TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de, em que é apelante FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelada IZABEL MARIA DE ANDRADE MURAT BURBRIDGE. ACORDAM, em 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ALIENDE RIBEIRO (Presidente sem voto), DANILO PANIZZA E RUBENS RIHL., 5 de abril de MARCOS PIMENTEL TAMASSIA RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Apelação nº Apelante: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelado: Izabel Maria de Andrade Murat Burbridge Interessado: Chefe do Posto Fiscal da Capital - Pfc 11 - Tatuapé Comarca: Voto nº 1786 Julgador de Primeiro Grau: Simone Gomes Rodrigues Casoretti APELAÇÃO Mandado de Segurança Interposição do reexame necessário ex officio Artigo 14, caput e 1º, da Lei Federal nº 12016/09 Lei do Mandado de Segurança ITCMD Base de cálculo Determinação legal de que não poderá ser inferior ao IPTU Artigo 13, caput e inciso I, da Lei Estadual nº 10705/00 Recurso manejado para a manutenção da exigência fiscal, que adotou a base de cálculo do ITBI, com arrimo no Decreto Estadual nº 55002/09 Impossibilidade Majoração indireta de tributo que reclama a edição de lei específica Princípio da Legalidade Artigo 150, caput e inciso I, da Constituição Federal Artigo 97, caput, inciso II e 1º, do Código Tributário Nacional CTN Precedentes desta Corte de Justiça Sentença mantida Reexame oficial e recurso voluntário não providos. Vistos. Trata-se de apelação tempestiva (fls. 160/181) interposta pela FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO contra a r. sentença (fls. 153/157), prolatada nos autos de MANDADO DE SEGURANÇA, impetrado por IZABEL MARIA DE ANDRADE MURAT BURBRIDGE contra ato reputado ilegal do CHEFE DO POSTO FISCAL DA CAPITAL PFC 11 - TATUAPÉ, que concedeu a segurança pleiteada sob o fundamento de que a Lei Estadual nº /2000 estabelece que a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem ou direito transmitido artigo 9º, caput considerado como tal o valor de mercado na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação parágrafo 1º, percebe-se que o valor venal de referência do ITBI não pode ser utilizado porque (1) constitui majoração da base de cálculo do ITCMD pois esse valor venal de referência ultrapassa o valor venal do IPTU e também, via de regra, o valor de marcado e (2) sua utilização não foi prevista na Lei, mas tão somente em Decreto. (fls. 156). Inconformada a apelante ofertou suas razões recursais (fls. 160/181) aduzindo a possibilidade de utilização do valor venal do ITBI como base de cálculo à apuração do ITCMD, tendo-se em vista a sua maior proximidade com o valor real do bem tributado. Argumentou, nessa senda, que o Decreto Estadual nº 55002/09 é hígido, vez que não importa em majoração de tributo, mas, Apelação nº Voto nº

3 apenas, regulamenta e alumia o seu caráter material, obtemperando a previsão do artigo 155, caput e inciso I, da Constituição Federal. Daí a tese de legalidade na utilização do valor venal de referencia do ITBI, para os fins de apuração do quantum do ITCMD. Nestes termos pugnou pela reforma da r. sentença (fls. 153/157), invertendo-se o julgado. O recurso foi recebido no efeito devolutivo (fls. 183), sendo processado com contrarrazões (fls. 186/197). O Ministério Público se manifestou sem exarar parecer (fls. 151/152). Os autos foram originalmente remetidos à 14ª Câmara de Direito Público (fls. 198), declinando-se a competência a esta Câmara, em razão da matéria, nos termos do artigo 3º, caput e inciso I, da Resolução nº 623/13 do Órgão Especial desta Corte de Justiça (fls. 199/200). Há isenção de preparo. É o relatório. DECIDO. Desde logo interponho ex officio o reexame necessário, nos termos do artigo 14, caput e 1º 1, da Lei Federal nº 12016/09 Lei do Mandado de Segurança. Trata-se de reexame necessário e apelação (fls. 160/181) interpostos contra a r. sentença (fls. 153/157) que concedeu a segurança pleiteada sob o fundamento de que a Lei Estadual nº /2000 estabelece que a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem ou direito transmitido artigo 9º, caput considerado como tal o valor de mercado na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação parágrafo 1º, percebese que o valor venal de referência do ITBI não pode ser utilizado porque (1) constitui majoração da base de cálculo do ITCMD pois esse valor venal de referência ultrapassa o valor venal do IPTU e também, via de regra, o valor de marcado e (2) sua utilização não foi prevista na Lei, mas tão somente em Decreto. (fls. 156). Extrai-se dos autos, mormente dos documentos de fls. 30/54, que a controvérsia orbita em torno da base de cálculo aplicável ao Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação ITCMD, previsto no artigo 155, caput e inciso I, da Constituição Federal, e, disciplinado, no plano estadual, pela Lei Estadual nº 10705/00. Pela tese esgrimida pela impetrante (fls. 01/14 e 186/197) e encampada pelo juízo a quo (fls. 152/157) é irregular a utilização dos parâmetros atinentes ao Imposto de Transmissão de Bens Imóveis ITBI para calcular o valor do ITCMD, vez que tal possibilidade está contemplada, exclusivamente, pelo Decreto Estadual nº 55002/09; de outro norte, a apelante argumenta a possibilidade de utilizar os parâmetros do ITBI, vez que melhor representam o valor real do bem 1 Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação. 1º Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição. (Negritei). Apelação nº Voto nº

4 transmitido, bem se acomodando, por conseguinte, à ratio da exação enfocada. Com efeito, chama-se base de cálculo a medida legal da grandeza do fato gerador. Dizemos legal porque só é base de cálculo, dentro das possíveis medidas do fato gerador, aquela que tiver sido eleita pela lei. Se a materialidade do fato gerador é, por exemplo, a importação de mercadorias, poderiam ser arroladas diversas medidas para esse fato: o número de unidades de mercadorias, o peso, a metragem linear, quadrada, ou cúbica, o valor, o preço etc. Porém, só será base de cálculo do tributo a medida que estiver prevista em lei. (AMARO, Luciano in Direito Tributário Brasileiro, 13ª Edição, Editora Saraiva,, 2007, p. 264). (Negritei). Segue-se que a base de cálculo para a apuração do ITCMD deve, necessariamente, estar discriminada na lei, em sentido formal e material, tendo-se em vista a relevância do princípio da legalidade como limitação constitucional ao poder de tributar 2. Neste espectro, vale colacionar o artigo 13, caput e inciso I, da Lei Estadual nº 10705/00: Artigo 13 No caso de imóvel, o valor da base de cálculo não será inferior: I em se tratando de imóvel urbano ou direito a ele relativo, ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU. (Negritei). Assenta-se, pois, que a base de cálculo ao lançamento do ITCMD corresponderá, no mínimo, à fixada, no seio da legislação municipal, para fins de incidência do IPTU. É dizer: à míngua de edição de legislação estadual específica, que fixe especificamente a base de cálculo à exação estadual enfocada, aplicar-se-á a base de cálculo adotada ao aludido tributo municipal. Encarta, pois, norma que não discrimina a base de cálculo, mas, ao revés, estabelece exclusivamente a sua menor extensão. Daí a ilegalidade da expansão da base de cálculo do ITCMD, nos termos preconizados pelo artigo 16, caput, parágrafo único, 2, do Decreto Estadual nº 46655/02, coma redação dada pelo Decreto Estadual nº 55002/09, ao estabelecer que poderá ser adotado, em se tratando de imóvel urbano, o valor venal de referência do Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis ITBI divulgado ou utilizado pelo município, vigente à data da ocorrência 2 Vale transcrever a percuciente lição de Luciano Amaro, in verbis: Quando se fala em reserva de lei para a disciplina do tributo, está-se a reclamar lei material e lei formal. A legalidade tributaria não se contenta com a simples existência de comando abstrato, geral e impessoal (lei material), com base em que sejam valorizados os fatos concretos. A segurança jurídica requer lei formal, ou seja, exige-se que aquele comando, além de abstrato, geral e impessoal (reserva de lei material), seja formulado por órgão titular de função legislativa (reserva de lei formal). (in Direito Tributário Brasileiro, 13ª Edição, Editora Saraiva,, 2007, p. 116). Apelação nº Voto nº

5 do fato gerador, nos termos da respectiva legislação. (Negritei). Com efeito, equipara-se à majoração de tributo a modificação de sua base de cálculo que importe em torná-lo mais oneroso (CTN, art. 97, 1º), porque a majoração de tributo pode ocorrer de forma direta ou indireta. A majoração direta ocorre quando a lei altera a alíquota do tributo, passando-a, por exemplo, de 10% para 15%. A majoração indireta se dá quando se mantém inalterada a alíquota mas modifica-se a sua base de cálculo do tributo para torná-lo mais gravoso. Exemplificando: a lei X determina que a alíquota do tributo principal do mútuo concedido a uma pessoa (hipótese: R$ 100,00, sendo, por tanto, devido o tributo no valor de R$ 10,00). Pretendendo-se que a base de cálculo passe a abranger também os encargos financeiros (juros, v.g., à taxa de 10%), ocorrerá majoração indireta do tributo, porque aplicando-se a alíquota de 10% sobre o valor da base de cálculo (R$ 100,00 mais R$ 10,00 R$ 110,00), resultará o valor de R$ 11,00, tendo havido, assim, majoração indireta, que só poderá ser feita por lei. (ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da in Manual de Direito Tributário, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2009, p. 193). (Negritei). Nesta toada a aplicação dos parâmetros do ITBI ao ITCMD, conforme a previsão encartada no Decreto Estadual nº 46655/02, com a redação conferida pelo Decreto Estadual nº 55002/09, vulnera o artigo 97, caput, inciso II e 1º, do Código Tributário Nacional CTN 3, tendo-se em vista a malversação do artigo 150, caput e inciso I, da Constituição Federal 4. É que, conforme o suso exposto, o aumento de tributo, direto ou indireto, reclama, necessariamente, a obediência ao princípio da legalidade, garantia maior dos contribuintes. Na espécie modificando entendimento esposado na Primeira Instância, assinalo que a adoção dos parâmetros do ITBI à apuração do ITCMD, por importar no incremento da base de cálculo da exação, não poderia ser concretizada por meio de Decreto Estadual. Para se atingir esse desiderato é indispensável a edição de lei específica, porquanto o artigo 13, caput e inciso I, da Lei Estadual nº 10705/00 se limita a estabelecer a extensão mínima da base de cálculo do ITCMD, a saber, o valor adotado para os fins de cálculo do IPTU. Daí o inegável direito líquido e certo da apelada a proceder à apuração e recolhimento do ITCMD, nos moldes preconizados pela Lei Estadual nº 10705/00, adotando-se, portanto, como base de cálculo o valor do IPTU. 3 Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: (OMISSIS). II a majoração de tributos, ou seu redução, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65. (OMISSIS). 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação de sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso. (Negritei). 4 Art Sem prejuízo de outras garantais asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I exigir ou amentar tributo sem lei que o estabeleça. (Negritei). Apelação nº Voto nº

6 Singra por esta rota o precedente desta Câmara 5 : APELAÇÃO MANDADO DE SEGURANÇA ITCMD BASE DE CÁLCULO VALOR VENAL IPTU POSSIBILIDADE. Exigência do fisco quanto à alteração da base de cálculo do ITCMD, nos termos do Decreto Estadual nº /09. Inadmissibilidade. Base de cálculo do Imposto de Transmissão causa mortis é o valor venal do imóvel, na data da abertura da sucessão, devidamente atualizado. Impossível utilização de atual valor de mercado. Sentença mantida. Recurso negado. (OMISSIS). A tese sustentada pelo autor corresponde à previsão contida no art. 38, do CTN, bem como do art. 9º, da Lei Estadual nº /00, tanto que serve de base para os fins de cobrança do IPTU (art. 13, inc. I). Pois, a razão de existir desses dispositivos é exatamente considerar como critério de avaliação do bem, o valor lançado pela Administração Pública. Nesse mister, a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens e direitos transmitidos, sendo que para bens imóveis deve ser considerado o mesmo valor que orienta a base de cálculo para o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU. Outrossim, registra-se que esse ato não tem o alcance pretendido, pois a alteração da base de cálculo somente poderia ocorrer por lei, jamais por decreto regulamentar. (Apelação nº , Rel. Des. Danilo Panizza, 5 No mesmo sentido: Apelação / Reexame Necessário nº , Rel. Des. Luís Francisco Aguilar Cortez, j , v.u.; Apelação / Reexame Necessário nº , Rel. Des. Xavier de Aquino, j , v.u.; Apelação / Reexame Necessário nº , Rel. Des. Vicente de Abreu Amadei, j Tratase de entendimento acompanhado por esta Corte de Justiça: Apelação / Reexame Necessário nº , 8ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Leonel Costa, j , v.u.; Apelação nº , 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Marcelo Semer, j , v.u.; Apelação nº , 11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Jarbas Gomes, j , v.u.; Apelação nº , 5ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Heloísa Martins Mimessi, j , v.u.; Apelação / Reexame Necessário nº , 3ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Ronaldo Andrade, j , v.u.; Apelação / Reexame Necessário nº , 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Décio Notarangeli, j , v.u.; Apelação / Reexame Necessário nº , 13ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Souza Meirelles, j , v.u.; Apelação / Reexame Necessário nº , 3ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Marrey Uint, j , v.u. Apelação nº Voto nº

7 j , v.u.). (Negritei). No mais, é de bom alvitre sublinhar, que inexiste óbice ao pleno exercício da competência tributária estadual, ex vi do artigo 155, caput e inciso I, da Constituição Federal ( Art Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos ), sendo, por desdobramento, possível ao Estado legislar, majorando mediante a alteração de alíquota e/ou da base de cálculo o valor do ITCMD. A impossibilidade desta majoração reside, no caso vertente, na sua imposição mediante decreto estadual, instrumento jurígeno incompatível com as garantias legais e constitucionais aos contribuintes asseguradas. Não reclama, pois, reparos a r. sentença (fls. 153/157). Por fim, considera-se toda a matéria prequestionada para fins de recurso especial e extraordinário. Ante o exposto, voto pelo NÃO PROVIMENTO do reexame necessário e do recurso voluntário interposto, nos termos acima detalhados. MARCOS PIMENTEL TAMASSIA Relator Apelação nº Voto nº