A CRIANÇA COMO PROTAGONISTA NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NO ENTORNO ESCOLAR
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- Thalita Botelho
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1 A CRIANÇA COMO PROTAGONISTA NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NO ENTORNO ESCOLAR Soraia dos Santos Mangili Vidal 1 COLÉGIO MARISTA CRICIÚMA Ingrid Roussenq Fortunato Martins 2 - COLÉGIO MARISTA CRICIÚMA Michele Mezari Oliveira 3 COLÉGIO MARISTA CRICIÚMA Resumo Eixo Educação da Infância Agência Financiadora: Colégio Marista de Criciúma O presente trabalho apresenta a forma como o Colégio Marista de Criciúma resolveu um problema relacionado ao trânsito com a participação efetiva das crianças em assembleia. A utilização da prática da Pedagogia da Escuta foi imprescindível para a realização dos encontros. O artigo descreve a atitude de quebra de paradigmas e desenvolvimento da capacidade de ouvir e encaminhar processos, de ouvir o não dito, buscar o inaudível, ver o invisível, de fazer boas perguntas e buscar muitos outros questionamentos que não haviam sido pensados. O texto está embasado no diálogo entre professor e aluno, proposto por Freire (1996) que não se caracteriza pela palavração, onde um fala e muitos acatam. A prática destacada é voltada ao diálogo, onde há oportunidade de troca de ideias e tomada de decisões, abrindo espaço para a esperança. Para o autor, a esperança não é inerte e não produz encontros estéreis, mas é a própria produção da emancipação humana. A desesperança, ao contrário, é a esperança que perdeu a razão de ser. O que Freire (1996) propõe é que o educador cuide da esperança para que não vire desesperança, já que ela é geradora de uma realidade distinta. A esperança precisa estar vinculada à criticidade, pois é a crítica que desmitificará uma esperança ingênua. Além do amor e da humildade, Freire cita que para que haja diálogo é preciso ter fé nos homens, pois se não se vê possibilidade de mudança nos homens e no mundo não há diálogo. Essa fé nos homens pode ser descrita aqui também como fé nas crianças e sobre o que elas têm para dizer. Palavras-chave: Protagonismo, Diálogo, Mudança Social 1 Formada em Pedagogia. Especialista em Educação pela Fundação Educacional Severino Sombra -. Assistente Psicopedagógica da Educação Infantil do Colégio Marista de Criciúma. sovidal@colegiosmaristas.com.br 2 Formada em Pedagogia. Mestre em Educação, pela Universidade do Extremos Sul Catarinense - UNESC. Diretora Educacional do Colégio Marista de Criciúma. ifortunato@colegiosmaristas.com.br 3 Formada em Ciências Biológicas. Mestre em Educação pela Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC. Professora de Ciências no Ensino Fundamental na rede pública municipal e de Biologia no Ensino Médio do Colégio Marista de Criciúma. meoliveira@colegiosmaristas.com.br ISSN
2 20576 Introdução A realidade contemporânea apresenta-nos grandes desafios em relação ao conhecimento, já que nossas crianças e jovens estão imersos nas informações que, não são, necessariamente, conhecimento. Diante disso, é muito importante desenvolver habilidades e competências que respondam as demandas contemporâneas e que sejam coerentes com a concepção integrada e integradora da pessoa, sociedade e mundo. A compreensão das diferentes linguagens e como as pessoas se comunicam sabendo ouvir e posicionar-se é uma construção, podendo ser incentivada pela família e escola. Assim, discurso é o espaço em que o saber e poder se articulam, pois, quem fala, fala de algum lugar, a partir de suas verdades também construídas a partir de sua história. A escola é um espaço de construção e abertura para as verdades que cada um internalizou por meio de sua caminhada. Mas também é um espaço-tempo o qual os alunos podem aprender a ouvir os outros, ter autonomia e protagonismo na resolução de problemas e conflitos. Para que isso aconteça é necessário que a escola crie espaços de diálogo onde o aluno possa manifestar sua voz, seus desejos e sonhos, tornando-se assim agente de mudança social. Assim, discurso é o espaço em que saber e poder se articulam, pois, quem fala, fala de algum lugar, a partir de suas verdades também construídas Assembleias: espaços de diálogo docente Numa perspectiva dialógica, o Colégio Marista de Criciúma promoveu algumas assembleias para resolver problemas internos e externos que envolvessem a comunidade e o objetivo desse trabalho foi a promoção do diálogo. O ideal de alunos da Rede de Colégios Maristas é a formação de alunos pesquisadores, comunicadores e solidários. Portanto, o Colégio Marista de Criciúma busca promover aulas nas quais os alunos possam desenvolver essas competências e o segmento que mais propicia espaços de diálogo é a Educação Infantil. Portanto, foi escolhido esse segmento para desenvolver assembleias com os alunos, no intuito de abrir espaços de diálogo e encontrar soluções viáveis para problemas vivenciados no cotidiano das crianças e famílias.
3 20577 Uma das assembleias realizadas foi com o intuito de melhorar o fluxo do trânsito no entorno da escola, pois era um assunto que estava nas pautas das reuniões de pais e roda de conversas em sala de aula. A assembleia com as crianças, nesse caso específico, viria abrir possibilidades ao diálogo que entre adultos estava tornando-se impossível. Essa troca de conhecimento nos trouxe muitas surpresas sobre o olhar das crianças que, muitas vezes, pode passar a impressão de ser despretensiosa e alheia às coisas que acontecem. Contudo, não é. Na negação das trocas de conhecimento professor/aluno, aluno/aluno a escola acaba não oportunizando o exercício do diálogo, e deixando de formar agentes comunicadores. A sala de aula perde a oportunidade de trabalhar com a riqueza das contradições pelo fato de ficar apenas nas certezas, comunicadas verticalmente, não promovendo uma relação horizontal entre professores e alunos. Freire (1996) chama esse tipo de educação de bancária. Para ele, essa educação contribui para a domesticação pelo fato de não discutir, nem problematizar, e apenas legitimar as verdades estabelecidas. A falta de diálogo apenas incentiva os educandos a acreditarem que existe uma única perspectiva válida para cada conteúdo aprendido. Para o professor que acredita numa concepção bancária é impossível utilizar o diálogo, já que este é [...] uma relação horizontal de A com B [...] Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança (FREIRE, 2008, p. 115). É por essa razão que o autor afirma que só o diálogo consegue comunicar algo, pois é por meio dele que se instala uma relação de simpatia que permite tanto o educando quanto o educador a educarem-se mutuamente. O diálogo é, portanto, o indispensável caminho, diz Jaspers, não somente nas questões vitais para nossa ordenação política, mas em todos os sentidos do nosso ser. Somente pela virtude da crença, contudo, tem o diálogo estímulo e significação: pela crença no homem e nas suas possibilidades, pela crença de que somente chego a ser eu mesmo quando os demais cheguem a ser eles mesmos. (FREIRE, 2008, p. 116) O diálogo, tão importante e sempre citado por Freire (2001) foi utilizado para solucionar um problema da comunidade local que afetava escola e famílias. A assembleia contou com a participação de dois representantes de cada turma, desde o Infantil 2 até o Infantil 5. Ao voltar para as salas de aulas, após a assembleia, esses representantes eram responsáveis de explicar para o grupo de colegas o que havia sido discutido e quais as tarefas que tinham até a próxima reunião.
4 20578 Foram realizadas cinco assembleias para discutir o problema e definir o que seria feito para resolver o problema do trânsito. 1º encontro Para a primeira assembleia, foram reunidos dois representantes de cada turma, professoras, Coordenação Psicopedagógica e Assistência Psicopedagógica para deliberar a respeito da questão problemática: o trânsito ao redor do colégio. Inicialmente foi necessário conversar com as crianças sobre o que é uma assembleia e como ela funciona e para isso, as mediadoras puderam contar com a participação das crianças que já haviam participado desses encontros em O problema foi apresentado para as crianças, levando-as para observarem os arredores da escola onde foi possível observar carros estacionados em cima da faixa de pedestre e em outros lugares proibidos, bem como uma intensa movimentação de veículos no horário de pico. A coordenadora da assembleia explicou que, ao final de cada encontro, cada representante de sala deveria explicar para sua turma o que havia sido discutido e a partir desta discussão levar propostas da turma no próximo encontro. 2º Encontro assembleia. Cada turma 4 elencou várias sugestões a partir do problema discutido na primeira Quadro 1 Sugestões das crianças, por segmento Segmento Sugestões Infantil 2 Precisamos explicar aos pais porque eles não sabem a diferença de colocar o carro em frente da garagem e na garagem Devemos chamar o guincho para levar o carro que está no lugar errado Podemos mandar uma cartinha para os pais, explicando as leis 4 As falas das crianças serão transcritas sem correções de concordância. O objetivo é manter a essência do que disseram e desejaram explicar.
5 20579 Infantil 3 Devemos chamar o guarda. Eles poderiam vir explicar para os pais o lugar certo de estacionar Em discussão na sala de aula descobriram que não pode ser qualquer guarda, e sim o de trânsito. Precisamos chamar o guincho, a polícia e até o bombeiro. Devemos fazer cartazes sobre o assunto e colocar na frente da escola. Que tal fazermos adesivos para colocar nos carros? Vamos usar o assunto como tema para as acolhidas 5? Vamos dar aula para os pais. Eles vão aprender algumas placas de trânsito. Fazer placas sobre o que aprendemos e colocar do lado de fora da escola. Fazer bilhetes para mandar aos pais. Infantil 4 Infantil 5 Vamos fazer uma reunião para conversar com os pais! Que tal confeccionar cartazes bem coloridos para chamar atenção dos pais? Vamos colocar mais placas dizendo que é proibido estacionar! É preciso pintar mais forte as faixas de segurança porque estão desbotadas! Devemos fazer bilhetes para encaminhar aos pais, contando tudo isso que a gente conversa! Precisamos fazer adesivos para colar no peito dos pais no horário de entrada e saída. Que tal fazer cartazes sobre o assunto e convidar os guardas municipais para participar das acolhidas? Vamos fazer placas de madeira e papelão com algumas frases orientando os pais, e fazer bilhetes com coração, porque o coração é o símbolo do amor, e se a gente se ama, precisamos respeitar as pessoas e o trânsito. Quem mora perto dever vir a pé... A sugestão do Infantil 5 em relação aos adesivos foi acolhida por todas as crianças. Dessa forma, as crianças acordaram com a coordenadora que na próxima assembleia fosse trazido sugestões por meio de desenhos realizados com a turma. Fonte: Dados coletados pelas autoras 3º Encontro Esse foi um encontro bastante decisivo pois, por meio de votação foi definida as prioridades das ações e distribuídas as tarefas: Quadro 2 Ações e responsabilidades Responsabilidade Infantil 4D Infantil 5B Infantil 5A e 5C Ação Encaminhar carta para a ASTC 6, solicitando pintura das faixas de pedestre e demais sinalizações na rua de acesso ao Infantil. Confeccionar bilhete para os pais, apresentando os problemas enfrentados no acesso à Educação Infantil, falando a respeito das assembleias realizadas com as crianças e solicitando compreensão e auxílio de todos os pais. Desenvolver a arte para confecção de um cartão em forma de coração com as regras de acesso à Educação Infantil, bem como a arte para confecção de adesivos para colocar nos veículos. 5 Acolhidas são momentos em que as crianças refletem por segmento, com as professoras e representantes da Pastoral sobre diversos problemas vivenciados pela escola e sociedade. Podem ser valores que precisam ser melhores trabalhados e/ou outros assuntos que as professoras e coordenação achem relevantes serem tratados. 6 Autarquia de Segurança de Trânsito de Criciúma
6 20580 Equipe de Pastoral e turmas responsáveis pelas acolhidas do mês Infantil 5D e 5B Infantil 3 Infantil 2 Fonte: Dados coletados pelas autoras. Utilizar o assunto como tema para a acolhida. Cada criança ensinará as regras de acesso à Educação Infantil às famílias. Desenvolver cartazes e placas para serem colocados no espaço de embarque e desembarque da Educação Infantil. Encaminhar ofício à ASTC, apresentando os problemas detectados no acesso à Educação Infantil, bem como, relatando as ações que estão sendo tomadas e solicitando que disponibilizem um guarda de trânsito, nos horários de pico, para orientar os veículos a respeito das regras de trânsito. Desenvolver uma campanha que estimule as famílias (que moram nas proximidades da escola) a virem caminhando "Venha caminhando para a Escola." Ficou definido que as ações seriam colocadas em um plano de ação e posteriormente divulgadas a todos os envolvidos nas discussões. 4º Encontro Esse encontro foi voltado para ouvir o retorno da ASTC, que se comprometeu revitalizar não apenas o entorno do Colégio, mas de todo bairro Pio Corrêa. 5º Encontro Esta foi a última assembleia para tratar do problema do transito e nela foram apresentadas todas as interferências feitas na comunidade por meio das propostas das crianças. Figura 1 Apresentação do problema a ser tratado nas assembleias Fonte: acervo fotográfico Colégio Marista de Criciúma
7 20581 Figura 2 Pedagogia da Escuta em exercício Fonte: acervo fotográfico Colégio Marista de Criciúma
8 20582 Figura 3 Carta encaminhada à ASTC solicitando a revitalização dos sinais de trânsito dos arredores do colégio Fonte: acervo fotográfico Colégio Marista de Criciúma
9 20583 Figura 4 Visita dos representantes da ASTC para dar retorno às solicitações feitas pelas crianças Fonte: arquivo do Colégio Marista de Criciúma Figura 5 Placas elaboradas pelas crianças para orientação no trânsito Fonte: acervo Colégio Marista de Criciúma
10 20584 Figura 6 Palestra com guardas municipais e material de divulgação produzido pelas crianças Fonte: acervo fotográfico Colégio Marista de Criciúma Figura 7 Material de divulgação produzido pelas crianças Considerações finais Fonte: acervo fotográfico Colégio Marista de Criciúma A experiência com assembleias feita com crianças pequenas confirma o que o que Freire nos deixou sobre o processo de libertação, pois ela só se constitui por meio de uma educação que dê espaço ao diálogo, contrariando a educação bancária, onde o dissertador programa antes para poder explicar tudo sem esquecer de nenhum tópico. Não há perguntas a serem respondidas no ato pedagógico, pois o educador já as respondeu antes mesmo de iniciar sua aula. Para o educador bancário, o conteúdo programático da educação é uma doação sua a outros. É por meio da realidade mediatizadora que o educador escolhe os conteúdos sobre os quais irá dialogar. É por meio do diálogo que os saberes podem ser democratizados.
11 20585 A educação se refaz na práxis e sua duração se dá no jogo dos contrários permanênciamudança (FREIRE, 1996). Ela opõe-se à ideia de permanência porque reforça a mudança por meio do diálogo. A práxis contraria a domesticação e alienação e gera um processo de atuação consciente que conduz a um discurso sobre a realidade para modificá-la. A conscientização gera ações que levam à construção de outro mundo conceitual em que o homem se torna sujeito e passa a atuar no mundo em que está inserido. A práxis caracteriza-se como um conjunto de ideias capazes de interpretar um momento histórico ou um dado fenômeno, que, posteriormente, torna-se outro enunciado, em que o indivíduo profere sua palavra sobre o que vê e passa a agir para transformação dessa mesma realidade e essa ação potencializa um novo pensar. A partir do instante em que alguém se conscientiza de seu lugar no mundo, sua transformação torna-se possível. A prática da Pedagogia da Escuta, requer uma atitude a ser desenvolvida por todos os adultos. Na escola essa atitude nos exige quebrar paradigmas e desenvolver a capacidade de ouvir e encaminhar processos, de ouvir o não dito, buscar o inaudível, ver o invisível, de fazer boas perguntas e permitir que elas gerem outras ainda mais significativas. O espaço escolar deixa de ser espaço de respostas para dar lugar às curiosidades que levam tanto alunos quanto professores a buscarem suas próprias respostas. Neste ínterim, o ato educativo torna o aluno dono de sua palavra, pois é a ação de libertação de suas próprias ideias e autonomia. Abrir espaços de diálogo numa instituição tão fechada quanto a escola é também abrir possibilidades desses alunos aprenderem que sua palavra tem força e vale à pena ser dita. REFERÊNCIA FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, Pedagogia da autonomia. 19. ed. São Paulo: Paz e Terra, Educação como prática da liberdade. 31. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.
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