A EVOLUÇÃO DA ECONOMIA INDUSTRIAL
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1 A EVOLUÇÃO DA ECONOMIA INDUSTRIAL Pablo Bielschowsky 1 RESUMO O presente artigo resgata a evolução da teoria industrial desde Marshall, passando pelas teorias de formação de preços em oligopólio e pela teoria da firma, até a formulação da teoria neoschumpeteriana. Evidencia-se como a determinação dos preços de equilíbrio de Marshall será alvo de críticas que resultarão nos modelos de Estrutura-Conduta-Desempenho (ECD). Paralelamente, as críticas ao principio da maximização do lucro de Marshall resultam na formulação da teoria da firma. A corrente neoschumpeteriana se desenvolve a partir da crítica aos modelos de ECD, evidenciando a interdependência entre a estrutura e a conduta, e por meio da crítica às teorias gerenciais, evidenciando o papel das rotinas na tomada de decisões. Deste modo, os autores neoschumpeterianos substituem o conceito de equilíbrio estático pela noção de trajetória da Indústria. Palavras-chave: Inovação, Economia Industrial, Microeconomia. 1 Economista pela UFRJ, Mestre em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ e professor no curso de administração na Universidade Castelo Branco. 1
2 1 INTRODUÇÃO Durante a década de 1990, a indústria brasileira foi exposta a concorrência internacional. A abertura econômica resultou em um intenso debate sobre a competitividade da indústria brasileira. Os adeptos da abertura, a partir dos modelos neoclássicos de Produtividade dos Fatores, defendem que a abertura resultaria na alocação mais eficiente dos fatores de produção, promovendo o crescimento econômico. Por outro lado, os críticos da abertura afirmavam que esta resultaria no sucateamento da indústria brasileira. Os autores neoschumpeterianos se inserem neste debate através da análise da competitividade da indústria brasileira fundamentada teoricamente em uma concepção própria da evolução da economia industrial. Para dar sustentação teórica ao debate, estes autores desenvolvem uma análise da história da Economia Industrial, tendo como ponto de chegada a teoria neoschumpeteriana. O presente artigo busca responder ao seguinte problema: como os autores neoschumpeterianos brasileiros concebem a evolução da economia industrial desde Marshall até a escola neocshumpeteriana? O equilíbrio parcial de Marshall é o ponto de partida da Economia Industrial. A teoria do mercado busca explicar o equilíbrio de preços em oligopólio. As teorias da firma criticam a suposição de maximização do lucro. Os modelos neoschumpeterianos substituem o conceito de equilíbrio pelo conceito de trajetória. O objetivo geral do presente artigo é descrever a concepção da evolução da Economia Industrial defendida pelos neoschumpeterianos brasileiros. O modelo de pesquisa, quanto aos objetivos de pesquisa, foi o de pesquisa exploratória. Quanto aos procedimentos técnicos, a pesquisa adota o modelo de pesquisa bibliográfica entre os autores neoschumpeterianos brasileiros. 2 O EQUILÍBRIO PARCIAL EM CONCORRÊNCIA PERFEITA A teoria do equilíbrio parcial de Marshall é o ponto de partida da moderna teoria econômica do mercado e da firma. A partir de suposições quanto às preferências destes proprietários- 2
3 consumidores e da suposição de mercado competitivo, Marshall conclui que, embora a curva de demanda da indústria seja negativamente inclinada, a curva de demanda da firma é horizontal. Por outro lado, a partir da suposição de que firmas maximizam o lucro, Marshall analisa a curva de oferta da indústria, contrapondo-a à curva de demanda da indústria para determinar o ponto de equilíbrio da indústria. A partir da suposição de que as firmas enfrentam custos marginais crescentes no curto prazo, em virtude das limitações à substituição dos fatores, Marshall conclui que a indústria possui uma curva de oferta crescente, de modo que o equilíbrio no curto prazo é atingido quando esta curva de oferta crescente se cruza com a curva de demanda descrente da indústria. No longo prazo, a partir da suposição de que a curva de custo médio das firmas tem forma de U, em virtude do predomínio das economias de escala abaixo do ponto ótimo e do predomínio das deseconomias de escala (internas e externas) além do ponto ótimo, Marshall afirma que o crescimento da oferta da indústria se realiza pela entrada de novas firmas até que cada firma possua o tamanho ótimo e obtenha apenas o lucro normal. Portanto, a curva de oferta da indústria é horizontal no longo prazo, e o equilíbrio de longo prazo da indústria se estabelece quando esta curva de oferta se cruza com a curva de demanda decrescente da indústria (Tigre, 1998; Possas, 1985). 3 A FORMAÇÃO DOS PREÇOS EM OLIGOPÓLIO A crítica ao modelo de Marshall realizada por Sraffa (1926) foi uma etapa crucial no desenvolvimento da economia industrial. Para Sraffa, as firmas podem apresentar retornos crescentes de escala no curto prazo mesmo com limitações a substituição de fatores, e apresentam retornos crescentes de escala no longo prazo em todos os níveis relevantes de produção. Os retornos crescentes de escala resultam em curvas de oferta decrescente de curto e longo prazos, inviabilizando a determinação do equilíbrio. De outro lado, Sraffa acentua as novas características da concorrência entre as firmas geradas pela concentração da produção e pelo advento do Marketing, ao mostrar que as firmas precisam reduzir os preços ou assumir custos comerciais para aumentar as vendas, e por isso enfrentam curvas de demanda negativamente inclinadas. (POSSAS, 1985). Chamberlin e Robinson explicam a determinação do equilíbrio de longo prazo com retornos crescentes de escala e curva de demanda da firma negativamente inclinada, incorporando as 3
4 críticas de Sraffa ao arcabouço Marshalliano. Chamberlin supõe que as firmas produzem produtos diferenciados, o que resulta em uma curva de demanda negativamente inclinada. No entanto, o Chamberlin mantém as suposições de Marshall quanto ao grande número de firmas, livre entrada e uniformidade da demanda e dos custos entre as empresas, que refletem uma estrutura de mercado concorrencial. No curto prazo, as firmas maximizam lucro quando igualam o Custo Marginal crescente à receita marginal, o que permite a obtenção de lucro econômico. No longo prazo, o lucro econômico provoca entrada de novas empresas na indústria, deslocando a curva de demanda de cada empresa até o nível de equilíbrio, quando o Custo Médio é tangente à curva de demanda. Portanto, no longo prazo, as empresas não obtém lucro econômico, e possuem retornos crescentes de escala as firmas operam na parte decrescente da curva de custo médio, logo, o custo médio é maior que o Custo Médio Mínimo devido a economias de escala não realizadas (produção em escala subótima) (LOSEKAN, 2002; POSSAS, 1985). Os modelos de concorrência imperfeita de Robinson e Chamberlin foram alvo de diversas críticas que destacavam a interdependência entre as empresas na determinação dos preços. Estas críticas resultaram na formulação dos modelos de Hall e Hitch. Opondo-se à suposição de grande número de firmas uniformes e independentes na indústria, Hall e Hitch mostram como interdependência entre as firmas resulta na determinação dos preços pelo Mark-up sobre os custos totais. Os autores afirmam que a rivalidade pode resultar na ruína das empresas se elas iniciarem uma guerra de preços. Por isso, as firmas em oligopólio adotam métodos convencionais de determinação de preços, como forma de realizar a coordenação, evitando a perda de rentabilidade. O principal método de determinação de preços é a liderança em preços pela empresa líder, que fixa seus preços a partir dos custos diretos, acrescidos de uma margem (Mark-up) para cobrir os custos indiretos e os lucros. As demais empresas do mercado seguem o preço fixado pela empresa líder, evitando a guerra de preços. O princípio do custo total se opõe a suposições básicas da teoria Marshalliana, o custo marginal e a receita marginal não têm papel relevante na determinação dos preços e o objetivo das empresas no curto prazo não é a maximização do lucro (POSSAS, 1985). O princípio do custo total serve de ponto de partida para a teoria do preço-limite de Bain (1956) e Sylos. O princípio do custo total afirma que em mercados concentrados as empresas praticam conluio por liderança de preços, determinando os preços pelo Mark-up sobre os custos totais. Bain (1956) irá se questionar porque em mercados concentrados as empresas podem praticar 4
5 preços superiores aos preços competitivos. Para Bain as circunstâncias que caracterizam as vantagens das firmas estabelecidas ante as entrantes definem as barreiras a entrada. As estruturas de mercado caracterizadas pela existência de barreiras à entrada permitem um maior grau de coordenação da conduta dos agentes (por acordos tácitos, liderança de preços, cartelização...) e menor exposição à concorrência potencial, resultando no desempenho dos preços (margem de lucro ou mark-up sobre os custos) superior a média. Bain destaca três fontes de barreiras à entrada, as vantagens absolutas de custo decorrentes do controle de fatores e as vantagens de diferenciação de produtos, que resultam em custos maiores para as entrantes, e as economias de escala. Para o autor, a fonte mais importante de barreiras à entrada são as economias de escala, pois decorrem de características estruturais do mercado. Supondo Escala Mínima Eficiente (EME) grande ante o tamanho do mercado, o grande aumento da oferta com a entrada em EME obriga as empresas estabelecidas a reduzir sua produção acomodando o entrante ou manter sua produção dando início a uma guerra de preços. Se as entrantes enfrentam aumento dos custos em escala inferior a EME e acreditam que a entrada com EME irá provocar uma guerra de preços, não ocorrerão entradas (Kupfer, 2002; Possas, 1985). 4 TEORIAS DA FIRMA O desenvolvimento da teoria da firma ocorre paralelamente ao desenvolvimento da teoria do mercado descrita acima. As teorias da firma podem ser divididas em teorias gerenciais e comportamentais (Feijó e Valente, 2004; Possas, 1985). Afirmam que as teorias gerenciais analisam as conseqüências da separação entre propriedade e controle sobre os objetivos da empresa. No modelo de Baumol, os gerentes maximizam o crescimento da empresa, aceitando uma queda dos lucros em virtude da redução dos preços e aumento dos gastos com vendas, sujeitos a restrições de lucro mínimo que permitam o autofinanciamento e condições favoráveis para o financiamento externo. No modelo de Williamson, os gerentes maximizam seus salários, segurança, o prestígio e despesas discricionárias se afastando da maximização do lucro, mas estão sujeitos a restrições de lucro mínimo para permanecerem no cargo. No modelo de Marris, os gerentes maximizam a taxa de crescimento da 5
6 empresa (das vendas e dos ativos), aceitando uma queda da taxa de lucro em virtude de custos com Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e publicidade e aumento dos custos gerenciais por dificuldades de coordenação e inexperiência, mas estão sujeitos a restrições de lucro mínimo que permitam manter o preço das ações em um nível que evite uma tomada hostil da empresa (takeover) e manter a segurança financeira da empresa garantindo o acesso a financiamento externo com baixo custo. Por outro lado, os modelos comportamentais enfatizam o processo de decisão. Segundo Simon, em condições de incerteza, as firmas não sabem se estão efetivamente maximizando lucros, mas alcançam um nível satisfatório de aspirações quanto ao seu desempenho. Cyerth e Marth ressaltam a complexidade na determinação dos objetivos da firma, definidos por meio da solução de conflitos entre os diversos grupos de interesses na firma: gerentes, trabalhadores, acionistas, consumidores etc. 5 A TEORIA NEOSCHUMPETERIANA A teoria neoschumpeteriana decorre da crítica de Dosi aos modelos de Estrutura-Conduta- Desempenho (ECD) e da crítica de Nelson e Winter a teoria da Firma, que resultou na substituição do conceito de equilíbrio pelo conceito de trajetória (Tigre, 1998; Possas, 2002; Kupfer, 1996). Dosi parte da crítica aos modelos de ECD, evidenciando a interdependência entre estrutura e conduta na medida em que a estrutura de mercado preexistente afeta a conduta (estratégia) das empresas, mas esta conduta (quanto à inovação, investimentos, preços) também afeta a estrutura dos mercados criando e destruindo monopólios temporários. A interação entre conduta e estrutura determina a dinâmica da indústria. Deste modo, Dosi evidencia que a mudança da estrutura do mercado é endógena ao processo concorrencial. Uma vez que o esforço de diferenciação (em produtos, processos...) orienta as estratégias de inovação que modificam continuamente a estrutura dos mercados, a determinação estática do equilíbrio de mercado tornase impossível. Por outro lado, a difusão das inovações também não elimina as assimetrias entre as empresas. Deste modo, a dinâmica da estrutura do mercado é potencialmente caótica, o que 6
7 inviabilizaria a tomada de decisões (conduta) pelas empresas. No entanto, para Dosi a trajetória tecnológica é orientada por um paradigma tecnológico, um método de solução de problemas que orienta as estratégias de inovação das empresas. Este paradigma tecnológico confere certa regularidade à trajetória do progresso técnico implementada pelas empresas, e assim certa regularidade à dinâmica da estrutura do mercado. Nelson e Winter partem do modelo Comportamental de Simon e buscam mostrar como a adoção de rotinas permite a superação da indefinição na tomada de decisões. Para os autores, as empresas definem estratégias de inovações (estratégias, rotinas, produtos, tecnologias) para se diferenciar das demais. Cabe ao mercado selecionar quais estratégias de diferenciação serão bem sucedidas. A incerteza quanto à seleção pelo mercado poderia inviabilizar a tomada de decisões, para a definição de uma estratégia. No entanto, os interesses econômicos dos inovadores, as capacitações e as variáveis institucionais resultam em um conjunto de rotinas, que orientam a tomada de decisões (definição das estratégias), e assim determinam a trajetória tecnológica. 6 CONCLUSÃO O equilíbrio parcial Marshalliano é o ponto de partida da teoria do mercado e da teoria da firma na Economia Industrial. As críticas de Sraffa ao modelo de Marshall resultam no modelo de Chamberlin, e as críticas ao modelo de Chaberlin resultaram no desenvolvimento do modelo de Custo Total. Os modelos de ECD buscam explicar a capacidade das empresas de fixar preços acima do preço concorrencial pela existência de barreiras à entrada. Por outro lado, as teorias gerenciais da firma mostram como as empresas deixam de maximizar lucro e passam a buscar o crescimento da empresa e os objetivos dos gerentes, sujeitas a restrições de lucro mínimo. Enquanto os modelos comportamentais analisam a tomada de decisões em condições de incerteza e como soluções de conflitos entre os Steakholders da firma. Os modelos neoschumpeterianos são o resultado da crítica de Dosi aos modelos de ECD e da crítica de Nelson e Winter aos modelos gerenciais, que substituem o conceito de equilíbrio pelo conceito de trajetória. 7
8 REFERÊNCIAS FEIJÓ, C.A. & VALENTE, E. A firma na teoria econômica e como unidade de investigação estatística evolução nas conceituações. Revista de Economia contemporânea. Rio de Janeiro, 8(2): , jul./dez KUPFER, D. Uma abordagem neo-schumpeteriana da competitividade industrial. Ensaios FEE. Ano 17. no pp Barreiras estruturais à entrada. In: KUPFER, D. & HASENCLEVER, L. Economia industrial. Rio de Janeiro: Campus, ; FERRAZ, J.C.; HAGUENAUER, L. Made in Brazil. Rio de Janeiro: Campus, KUPFER, D.; FERRAZ, J.C.; e IOOTTY, Mariana. Competitividad industrial em Brasil: 10 años después de la liberalización. Revista de la Cepal. no. 82, abril de 2004, pp LOSEKAN, L. & GUTIERREZ, M. Diferenciação de produtos. In: KUPFER, D. & HASENCLEVER, L. Economia industrial. Rio de Janeiro: Campus, POSSAS, M.L. Estruturas de Mercado em oligopólio. São Paulo: Hucitec, Competitividade: fatores sistêmicos e política industrial- implicações para o Brasil. In: CASTRO, A.B.; POSSAS, M.L.; PROENÇA. A. Estratégias empresariais na industria brasileira. Rio de Janeiro: editora Forense Universitária, Concorrência schumpeteriana. In: KUPFER, D. & HASENCLEVER, L. Economia industrial. Rio de Janeiro: Campus, TIGRE, P.B. Inovação e teorias da firma em três paradigmas. Revista de economia contemporânea. No. 3, Jan.-Jun
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