Projeto Fan fictions Histórias de Amor Práticas de escrita digital por alunos do Ensino Fundamental

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1 Resumo Projeto Fan fictions Histórias de Amor Práticas de escrita digital por alunos do Ensino Fundamental Simone da Costa Lima * Priscila Bezerra de Menezes ** Este trabalho relata uma experiência realizada com turmas do Ensino Fundamental de uma instituição pública no Rio de Janeiro com o uso da ferramenta Wordpress para a produção textual colaborativa. A experiência ocorreu no ano letivo de 2016 com seis turmas de oitavo ano. Cada dupla ou trio deveria criar uma fan fiction a partir da leitura do livro de contos Histórias de amor, da coleção Para gostar de ler. Todos os textos foram publicados em um ambiente on-line de forma que circulassem socialmente e cumprissem, assim, seu propósito comunicativo. Palavras-chave: Fan fictions. TDICs 1. Letramento digital. Letramento literário. Introdução O Projeto Fan Fictions surgiu da observação de que muitos adolescentes e jovens são leitores vorazes e também escritores contumazes apropriam-se de seus personagens favoritos e escrevem sobre eles novas histórias, chamadas fan fiction (ou ficção de fã), em comunidades virtuais de leitores. A liberdade é tão grande que é possível juntar personagens de livros ou séries diferentes, por exemplo. A escrita de fan fictions é, a nosso ver, uma declaração de amor do fã ao livro ou série de que tanto gosta. Falando em amor Nada mais conveniente do que motivar os estudantes a escrever com a proposta da produção de uma fan fiction com base no livro de leitura escolhido para o oitavo ano: Histórias de amor, seleção de contos de autores consagrados, brasileiros e estrangeiros, que tematiza o amor em suas mais variadas vertentes. * Professora de Informática Educativa do Colégio Pedro II do campus Realengo II. Especialista em Informática Educativa (UCB ), mestre e doutora em Linguística Aplicada pela UFRJ (2008 e 2015). sclmorgado@gmail.com. ** Professora de Língua Portuguesa e Literatura do Colégio Pedro II do campus Realengo II. Mestre em Literatura Portuguesa (2009) e doutora em Língua Portuguesa pela UERJ (2014). pmenezescp2@gmail.com. 1 Tecnologias Digitais de Informação e comunicação.

2 Os estudantes tiveram liberdade para misturar personagens de contos diferentes, mudar o final das histórias, criar outra história para os personagens Em suma, se apropriar dos personagens e deixar a imaginação e o amor fluir. Para facilitar a publicação dos textos, foi utilizada uma ferramenta gratuita de gerenciamento de conteúdo: Wordpress. Os alunos foram adicionados no sistema com o perfil de autor e, dessa forma, puderam, eles mesmos, publicar seus textos e se tornar, assim, produtores de conteúdo para a web. As fan fictions Fan fiction, também grafada fanfiction ou, abreviadamente, fanfic ou apenas fic é uma história escrita por um fã, envolvendo os cenários, personagens e tramas previamente desenvolvidos no original, sem que exista nenhum intuito de quebra de direitos autorais e de lucro envolvidos nessa prática (VARGAS, 2015, p.21). Segundo Félix (2008), a prática da fan fiction teria surgido entre os séculos XVII e XVIII, nos Estados Unidos, com a publicação de outras versões de Orgulho e Preconceito (de Jane Austen) e Dom Quixote de la Mancha (de Miguel de Cervantes). Suas origens datam, portanto, de antes mesmo do advento da internet. No entanto, foi no ambiente online que ela se popularizou, já que os criadores de fan fictions encontram na internet o espaço perfeito para a publicação de suas histórias e formação de comunidades com outros fãs (os chamados fandons). É nesse contexto de leitura e produção na tela e com o advento da internet, que o gênero fanfiction emerge como uma prática de letramento online motivada pela utilização de produtos associados à indústria do entretenimento (ALVES, 2014, p.43). No Brasil, essa prática se tornou mais visível e ganhou impulso a partir dos anos 2000, em virtude da popularidade de uma série de livros, fenômeno de vendagem em todo mundo: Harry Potter, de J. K. Rowling. Clemente (2013) pondera que as categorias de referência ficcional a partir do objeto original podem advir de livros, filmes, HQs 2, músicas, programas de TV, games, mangás, animes, dentre outros (p. 62). Dessa forma, o sujeito passa de mero consumidor 2 Histórias em quadrinhos.

3 passivo da cultura de massa para a condição de possuir o papel importante nesta relação de cultura participativa e engajada. (p.63) O interessante das fanfics, é que nelas o ficwriter encontra liberdade e espaço para escrever quaisquer cenas que tenha imaginado com qualquer personagem; ou para mudar o final de uma história; para criar conexões entre história e partes da história; entre personagens de núcleos, cânones, épocas diferentes ou até mesmo reais e irreais. (FÉLIX, 2008, p.130) Embora a produção de fan fictions seja cada vez mais crescente, esse estilo é desconhecido para a maioria da comunidade não virtual e, principalmente, nos meios educacionais. Normalmente essas produções se restringem ao universo do aluno fora da escola e não são trabalhadas em sala de aula. Além disso, de maneira geral, a leitura do texto literário está totalmente dissociada da produção textual do aluno. Ele é tratado como mero espectador, não sendo estimulado a compartilhar suas experiências de leitor e, muito menos, se tornar também um autor literário. Infelizmente, na maioria dos casos, o sistema escolar tende a encarar a leitura do texto ficcional como se tivesse um fim em si mesmo, com vistas, no máximo, a satisfazer uma avaliação formal, como o vestibular. A experiência da leitura termina de maneira abrupta e geralmente permanece isolada, não sendo socializada com o grupo e carecendo, assim, de estímulo para que se torne significativa na vida do leitor por intermédio do entrelaçamento com suas experiências anteriores, tanto do mundo ficcional como do real. (VARGAS, 2015, p.99) Durante a realização do projeto aqui apresentado, buscou-se aproximar a escola do que acontece fora dela, a partir da produção de fan fictions, por meio da articulação de atividades que visavam à promoção do letramento digital e literário 3 dos alunos. Para tanto, fizemos o uso de diversos recursos disponíveis no gerenciador de conteúdo Wordpress, como será detalhado a seguir. 3 Letramento digital corresponde a certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela (SOARES, 2002, p. 151). Letramento literário compreende, por outro lado, a apropriação da leitura literária como uma prática social, para além de uma prática escolar.

4 Descrição das atividades As atividades relativas ao projeto ocorreram no ano letivo de com seis turmas de oitavo ano. Organizados em duplas ou trios, cada grupo deveria criar uma fan fiction tomando como base um dos contos do livro Histórias de Amor, obra literária de leitura obrigatória do último trimestre. Inicialmente as produções foram feitas de forma manuscrita e corrigidas pelas docentes de português. Em um segundo momento, os textos foram reescritos em formato digital (a partir das sugestões de modificação feitas) e publicados no ambiente on-line no laboratório de informática da instituição. Paralelamente à primeira etapa da produção textual, foi criado um ambiente digital para hospedar os textos dos nossos alunos 5. Nesse ambiente, elaborado com o gerenciador de conteúdo Wordpress, todos os alunos foram inseridos com o perfil de autor, possibilitando, assim, que eles próprios pudessem publicar seu texto, mas não alterar os textos dos demais grupos. Os docentes foram inseridos com o perfil de editor. Dessa forma, poderiam modificar posteriormente os textos fazendo as correções que julgassem necessárias. Para viabilizar a coleta de informações sobre os nomes dos alunos, endereços de , turma, grupo de trabalho e título do conto sorteado, foi criado um formulário no sistema Google e um link para o mesmo foi disponibilizado no ambiente. Para facilitar a organização dos textos por turma, foram criadas seis categorias para os posts e links para essas categorias foram inseridos no menu principal. Dessa forma, bastava o aluno, no momento da postagem, definir a categoria referente à sua turma que o sistema se encarregaria de organizar todos os textos de uma mesma categoria em uma página específica. 4 O projeto teve início no final de 2016, com a leitura e discussão do livro e a produção textual em formato manuscrito, mas as publicações só foram feitas em fevereiro de 2017, em função do longo período de greve que interrompeu o projeto. 5 Ambiente disponível em:

5 Imagem 01 Menu principal de navegação do ambiente As produções também foram organizadas em função do tema. Para tanto, foram criadas diferentes tags a serem selecionadas pelos grupos durante a postagem e uma nuvem de tags 6 foi inserida como widget na coluna lateral direita do ambiente. Imagem 02 Tags selecionadas para um dos textos produzidos Imagem 03 Nuvem de tags Para facilitar a postagem dos textos, foi criado um roteiro em formato PDF, também publicado no ambiente. Além de selecionar a categoria e as tags, os alunos foram orientados, nesse roteiro, a inserirem, juntamente com o texto produzido, imagens ilustrativas e letras de música que dialogassem com a produção textual feita. 6 Como toda nuvem de palavras, o tamanho da fonte se altera em função do número de ocorrências da palavra em um determinado contexto. No caso da nuvem de tags, o tamanho da fonte se modifica em função da incidência de escolha daquela referida tag durante a postagem dos textos.

6 Imagem 04 Orientações do roteiro de trabalho Outra orientação dada aos alunos foi a edição do nome de exibição do perfil do usuário inserido no sistema de modo a inserir os nomes dos membros do grupo. Como o sistema exibe automaticamente, no topo de cada postagem, a data, o autor e a categoria, essa alteração se fazia necessária para que os autores pudessem ser corretamente identificados. Imagem 05 Trecho de uma publicação da turma 805 Após a publicação dos textos, os mesmos puderam ser corrigidos 7 pelas docentes de português. Observem, a partir da imagem a seguir, que o sistema envia automaticamente por mensagens com as alterações feitas, comparando a primeira versão (à esquerda, em vermelho) e a versão final (à direita, em verde). Dessa forma, os alunos e professores 7 Entende-se por textos corrigidos as últimas modificações feitas pelas docentes de acordo com a norma culta padrão da língua portuguesa. Essas alterações se fizeram necessárias em função do gênero já que são comuns nos websites de fanfics mensagens reforçando aos usuários/coautores sobre a importância de escrever de acordo com o padrão culto da língua portuguesa e afastar a escrita chamada de internetês. Essa regulação de padrão da língua é estabelecida pelos próprios ficwriters (CLEMENTE, 2013, p.67). Sabemos, no entanto, que a norma padrão é apenas um modelo idealizado e que o mais adequado seria os próprios autores modificarem seus textos.

7 poderiam analisar, mais facilmente, as alterações feitas. Infelizmente, com a proximidade das provas, não houve tempo para que as discussões sobre os erros 8 cometidos ocorressem durante as aulas. Imagem 06 Mensagem de enviada pelo sistema com as alterações feitas A publicação automática dos textos permitiu que eles pudessem ser lidos pelos colegas, compartilhados na web e, assim, circulassem socialmente e cumprissem seu propósito comunicativo. A divulgação dos textos foi facilitada pelas ferramentas de compartilhamento disponíveis no Wordpress. Imagem 07 Ferramentas de compartilhamento A possibilidade de publicação de comentários pelos alunos e docentes inseridos no sistema permitiu aos mesmos dialogar entre si sobre os textos produzidos 9 e compartilhar, assim, impressões de leitura. 8 Entende-se por erros os trechos dos textos que não seguiam a chamada norma padrão. As correções foram feitas em função dos propósitos pedagógicos do projeto. 9 Por questões de segurança, a configuração da postagem de comentários foi feita de modo que apenas os usuários cadastrados pudessem fazer as publicações.

8 Imagem 08 Publicação de comentários Conclusão O desenvolvimento das redes de comunicação on-line e o surgimento crescente de gêneros emergentes no contexto da tecnologia digital demandam da escola a formação de leitores/autores que possam exercer práticas sociais de leitura/escrita em ambos os ambientes o impresso e o digital a partir do trabalho com multiletramentos. A proposta aqui relatada tem por objetivo fornecer uma alternativa de trabalho pedagógico a partir da articulação entre o letramento digital e o literário com a produção de fan fictions por alunos do oitavo ano. Acreditamos que a escolha do gênero promoveu maior interesse dos discentes, já que as fan fictions são escritas, em sua maioria, por jovens dessa faixa etária e muitos de nossos alunos já exerciam práticas de leitura e escrita desse tipo de texto. Por questões didáticas, as fics não foram produzidas de forma totalmente espontânea e os alunos não puderam escolher os textos que serviriam de inspiração principal (como ocorre nas fan fictions autênticas ). Eles foram definidos por sorteio para que todos os contos do livro lido pelas turmas pudessem ser contemplados. Além disso, as fanfics não foram hospedadas em sites onde normalmente esse estilo de texto é publicado 10. Não queríamos que os textos se misturassem a outros textos onde não teríamos o controle sobre o conteúdo a ser lido pelos nossos alunos. Também seria inviável a localização e leitura de todas as produções textuais embaralhadas com inúmeras outras. 10 Os ficwriters passaram a criar websites com a finalidade de agregar fan fictions e disponibilizá-las para a leitura por outros fãs. Como exemplos de sites famosos pela publicação de fan fictions temos o Fanfiction.net nos EUA ( e Nyah! Fanfiction ( e Aliança 3 Vassouras ( no Brasil.

9 O uso de algumas das ferramentas disponíveis no gerenciador de conteúdo Wordpress favoreceu a aproximação das produções textuais dos nossos alunos ao gênero fan fiction. Merecem destaque, entre essas ferramentas, a criação de categorias e tags, a identificação do autor com a data de postagem e a possibilidade de inserção de imagens e publicação de comentários. Outros recursos do ambiente facilitaram o trabalho pedagógico voltado para a produção textual literária do aluno. A possibilidade de inserção de usuários com diferentes perfis, por exemplo, permitiu ao professor poder corrigir os textos, atuando como um beta reader (revisor de texto) atuaria em um website dedicado a fan fictions. O envio de notificações por com as alterações feitas favoreceu uma maior análise dos erros cometidos, embora não tenha sido possível discutir esses erros com os alunos, em função do tempo curto dedicado ao projeto. Os resultados do projeto realizado evidenciam, portanto, o potencial pedagógico do uso de tecnologias digitais para a aquisição de letramento digital e literário por parte de nossos alunos. A utilização de uma ferramenta gratuita de gerenciamento de conteúdo como o Wordpress, por exemplo, com inúmeros recursos de publicação e compartilhamento, permitiu aos discentes vivenciar práticas reais de produção textual. Dessa forma, acreditamos que o projeto promoveu uma maior aproximação da sala de aula com o que acontece fora dela. Referências bibliográficas ALVES, Elizabeth Conceição de Almeida. Um estudo sobre fanfiction: a leitura e a escrita no ambiente digital. Revista Eventos Pedagógicos. v.5, n.1 (10. ed.), número especial, p , jan./maio Disponível em: Acesso em 03 nov CLEMENTE, Bianca Jussara Borges. O uso do fanfiction nas aulas de produção textual no ensino médio. Rio de Janeiro: UFRJ Faculdade de Letras Programa Interdisciplinar de Pós Graduação em Linguística Aplicada, p. FÉLIX, Tamires Catarina. O dialogismo no universo fanfiction: uma análise da criação de fã a partir do dialogismo bakhtiniano. Revista Ao pé da Letra Volume , p ISSN: Disponível em: Acesso em 03 nov 2017.

10 SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação e Sociedade, v. 23, p , nº 81, ISSN Disponível em: Acesso em 26 jul VARGAS, Maria Lucia Bandeira. O fenômeno fanfiction: novas leituras e escrituras em meio eletrônico. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, p. ISBN Disponível em: Acesso em 03 nov 2017.