PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO
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- Maria de Belem Klettenberg Gorjão
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1 Vara da Infância e Juventude de Processo nº: 761/15 Autor: Erick Leonardo de Oliveira rep. por sua genitora Réus: Fazenda Pública do Estado de São Paulo e Município de PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO Meritíssima Juíza: Trata-se de ação de Execução no bojo da Ação Civil Pública n que tramitou na 6ª. Vara da Fazenda Pública de São Paulo e que versa sobre direitos da pessoa com autismo. Sustenta o autor que, por apresentar Transtorno do Espectro do Autismo (CID F84.0) tem direito assegurado pela referida Ação de ser estudar em escola especial às custas do Estado uma vez que este não providenciou o tratamento adequado conforme descrito na sentença. Assim requer seja o executado obrigado a custear o tratamento na instituição educacional indicada pelos genitores, ou seja, Colégio Paulicéia. É o relatório da inicial. 1. BREVE HISTÓRICO A partir de 1970, movimentos sociais em prol da emancipação das pessoas com deficiência foram se formando e interrelacionando-se, levando 1
2 ao fortalecendo desses ideais em oposição à política assistencialista até então dominante. Entramos, então, aproximadamente nos anos 90, no paradigma da inclusão social ou de suporte, no qual a diversidade humana é valorizada e a sociedade, assim como o Poder Público têm obrigações para com a inclusão social. A pessoa com deficiência passa a ter o direito de conviver socialmente com as pessoas que não têm deficiência e estas com aquelas e a sociedade e o Poder Público passam a ter responsabilidade para com essa inclusão social. A integração social estava diretamente relacionada à PESSOA, ou seja, a pessoa com deficiência é que era retirada do seu convívio familiar, social ou institucional, para ser reabilitada e depois retornava ao local de origem. A inclusão social diz respeito ao SISTEMA e não às pessoas; portanto, não são estas que são incluídas, o sistema é que tem que ser inclusivo para receber a todos e, nesse sentido, dar à pessoa com deficiência todo suporte de que necessitar para possibilitar essa convivência social. A Convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 186/08, que tem força de emenda constitucional, em razão do disposto no art. 5º, 3º, da Constituição Federal, reconhece o direito da pessoa com deficiência à educação, determinando aos Estados Partes para efetivação desse direito sem discriminação em com base nas igualdades de oportunidades, assegurar sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida, fixando os objetivos para esse fim (art. 24 com destaque). A Convenção da ONU ainda dispõe que as pessoas com deficiência não devem ser excluídas do sistema educacional geral sob a alegação de deficiência, devendo receber os apoios necessários para facilitar sua efetiva 2
3 educação, impondo aos Estados Partes que a elas assegurem a possibilidade de adquirirem as competências práticas e sociais necessárias, de modo a facilitar sua plena e igual participação no sistema de ensino e na vida em comunidade (art. 24, nº 02 e 03). De acordo com a Constituição Federal de 1988, a educação é direito de todos, porque todos são iguais perante a lei e a todos, sem discriminação, é dado o direito de acesso e permanência na escola regular e não na escola segregatória (especial), onde só estudam pessoas com deficiência. Em geral, locais segregados são prejudiciais porque alienam os alunos. Os alunos com deficiência recebem, afinal, pouca educação útil para a vida real, e os alunos sem deficiência experimentam fundamentalmente uma educação que valoriza pouco a diversidade, a cooperação e o respeito por aqueles que são diferentes. Em contraste, o ensino inclusivo proporciona às pessoas com deficiência a oportunidade de adquirir habilidades para o trabalho e para a vida em comunidade. Os alunos com deficiência aprendem como atuar e interagir com seus pares no mundo real. Igualmente importante, seus pares e também os professores aprendem como agir e interagir com eles. Sem dúvida, a razão mais importante para o ensino inclusivo é o valor social da igualdade. Ensinamos os alunos através do exemplo de que, apesar das diferenças, todos 3
4 nós temos direitos iguais. Em contraste com as experiências passadas de segregação, a inclusão reforça a prática da ideia de que as diferenças são aceitas e respeitadas. Devido ao fato de as nossas sociedades estarem em uma fase crítica de evolução, do âmbito industrial para o informacional e do âmbito nacional para o internacional, é importante evitarmos os erros do passado. Precisamos de escolas que promovam aceitação social ampla, paz e cooperação. É simplesmente discriminatório que alunos com deficiências devam conquistar o direito ou estar preparados para serem incluídos na educação regular. Não é absurdo esperar que os pesquisadores educacionais provem que eles podem ser beneficiados da educação em turmas regulares, enquanto outros alunos têm acesso irrestrito ao ensino simplesmente porque não têm esse rótulo. Nenhum aluno deveria precisar ser aprovado em um teste ou esperar resultados de pesquisa favoráveis para viver e aprender como membros regulares da vida escolar comunitária. O ensino inclusivo faz sentido e é um direito básico não é algo que alguém tenha de conquistar. Quando as escolas incluem todos os alunos, a igualdade é respeitada e promovida como um valor na sociedade, com os resultados visíveis da paz social e da cooperação (...). Quando as escolas são excludentes, o preconceito fica inserido na consciência de muitos alunos quando eles se tornam 4
5 adultos, o que resulta em maior conflito social e em uma competição desumana 1. A educação inclusiva, que nasce no Brasil por meio da nova ordem constitucional de 1988, tem mudado o perfil da educação brasileira, exigindo do sistema regular adaptações capazes de darem atendimento educacional especializado a todas as pessoas com deficiência, a fim de garantir-lhes, como a qualquer criança e adolescente sem deficiência, o direito de acesso e permanência na escola e escolar regular e não especial ou segregatória (art. 206, CF). Hoje, na era da inclusão social, o ensino segregatório está perdendo espaço e isso somente está acontecendo porque os sistemas de ensino, embora com grandes dificuldades, estão se adaptando a cada dia para acolherem a todos, reconhecendo a diversidade social e trabalhando para que ela seja respeitada e admitida por todos. A escola inclusiva, portanto, será, no dizer de Lauro Luiz Gomes Ribeiro, aquela que se constrói, a partir da permanente interação entre os vários atores educacionais, partilhando responsabilidades e estimulando a colaboração e o convívio fraterno e solidário, empenhada em mudar para atender a toda gama de necessidades educacionais identificadas, sem levar em conta as condições sociais, físicas, mentais e de saúde de seu alunado 2. 1 Susan e Willian Stainback, Inclusão Um Guia para Educadores, Artmed Editora, 1999, p Texto escrito para entidade Mais Diferença como colaboração ao projeto sobre inclusão e educação - Caixa de Formadores - Prefeitura Municipal de Osasco. 5
6 É nesse sentido que está fundamentado o direito à educação previsto nos arts. 6º e 205 da Constituição Federal, de modo que estabelecer condições para que a pessoa com deficiência tenha acesso a esse direito fundamental em igualdade de condições com os alunos que não têm deficiência, afronta a Lei Maior de nosso país e a Convenção da ONU que se apresenta como emenda a ela. Enfatizamos que a Convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, em seu artigo 24, estabelece o direito da pessoa com deficiência, sem restrições, a uma educação inclusiva, não podendo ser excluída do sistema educacional regular por conta da deficiência. 2. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA sentença. Cabe esclarecer sobre qual Ação versa a presente Execução de No ano de 2000 o Ministério Público propôs Ação Civil Pública contra o Estado de São Paulo, tendo em vista a absoluta falta de atendimento específico para as pessoas diagnosticadas com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA), a fim de que fosse condenado a prestar atendimento especializado nas áreas de saúde, educação e assistência (Processo n da 6ª. Vara da Fazenda Pública). Foi julgada totalmente procedente a Ação que transitou em julgado após recurso de apelação do requerido cujo acórdão, datado de 26/04/2005, confirmou a sentença de 1.grau. Ocorre que, ante a inexistência no âmbito do serviço público, tanto educacional como de saúde, de equipamentos adequados para o tratamento das pessoas acometidas pelo distúrbio e, a fim de cumprir o mandamento 6
7 jurisdicional, achou por bem o Estado firmar convênios com entidades particulares que prestassem um serviço que atendesse de forma única todas as demandas dessas pessoas. Assim, aberto o chamamento público cadastraram-se várias entidades que prestam atendimento terapêutico misturado com o atendimento educacional. São na verdade escolas especiais onde o aluno fica várias horas durante o dia recebendo sessões de terapia ocupacional, fonoaudiologia e outras, com alguma instrução pedagógica dependendo da entidade. 3. MÉRITO Infelizmente, após o credenciamento dessas instituições houve uma procura enorme por parte das famílias de crianças com TEA por essas chamadas escolas. Isso porque na maioria dos casos ou a criança não estava inserida na escola ou as escolas não tinham preparo para lidar com suas dificuldades. O que se vê na prática é a segregação, pois, crianças ainda pequenas, são institucionalizadas em entidades onde só têm contato com pessoas com deficiência contrariando frontalmente as instruções sobre o manejo do desenvolvimento da pessoa com Transtorno do espectro do autismo além de todos os princípios da educação inclusiva. O entendimento médico doutrinário é de que as crianças com TEA devem estar inseridas em ambiente escolar frequentado por crianças típicas a fim de que esse seja seu exemplo de comportamento (Ana Beatriz Barbosa Silva, Mundo Singular-entenda o autismo, Ed.Objetiva, 2012). Não se deve olvidar que no momento em que foi proposta a ação Civil Pública, muitas eram as queixas e nada havia de equipamentos públicos ou de políticas públicas de atendimento específico para os autistas. Porém, hoje, essa não deve ser a melhor escolha, ao menos, em termos acadêmicos. 7
8 Conforme esclarecido no primeiro tópico, a educação inclusiva é uma realidade no cenário jurídico brasileiro há muito tempo. A Constituição Federal de 1988 considera a educação como direito fundamental e prioriza ainda o direito das pessoas com deficiência de receberem educação preferencialmente na rede regular de ensino (artigos 205 e 208). Norma essa repetida pelo artigo 54, III do ECA. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.9394/96 define educação especial como: modalidade da educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educandos portadores de necessidades especiais (artigo 58). A Resolução n. 02 de 2001 do Conselho Nacional da Educação já definia e compilava todas as diretrizes da educação inclusiva. Previu que as escolas da rede regular da educação básica devem se preparar para dar atendimento de qualidade a todos para identificar as necessidades educacionais dos alunos. E ainda que o atendimento educacional especial deve ser realizado em classes comuns do ensino regular devendo os professores serem capacitados e especializados para o atendimento as necessidades educacionais dos alunos. Em 2012 foi promulgada a Lei (Lei Berenice Piana) a qual instituiu a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo. Dentre outros ficou claro o direito a educação em classes comuns do ensino regular com ou sem acompanhante especializado 3. 3 Art.3. São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: (...) IV- o acesso: a) `a educação e ao ensino profissionalizante; (...) 8
9 Após várias indagações sobre essa questão, foi lançada a Nota Técnica n. 24 pelo Ministério da Educação a qual dispõe que: A modalidade de educação especial disponibiliza o atendimentos educacional especializado (AEE), os demais serviços e recursos pedagógicos e de acessibilidade, contemplando a oferta de profissional de apoio, necessário à inclusão escolar do estudante com transtorno do espectro do autismo nas classes comuns do ensino regular, nas escolas públicas e privadas. Os serviços da educação especial constituem oferta obrigatória pelos sistemas de ensino em todos os níveis, etapas e modalidades, devendo constar no PPP (Plano Político Pedagógico) das escolas e nos custos gerais da manutenção e do desenvolvimento do ensino.. Por fim, foi promulgada o Decreto Estadual de 02 de abril de 2014 o qual altera o inciso II do artigo 2. do Decreto de janeiro de 2014 e garante o acesso e permanência dos alunos com deficiência intelectual na rede regular de ensino provendo os suportes necessários. Desta feita, com relação ao atendimento educacional, não se pode mais falar em escolas especiais, em instituições que põem o jovem deficiente às margens da vida escolar e da integração social. Além dos mencionados documentos legais, a educação inclusiva está amparada pelo Plano Nacional da Educação (PNE) aprovado pela Lei /2001. A inclusão é a garantia de acesso a todos ao espaço comum da vida Paragrafo único. Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art.2.o. terá direito a acompanhante especializado. 9
10 em sociedade, devendo esta ser orientada pelas relações de acolhimento à diversidade humana, aceitação das diferenças individuais e sobretudo respeito ao individuo. Agora nos resta analisar o atendimento terapêutico. Em reação ao Autismo não existe medicamento que o cure, existem medicamentos para tratar características específicas como agitação, falta de atenção porém o único tratamento reconhecido para os maiores sintomas do autismo é o tratamento terapêutico - psicologia comportamental, sensorial, psicanálise e fonoaudiólogico. Estes, ainda não são oferecidos pelo Estado de forma como é necessário aos Autistas, são deficientes e precários. Hoje os pacientes com TEA, na capital, são atendidos pelas UBS e pelos CAPS e CAPSi (exatamente ao contrário do que determina o mandamento judicial). Esse sim deveria ser o ponto a ser atacado uma vez que a sentença mencionada obriga o Estado a fornecer tratamento especializado aos autistas em unidades especializadas próprias e gratuitas (e não as existentes para o tratamento de doentes mentais comuns).. Ou seja, até hoje o Estado não providenciou as unidades especializadas para o atendimento de saúde (psicológico e fonoaudiólogico) aos autistas e acomodou-se com o fornecimento de um serviço misto de educação e saúde que na realidade apenas segrega o deficiente e acalma as famílias que muito sofrem com esse distúrbio comportamental por ausência total do Estado. O próprio Decreto Estadual, já mencionado, de janeiro de 2014 prevê como ação de curto prazo da Secretaria da Saúde a definição de protocolos de serviços especializados de saúde e protocolos para o diagnostico, terapêutica e assistência da pessoa com deficiência intelectual. 10
11 Desta feita, não tendo sido cumprido o comando judicial neste ponto (saúde), deve-se a execução de sentença ser dirigida a compelir o Estado a arcar com o tratamento terapêutico adequado às necessidades de cada exequente. Frise-se, tratamento psicológico, médico, fonoaudiológico necessários ao desenvolvimento e estimulação adequados aos que possuem Transtorno do Espectro do Autismo. Ante o exposto, requeremos seja o Exequente intimado a emendar a inicial para indicar profissionais ou clínicas onde possa receber o tratamento de saúde que entende apropriado, mas se desejar, com relação a educação, deverá a parte procurar matrícula na rede pública ou privada de sua preferência e, em caso de negativa, comunicar a Promotoria da Infância e Juventude. São Paulo, 19 de maio de SANDRA LUCIA GARCIA MASSUD Promotora de Justiça 11
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