain, o processo de definição de uma nova localização é complexa tanto em decorrência dos altos investimentos envolvidos, quanto dos impactos em potencial que a nova localização tem sobre os custos organizacionais, o desempenho logístico e, consequentemente, organizacional. Essa etapa durou aproximadamente sete meses. Diversas localidades foram consideradas pelo diretor de supply chain da Beta Ltda. em função de alguns fatores, a saber: Fornecedores nacionais: facilidade de acesso aos principais fornecedores de matériasprimas; 3

Porto de Santos: redução do lead time¹ dos processos de importação e exportação de partes, peças e produtos; Aeroporto de Viracopos: redução do lead time dos processos de importação e exportação de partes, peças e produtos; Aeroporto de Guarulhos: redução do lead time dos processos de importação e exportação de partes, peças e produtos; Zonas de Demandas: proximidade das principais vias de escoamento; Fluxo de Trânsito (acessibilidade): favorecimento do processo de carregamento e descarregamento de partes, peças e mercadorias; Mão de Obra: até 50 km (ida e volta); Imposto Predial e Manutenção Predial: redução dos custos; Disponibilidade de Expansão: aumento da capacidade instalada para atender os períodos entressafras, eliminando os gargalos no processo produtivo. O Quadro 2 mostra as possíveis regiões das rodovias Anhanguera, Anchieta, Bandeirantes e da região da cidade de Jundiaí. Quadro 2: Regiões consideradas. FATORES ANCHIETA BANDEIRANTES ANHANGUERA JUNDIAÍ Fornecedores nacionais - X X - Porto de Santos X X X - Aeroporto de Viracopos - X X X Aeroporto de Guarulhos X X X - Zonas de demandas - X X - Fluxo de transito (acessibilidade) X X X X Mão de Obra (funcionários) - X X - Imposto predial X X X X Custo de manutenção predial X - X X Disponibilidade de expansão X X X X Objetivos Alcançados 60% 90% 100% 50% Fonte: Elaborado pelas autoras Conforme o diretor de supply chain da Beta Ltda., a região da rodovia Anhanguera atendia 100% dos objetivos pretendidos. A Figura 1 ilustra a nova localização e os fatores considerados importantes na decisão: funcionários (mão de obra), fornecedores nacionais, mercado consumidor, portos e aeroportos, assinalando para a maximização das operações logísticas concernentes não somente à redução do lead time decorrente da proximidade do novo site e os principais pontos de escoamento de matérias-primas e produtos, mas também aumentando a confiabilidade desta organização frente aos clientes, referente aos prazos de entrega. ¹ Lead time: é o tempo entre o momento de entrada do material até à sua saída do inventário (LAMBERT et al., 1998) 4

Figura 1: Nova localização da fábrica na Rodovia Anhanguera e os fatores. Legenda Funcionários (mão de obra) Fornecedores nacionais (matéria prima) Mercado consumidor (clientes) Novo site Beta Ltda. Porto de Santos/ Fornecedores internacionais (matéria prima) Aeroporto Internacional Guarulhos/ Fornecedores internacionais (matéria prima) Fonte: Adaptado pelas autoras a partir de Guia Geográfico Mapas SP (2013) A terceira e última fase do processo de desmobilização de ativos imobiliários ocorreu no final do ano de 2007. Essa fase foi marcada pelo processo de adaptação dos funcionários por meio de visitas periódicas ao local. Por fim, o processo concluiu com a mudança do site localizado na Avenida das Nações Unidas para o site na Rodovia Anhanguera, em meados de 2008. A Figura 2 ilustra a cronologia das etapas do processo de desmobilização e os principais eventos, incluindo: a) decisão do CEO Mundial da Beta Ltda. pela desmobilização de ativos imobiliários; b) o período de stand by; c) a venda do site na Avenida das Nações Unidas; d) estudos sobre a localização ótima tanto para unidade fabril quanto para a parte administrativa; e) decisão sobre a localização; f) período de adaptação dos funcionários; e g) mudança para o novo site. 5

Figura 2: Etapas do processo de desmobilização de ativos da Beta Ltda. e principais eventos. Fonte: Elaborados pelas autoras O processo de desmobilização de ativos imobiliários escolhido pela Beta Ltda., saindo de um site próprio e indo para um site arrendado representou um investimento de 3 milhões de reais para a empresa. O Capital Humano Durante o período do processo de desmobilização de ativos imobilizados, houve uma preocupação por parte da alta gerência em notificar cada fase do processo. Em meados do ano de 2006, foi realizada uma reunião entre a alta gerência e os funcionários de todos os níveis hierárquicos, na qual anunciou-se tanto a venda do site na Avenida das Nações Unidas, quanto o inicio dos estudos para a definição da nova localização da empresa. Nos sete meses seguintes, o clima organizacional foi marcado pela ansiedade e preocupação por parte dos funcionários. O quadro de pessoal da Beta Ltda tinha duas características centrais: a) a grande maioria residia na zona sul de São Paulo próximo ao antigo site da empresa; e b) aproximadamente metade dos empregados já tinha 20 anos de casa. Por outro lado, as informações sobre o andamento do processo de desmobilização de ativos imobiliários era feita de forma gradual, a medida que cada etapa era concluída os funcionários eram notificados, fomentando o desenvolvimento de um sentimento de receio por parte dos funcionários. Tudo que se sabia não passava de rumores provenientes da famosa Radio Peão. Neste clima de expectativa e ansiedade, era comum ouvir por parte dos funcionários da empresa frases como se a nova localização for longe demais, eu não vou. No final do ano 2007, em uma reunião com todos os funcionários de diferentes níveis hierárquicos foi anunciada a nova localização da empresa na Rodovia Anhanguera. Uma das medidas tomadas pelo diretor de supply chain da Beta Ltda. foi proporcionar visitas aos funcionários à nova localidade, o que era feito aos sábados. A prática da área de Recursos Humanos da Beta Ltda. era notificar sempre com antecedência o dia para a visita, no entanto, cada funcionário ficou responsável pela sua própria locomoção ao novo local. 6

As visitas aos sábados, porém, não diminuíram a ansiedade por parte dos funcionários, já que o fluxo do trânsito no sábado é significativamente diferente da realidade dos dias úteis na cidade de São Paulo, o que impossibilitou uma análise real do tempo a ser consumido diariamente no processo de deslocamento entre o domicílio e o novo site (ida e volta). Após a transferência para o novo site, parte considerável do quadro de funcionários, que dependia de transportes da rede pública, passou a acordar às 5h30 da manhã, acarretando alterações também no ambiente familiar. A Beta Ltda. não adotou uma política de transporte coletivo, o que levou ao fomento de um clima organizacional de insatisfação, decorrente de alterações nos hábitos dos funcionários. Diversos empregados resolveram sair da empresa, na grande maioria engenheiros, sendo estes responsáveis pelo desenvolvimento dos projetos customizados. Conforme pontuado pelo presidente da Beta Ltda. do Brasil em uma entrevista concedida no ano de 2012, o capital humano, mais especificamente a equipe de engenheiros, é a grande responsável por fornecer soluções especificas de acordo com as necessidades de cada cliente. Ao final de 2008, ano que em ocorreu a mudança física, a economia mundial teve de enfrentar uma crise financeira sem precedentes, tendo os Estados Unidos, mais especificamente, a bolha imobiliária como um de seus disparadores. O desdobramento econômico trouxe consequências imediatas para a economia brasileira. A Beta Ltda apresentava uma forte dependência em suas operações produtivas da taxa de câmbio, já que grande parte de suas peças e partes dos equipamentos produzidos são importadas. A forte oscilação cambial foi sentida, não somente pelas empresas como o caso da Beta Ltda., mas também pelos mercados industriais, direcionando para uma generalização de quebra de contratos, já que a grande a maioria destes estavam atrelados com a taxa cambial. NOTAS DE ENSINO UTILIZAÇÃO RECOMENDADA O caso de ensino foi elaborado para ser utilizado nas disciplinas de gestão estratégica e mudança organizacional, aplicável aos cursos de pós-graduação. FONTES DE DADOS As informações para o desenvolvimento deste caso de ensino foram obtidas por meio do site institucional da empresa, sites diversos e entrevistas realizadas em 2013 com ex-empregados da Beta Ltda. que vivenciaram a situação. APLICAÇÃO DO CASO Recomenda-se os seguintes procedimentos para a análise do caso, quais sejam: a) tempo para análise do caso: aproximadamente duas horas; b) leitura prévia: análise individual do aluno antes da aula; c) análise e discussão dos alunos em pequenos grupos; d) discussão em sessão plenária orquestrada pelo(a) professor(a)-facilitador(a); e) fechamento da discussão do caso pelo(a) docente. SUGESTÕES DE QUESTÕES PARA O CASO 1) O caso Beta Ltda. considera quais elementos para o entendimento da mudança organizacional? 7

2) Quais teorias de processo podem explicar o tipo de mudança vivenciado pela Beta Ltda.? 3) Que tipo de mudança organizacional ocorreu na Beta Ltda.? 4) O que esteve subjacente à perda de capital humano da Beta Ltda.? A situação poderia ter sido diferente? ALTERNATIVAS PARA ANÁLISE 1) Visão Geral do Processo de Mudança Organizacional Armenakis e Bedeian (1999), em revisão teórica concernente ao tema mudança organizacional, identificaram quatro temas que qualquer estudo sobre mudança organizacional deveria contemplar apesar de não ser o que em geral acontece. São eles: i) conteúdo; ii) contexto; iii) processos; e iv) consequências. O conteúdo se fundamenta na essência da mudança organizacional, que costuma advir de um processo de diagnóstico. Já o contexto trata das forças externas (exógenas) e internas (endógenas) à organização que fomentam a mudança, enquanto os processos são concernentes às ações, em geral reunidas em etapas ou fases, utilizadas seja para o desenvolvimento, seja para a implementação da mudança. Por fim, as consequências devem contemplar para além dos resultados objetivos (redução de custos, aumento da participação de mercado, entre outros) e contemplar questões afetivas e comportamentais. O caso supramencionado foi descrito de acordo com as quatro categorias contempladas por Armenakis e Bedeian (1999) com o propósito de oferecer maior entendimento sobre a situação em foco. O Quadro 3 informa os fatores de investigação concernentes às quatro categorias supra. Quadro 3: Análise a partir das categorias propostas por Armenakis e Bedeian (1999) TEMAS ELEMENTOS DA MUDANÇA ORGANIZACIONAL Conteúdo Estratégia de desmobilização de ativos imobiliários. Contexto Processo Novos padrões institucionalizados no sistema de financiamento e aquecimento da economia na década de 1990 e início do século XXI. Processo decisório a partir do CEO mundial; Venda do site, localizado na Avenida Nações Unidas; Inicio dos estudos concernentes a busca de uma ótima localização; Decisão da localização Rodovia Anhanguera; Processo de adaptação dos funcionários; Mudança para o no site localizado na Rodovia Anhanguera. Consequências Trade off entre o desempenho logístico e o capital humano.; Pessoas insatisfeitas; Pedido de demissão da inteligência da empresa. Fonte: Elaborados pelas autoras 2) Os Motores da Mudança Van de Ven e Poole (1995) buscam compreender como e porque as mudanças organizacionais ocorrem, destacando quatro teorias primitivas, baseadas em duas dimensões: a quantidade de entidades envolvidas (uma única organização, por exemplo) e o modo da mudança (se mais 8

ou menos prescritivo). Esses autores identificam quatro grandes motores, quais sejam: ciclo de vida, teleológico, dialético e evolucionário, assim caracterizados: Ciclo de vida: considera uma única unidade de mudança, sendo prescritivo, uma vez que a sequência das etapas estão prescritas de algum modo, por exemplo, quando uma legislação obriga as empresas a implementarem determinado sistema de controle; segue obrigatoriamente quatro estágios no ciclo de mudança: nascimento, crescimento, maturidade e finalização. Teleológico: ainda trata de uma única entidade de mudança e pode ser construtivo, partindo da configuração de um objetivo, mas não necessariamente do caminho a ser seguido para seu alcance. Costuma estar por trás dos processos de mudança planejada, onde existe certa agência principalmente dos gestores. Considera a formulação de objetivos, sua implantação, evolução e modificação dos objetivos iniciais a partir das aprendizagens decorrentes do processo de mudança implantado. Dialético: ocorre quando são consideradas mais de uma unidade de mudança (por exemplo, duas organizações ou divisões de um grupo), sendo menos prescritivo. Diante de uma tese defendida por determinado grupo, uma antitese é colocada, culminando, quando possível, em uma síntese, que representa uma terceira possibilidade para realização da mudança organizacional e se torna a nova tese a ser colocada em prática. Evolucionário: considera diversas entidades (uma população de organizações, um setor) e é mais prescritivo, uma vez que é o ambiente que determina quais entidades conseguirão ou não se adaptar diante das mudanças que nele ocorre. Fundamenta-se no processo de variação, seleção e eventos de retenção entre entidades de uma determinada população organizacional. No caso da empresa Beta Ltda., pode-se entender que o processo de mudança de desmobilização de ativos foi algo que nasceu de uma modificação nas condições do ambiente institucional, no caso, dos agentes financeiros, mas que precisou da ação do CEO para ocorrer, havendo tanto um motor evolucionário, quanto teleológico. O primeiro porque a empresa poderia ter seus custos aumentados se não aproveitasse o momento para desmobilizar a fábrica e sua sede. Assim, ao observar o ambiente, tentou se adaptar a ele. Caso não fizesse isso, seu desempenho poderia tornar-se inferior à média do setor em longo prazo, o que as organizações que pertencem a um determinado campo tentam evitar, segundo Kondra e Hinings (1998). Manter um desempenho organizacional próximo à média do mercado é uma forma de continuar legitimado dentro do campo do qual se faz parte, uma vez que as organizações são entidades tanto econômicas, quanto sociais e políticas (TUSHMAN; ROMANELLI, 1985). O ambiente estabelece novos padrões, os quais as organizações em uma respectiva população tendem a adotar a fim de garantir a sua sobrevivência. A desmobilização de ativos permite às organizações focalizarem seus investimentos em seu core business, estando mais aptas a responder às exigências do mercado. Por sua vez, a adaptação ao ambiente necessitou de um motor teleológico para efetivar-se. A decisão partiu do CEO mundial da empresa Beta Ltda., sendo o processo de desmobilização de ativos desenvolvido no âmbito do Brasil pela própria divisão brasileira, tendo como objetivos claramente definidos a redução dos custos advindos da depreciação e manutenção dos ativos imobiliários, aumentar os investimentos em seu core business, melhorar o desempenho logístico e expandir a capacidade instalada com as novas instalações. As fases concernentes ao desenvolvimento e à implementação do mesmo não foram definidas 9

a priori, na verdade foram estabelecidas ao longo do processo, caracterizando o motor teleológico. 3) Tipo de Mudança Organizacional Existem diversas tipologias ou classificações para a mudança organizacional. Das mais citadas por diversos autores, estão a mudança fundamental, também chamada de revolucionária ou radical, contrapondo-se à mudança incremental ou convergente (TUSHMAN; ROMANELLI, 1985; ROMANELLI; TUSHMAN, 1994; WEICK; QUINN, 1995; GREENWOOD; HININGS, 1996). Enquanto a primeira implica, fundamentalmente, na mudança da orientação estratégica, envolvendo simultaneamente no mínimo três dos cinco tipos de domínios de atividade da organização (valores, estratégia, estrutura, distribuição de poder e sistemas de controle) de acordo com Romanelli e Tushman (1994), a segunda se faz presente para fazer os sistemas organizacionais convergirem para a orientação estratégica em vigor. Outro elemento importante para diferenciar os dois tipos de mudança seria o tempo: mudanças radicais ocorrem em períodos curtos, enquanto as incrementais levam mais tempo, acima de dois anos (ROMANELLI; TUSHMAN, 1994). Em períodos convergentes, continua havendo mudanças em um ou outro domínio de atividade, porém em períodos espaçados, visando manter o equilíbrio com o ambiente e com a orientação estratégica vigente. Para Greenwood e Hinings (1996), as mudanças radicais ocorrem para efetivarem mudança de arquétipo ou da forma organizacional (GREENWOOD; HININGS, 1993), enquanto a mudança convergente visa a manutenção do status quo e leva à inércia. A Beta Ltda., ao vender o site localizado em uma das zonas urbanas mais valorizadas de São Paulo em meados de 2006, não alterou sua orientação estratégica, havendo apenas expansão da capacidade instalada da fábrica, a princípio. A empresa parece ter lançado mão de uma oportunidade que havia no ambiente (aquecimento do mercado imobiliário, após a definição da matriz a favor da venda do site). Portanto, foi um movimento incremental, dentro de uma estratégia de produtos e mercados previamente definidas, visando a uma redução de custos e possibilidade de atendimento de um mercado que vinha em expansão em função do aquecimento da economia mundial antes da crise de 2008. 4) O tradeoff entre o desempenho logístico e o capital humano O olhar macroscópico da empresa em relação à mudança organizacional, implantandoa de uma forma prescritiva, adotando parâmetros aparentemente objetivos, esquecendo que ao final, são as pessoas, em sua grande maioria, sem função gerencial que são responsáveis por fazer acontecer, acabou gerando consequências não antecipadas, como frustração e descrédito, culminando na saída de um conjunto de empregados considerados chave para a organização, os engenheiros. A perda de capital humano poderia ter sido evitada, caso os gestores não se considerassem os únicos agentes de mudança, mas também ouvissem os receptores, de modo a tratar a resistência de uma forma produtiva (FORD; FORD; D AMELIO, 2008). A resistência pode ser utilizada a favor da mudança organizacional ao ser entendida como uma alerta sobre modos diferentes (e complementares muitas vezes) de fazer as coisas, sendo necessário um relacionamento positivo entre gestores e receptores, de tal forma a acabar com essa dicotomia e todos serem agentes da mudança. A saída de uma parte importante do quadro de empregados pode ter sido crucial para a Beta Ltda. ao ter de enfrentar a crise de 2008 e a consequente perda de contratos de novos equipamentos que houve por toda a indústria de bens de capital. Assim, é possível que decisões ocorridas em períodos de convergência podem, no futuro e em um contexto de perda 10

de receitas e lucratividade, provocar mudanças radicais, definindo inclusive quais organizações sobrevivem em determinado setor. Como afirmam Greenwood e Hinings (1996), as empresas apesar de todos os mecanismos de coerção, mimetismo e normatização exercidos pelo campo, acabam se diferenciando umas das outras em função de como tratam as mudanças no ambiente dentro de si mesmas, na dinâmica intraorganizacional. BIBLIOGRÁFIA UTILIZADA FERRAZ, H. São Paulo Hoje. Revista Eletrônica de Ciências. n. 23, 2004. Disponível em: < http://www.cdcc.usp.br/ciencia/artigos/art_23/sampahoje.html>. Acesso em: 27 de abril de 2013 GUIA GEOGRÁFICO MAPAS SP. Município da grande São Paulo. Disponível em: < http://www.mapas-sp.com/grande-sp.htm>. Acesso em: 03 de abril de 2013 LAMBERT, Douglas M.; STOCK, James R.; ELLRAM, Lisa M. - Fundamentals of logistics management. Nova Iorque: McGraw-Hill, 1998 INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS ARMENAKIS, A. A.; BEDEIAN, A. G. Organizational change: a review of theory and research in the 1990s. Journal of Management, v.25, n. 3, 1999. FORD, J.D.; FORD, L.W.; D AMELIO, A. Resistance to change: the rest of the story. Academy of Management Review, v.33, n.2, p.326-377, 2008. GREENWOOD, R.; HININGS, C.R. Understanding strategic change: the contribution of archetypes. Academy of Management Journal, v.36, p.1052-1081, 1993..;. Understanding radical organizational change: bringing together the old and the new institutionalism. Academy of Management Review, v.21, n. 4, 1996. KONDRA, A. Z.; HININGS, C.R. Organizational diversity and change in institutional theory. Organization Studies, v.19, n.5, 1998. ROMANELLI, E.; TUSHMAN, M. L. Organizational transformation as punctuated equilibrium: an empirical test. Academy of Management Journal, v.37, n. 5, 1994. TUSHMAN, M. L.; ROMANELLI, E. Organizational evolution: a metamorphosis model of convergence and reorientation. In: CUMMINGS, L.L.; STAW, B.M. (eds.). Research in Organizational Behavior, v.7. Greenwich: JAI Press, p.171-222, 1985. VAN DE VEN, A. H; POOLE, M. S. Explaining development and change in organizations. The Academy of Management Review, v.20, n.3. 1995 WEICK, K. E; QUINN, R. E. Organizational change and development. Annual Review of Psychology, v.50, p.361-386, 1999. 11