A TRAJETÓRIA DE UM CONTADOR DE HISTÓRIAS: DESAFIOS E REALIZAÇÕES
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- Geovane de Figueiredo Antas
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1 A TRAJETÓRIA DE UM CONTADOR DE HISTÓRIAS: DESAFIOS E REALIZAÇÕES Cláudia Alves 1 Helania Cunha de Sousa Cardoso 2 Vivemos cercados de narrativas e sabemos que todas as histórias que ouvimos, lemos ou assistimos na TV ou no cinema estão ligadas às nossas atitudes, aos nossos sentimentos, aos nossos valores, enfim a tudo que diz respeito ao ser humano. Em razão disso, passamos a narrar histórias como forma de pensar o mundo, já que as histórias instigam a nossa imaginação, a nossa capacidade perceptiva e ajudam-nos a tomar consciência de nosso papel em sociedade. Desde os primeiros tempos da civilização, o contador de histórias é considerado o guardião do conhecimento. Cada habilidade que possui é um recurso à disposição para conquistar o respeito e a veneração de seus semelhantes. Pouco a pouco, o contador de histórias torna-se o centro da atenção popular, pelo prazer que suas narrativas proporcionam. Através do contador de histórias, as narrativas ganham vida, destacandose como heranças passadas de pai para filho ou como lições do passado, constituídas de sabedoria, mesmo que de forma inventiva. No Oriente, por exemplo, ele era visto como uma espécie de curandeiro, o qual era chamado quando alguém enlouquecia. Através das narrativas, o contador de histórias levava o doente a recuperar o juízo, pelo fato de instigá-lo a pensar os diferentes mundos que lhe eram apresentados. Assim se caracteriza o mito de Sherazade, a jovem que salva um reino da loucura de um príncipe, por interromper a narrativa todas as noites. A bela narradora consegue prolongar a sua vida por mil e uma noites, ao mesmo tempo em que desperta a curiosidade do soberano, obrigando-o a pensar as várias possibilidades de desfecho da história que lhe interessava, até o momento em que lhe fosse dado o final. Do mesmo modo, conseguimos, através da apresentação de causos, parábolas, lendas e anedotas, responder à curiosidade infantil, sem a necessidade de utilizar longas 1 Aluna do 4º período do curso de Pedagogia do UNIPAM, pesquisadora-bolsista do VIII Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC-UNIPAM, sob a orientação da professora Dra. Helânia Cunha de Sousa Cardoso. 2 Professora do Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM) e coordenadora geral do Pólo Rede Arte na Escola Patos de Minas
2 explicações, muitas vezes cansativas e desinteressantes para as crianças. Assim, contador e ouvinte, através de símbolos, são levados simultaneamente à compreensão de fenômenos e leis que regem o Universo. Nessa trajetória de contador de histórias, no entanto, encontramos alguns desafios. Dentre eles, destacamos o fato de muitas vezes, por uma questão de desconhecimento ou tempo, destacarmos apenas algumas versões das histórias que narramos, sem a preocupação de trabalhar com as suas variantes culturais. Se as historias permitem o exercício da atividade criadora, temos que pensar na arte da palavra como algo vivo e atuante, que experimenta novas formas de vida, na medida em que é socializada.. Foi pensando nessas questões que resolvemos pesquisar as conexões que podem existir entre narrativas orais que circulam em nosso meio e narrativas de origem indoeuropéias, com vistas a oferecer aos nossos alunos novas possibilidades de construção do conhecimento. Dessa pesquisa, partiu a nossa proposta de trabalho nas escolas de educação básica, principalmente nas escolas públicas, as quais parecem desconhecer a atividade artística como uma das formas mais contundentes de estimular crianças e jovens a assumirem um papel significativo no meio social, como observa Laura Sandroni e Luiz Raul Machado (1998, p.48) A experiência que passamos a relatar aconteceu recentemente com duas turmas da 4ª serie do ensino fundamental. Com essa ação, tentamos atender a demanda de Projetos de Intervenção que existe atualmente nas escolas mineiras, no que diz respeito à alfabetização e à interpretação de textos. Embora a escola escolhida tenha obtido um resultado acima da média do estado na última avaliação do SIMAVE, notamos que ainda há muitos objetivos a serem alcançados para que se cumpra o Plano de Ação do corrente ano. No sentido de atender a esses objetivos, propusemos uma contação de causos baseados no mito da mula-sem-cabeça. A intenção foi refletir sobre as variantes do mito, possibilitando a associação de narrativas de diferentes culturas. Acreditamos que essa seja uma das alternativas que temos de diminuir os preconceitos e as exclusões que ainda perpassam o espaço escolar, em todos os seus níveis.
3 Depois de comparar as variantes narrativas, adentramos pelas imagens da TV, do cinema e de outras mídias, cujas linguagens tendem à cristalização de valores e de símbolos culturais. As crianças chamaram a atenção para o bombardeio de imagens estrangeiras que não correspondem aos seres imaginários que habitam nossas fantasias. Depois dessa discussão, cada aluno repassou ao colega a versão de um dos mitos que conhecia, a fim de observar as várias recriações possíveis de uma mesma história, os acréscimos e as supressões que surgem no texto de um narrador para outro.
4 No segundo dia de atividades, propusemos a recriação dos mitos a partir de outras linguagens artísticas. Começamos pela leitura das imagens que ilustram uma das versões da história (Coleção Paraíso da Criança I Séries Brasileiras), levando os alunos a pensarem na infinita possibilidade de reconstrução do texto verbal a partir das referências temporais e espaciais das imagens. Na seqüência, os alunos recriaram a história através de dobraduras de personagens, objetos e espaços que tinham visto ao longo do processo, como mulher, mula, saci, casa da mula-sem-cabeça, dentre outros elementos das narrativas trabalhadas.
5 No dia seguinte, foi proposta a confecção das brincaixinhas, a partir da reciclagem do lixo em sala de aula. Para tanto, foram utilizadas caixinhas de papelão, caixas de fósforos grandes e pequenas, papéis coloridos, percevejos (pegadores), colas e tesouras. Os alunos produziram pequenos armários de gavetas, onde poderão guardar as suas histórias e/ou personagens preferidos que foram dobrados na oficina anterior. Na ocasião, as crianças receberam a visita de uma velha narradora de histórias, com quem experimentaram momentos de descontração e humor, em um autêntico jogo de faz-de-conta.
6 A culminância do Projeto acontecerá no final do mês de outubro, com uma exposição dos trabalhos na biblioteca da escola - local onde foram realizadas as duas últimas etapas - e com a organização de um sarau de causos, envolvendo os familiares e amigos dos alunos. Os resultados obtidos até o momento sinalizam para a importância do papel do professor como mobilizador de ações que partam das experiências cotidianas dos alunos, a fim de que possam lidar com suas ansiedades e aspirações de forma lúdica e
7 criativa. Percebemos também o desejo que eles têm por propostas expressivas que permitem um clima de reflexão e liberdade de improvisar e criar. REFERÊNCIAS COLEÇÃO Paraíso da Criança I Séries Brasileiras. São Paulo: Edelbra, 1984 (Prêmio Jabuti 1984) PRIETO, Heloisa.. Quer ouvir uma história? Lendas e mitos no mundo da criança..são Paulo: Angra Ltda., SANDRONI, Laura C. e MACHADO, Luiz Raul. A criança e o livro: guia prático de estímulo à leitura. São Paulo: Ática, 1998.
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