Avaliação Doppler Ecocardiográfica em Repouso dos Homoenxertos Aórticos Criopreservados em Comparação às Biopróteses sem e com Suporte
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- Márcia de Caminha de Mendonça
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1 A r t i g o O r i g i n a l Avaliação Doppler Ecocardiográfica em Repouso dos Homoenxertos Aórticos Criopreservados em Comparação às Biopróteses sem e com Suporte ISSN Doppler-Echocardiographic Analysis of Cryopreserved Aortic Homografts compared with Stentless and Stented Bioprosthesis at Medium Term Follow-up 1º lugar - Tema Livre Categoria - Poster Adriana Cordovil 1, Orlando Campos Filho 2, Valdir Ambrósio Moisés 3, Luís Roberto Gerola 4, Manuel Adán Gil 5, Claudio Henrique Fischer 6, Lilian Paula de Souza 7, Maria Thaís Porto Vindusek 8, Cristiano Vieira Machado 9, Antonio Carlos de Camargo Carvalho 10, Angelo Amato de Paola 11 Resumo: Homoenxertos criopreservados são uma alternativa de substituto valvar para a posição aórtica, uma vez que seu perfil hemodinâmico se aproxima ao da valva nativa. Recentemente, a criopreservação dos homoenxertos e a sua implantação pela técnica de troca da raiz aórtica com reimplante das artérias coronárias proporcionaram resultados animadores. Nosso objetivo foi analisar por meio de ecocardiografia homoenxertos aórticos criopreservados e compará-los com biopróteses com e sem suporte, em pacientes operados em nosso serviço. Foram avaliados três grupos de pacientes: com homoenxertos (n = 10), com biopróteses sem suporte (n = 9) e com biopróteses com suporte rígido (n = 9) em um período pós-operatório médio de 26 meses. Os resultados foram comparados com um grupo de voluntários normais (n = 15). Os pacientes estavam em ritmo sinusal, tinham fração de ejeção do ventrículo esquerdo dentro dos limites da normalidade, não apresentavam insuficiência mitral importante nem sinais de disfunção protética. Todos tinham áreas de superfície corpórea equivalentes, assim como diâmetros da aorta e do ventrículo esquerdo. O tamanho das próteses aórticas foi similar entre os grupos. Em cada grupo, estudamos os gradientes transprotéticos sistólicos máximo e médio, a área valvar aórtica absoluta e corrigida pela área de superfície corpórea e índice Doppler de velocidade em repouso. Os gradientes aórticos máximos e médios do grupo dos homoenxertos (14,6 ± 9mmHg e 7,3 ± 5,3mmHg) foram significativamente menores do que os gradientes máximos e médios dos grupos das próteses sem suporte (27,9 ± 10,9mmHg e 15,5 ± 6,8mmHg; p < 0,001) e com suporte (27,2 ± 8mmHg e 14,7 ± 5,1mmHg; p = 0,001). Os gradientes máximos e médios obtidos nas valvas aórticas nativas (respectivamente: 6,1 ± 1,6mmHg e 3,0 ± 0,8mmHg) foram significantemente menores do que os dos homoenxertos (p = 0,006) e das próteses sem suporte e com suporte (p < 0,001) em repouso. Os resultados demonstraram que não houve diferença significante entre os grupos dos homoenxertos e o grupo controle quanto às áreas valvares aórticas absolutas (2,1 ± 0,5cm 2 versus 2,7 ± 0,7cm 2 ; p = 0,417) e indexadas (p = 0,08) confirmando a superioridade deste tipo de substituto valvar. Biopróteses sem e com suporte apresentaram áreas valvares aórticas significantemente menores (respectivamente: 1,4 ± 0,3cm 2 e 1,4 ± 0,4cm 2 ; p = 0,001) do que os homoenxertos, mesmo quando corrigidas pela área de superfície corpórea (p = 0,002 e p < 0,001). Os índices Doppler de velocidade estiveram dentro dos limites da normalidade em todos os grupos, mas foram maiores no grupo controle do que nos grupos das próteses (p < 0,001). Nossos dados sugerem que os homoenxertos aórticos criopreservados têm comportamento hemodinâmico significantemente superior quando comparados com as próteses sem suporte e com suporte rígido, demonstrando um perfil mais fisiológico. Essa vantagem pode ser atribuída à própria natureza dos homoenxertos, que proporciona área valvar maior em comparação às biopróteses heterólogas. Descritores: Ecocardiografia, Biopróteses, Stents Summary: Aortic valve replacement with cryopreserved human aortic homografts is an attractive alternative to the implantation of stented bioprosthesis, as a near-normal anatomy can be restored. The aim of this study was to evaluate cryopreserved aortic homografts compared to stentless and Instituição: xxxx Correspondência: Av. Padre Pereira de Andrade, apto bloco D CEP acordovil@cardiol.br Recebido em:10/09/ Aceito em 17/09/ Doutora em Medicina, Médica Assistente dos Setores de Ecocardiografia da Unifesp- EPM e do Hospital Albert Einstein; Responsável pelo setor de Ecocardiografia sob Estresse do Hospital Ana Costa (Santos). 2 Doutor em Medicina, Professor Adjunto e chefe do Setor de Ecocardiografia da Disciplina de Cardiologia do Departamento de Medicina da Unifesp-EPM; Responsável pelo Setor de Ecocardiografia do Hospital Sírio-Libanês. 3 Doutor em Medicina, chefe do Setor de Valvopatias da Disciplina de Cardiologia do Departamento de Medicina da Unifesp-EPM; Responsável pelo Setor de Ecocardiografia do Laboratório Fleury. 4 Doutor em Medicina, Professor Adjunto da Disciplina de Cirurgia Cardiovascular do Departamento de Cirurgia da Unifesp-EPM. 5 Médico Assistente da Disciplina de Cardiologia da Unifesp-EPM e Diretor do Centro de Cardiologia Não-Invasiva-OMNI; chefe do Setor de Ecocardiografia sob Estresse da Unifesp-EPM. 6 Doutor em Medicina; Responsável pelo Setor de Ecocardiografia da Unifesp-EPM (adultos e transesofágico); responsável pelo Setor de Ecocardiografia do Hospital Albert Einstein. 7 Médica da Pós-Graduação em Medicina da Unifesp-EPM; assistente do Setor de Ecocardiografia da Unifesp-EPM. 8 Médica da Pós-Graduação em Medicina da Unifesp-EPM; assistente do Setor de Ecocardiografia da Unifesp-EPM e dos Hospitais Brasil (Santo André) e Ana Costa (Santos). 9 Doutor em Medicina; médico assistente dos Setores de Ecocardiografia da Unifesp-EPM e do laboratório Fleury. 10 Professor Titular Livre-Docente da Disciplina de Cardiologia do Departamento de Medicina da Unifesp- EPM. 11 Professor Titular Livre-Docente e chefe da Disciplina de Cardiologia do Departamento de Medicina da Unifesp-EPM. 37
2 stended aortic bioprosthesis, with echocardiography at rest at midterm follow up. Echocardiography at rest was performed in 28 patients who had undergone aortic valve replacement with cryopreserved aortic homografts (n = 10), stentless (n = 9), or stented bioprosthesis (n = 9), at a mean postoperative period of 26 months. Fifteen healthy volunteers were used as a control group. All patients had normal left ventricular ejection fraction; no one had arrythmias or more than moderate aortic/mitral regurgitation. All groups exhibited similar body surface area as well as left ventricular and aortic root diastolic diameters. Aortic prosthesis had equivalent size. In each group, we studied maximum and mean systolic transaortic valve pressure gradients, Doppler velocities index (left outflow tract velocity/transaortic velocity), effective aortic area and effective aortic area index (corrected by body surface area), using echocardiography at rest. Data were expressed as mean ± SD and compared using analysis of variance for repeated measures (Kruskall-Wallis, Anova). Values of p < 0.05 were considered significant. Although subjects of control group and patients with homografts were significantly younger (p < 0.05) than those with stented or stentless prosthesis, there were no significant differences between the groups. Maximum and mean systolic aortic pressure gradients of homografts (14.6 ± 9mmHg and 7.3 ± 5.3mmHg) were significantly lower than those of stentless (27.9 ± 10.9mmHg and 15.5 ± 6.8mmHg; p < 0.001) and stented bioprosthesis (27.2 ± 8mmHg and 14.7 ± 5.1mmHg; p = 0.001). Native aortic valve had significant lower maximal and mean systolic aortic gradients than aortic homografts (p = 0.006), stentless and stented bioprosthesis (p < 0.001) at rest (respectivelly: 6.1 ± 1.6mmHg and 3.0 ± 0.8mmHg). Effective absolute aortic valve area was similar in patients with homografts and control group (2.1 ± 0.5cm 2 versus 2.7 ± 0.7cm 2 ; p = 0.417), as well as indexed aortic valve area (p = 0.08). Stentless and stented groups had aortic valve areas significantly smaller (respectivelly: 1.4 ± 0.3cm 2 and 1.4 ± 0.4cm 2 ; p = 0,001) than homograft group, even when corrected for body surface area (p = and p < 0.001). Doppler velocities index was lower for control group than bioprosthesis groups (p < 0.001). Overall, there were a good inverse relationship between the indexed valve area and the maximum and mean gradients at rest (respectivelly: and -0,76).Our data suggest that cryopreserved aortic homografts provide significantly superior hemodynamic performance at rest as compared to stentless and stented aortic prosthesis, exhibiting a more physiological functional profile than their counterparts. Descriptors: Echocardiography, Bioprosthesis, Stents. INTRODUÇÃO As primeiras tentativas de correção cirúrgica das valvopatias ocorreram no início do século XX e visavam a preservação das valvas nativas. Somente em 1956 Murray substituiu uma valva aórtica estenosada por um segmento valvar aórtico de cadáver, o que constituiu o primeiro implante de homoenxerto ou enxerto valvar humano 1. A partir deste momento os homoenxertos passaram a ser utilizados como substitutos naturais das valvas doentes. Entretanto, devido a problemas técnicos na preservação dos mesmos, que provocavam rejeição e de implantação que causavam regurgitação valvar 2,3 além do advento das próteses mecânicas e biológicas, os homoenxertos foram preteridos mas não totalmente abandonados. Somente na década de 80 o implante de homoenxertos foi retomado com mais intensidade após a criação e aperfeiçoamento de um novo método de preservação, a criopreservação, que consiste no congelamento dos enxertos a 150 graus Celsius negativos garantindo viabilidade de no mínimo 50% dos fibroblastos que compõem o tecido de sustentação valvar 4. Além disso, houve mudanças na técnica cirúrgica de implantação e atualmente, apesar de mais elaborada, utiliza-se a técnica da troca da raiz e reimplantação das artérias coronárias com resultados satisfatórios 5,6,7 (Figura 1). No Brasil, em 1973, Buffolo estudou homoenxertos na posição aórtica e mitral e não obteve bons resultados devido aos suportes rígidos nos quais os mesmos eram montados e à técnica de preservação utilizada 8. Recentemente, em Curitiba, da Costa e sua equipe montaram um banco de homoenxertos criopreservados que têm fornecido material para 18 centros brasileiros 9, entre eles a Unifesp-EPM que entre o ano de 2000 e 2003 Unifesp-EPM utilizou esse material. Diante da experiência da equipe cirúrgica de nossa instituição e da ausência de trabalhos nacionais publicados até então, nós nos propusemos a avaliar pela ecocardiografia o perfil hemodinâmico em repouso de homoenxertos aórticos criopreservados em pacientes assintomáticos, no período pós-operatório tardio, comparando-o com o perfil de pacientes com biopróteses aórticas sem e com suporte rígido, em condições clínicas semelhantes. MATERIAL E MÉTODO Foram estudados pacientes com história prévia de valvopatia aórtica operados com substituição da valva nativa por homoenxertos criopreservados (n=10), biopróteses heterólogas de pericárdio bovino sem suporte (stentless) (n=9) ou por biopróteses heterólogas porcinas com suporte rígido (n=9) entre janeiro de 2000 e maio de 2003, além de um grupo controle de voluntários sadios normais (n=15). Todos os pacientes estavam em condição clínica 38
3 Figura 1. À esquerda, fotografia de homoenxerto aórtico criopreservado obtida no campo cirúrgico momentos antes da implantação; à direita, esquema ilustrativo da técnica cirúrgica utilizada : troca da raiz aórtica com reimplante das artérias coronárias. estável, em ritmo sinusal, com fração de ejeção ao ecocardiograma de repouso > 0,55 pelo método área-comprimento e não tinham sinais clínicos ou ecocardiográficos de disfunção protética. As características clínicas e demográficas avaliadas nos grupos foram idade, sexo, peso, altura, área de superfície corpórea, lesão valvar pré-operatória, etiologia da lesão valvar, classes funcionais pré e pós-operatórias, presença de hipertensão e diabetes mellitus, tamanho das próteses utilizadas, tempo de acompanhamento entre a cirurgia e o exame ecocardiográfico e medicamentos utilizados pelos pacientes. Utilizamos ecocardiógrafos da marca ATL-Philips modelos HDI 3500 e HDI 5000 com transdutor transtorácico multifrequencial P4-2 MHz. A obtenção e aferição das variáveis ecocardiográficas seguiram as recomendações da Sociedade Americana de Ecocardiografia 10. Foram obtidas medidas convencionais da raiz aórtica, aorta ascendente, ventrículo esquerdo, via de saída do ventrículo esquedo, espessura miocárdica, índice de massa do VE, fração de ejeção do VE, velocidade na via de saída do VE, gradientes sistólios máximos e médios, índice Doppler de velocidade (relação entre a velocidade sistólica máxima na VSVE e a velocidade transvalvar aórtica). O valor normal deste índice para próteses normofuncionantes varia de 0,35 a 0,50 11 e todos os pacientes com próteses apresentavam índices dentro da normalidade. O tempo transcorrido entre a cirurgia e a realização dos exames em todos os pacientes dos diversos grupos estudados variou de 4 a 70 meses, com média de 25,6 meses. Esse intervalo médio de tempo foi similar em todos os grupos (p = 0,703). RESULTADOS Características Demográficas e Clínicas As características demográficas e clínicas dos grupos estão listadas na Tabela 1. A análise estatística revelou que as idades médias dos grupos com biopróteses stentless e com suporte foram significativamente maiores do que a idade média do grupo com homoenxertos. Predominaram pacientes do sexo masculino em todos os grupos, 39
4 Homoenxerto (HC) Stentless (SS) Com Suporte (CS) Grupo Controle (GC) Valor de p Número de Pacientes (N) N = 10 N = 9 N = 9 N = Idade (Anos) 42,8 ± 14,5 65,8 ± 14,5 68,2 ± 9,8 54,9 ± 21,0 0,006 (a) SEXO Masculino N(%) 8 (80%) 6 (66,7%) 6 (66,7%) 9 (60%) Feminino N(%) 2 (20%) 3 (33,3%) 3 (33,3%) 6 (40%) NS Peso (Kg) 64,3 ± 10,8 65,8 ± 17,6 71,7 ± 12,6 69,9 ± 9,7 NS Altura (cm) 162,8 ± 6,0 167,6 ± 11,2 167,4 ± 8,7 168,1 ± 8,8 NS ASC (m²) 1,8 ± 0,2 1,8 ± 0,2 1,9 ± 0,2 1,8 ± 0,2 NS HAS (%) 3 (30%) 7 (77,8%) 6 (66,7%) <0,001 (a) DM (%) 1 (10%) 2 (22,2%) 2 (22,2%) NS LESÃO VALVAR AÓRTICA EAo N(%) 4 (40,0%) 9 (100,0%) 4 (50,0%) IAo N(%) 5 (50,0%) (25,0%) ,04(b) DLAo N(%) 1 (10,0%) (25,0%) ETIOLOGIA Reumática N(%) 5 (50,0%) 1 (11,1%) Congênita N(%) 1 (10,0%) Degenerativa N(%) 2 (20,0%) 8 (88,9%) 9 (100,0%) ,010 (c) Endocardite N(%) 2 (20,0%) TEMPO (Meses) 22,1 ± 7,2 21,1 ± 12,3 34,1 ± 27, NS Tabela 1. Características demográficas e clínicas dos grupos Legenda: HC =homoenxertos, SS = biopróteses sem suporte ( stentless ), CS = biopróteses com suporte, GC = grupo controle, ASC = área de superfície corpórea, HAS = hipertensão arterial sistêmica, DM = Diabetes mellitus, EAo = estenose aórtica, IAo = insuficiência aórtica, DLAo = dupla lesão aórtica, ΔTEMPO = tempo transcorrido entre a cirurgia e o ecocardiograma, NS = não significativo. Valores expressos em média ± 1 desvio-padrão (X ± 1dp) ou em freqüência (%). a) HC < SS e CS (p < 0,05) b) Há mais pacientes com estenose aórtica predominante no grupo das próteses sem suporte (p = 0,04) c) Etiologia degenerativa mais freqüente em SS, CS; etiologias reumática, congênita e endocardite mais freqüentes em HC (p = 0,001) sem diferença estatística entre eles. Também não houve diferença estatística entre os grupos quanto ao peso, à altura, e à área de superfície corpórea. Houve um número significantemente maior de pacientes hipertensos nos grupos com biopróteses stentless e com suporte em relação ao grupo com homoenxertos, provavelmente devido também à sua maior faixa etária. Não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos em relação à presença de diabetes mellitus. Em relação à lesão valvar pré-operatória, houve maior número de pacientes com estenose aórtica (EAo) predominante no grupo das próteses sem suporte (p < 0,04). Não houve diferença na distribuição dos tipos de disfunção valvar aórtica entre os grupos de próteses com suporte e de homoenxertos. Quanto à etiologia da lesão valvar pré-operatória, houve uma proporção significantemente maior de pacientes com valvopatia de origem degenerativa no grupo com biopróteses com suporte - provavelmente devido à sua maior faixa etária 40
5 - enquanto o grupo de pacientes com homoenxertos apresentou maior freqüência de etiologia reumática, congênita e endocardite (p < 0,05). Não houve diferenças significantes entre os grupos de pacientes com próteses aórticas quanto à classe funcional da NYHA pré-operatória, e houve melhora significativa da classe funcional após a cirurgia em todos os grupos de próteses. O grupo com homoenxertos apresentou maior número de pacientes com próteses menores, principalmente com o número 22 (p = 0,011). Porém, esta diferença não foi observada quando o tamanho da prótese foi corrigido pela área de superfície corpórea (p = 0,521). Também não houve diferença entre os grupos quanto ao tipo de medicamento utilizado pelos pacientes (p = 0,948), incluindo inibidores de enzima de conversão da angiotensina, diuréticos, digital e betabloqueadores. DADOS HEMODINÂMICOS E ECOCARDIOGRÁFICOS AO REPOUSO Do ponto de vista anatômico, o aspecto ecocardiográfico estrutural dos homoenxertos da presente série reproduziu os dados já colocados na literatura 11 (Figura 2). Os diâmetros da raiz aórtica, da aorta ascendente, da via de saída do ventrículo esquerdo e do ventrículo esquerdo não foram significantemente diferentes entre os grupos das próteses e o grupo controle. Por outro lado, o grupo das biopróteses com suporte apresentou o índice de massa ventricular esquerda significativamente maior do que o índice de massa do grupo controle (p = 0,028). Os demais grupos não diferiram entre si em relação a esta variável. Os valores médios da fração de ejeção não diferiram de forma significante entre os pacientes com próteses e indivíduos normais (p = 0,567). Figura 2 - Aspecto das próteses aórticas e da valva aórtica nativa no plano paraesternal longitudinal, ao ecocardiograma bidimensional. Observam-se semelhanças entre a valva nativa (canto superior esquerdo) e o homoenxerto criopreservado (canto superior direito). Nos cantos inferiores esquerdo e direito, exemplos de biopróteses sem e com suporte, respectivamente. 41
6 Observou-se que, dos 28 pacientes com próteses, apenas seis não apresentaram refluxo protético. Refluxos protéticos mínimos ou leves ocorreram de forma proporcional nos 22 pacientes dos três grupos (p = 0,651). Não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos quanto à freqüência cardíaca e às pressões arteriais sistólica e diastólica. Os gradientes transaórticos sistólicos máximos em repouso dos pacientes do grupo com homoenxertos (14,6 ± 9,0mmHg) foram significantemente menores do que os dos grupos das biopróteses stentless (27,9 ± 10,9mmHg; p:<0,001) e do grupo com biopróteses com suporte (27,2 ± 8,0mmHg; p = 0,001). Não houve diferenças significantes nos valores desta variável entre os grupos de bioprótese stentless e com suporte (p = 0,935). Todas as próteses estudadas apresentaram gradientes máximos em repouso significantemente maiores que os do grupo controle (6,1 ± 1,6mmHg; p = 0,006 HC vs GC; p < 0,001 SS vs GC; p < 0,001 CP vs GC) (Gráfico 1). O mesmo foi observado com os gradientes transaórticos sistólicos médios em repouso nos diferentes grupos estudados, ou seja, os valores médios desta variável no grupo HC (7,3 ± 5,3mmHg) foram significantemente menores do que aqueles dos grupos SS (15,5 ± 6,8mmHg; p < 0,001) e CS (14,7 ± 5,1mmHg; p= 0,001), que por sua vez não diferiram entre si (p= 0,683). Da mesma forma como ocorreu com os gradientes máximos, os valores dos gradientes transaórticos médios em repouso das próteses estudadas foram significantemente maiores do que os do grupo controle (3,0 ± 0,8mmHg; p = 0,023 HC vs GC; p < 0,001 SS vs GC; p < 0,001 CS vs GC). Os valores absolutos das áreas valvares dos homoenxertos em repouso (2,1 + 0,5 cm2) não diferiram de forma significante dos valores do grupo controle (2,7 ± 0,7cm2; p= 0,417) mas foram significantemente superiores aos valores das áreas das próteses stentless (1,4 ± 0,3cm 2 ; p = 0,001) e das biopróteses com suporte (1,4 ± 0,4cm2; p= 0,001). As áreas valvares dos grupos das Gráfico 1: Demonstração dos gradientes transvalvares aórticos máximos e médios (média e desvio-padrão) obtidos ao ecocardiograma em repouso de voluntários normais do grupo controle (GC), de pacientes com homoenxertos criopreservados (HC), próteses biológicas heterólogas sem suporte (SS) e com suporte (CS). Os gradientes transvalvares dos pacientes com próteses com e sem suporte não diferiram entre si e foram significativamente maiores do que os gradientes dos grupos controle e com homoenxertos. 42
7 Gráfico 2: Demonstração das áreas valvares aórticas indexadas pelas áreas de superfície corpórea (médias) dos grupos controle, com homoenxertos, com próteses sem (SS) e com suporte (CS). Observam-se áreas significativamente menores nos grupos de próteses sem e com suporte em comparação às áreas dos grupos controle e de homoenxertos, que foram maiores e não diferiram entre si. biopróteses stentless e com suporte não diferiram entre si (p = 0,948 ), mas foram significantemente menores do que as áreas do grupo controle (p < 0,001) (Gráfico 2). As áreas valvares aórticas dos homoenxertos, corrigidas pela superfície corpórea, também não diferiram de forma significante das áreas do grupo controle (p = 0,082). Os valores das áreas das biopróteses tipo stentless e com suporte novamente foram semelhantes (p = 1,000) mas foram significantemente menores do que as áreas dos homoenxertos (p = 0,002), e do grupo controle (p < 0,001). DISCUSSÃO Devido aos critérios de elegibilidade houve exclusão de muitos pacientes resultando em subgrupos pequenos, porém similares em vários aspectos clínicos e demográficos, como sexo, peso, altura, área de superfície corpórea, presença de diabetes mellitus, classe funcionais pré e pósoperatórias e intervalo de tempo entre a cirurgia e a realização do exame. Observaram-se diferenças entre os grupos de próteses quanto à idade, à prevalência de hipertensão arterial e ao tipo de lesão valvar e sua etiologia. Apesar da inclusão de pacientes acima de 60 e abaixo de 50 anos em todos os grupos, a idade média foi maior nos grupos com próteses com e sem suporte (CS e SS). Hipertensão arterial e origem degenerativa da lesão valvar aórtica também foram mais freqüentes nestes grupos, provavelmente por estarem relacionadas à maior idade. Lesões valvares de origem congênita, reumática e complicadas por endocardite, distribuíram-se mais freqüentemente no grupo dos homoenxertos (HC), de faixa etária menor. Esse fato ocorreu, provavelmente, devido aos próprios critérios de indicação adotados pelos cirurgiões, que utilizam homoenxertos para pacientes mais jovens ou complicados com endocardite infecciosa, pois seriam mais beneficiados por esta técnica. A possibilidade de disfunção de prótese foi afastada pelos critérios de elegibilidade adotados. Não existe um consenso sobre valores de normalidade de gradientes obtidos em todos os tamanhos e 43
8 tipos de próteses aórticas, já que este parâmetro hemodinâmico varia na dependência de diversas condições. Entretanto, determinamos um limite máximo tolerável para os gradientes transprotéticos, cujo valor corresponde ao mais alto encontrado em biopróteses normofuncionantes, como descrito em metanálise recente 12. Além disso, o índice Doppler de velocidade foi equivalente nos diferentes tipos de prótese estudados, cujos valores individuais se situaram na faixa entre 0,35 e 0,50, o que torna pouco provável a existência de disfunção do tipo estenose nestes pacientes, segundo Otto 11. Uma vez que gradientes sistólicos transaórticos são dependentes das condições de fluxo valvar, foi preciso utilizar um critério fundamental de inclusão, constituído pela função sistólica global do ventrículo esquerdo preservada em repouso em todos os pacientes envolvidos no estudo. Este aspecto nem sempre foi observado ou explicitado em estudos similares 14,15. Em relação ao tipo de lesão valvar aórtica pré-operatória, observou-se uma predominância de estenose aórtica pura no grupo de próteses sem suporte, que, contudo, não implicou na necessidade de próteses de menor tamanho. Os demais tipos de lesão (insuficiência pura ou dupla lesão) distribuíram-se de maneira proporcional nos pacientes dos grupos com HC e CS. Teoricamente, o tipo de lesão valvar pré-operatória não determina o comportamento hemodinâmico da prótese que deverá substituí-la. Entretanto, o tamanho do anel valvar aórtico do receptor, e às vezes, a presença de dilatação da raiz aórtica e da aorta ascendente, podem exercer influência sobre a hemodinâmica do substituto valvar. Apesar das semelhanças cardíacas estruturais entre os grupos, próteses de menor tamanho predominaram entre os pacientes que receberam homoenxertos. Este fato se justifica porque a escolha das próteses fabricadas (com e sem suporte), se baseia no diâmetro externo das mesmas, expresso em milímetros. Por outro lado, determina-se a escolha do tamanho do homoenxerto pela medida do diâmetro interno do anel valvar do paciente, em média 2mm menor do que o externo 13. Assim sendo, homoenxertos número 22, por exemplo, equivalem à biopróteses (com e sem suporte) número 24, o que explica a igualdade entre os grupos. Ademais, essa equivalência foi reconfirmada pelos nossos dados, quando corrigimos o número da próteses pela área de superfície corpórea e não encontramos diferença estatística entre eles. No nosso estudo, o índice de massa do ventrículo esquerdo, foi equivalente entre os grupos das próteses, porém foi significante maior no grupo das próteses com suporte do que no grupo controle. Fato semelhante já havia sido observado em outros estudos que descreveram maior regressão Gráfico 3: Correlação entre gradientes máximos em repouso e áreas valvares aórticas corrigidas pela área de superfície corpórea, incluindo todos os grupos. Coeficiente de correlação negativa de 0,
9 da massa ventricular esquerda após cirurgia de implante de homoenxertos aórticos ou próteses sem suporte, quando comparados com pacientes com próteses com suporte, sugerindo um possível comportamento hemodinâmico restritivo deste tipo de substituto valvar Nossos dados evidenciam o melhor perfil hemodinâmico dos homoenxertos aórticos criopreservados comparados às outras próteses estudadas. Valores de gradientes máximos e médios de homoenxertos aórticos superponíveis aos nossos também foram descritos em outros estudos,que entretanto, não se valeram de um grupo controle de indivíduos normais como referência 12-14;16. Para uma função sistólica ventricular esquerda similar e tempo médio de acompanhamento equivalente, as áreas valvares dos homoenxertos da presente série, tanto em valores absolutos quanto corrigidos pela superfície corpórea, foram maiores do que as áreas valvares das próteses com e sem suporte. A prótese ideal deve apresentar área valvar aórtica indexada maior ou igual a 0,9cm 2 /m 20. Observamos que apenas o grupo dos homoenxertos tinha o índice ideal (1,2 ± 0,2cm 2 /m 2 ), semelhante ao perfil das valvas nativas estudadas (1,4 ± 0,3 cm 2 /m 2 ). Nossos resultados demonstraram perfil menos adequado das próteses sem suporte em relação aos dados de literatura. A maior parte dos estudos publicados tem relatado ótima performance das mesmas, enfatizando que o seu desenho, e justamente a ausência do suporte, favorecem sua hemodinâmica em relação às biopróteses com suporte rígido 21,22. Entretanto, o comportamento de próteses do mesmo tipo pode variar de acordo com o fabricante. Estudo recente demonstrou, por meio de uma metanálise, registros de gradientes transprotéticos para alguns tipos de próteses sem suporte tão altos quanto os obtidos em próteses com suporte 12. Da mesma forma, nossos resultados também revelaram gradientes de próteses sem suporte significativamente maiores do que os gradientes obtidos nas valvas nativas e homoenxertos e similares aos gradientes das valvas com suporte. Uma das prováveis justificativas pode estar relacionada à procedência destas próteses, diferente da relatada na maioria dos estudos publicados. Outra possível causa para esta discrepância deve-se ao fato de que nos primeiros dois anos de implantação das próteses sem suporte, os gradientes podem estar altos, ocorrendo queda gradativa após este período.talvez, com um maior número de pacientes, seja possível observarmos melhor perfil hemodinâmico das próteses heterólogas sem suporte em relação ao perfil das próteses com suporte. Como esperado, nenhum dos grupos de próteses estudadas teve a média do índice Doppler de velocidade indicativa de disfunção do tipo estenose (<0,35). Entretanto, melhores índices foram encontrados no grupo dos homoenxertos, reforçando seu bom desempenho. Nossa análise em repouso reitera a semelhança funcional já descrita entre as valvas nativas e os homoenxertos aórticos, e evidencia a sua superioridade em relação às outras próteses 11. Segundo Lund et al. 23 a ausência de suporte valvar e a preservação da integridade da junção sinotubular, garantem adequado fluxo sangüíneo através da raiz aórtica, nos seios de Valsalva e óstios coronarianos, diminuindo a incidência de refluxo e a geração de gradiente através da valva. Esses resultados, a longo prazo, podem determinar uma evolução clínica mais favorável para os pacientes com homoenxertos, resultante da menor repercussão hemodinâmica sobre o ventrículo esquerdo. CONCLUSÃO Na presente série, os pacientes com homoenxertos aórticos criopreservados apresentaram perfil hemodinâmico em repouso superior àqueles com biopróteses sem suporte (stentless) e com suporte, avaliados por ecocardiografia convencional no período pós-operatório tardio médio de dois anos. 45
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 01. Murray G. Homologous aortic-valve-segment transplants as surgical treatment for aortic and mitral insufficiency. Angiology 1956;7: Ross DN. Homograft replacement of the aortic valve. Lancet 1962;2: Barrat-Boyes BG. Homograft aortic valve replacement in aortic incompetence and stenosis. Thorax 1964; 19: Gall K, Smith S, Willmette C, O Brien MF. Allograft heart valve viability: a quantitative assessment of the effects of valve processing on fibroblast viability and valve processing variables. Ann Thorac Surg 1998;65: Willems T, Takkenberg J, Steyerberg E, Kleyburg-Linkers V, Roelandt J, Bos E, et al. Human Tissue Valves in aortic position: determinants of reoperation and valve regurgitation. Circulation, 2001;103: O Brien MF, Harrocks S, Stafford EG, Gardner MA, Pohlner PG, Tesar PJ, et al. The homograft aortic valve: a 29-year, 99.3% follow-up of valve replacements. J Heart Valve Dis 2001;10: Palka P, Harrocks S, Lange A, Burstow DJ, O Brien MF. Primary aortic valve replacement with cryopreserved aortic allograft: an echocardiographic follow-up study of 570 patients. Circulation, 2002;105: Buffolo E. Substituição da valva aórtica ou mitral por valva aórtica homóloga montada em suporte. [tese de doutorado]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina; Da Costa FD, Da Costa MB, Da Costa IA, Poffo R, Sardeto EA, Matte E. Clinical experience with heart valve homografts in Brazil. Artif Organs 2001;25: Quiñones MA, Otto CM, Stoddard M, Waggoner A, Zoghbi W. Recommendations for quantification of Doppler echocardiography: a report from the Doppler quantification task force of the nomenclature and standards commitee of the American Society of Echocardiography. J Am Soc Echocardiogr 2002;15: Otto CM. Echocardiographic evaluation of prosthetic value dysfunction. In: Textbook of clinical echocardiography 2nd ed. Philadelphia: Saunders Company p Rosenhek R, Binder T, Maurer G, Baumgartner H. Normal values for Doppler echocardiographic assessment of heart valve prostheses. J Am Soc Echocardiogr, 2003; 16: Jaffe WM, Coverdale A, Roche AHG, Brandt PWT, Ormiston JA, Barrat-Boyes MB. Doppler echocardiography in the assessment of the homograft aortic valve. Am J Cardiol,1989;63: Naegele H, Bohlmann M, Doring V, Kalmar P, Rodiger W. Results of aortic valve replacement with pulmonary and aortic homografts. J Heart Valve Dis 2000; 9: Eriksson MJ, Rosfors S, Radegran K, Brodin L. Effects of exercise on Doppler-derived pressure difference, valve resistance, and effective orifice area in different aortic valve prostheses of similar size. Am J Cardiol 1999;83:619-22,A Byrne JG, Karavas AN, Mihaljevic T, Rawn JD, Aranki SF, Cohn LH. Role of the cryopreserved homograft in isolated elective aortic valve replacement. Am J Cardiol, 2003; 91: Jin XY, Zhang ZM, Gibson DG, Yacoub MH, Pepper JR. Effects of valve substitute on changes in left ventricular function and hypertrophy after aortic valve replacement. Ann Thorac Surg, 1996;62: Aklog L, Carr-White GS, Birks EJ, Yacoub MH. Pulmonary autograft versus aortic homograft for aortic valve replacement: interim results from a prospective randomized study. J Heart Valve Dis., 2000;9: Basarir S, Islamoglu F, Ozkisacik E, Atay Y, Boga M, Bakalim T, et al. Comparative analysis of left ventricular hemodynamics and hypertrophy after aortic valve replacement with homografts or mechanic valves. J Heart Valve Dis 2000;9: Dumesnill JG, Honos GN, Lemieux M, Beauchemin J. Validation and applications of indexed aortic prosthetic valve areas calculated by Doppler echocardiography. J Am Coll Cardiol 1990;16: Bonacchi M, Giunti G, Prifti E, Rostagno C, Bini M, Frati G, et al. Early posoperative outcome and hemodynamic performance of the sorin pericarbon stentless aortic valve. J Heart Valve Dis, 2002;11: Dellgren G, Eriksson MJ, Brodin LA, Radegran K. Eleven years experience with the Biocor stentless aortic bioprosthesis: clinical and hemodynamic follow-up with long-term relative survival rate. Eur J Cardiothorac Surg, 2002;22: Lund O, Emmertsen K, Nielsen TT, Jensen FT, Pilegaard HK. Impact of size mismatch and left ventricular function on performance of the St Jude disc valve after aortic valve replacement. Ann Thorac Surg, 1997;63:
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