Nº COMARCA DE NOVO HAMBURGO ACÓRDÃO

Transcrição

1 AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FACTORING. AUSÊNCIA DE FATO CONSTITUTIVO DE DIREITO. CASO CONCRETO. MATÉRIA DE FATO. À empresa autora incumbe a prova do fato constitutivo de seu direito, nos termos do art. 333, inciso I, do CPC, e, desse ônus, ela não se desincumbiu a contento, impondo-se, no caso vertente, a improcedência da ação. Apelo provido. APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL COMARCA DE NOVO HAMBURGO BELSINOS FOMENTO MERCANTIL LTDA FAGTON COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA APELANTE APELADA ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. OTÁVIO AUGUSTO DE FREITAS BARCELLOS E DES. PAULO ROBERTO FÉLIX. Porto Alegre, 14 de dezembro de DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS PRESIDENTE E RELATOR 1

2 RELATÓRIO DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS (PRESIDENTE E RELATOR) Trata-se de apelação interposta por BELSINOS FOMENTO MERCANTIL LTDA, na ação ordinária de revisão contratual ajuizada contra ela por FAGTON COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA, cuja sentença (fls. 87/94) julgou parcialmente procedente a ação para limitar os juros remuneratórios em 12% ao ano, os juros moratórios em 1% ao ano; vedar os encargos de retenção e descontos, bem como excluir a capitalização mensal de juros, autorizando somente a anual; utilizar o IGPM como índice de correção monetária; reduzir a multa para 2% do valor do débito; ratificando a antecipação de tutela, até o trânsito em julgado da decisão. Em suas razões (fls. 97/101), a empresa ré, ora apelante, sustenta: a) a inexistência de causa de pedir, diante da ausência de qualquer contratação entre as partes, pois o contrato de fomento mercantil (fls.14/17), descreve apenas regras gerais das operações, sem cláusulas de estipulação de juros, capitalização, multa e outros encargos, não tendo sido alcançado a empresa autora qualquer valor a título de capital de giro; b) a autora não se desincumbiu do ônus da prova. Com preparo (fl. 104), e com contra-razões (fls. 111/115) subiram os autos a esta Corte. Registro por fim, que foi observado o previsto nos arts. 549, 551 e 552, do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado. É o relatório. 2

3 VOTOS DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS (PRESIDENTE E RELATOR) No caso concreto, não logrou a empresa autora, ora apelada, se desincumbir de demonstrar o fato constitutivo de seu direito, o qual consistia na juntada aos autos de elementos evidenciadores do vínculo obrigacional alegadamente existente entre ela e a empresa ré, ora apelante. O único documento com o qual pretende a empresa autora, ora apelada, demonstrar o seu direito é o Contrato de Fomento Mercantil (fls. 14/17), em que se descrevem apenas regras gerais das operações, sem a estipulação de juros, capitalização, multa e outros encargos. Ele regula apenas a forma como se operam as transações decorrentes, que se dão através de aditivos contratuais, conforme se lê no Parágrafo Primeiro da Cláusula Terceira: Se o Faturizador aprovar as contas, elas deverão ser-lhe entregues mediante bordereau, denominado de ADITIVO CONTRATUAL, acompanhado de faturas, emitidas pelo Faturizado e todos os documentos atinentes à compra e venda e dos títulos de crédito endossados pelo Faturizado em favor do Faturizador. No entanto, a empresa autora, ora apelada, sequer trouxe aos autos quaisquer outras informações a respeito das operações firmadas entre as partes, limitando-se apenas a referir à fl. 03 que: Na prática, havia emissão de títulos e contratos para encobrir capital de giro alcançado à autora e vice-versa, bem como desconto de duplicatas com a mesma finalidade, restando na inanidade probatória documental. É sabido que a doutrina do ônus da prova repousa no princípio de que, visando a sua vitória na causa, cabe ao autor o encargo de produzir provas capazes de formar, em seu favor, a convicção do juiz. No caso concreto, não se desincumbiu a contento a empresa autora, ora apelada, desse 3

4 encargo, visto que não trouxe à colação elementos suficientes a fim de demonstrar a alegada relação. Nesse sentido, a doutrina e a jurisprudência ensinam: "A prova deve convencer. Aquele que deixa entrever as alegações como possíveis, não satisfaz o julgador que precisa de elementos para afirmá-la. A afirmação não emerge de um espírito em dúvida; e o que pretende a prova é que o juiz afirme a verdade disputada, com exclusividade, pelas partes contendoras. Tem-se por isso como assente que a prova duvidosa se interpreta contra quem a produz" (Raphael Cirigliano, Prova Civil, Legislação, Doutrina, Jurisprudência, pág. 43). Assim, não se desincumbindo a empresa autora, ora apelante, a contento desse encargo, o corolário lógico é a improcedência da ação revisional, já que encontra aplicação ao caso o brocardo: Allegare nihil et allegatum non probare paria sunt, - Nada alegar e não provar o alegado são coisas iguais. Por outro lado, mesmo sem adentrar no debate acerca de se tratar ou não de relação de consumo, não tem aplicação no caso em liça o art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Mister frisar que não se trata de inverter o ônus da prova mas sim da obrigatoriedade de a parte demonstrar o fato constitutivo de seu direito, ônus que não pode delegar a ninguém, mesmo que de relação de consumo se tratasse. Já se decidiu: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FACTORING. AUSÊNCIA DE FATO CONSTITUTIVO DE DIREITO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA INOPERANTE. Não tendo a parte autora feito prova do vínculo obrigacional com a demandada, não pode prosperar sua pretensão. Dicção do art. 333, I, do CPC. Ademais, não há se falar em inversão do ônus da prova, eis que se trata de fato constitutivo de direito, dever que se impõe à apelante. APELO IMPROVIDO (AC /Dr. Antonio Vinicius Amaro da Silveira, TJRS). 4

5 Também: AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. (...) compete à parte autora trazer na petição inicial os elementos mínimos da prova, demonstrando os fatos constitutivos do seu direito, neste caso, a existência de vínculo com a ré, conforme artigo 333, inciso I do CPC. APELAÇÃO PROVIDA (AC /Des. Monte Lopes, TJRS). Enfim: Inversão do ônus da prova. A chamada inversão do ônus da prova, no Código de Defesa do Consumidor, está no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor, ficando subordinada ao critério do juiz, quando for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências (art. 6º, VIII). Isso quer dizer que não é automática a inversão do ônus da prova. Ela depende das circunstâncias concretas que serão apuradas pelo juiz no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor. E essas circunstâncias concretas, nesse caso, não foram consideradas presentes pelas instâncias ordinárias. Recurso especial não conhecido. (RSTJ, 115/271) E no corpo desse v. acórdão, lê-se: Anote-se que a chamada inversão do ônus da prova, no Código de Defesa do Consumidor, está no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor, ficando subordinada ao critério do juiz, quando verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. Isso quer dizer que não é automática a inversão do ônus da prova. Ela depende das circunstâncias concretas que serão apuradas pelo juiz no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor. E essas circunstâncias concretas, nesse caso, não foram consideradas presentes pelas instâncias ordinárias, sendo certo que o acórdão recorrido considerou não se tratar de inversão de responsabilidade pela produção de prova, mas de requisitos que deveriam ter sido observados pela apelante sob pena de insucesso da ação, porque a regra do juízo (regra de decidir), que é, aos casos em que encerrada a instrução, fique ao julgador a dúvida intransponível acerca da existência do 5

6 fato constitutivo, ou liberatório (TJSP-RT 706/77), cujo entendimento se ajusta perfeitamente à matéria posta em discussão no curso do processo Desta forma, não pode a parte vir a juízo demandar sem ao menos conhecer a base fundamental de seu direito, pretendendo que a demandada supra sua inércia, vindo ela a fazer esta personalíssima demonstração. Por tais razões, dou provimento ao apelo para o efeito de julgar improcedente a ação revisional de contrato de fomento mercantil ajuizada por FAGTON COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA contra BELSINOS FOMENTO MERCANTIL LTDA, em razão da sucumbência deve a empresa autora, ora apelada, arcar, com exclusividade, com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios dos procuradores da empresa ré, ora apelante, que fixo em R$ 700,00 (setecentos reais), valor que deverá ser atualizado pelo IGPM a partir da data da publicação deste v. acórdão até o pagamento, tendo em vista o trabalho exigido e produzido pelos profissionais. DES. OTÁVIO AUGUSTO DE FREITAS BARCELLOS (REVISOR) - De acordo. DES. PAULO ROBERTO FÉLIX - De acordo. DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS - Presidente - Apelação Cível nº , Comarca de Novo Hamburgo: "POR UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO APELO". Julgadora de 1º Grau: NARA REJANE KLAIN RIBEIRO cd 6