Prisma Jurídico ISSN: Universidade Nove de Julho Brasil
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1 Prisma Jurídico ISSN: Universidade Nove de Julho Brasil Cesarino Pessôa, Leonel; Fernandes, Pádua Reseña de "Sofrimento de indeterminação: uma reatualização da Filosofia do Direito de Hegel" de Axel Honneth y Rúrion Soares Melo (trad.) y "Democracia Deliberativa" de Denílson Luis Werle y Rúrion Soares Melo (Org.) Prisma Jurídico, vol. 7, núm. 2, julio-diciembre, 2008, pp Universidade Nove de Julho São Paulo, Brasil Disponível em: Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
2 Sofrimento de indeterminação: uma reatualização da Filosofia do Direito de Hegel, de Axel Honneth, traduzido por Rúrion Soares Melo São Paulo: Editora Singular, 2007, 145 p. (Esfera Pública) Democracia Deliberativa, por Denílson Luis Werle e Rúrion Soares Melo (Org.) São Paulo: Editora Singular, 2007, 314 p. (Esfera Pública) Leonel Cesarino Pessôa Doutor em Direito USP; Professor do PPGA Uninove. São Paulo SP [Brasil] lcpessoa@uninove.br Pádua Fernandes Doutor em Direito USP; Professor da Faculdade de Direito Uninove. São Paulo SP [Brasil] paduafernandes@uninove.br A Editora Singular lançou, em 2007, um selo, Esfera Pública, cuja finalidade é publicar filosofia contemporânea com autores estrangeiros e brasileiros 1. Essa iniciativa em um País onde se publicam poucos livros de filosofia e em que ainda há poucas casas editoriais que sirvam de abrigo para os pensadores nacionais, é ousada e louvável. Axel Honneth, um dos representantes contemporâneos da Teoria Crítica, já teve publicado no Brasil Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais (São Paulo: Editora 34, 2003). Com esse livro, Sofrimento de indeterminação, o autor apresenta uma releitura de Hegel. Prisma Jurídico, São Paulo, v. 7, n. 2, p , jul./dez
3 Trata-se de uma tentativa de que a obra, Filosofia do Direito, do velho filósofo alemão, possa ainda falar ao tempo presente. O pensamento de Honneth já está causando certo impacto nos meios jurídicos brasileiros 2, em razão do potencial emancipatório de sua releitura de Hegel que se caracteriza pela busca de direitos para grupos discriminados a luta do reconhecimento, o qual [ ] significa primeiramente a afirmação recíproca isenta de coerção de determinados aspectos da personalidade que se relacionam com cada um dos modos de interação social. (p. 108). Honneth mostra-se lúcido a respeito dos problemas desta filosofia: [ ] nem o conceito de Estado de Hegel, nem seu conceito ontológico de espírito me parecem hoje passíveis de serem de algum modo reabilitados. (p ); ademais, [ ] não se encontra na doutrina do Estado de Hegel o menor vestígio da idéia de uma esfera pública política, da concepção de uma formação democrática da vontade. (p. 144). Por isso, ele passa a fazer uma reatualização indireta do pensamento desse autor, isto é, retira o papel fundamental do conceito substancialista de Estado e das instruções operativas da lógica hegeliana. Desse modo, essa obra de Hegel apresenta [ ] uma teoria normativa de justiça social que precisa ser fundamentada na forma de uma reconstrução das condições necessárias da autonomia individual, cujas esferas sociais uma sociedade moderna tem que abranger ou dispor para com isso garantir a todos os seus membros a chance de realização de sua autodeterminação. (p. 67). Para tanto, é preciso [ ] superar as respectivas unilateralidades das autonomia [sic] jurídica e moral em um modelo comunicativo de liberdade [ ] (p. 83) para chegar ao conceito de eticidade. As patologias sociais que Hegel vê sob o conceito de sofrimento de indeterminação estão ligadas à 424 Prisma Jurídico, São Paulo, v. 7, n. 2, p , jul./dez
4 absolutização desses modelos incompletos de liberdade, que se expressam no individualismo romântico. Essa questão relaciona-se à crítica de Hegel à idéia de autonomia moral em Kant, com a dedução de princípios abstratos e universalistas que não levaria em conta os contextos sociais; o próprio individualismo kantiano teria provido [ ] o ímpeto para a formação do individualismo romântico, que foi igualmente tratado sob o título de moralidade (p. 91). Na esfera da moralidade, segundo Hegel, deve estar [ ] aquela atividade de avaliação reflexiva que cada sujeito deve ser capaz de empreender em face de si mesmo caso queira conceber suas atividades e interações como expressão da liberdade; desse modo, pertence às condições de auto-realização individual o direito entendido aqui num sentido mais amplo de tornar o consentimento para com as práticas sociais dependente do resultado obtido por meio da avaliação feita à luz de argumentos racionais. (p. 93). Ressaltam-se, assim, os contextos práticos de interação comunicativa da esfera da eticidade, a qual deve [ ] residir nas práticas de interação intersubjetiva; aquelas possibilidades de auto-realização individual, que essa esfera pôs à disposição, devem ser compostas em certa medida pelas formas de comunicação nas quais os sujeitos podem ver reciprocamente no outro uma condição de sua própria liberdade. (p. 107). A tradução, pelo filósofo brasileiro Rúrion Soares Melo, é geralmente muito boa, com poucos lapsos como deixar After Virtue, de MacIntyre (publicado no Brasil pela Edusc como Depois da virtude), com o título da tradução alemã Verlust der Tugend (p. 73). Prisma Jurídico, São Paulo, v. 7, n. 2, p , jul./dez
5 O segundo título, Democracia deliberativa, é uma obra coletiva. Poucas pessoas discordariam, hoje, de que a democracia é o melhor entre os regimes políticos. O significado etimológico desse termo remete à justificativa para a quase unanimidade: a democracia é o governo do povo e, por isso, a única forma legítima de exercício do poder político. No entanto, como pode o povo efetivamente governar? Algumas votações periódicas, organizadas em razão da regra da maioria, são suficientes para garantir a existência da democracia? A participação constante da população, por meio de instrumentos, tais como o plebiscito e o referendo que tem sido tão vigorosamente defendida no meio jurídico é a forma ideal de corrigir os defeitos da representação? Existem, atualmente, diversas teorias sobre a democracia como princípio de legitimação política que se baseiam em pressupostos diferentes. O livro organizado por Denílson Werle e Rúrion Soares Melo vai discutir uma dessas concepções: a democracia deliberativa. Resultado dos trabalhos realizados entre 2000 e 2004 pela linha de pesquisa sobre democracia deliberativa, que se desenvolve no núcleo Direito e Democracia do Cebrap, esse livro é dividido em duas partes: a primeira apresenta textos de autores que tecem os principais pressupostos e fundamentos normativos do modelo de democracia deliberativa e a segunda contém textos com críticas a esse modelo. Mas, afinal, qual a diferença da democracia deliberativa em relação às outras concepções de democracia? O que o conceito de democracia deliberativa traz de novo na comparação com outros sentidos que o termo democracia pode assumir? Tradicionalmente, procura-se justificar a legitimidade da democracia pelo fato de as normas emanadas do poder democrático representarem a vontade não de uma parcela do próprio povo, mas de todo ele: procura-se fundar a democracia na unanimidade. Bernard Manin descreve a justificativa desse projeto político da seguinte maneira: 426 Prisma Jurídico, São Paulo, v. 7, n. 2, p , jul./dez
6 O poder político e as regras promulgadas por este não podem ter outra base legítima que não seja a vontade desses indivíduos iguais. Tal poder e tais regras são destinados a todos os membros da sociedade, sendo obrigatório a todos. Portanto, as regras podem ser legítimas apenas enquanto engendradas pela vontade de todos e representando a vontade de todos. (p. 19). No entanto, se, mesmo em um grupo pequeno de pessoas, a unanimidade é um objetivo muito difícil de alcançar, muito mais ainda é obter unanimidade em decisões que envolvam milhares ou mesmo milhões de indivíduos. Por isso, os autores das teorias democráticas que tomam a unanimidade como critério da legitimidade, como Rousseau e Sieyès, por exemplo, terão de enfrentar o problema de justificar a decisão tomada pela maioria que pode contrariar, e normalmente contraria, a vontade de muitos. De acordo com Sieyès, por exemplo, cuja argumentação é reproduzida por Bernard Manin, ante a impossibilidade prática de a decisão ser resultado da vontade de todos, [ ] a pluralidade torna-se legitimamente um substituto para a unanimidade [ ] (p. 20). Com efeito, [ ] exigir que a vontade comum sempre iguale a soma exata de todas as vontades individuais levaria à dissolução da união social. Por sua vez, torna-se absolutamente necessário reconhecer todos os traços da vontade comum onde quer que a pluralidade seja estabelecida pela comunidade como decisiva. (p. 20). O traço distintivo da democracia deliberativa com relação às outras concepções de democracia está em que ela desloca a fonte da legitimidade da unanimidade para o próprio processo de formação da vontade: a própria deliberação. Nas palavras de Bernard Manin, [ ] uma decisão Prisma Jurídico, São Paulo, v. 7, n. 2, p , jul./dez
7 legítima não representa a vontade de todos, mas resulta da deliberação de todos. (p. 31). Examinando os textos de Rousseau e Rawls, Manin verifica como o termo deliberação já aparecia nesses textos, mas com um sentido totalmente diferente do mais corrente que ele assumiu ao longo da história da filosofia. Embora em Rousseau deliberação apareça como sinônimo de decisão, em Rawls não é senão o cálculo racional do agente econômico. O indivíduo por ele descrito possui [ ] critérios para a avaliação que permitem considerar todas as possíveis soluções, e ordená-las de tal maneira que possa escolher a melhor. (p. 27). Ora, o que há em comum nessas concepções é que, em todas elas, a fonte da legitimidade não são os indivíduos, mas as vontades individuais já anteriormente determinadas. Mesmo em Rawls, se o indivíduo delibera, por assim dizer, à medida que aplica seu critério de avaliação racional às propostas alternativas, [ ] o procedimento de formação da vontade perde sua importância [ ] (p. 28), pois [ ] o resultado já está contido nas premissas e só pode ser separado delas, pode-se dizer, pelo tempo necessário para o cálculo. (p. 28). Para os teóricos da democracia deliberativa, deliberação envolve muito mais que isso. Trata-se, em primeiro lugar, de um processo que é simultaneamente individual e coletivo. O indivíduo nunca delibera sozinho, mas lança argumentos e, ao mesmo tempo, procura refutar os das outras partes. Para isso, portanto, são necessárias perspectivas diferentes. O resultado é que o processo de deliberação é um processo de aprendizagem que pode levá-lo a alterar o ponto de vista que tinha no início. Deste modo escreve Manin [ ] a deliberação ajuda a aumentar a informação e a localizar as preferências dos indivíduos. Isso os ajuda a descobrir aspectos das soluções propostas e de seus próprios objetivos que antes não haviam percebido. (p. 32). Uma primeira vantagem do modelo de democracia deliberativa é que, à medida que a fonte da legitimidade passa a ser o processo deliberativo, 428 Prisma Jurídico, São Paulo, v. 7, n. 2, p , jul./dez
8 não se tem mais de aceitar as ficções criadas com o objetivo de mostrar como alguns podem representar a vontade de todos. Outras vantagens normalmente apresentadas são discutidas no artigo de Thomas Cristiano, cujo objetivo é fornecer [ ] uma explicação do valor e significado da deliberação pública na democracia. (p. 81). Seu artigo pretende, conforme suas próprias palavras, [ ] demonstrar que enquanto a deliberação pública per se tem um valor exclusivamente instrumental no aperfeiçoamento da qualidade das decisões na democracia, a igualdade no processo de deliberação pública tem um valor intrínseco fundamentado nas exigências de justiça. (p. 81). Tendo a pesquisa do grupo que deu origem ao livro se constituído no âmbito do projeto temático Fapesp, Moral, Política e Direito: uma investigação a partir da obra de Jürgen Habermas, merece destaque, entre os textos críticos, o artigo de Frank Michelman que dialoga com Habermas. Ele pretende mostrar como a democracia deliberativa é algo que [ ] provavelmente nenhum país pode instituir [ ] (p. 196) não pela impossibilidade empírica de encontrar um tal cenário, mas porque a realização desse ideal [ ] envolve uma impossibilidade conceitual [ ] (p. 202), pois há uma circularidade entre os conceitos de direitos fundamentais e soberania popular. Notas 1 Tendo em vista as preocupações teóricas comuns presentes nestas obras, publica-se neste número nova versão da resenha sobre o livro Democracia Deliberativa, publicada em versão reduzida no volume 6 de Prisma Jurídico. 2 Um exemplo é o artigo de Sergio Gardenghi Suiama, Justiça e políticas de reconhecimento ( Prisma Jurídico, São Paulo, v. 7, n. 2, p , jul./dez
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