Nº COMARCA DE PORTO ALEGRE DILSEU MACHADO TOLLEDO ACÓRDÃO

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1 AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E ANULAÇÃO DE TÍTULO. CHEQUE. CIRCULAÇÃO. CASO CONCRETO. MATÉRIA DE FATO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DA EMPRESA DE FACTORING. INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS POR PARTE DO EMITENTE FRENTE AO TERCEIRO DE BOA-FÉ. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS ESSENCIAIS DO CHEQUE NÃO DEMONSTRADA. Apelo provido. APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL COMARCA DE PORTO ALEGRE ANTARES TECNOLOGIA DE ATIVOS LTDA. DILSEU MACHADO TOLLEDO APELANTE APELADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. OTÁVIO AUGUSTO DE FREITAS BARCELLOS E DES. PAULO ROBERTO FÉLIX. Porto Alegre, 14 de dezembro de DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS PRESIDENTE E RELATOR 1

2 RELATÓRIO DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS (PRESIDENTE E RELATOR) Trata-se de apelação interposta por ANTARES TECNOLOGIA DE ATIVOS LTDA. contra a sentença das fls. 44/49 que, na ação anulatória de título cambial cumulada com sustação de protesto contra ela ajuizada por DILSEU MACHADO TOLLEDO, julgou procedentes os pedidos para declarar inexistente o negócio jurídico e a nulidade dos cheques nº , e , todos no valor de R$ 425,00 emitidos pelo autor e cedidos à ré; e declarar ilegítimo o protesto dessas cártulas, cancelando-o definitivamente. Em suas razões (fls. 51/57), sustenta a apelante que, por se tratar de uma empresa de factoring, comprou os cheques levados a protesto de um terceiro, Marina Vidros Ltda. Assevera que o autor não honrou o pagamento dos cheques e que, ao depositá-los nas datas aprazadas, constatou que havia sido dada contra-ordem ao pagamento, sem motivos legais, o que gerou o protesto dos mesmos. Aduz que o cheque é título ao portador, podendo ser endossado a terceiros e regido, no mundo jurídico, pelo princípio da abstração. Alega que recebeu os cheques por endosso, sendo terceira de boa-fé, não podendo ser opostas contra ela as exceções quanto ao negócio subjacente. Com preparo e com contra-razões, subiram os autos. Registro, por fim, que foi observado o previsto nos arts. 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado. É o relatório. 2

3 VOTOS DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS (PRESIDENTE E RELATOR) Resta incontroverso nos autos que os cheques protestados foram emitidos pelo autor, ora apelado, em razão da prestação de serviços contratada com a Marina Vidros Ltda, que, por sua vez, os repassou à empresa ré, ora apelante, em operação de factoring. Basta a constatação de que foi o autor, ora apelado, que emitiu os cheques e de que estes não restaram eivados de qualquer vício, o que sequer foi suscitado por ele, para concluir-se pela total impertinência do pedido de anulação dos cheques. Não há qualquer razão que fundamente tal pedido, a validade dos títulos está no preenchimento dos seus requisitos formais e na sua regular emissão. A circunstância de terem as cártulas sido emitidas para pagamento de serviço que não foi prestado corretamente ao autor não desnatura o título de crédito. Quem o emite assume responsabilidade primordial por seu pagamento, pois o cheque, ensina SÉRGIO CARLOS COVELLO, possui, em verdade, dupla natureza: de ordem de pagamento à vista e de título de crédito. Nele estão presentes dois tipos de relação jurídica: uma interna-contratual (cliente-banco) fundada na conta corrente bancária ou no pacto de cheque, como preferem alguns, e outra externa (emitentebeneficiário) lastreada em regras cambiárias. Come ensina Rafael de Pina Vara, o cheque contém não só ordem de pagamento, mas também promessa de pagamento dotada de cambiariedade, que dizer, ao emiti-lo, o agente assume a obrigação abstraía de pagar certa soma de dinheiro por intermédio do Banco: contrai divida liquida e certa, em titulo circulável (Prática do Cheque, Ed. Leud, 1994, p. 28). 3

4 Ainda, se considerarmos que os títulos tiveram regular circulação, pois, como já dito, o autor os emitiu em favor de terceiro, sendo que este o entregou à ré através de contrato de "factoring". Vemos, portanto, que não teve o autor qualquer relação com a celebração do negócio de "factoring". Apenas para argumentar, com base no principio da literalidade dos títulos de crédito, mesmo que se entendesse que o cheque não circulou, permitindo o questionamento pelo autor, ora apelado, da "causa debendi", ainda assim não assistiria razão a ele. O autor, ora apelado, funda seu pedido de inexistência do débito, no fato de não ter a empresa Marina Vidros Ltda. prestado corretamente o serviço contratado, que seria pago através dos cheques entregues à empresa ré, ora apelante, em contrato de factoring. Ocorre que nessa espécie de contrato a parte contratante tem como prestação a entrega de títulos de crédito, e a contratada (a ré, ora apelante) como contra-prestação antecipa, com deságio, os valores representados pelos títulos. Acrescento que, com a circulação do título, não se pode cogitar de qualquer exceção pessoal contra aquele que o detém, a teor do que dispõe o art. 25, da Lei do Cheque. As obrigações oriundas de cheque, por serem abstratas, devem ser cumpridas, não se admitindo recusa baseada na causa que originou a sua emissão, salvo a ilicitude. O art. 13, caput, da Lei nº 7.357/85, reforça tais razões, com o seguinte teor: As obrigações contraídas no cheque são autônomas e independentes. Conseqüentemente, por ser o cheque um título de crédito abstrato, e não um título causal, independe de investigação da causa debendi no caso vertente. O cheque constitui ordem de pagamento à vista, ensejando prova escorreita de sua ineficácia ao ensejo de permitir o reconhecimento da sua inexigibilidade. Seu detentor possui direito pré-constituído da obrigação 4

5 representada pelo documento, exigindo-se, para afastar a literalidade da obrigação nele contida, prova inequívoca da existência de vícios da parte que alega, o que não ocorreu no caso concreto. Já se decidiu: Ação Declaratória de Inexigibilidade de Título de Crédito. Ação Cautelar de Sustação de Protesto. Cheque. Factoring. (...). Havendo a circulação do cheque através de endosso à empresa de factoring, não se pode opor a ela, terceiro de boa-fé, as exceções oponíveis contra a emitente-endossante, a teor do art. 25, da Lei nº 7.357/85. Prevalece, na falta de prova de qualquer vício do cheque, a literalidade do título, pena de abalo na segurança das relações negociais. Apelação parcialmente provida (AC n /Dr. Jorge André Pereira Gailhard, TJRS). Também: APELAÇÃO. DECLARATÓRIA DE NULIDADE E CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO DE CHEQUE. OPERAÇÃO DE FACTORING. Abstração e inoponibilidade das exceções pessoais. Tendo o cheque circulado através de endosso e de operação de factoring, torna-se abstrato, impossibilitando ao emitente opor exceções pessoais que caberiam contra o endossante e não contra o credor endossatário, que recebeu o título de boa-fé. A nulidade de cheque é de ser reconhecida somente quando ausente um de seus requisitos essenciais, não ocorrente no caso em tela. Apelo desprovido (AC /Des. Orlando, TJRS). Ainda: EMBARGOS DE DEVEDOR. EMISSÃO DE CHEQUE. CIRCULAÇÃO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DA EMPRESA DE FACTORING. INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS POR PARTE DA EMITENTE FRENTE AO TERCEIRO DE BOA-FÉ. PRELIMINAR REJEITADA. APELO PROVIDO (AC /Des. Kretzmann, TJRS). Por tais razões, dou provimento ao apelo para o efeito de julgar improcedente a ação anulatória de título cambial cumulada com sustação de protesto ajuizada por DILSEU MACHADO TOLLEDO contra ANTARES TECNOLOGIA DE ATIVOS LTDA.; condeno o autor ao pagamento das custas 5

6 processuais e honorários advocatícios dos procuradores da ré, que fixo em R$ 500,00 (quinhentos reais), tendo em vista o trabalho exigido e produzido pelos profissionais. DES. OTÁVIO AUGUSTO DE FREITAS BARCELLOS (REVISOR) - De acordo. DES. PAULO ROBERTO FÉLIX - De acordo. DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS - Presidente - Apelação Cível nº , Comarca de Porto Alegre: "POR UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO APELO." Julgador de 1º Grau: MAURO CAUM GONCALVES RFS 6