Mudanças Climáticas: Um (Grande) Desafio Para A Ética!
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- Anna Ana Clara Ferrão Costa
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1 Mudanças Climáticas: Um (Grande) Desafio Para A Ética! Mariana Marques * A comunidade científica concorda, por consenso esmagador, que as mudanças climáticas são reais. Os gases do efeito estufa aumentaram significativamente como resultado das atividades humanas e já superam em muito os níveis pré-industriais i, declarou recentemente Rajendra Pachauri, presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). A discussão sobre o grau de interferência da ação humana sobre as mudanças climáticas não é só um debate de ordem científica. Os desafios éticos relacionados às mudanças climáticas são vários, tais como prevenção e mitigação de efeitos, atribuição de responsabilidades e reparação de danos, entre outros. Ainda que as mudanças climáticas sejam consideradas por muitos o maior problema ambiental em todos os tempos e uma das questões internacionais mais importantes do momento, há muito pouca literatura na filosofia sobre o tema. Algumas das possíveis razões para esse silêncio são as dificuldades em se enfrentar a interdisciplinaridade que a questão exige, além de ultrapassar a barreira da insuficiência das teorias éticas tradicionais, que não parecem oferecer uma resposta razoável para o problema. Há quem chegue até mesmo a afirmar que resolver essa questão exigiria uma guinada paradigmática na forma como se vem tratando a própria Ética ii. Para entender um pouco os debates nesse campo, pensemos na atmosfera global como um bem comum de toda a humanidade (e demais seres vivos), do qual todos os indivíduos se beneficiam e cuja destruição a todos afeta. Como sabemos, essa atmosfera tem uma capacidade limitada de absorver os gases do efeito estufa, o que nos leva à necessidade óbvia de redução imediata das emissões de uma forma geral até alcançar um nível sustentável. Tendo-se estimado o limite seguro de emissões que podemos realizar, uma das principais questões éticas com as quais nos deparamos então seria: como distribuir essas emissões limitadas entre toda a humanidade da forma mais justa e eficiente iii? A competição intensa por recursos escassos é um tema clássico de debate ético. Sabemos que ao retirarmos uma maior fatia do bolo sobrará menos para os * Mestranda em Direito pela Puc-Rio
2 demais e tendemos a querer sempre a maior fatia possível. A difícil pergunta é como fazer a distribuição do bolo da forma mais justa e eficiente? Encontrar o critério mais adequado para essa distribuição não é nada fácil. Quando consideramos, por exemplo, que os países mais industrializados contribuíram em maior grau para a situação atual do aquecimento global, somos levamos a nos questionar: deveriam esses países receber uma quota menor no futuro ou pagar determinadas multas como medida de reparação e compensação pelo dano que causaram? E se adotamos a lógica de que o mais necessitado merece levar mais, deveriam os países menos desenvolvidos serem agraciados com quotas maiores de emissões? A escolha entre as muitas respostas possíveis a essas e outras questões dependem de uma opção por uma determinada abordagem ética da questão. Trata-se de buscar quais os princípios éticos que deveriam guiar as políticas domésticas e internacionais de forma a garantir um clima tolerável e seguro para todo o planeta. Vamos ver agora por que as teorias éticas tradicionais parecem não dar conta de solucionar o problema e quais possíveis alternativas vêm sendo apresentadas diante deste cenário. Um utilitarista buscaria responder à questão a partir da pergunta: qual solução representa o melhor cálculo custo-benefício para o bem-estar geral iv? Um dos maiores expoentes atuais dessa corrente do pensamento ético, o filósofo Peter Singer, propõe que o volume total de gases de efeito estufa que pode ser emitido de forma segura seja dividido entre todos os habitantes do planeta criando uma espécie de quota de emissões per capta, conferindo assim a cada estado a parcela desse volume que lhe caiba de acordo com as suas respectivas populações. Singer defende ainda que os estados que não necessitassem emitir todo o volume de gases que lhes houvesse sido designado poderiam comercializar o excedente com aqueles estados (mais industrializados) que demandassem uma parcela adicional de emissões, de modo que quanto menos um estado poluísse mais poderia lucrar vendendo créditos de emissão aos demais países v. Essa teoria tem merecido inúmeras críticas dos adversários de Singer. Talvez uma dentre as mais pertinentes (e isso sem sair do plano teórico) seja o fato de que não leva em consideração que os enormes danos gerados à nossa atmosfera no passado e que nos conduziram à situação gravíssima em que nos encontramos hoje foram (e continuam sendo) majoritariamente causados pelos países mais desenvolvidos. A teoria de Singer não se propõe a realizar esse tipo de
3 reparação histórica, e não atribui qualquer responsabilidade aos Estados pelas ações tomadas no passado. Uma alternativa a essa abordagem utilitarista seria, por exemplo, uma ética não focada nas conseqüências dos atos, mas sim no dever moral independentemente dos resultados práticos verificados ou verificáveis, como é o caso da moral kantiana clássica. Nesse caso, a análise da melhor proposta para regular de forma ética os desafios relacionados às mudanças climáticas concentraria sua proposta em demonstrar como máximas universais morais determinam que, por princípio, se deve usar desses recursos comuns de forma racional e controlada, devendo ser penalizado aquele que violou essa regra. Alguns poderiam objetar que o imperativo categórico de Kant ( Aja de modo que você também possa desejar que tua máxima se torne lei universal ) não é capaz de contemplar os efeitos das ações de hoje para as gerações futuras e enfrentar os riscos para a subsistência da vida no planeta em razão de danos ao meio ambiente. Na tentativa de resolver esse problema, o filósofo alemão Hans Jonas chegou a propor rever e ampliar o imperativo categórico de Kant, da seguinte forma: Aja de modo que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a terra. Com Hans Jonas, nasce assim a chamada ética da responsabilidade, uma teoria de inspiração kantiana preocupada com o futuro de toda a humanidade vi. Essa abordagem parece fornecer elementos teóricos para fundamentar a necessidade de responsabilização dos Estados por danos causados à atmosfera terrestre, no entanto, não parece ajudar muito na proposição de medidas concretas sobre como tratar a questão da utilização ética de um bem comum escasso. Uma primeira análise dessas duas grandes correntes do pensamento ético a utilitarista e a kantiana mostra que tanto uma abordagem ética totalmente focada nas conseqüências quanto uma que aposte exclusivamente do valor moral das condutas independente de seus resultados, se revelam insuficientes para dar uma resposta satisfatória à questão das mudanças climáticas. Para resolver um dilema ético de ordem global como o das mudanças climáticas se fazem necessárias propostas alternativas que encontrem um balanço entre a ética do dever e a ética dos resultados. Alguns teóricos, diante desse panorama, buscaram oferecer diretrizes para uma abordagem alternativa. Dale Jamieson, por exemplo, defende que deveríamos desviar o foco de teses que
4 buscam simplesmente calcular possíveis resultados e optar, ao invés disso, por desenvolver um novo sistema de valores para o século XXI, já que os valores [ocidentais] dominantes não dão conta dos maiores desafios atuais que enfrentamos, como é o caso das mudanças climáticas. Para o filósofo, deveríamos proporcionar e propagar novos conteúdos para virtudes tradicionais como humildade, coragem e moderação, assim como desenvolver novas virtudes vii. Talvez Jamieson tenha razão ao afirmar que os valores tradicionais são insuficientes para tratar dos problemas enfrentados por uma sociedade global em constante e acelerada transformação, mas não parece estar claro como sua tese poderia auxiliar na elaboração de critérios eficientes de combate imediato às mudanças climáticas. Outros autores são menos audaciosos e propõem medidas mais pragmáticas, como por exemplo, a adoção do princípio da precaução viii, que em linhas gerais defende que as incertezas econômicas, científicas e morais com respeito às mudanças climáticas podem chegar a ser extremamente complexas e não constituem nenhum tipo de empecilho para que se comece a prevenir as ameaças já identificadas. Assim, segundo essa corrente, que vem encontrando amplo apoio na comunidade internacional principalmente na justificação da elaboração e adoção de acordos multilaterais sobre redução de emissões e controle dos efeitos do aquecimento global, não devemos esperar por um consenso nessas questões, mas sim concentrar nossos esforços em ações concretas para combater os danos emergentes, já que estes constituem motivação forte o suficiente para agir. Essa posição é atraente, pois ajuda a gerar resultados rápidos e eficientes. No entanto, ela claramente não se propõe a resolver o as questões éticas fundamentais que jazem por trás das ameaças representadas pelas mudanças climáticas. As propostas aqui apresentadas, bem como tantas outras que vêm surgindo no pequeno círculo de teóricos que vêm se dedicando ao tema, merecem ser analisadas a fundo e discutidas com seriedade. É preciso manter vivos os debates que buscam encontrar uma solução ética para a complexa equação de atribuição de responsabilidades por interferências humanas no clima mundial, bem como a definição de critérios justos para o acesso global a um recurso limitado, porém (ainda) indispensável à vida humana.
5 ii ii Ver GARDINER, Stephen M. Ethics and Global Climate Change. Disponível em: iii O protocolo de Kyoto, adotado em 11 de dezembro de 1997, foi uma das primeiras medidas a serem adotadas pela comunidade internacional para a redução das emissões de gases de efeito estufa no período de No entanto, diversos fatores, dentre eles a falta de ratificação por alguns dos principais países emissores como os Estados Unidos, parecem indicar que essas medidas não surtirão os efeitos desejados. iv Peter Singer propõe uma ética ambiental utilitarista não apenas centrada no bem estar do homem, mas em todos os indivíduos capazes de experimentar sensações de prazer ou dor. v A Fair Deal on Climate Change (2007). Disponível em vi KUIAVA, Evaldo Antonio. Responsabilidade como princípio ético em H. Jonas e E. Levinas: uma aproximação. Disponível em vii DALE, Jamieson. Ethics, Public Policy and Global Warming. Disponível em: viii GARDINER, Stephen M. Op. Cit.
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