Nº COMARCA DE LAJEADO SV REFRIGERACAO LTDA ACÓRDÃO

Transcrição

1 AÇÃO REVISIONAL. COMPRA E VENDA MERCANTIL. JULGAMENTO DO MÉRITO. ARTIGO 515, 3º, DO CPC. DESACOLHIDOS OS PEDIDOS DE REVISÃO CONTRATUAL, DE COMPENSAÇÃO DE PAGAMENTOS, E DE MORA CREDITORIS. COBRANÇA DE ENCARGOS ILEGAIS E ABUSIVOS NÃO-COMPROVADA. CIRCULAÇÃO DO CRÉDITO. CONTRATO DE FACTORING. PRINCÍPIO DA INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES E DA ABSTRAÇÃO. A RETIRADA DO NOME DO APELANTE DE CADASTRO NEGATIVO E A MANUTENÇÃO DOS BENS ADQUIRIDOS EM SUA POSSE RESTAM PREJUDICADOS. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL COMARCA DE LAJEADO FLORIANO RODRIGUES DE SOUZA - ME SV REFRIGERACAO LTDA NOVA VERSAO FOMENTO MERCANTIL LTDA APELANTE APELADO APELADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. GUINTHER SPODE E DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN. 1

2 Porto Alegre, 21 de fevereiro de DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI, Relator. RELATÓRIO DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI (RELATOR) Adoto o relatório da sentença das fls. 161/162, verbis: FLORIANO RODRIGUES DE SOUZA ME, já qualificado, ajuizou a presente Ação de Revisão de Contrato contra SV REFRIGERAÇÕES LTDA. e NOVA VERSÃO FOMENTO MERCANTIL LTDA, igualmente qualificadas. Afirma ter adquirido equipamentos de refrigeração da primeira requerida, no valor de R$ ,00 (onze mil e trezentos reais), o qual foi parcelado em 08 (oito) vezes. Passando por dificuldades financeiras, buscou renegociar a dívida, que entende demasiado onerosa, sendo encaminhado à segunda requerida, Nova Versão Fomento Mercantil, não obtendo êxito. Requer a revisão do pacto firmado, com o abatimento da quantia paga e limitação das taxas de juros. Atribuiu, à causa, o valor de R$ 740,00 (setecentos e quarenta reais). Juntou documentos. A requerida Nova Versão Fomento Mercantil contestou às fls. 60/73, alegando, em preliminares, inépcia da inicial e ilegitimidade passiva. No mérito, tratou da litigância de má-fé, chamando a atenção aos princípios que norteiam os títulos de crédito. Requereu a improcedência da ação. Citada, SV Refrigerações Ltda. apresentou defesa nas fls. 83/91. Houve réplica (fls. 132/150). A audiência de conciliação restou inexitosa. Acrescento que a sentença (fls. 161/164) julgou extinta a ação, em razão da inépcia da inicial, da impossibilidade jurídica do pedido e da ilegitimidade de parte, nos termos do artigo 295, inciso II, e parágrafo único, inciso III, do Código de Processo Civil. Condenado o autor no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor da causa, para cada um dos requeridos. 2

3 Inconformado com o julgado, apela o demandante (fls. 166/172). Afirma ter efetuado a compra de mercadorias da apelada SV Refrigerações, sendo que realizava os pagamentos, de forma parcelada, ao funcionário da empresa. Argumenta que os valores adimplidos não foram entregues à credora. Alega serem abusivos e ilegais os encargos contratuais, vez que não estava em mora no pagamento das parcelas. Declara que os títulos, relativos à sua dívida, foram negociados com a apelada Nova Versão Fomento Mercantil. Enfatiza que o contrato não foi juntado aos autos pela apelada SV Refrigeração. Pugna pela revisão da contratação, retirando-se as cobranças ilegais. Postula a limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano. Argumenta que a mora no cumprimento da obrigação adveio da conduta das apeladas, logo, não pode ser cobrada taxa de juros moratórios. Acrescenta que se estes forem devidos, não poderão ultrapassar a taxa de 1% ao ano. Requer a retirada de seu nome dos cadastros negativos, em razão da existência de discussão judicial sobre o débito. Solicita que seja mantido na posse dos bens adquiridos até o trâmite final da demanda. Recebida a apelação no duplo efeito (fl. 175). Apresentadas as contra-razões pela demandada Nova Versão Fomento Mercantil (fls. 177/183). Pugna pela manutenção do julgado. Afirma que adquiriu as duplicatas da SV Refrigeração por meio de endosso pleno, não participando da relação originária. Sustenta a aplicação do princípio da inoponibilidade das exceções. Destaca que na negociação firmada inexistiu qualquer pactuação acerca da cobrança dos encargos alegados pelo apelante. Refere que os argumentos do recorrente não restaram provados. 3

4 A apelada SV Refrigeração Ltda. não apresentou contra-razões. Subiram os autos a esta Corte. É o relatório. VOTOS DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI (RELATOR) Eminentes Colegas: Trata-se de apelo interposto em face da sentença que extinguiu, sem exame do mérito, a presente ação revisional, com fundamento na inépcia da inicial, na impossibilidade jurídica do pedido e na ilegitimidade de parte. A irresignação do apelante não merece prosperar. Inicialmente, cumpre referir que a análise dos fundamentos, declinados pelo juízo para a extinção do processo, confundem-se com o exame do mérito da causa, razão pela qual vão conjuntamente analisados. Assim, cumpre julgar desde logo a lide, com base no artigo 515, parágrafo 3º, do Estatuto Processual Civil, vez que o feito se encontra em condições de imediato julgamento. O pedido de revisão contratual não merece ser acolhido. Destaco que não restou demonstrada a existência do contrato que o apelante pretende revisar, ônus probatório que lhe competia, nos termos do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil. Assim, ressalto que a averiguação das provas acostadas aos autos revela apenas a existência do pedido de aquisição de 4

5 mercadorias, firmado entre o recorrente e a apelada SV Refrigeração, em 08 de julho de 2002, (fls. 100/103), bem como da nota fiscal da transação comercial, emitida em 31 de julho de 2002, (fl. 11), e do recibo de entrega dos objetos (fl. 104). Registro que as regras de experiência comum - artigo 335, do Estatuto Processual Civil -, revelam que em transações comerciais dessa natureza raramente são perfectibilizados contratos escritos entre o comprador e o vendedor. Assim sendo, o que comumente ocorre é a elaboração de um pedido de compra e a posterior emissão da respectiva nota fiscal, operações que aqui foram realizadas. Dessa forma, destaco estarem presentes os requisitos necessários a uma compra e venda válida, nos termos do artigo 482, do Código Civil, quais sejam, partes determinadas, acordo quanto ao objeto e ao preço. Destarte, a análise dos documentos antes referidos demonstra inexistir qualquer previsão acerca da cobrança dos encargos alegados pelo apelante. Aliás, neles somente consta que a dívida seria paga mediante dois DOC s, no valor de R$ 1.537,50 cada, mais sete parcelas fixas e sucessivas de R$ 1.175,00 (fl. 101), importâncias que somadas atingem o valor total da compra, de R$ ,00. Portanto, improcede o pedido do recorrente pela revisão contratual, vez que não restaram demonstrados os alegados encargos contratuais ilegais e abusivos que lhe estariam sendo cobrados. Quanto aos pedidos de compensação dos pagamentos, melhor sorte não assiste ao apelante. Destaco que este afirma ter pago a importância de R$ 2.337,50, no ato da compra, ao funcionário da SV Refrigeração Ltda., quantia que pretende ver reduzida do montante da dívida. Entretanto, há a sublinhar que inexiste comprovação do alegado pagamento em nome da 5

6 empresa. Assim, observo que o comprovante de depósito de R$ 800,00 aponta como favorecido Paulo Roberto Correa Barcelos (fl. 13), que, embora possa ser o funcionário da apelada SV Refrigeração - conforme se depreende do documento da fl , não é seu representante legal (fls. 93/99), nem o credor da dívida. Por conseguinte, este documento não faz prova do pagamento parcial referente ao débito ora analisado. Ainda, o recorrente não demonstrou nenhum recibo ou outro documento hábil a comprovar o alegado adimplemento de R$ 1.537,50, quantia que afirma ter entregue em mãos, quando da aquisição dos produtos. Ademais, convém sublinhar que o débito do apelante, em favor da apelada SV Refrigeração, foi negociado com a recorrida Nova Versão Fomento Mercantil, mediante contrato de factoring, realizado em 08 de julho de 2002 (fls. 80/82). Assim, esta detém a titularidade dos créditos, não cabendo, pois, discussão acerca de eventuais vícios ou ilegalidades existentes entre os credores originários, em razão da circulação do crédito, e, em atenção ao princípio da inoponibilidade das exceções e ao da abstração. Nesse sentido, o entendimento jurisprudencial: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CHEQUES. OPERAÇÃO DE FACTORING. INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS. Cheque é título cambial autônomo e abstrato, passível de livre negociação e circulação, e se está em poder da apelada, não importa saber a relação negocial havida entre estranhos à lide, inexistente qualquer indício nos autos a demonstrar a existência de máfé. Apelo improvido. (Apelação Cível Nº , Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alexandre Mussoi Moreira, Julgado em 05/07/2005). DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CHEQUES. OPERAÇÃO DE FACTORING. LEGITIMIDADE ATIVA. INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES 6

7 PESSOAIS. Detém a empresa de factoring, portadora de cheques emitidos pelo executado em favor da faturizada, legitimidade ativa para o ajuizamento da execução, em virtude de ter recebido os cheques através de endosso, por meio de contrato de fomento mercantil. Cheque é título cambial autônomo e abstrato, passível de livre negociação e circulação, e se está em poder da apelada, não importa saber a relação negocial havida entre estranhos à lide, inexistente qualquer indício nos autos a demonstrar a existência de má-fé. Precedentes do TJRGS. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº , Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 27/05/2004). AÇÃO DECLARATÓRIA DE DESCONSTITUIÇÃO DE TÍTULO. DUPLICATAS COM ACEITE ENDOSSADAS À EMPRESA DE FACTORING. AUTONOMIA. PRINCÍPIO DA INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS. Em se tratando de duplicatas aceitas por procurador constituído pela sacada, e endossadas à empresa de factoring, descabe à devedora pretender opor, à endossatária, as exceções pessoais que tenha com a credora originária em razão da abstratização dos títulos. Hipótese, ainda, em que não-demonstrada a inexistência de negócio subjacente a ensejar a emissão das duplicatas exclusivamente entre a sacada e a sacadora, de modo que válidas as cártulas. Apelação provida. (Apelação Cível Nº , Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 16/09/2003). Ainda, o recorrente pretende deduzir do total da dívida a quantia de R$ 1.400,00, pelo que, junta aos autos uma Declaração (fl. 12), afirmando que a apelada Nova Versão Fomento Mercantil, teria recebido um balcão de serviços, correspondente ao pagamento parcial da dívida, naquele valor. Entretanto, este documento não se presta à comprovação da tese do apelante, por conter diversas rasuras, bem como pela ausência da assinatura de algum representante da credora NV Fomento Mercantil Ltda., única que poderia ter dado quitação por eventual importância paga. Ademais, afirma o apelante a ocorrência de mora creditoris na espécie, alegando não ter pago a dívida em razão de não saber ao certo quem era o verdadeiro credor. Tenho que a argumentação encontra-se desprovida 7

8 de fundamento fático e jurídico, vez que a dúvida poderia ter sido regularmente sanada com o ajuizamento da competente ação de consignação em pagamento, o que inexistiu no caso. Portanto, caracterizada a mora do devedor no adimplemento das parcelas devidas, vez que não cumpriu o pagamento da forma e no tempo convencionados. Assim sendo, não prospera o argumento do recorrente de que a cobrança de juros moratórios seria ilegal e abusiva. Nesse passo, destaco que não foi demonstrada a efetiva cobrança dos alegados juros, bem como da taxa incidente. Por oportuno, saliento que somente nos títulos sujeitos à legislação especial, tais como créditos rurais, industriais e comerciais, consoante sólida jurisprudência deste sodalício, é defesa, segundo o artigo 5º, único, do DL 413/69, a cláusula contratual que eleva os juros por atraso de pagamento em patamar acima de 1% ao ano. Nesse sentido, acrescento que o artigo 161, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional, declina que: Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês. Portanto, inexistindo legislação que vede o pacto dos juros de mora, em negociações como a aqui verificada, em patamar superior a 1% a.a., resta desprovido o pedido declinado pelo apelante. Ainda, pugna o recorrente pela retirada de seu nome de cadastros negativos. Sabe-se que, enquanto perdura a discussão judicial, não é crível inscrever o devedor em cadastro negativo de créditos. Contudo, no caso em tela, impera destacar que não restou demonstrada a alegada inscrição do nome do recorrente em tais bancos de dados. Logo, resta prejudicado o deferimento desta postulação. 8

9 Por fim, acerca do requerimento do apelante, pela manutenção dos bens adquiridos em sua posse, até o trânsito em julgado da demanda, saliento inexistir determinação em sentido contrário nos autos, bem como qualquer informação de que a posse dos objetos comprados pelo apelante esteja sendo discutida. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO APELO, mas readeqüo o julgamento, ao efeito de, julgando o mérito da causa, nos termos do artigo 515, 3º, combinado com o artigo 269, inciso I, ambos, do Código de Processo Civil, rejeitar os pedidos declinados pelo apelante, julgando improcedente a ação. Mantenho a condenação do recorrente no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios aos patronos dos recorridos, nos termos fixados na sentença. DES. GUINTHER SPODE (REVISOR) - De acordo. DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN - De acordo. DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI - Presidente - Apelação Cível nº , Comarca de Lajeado: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME." Julgador(a) de 1º Grau: JOAO GILBERTO MARRONI VITOLA/aw 9