ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GABINETE DESEMBARGADOR PAULO AIRTON ALBUQUERQUE FILHO

Transcrição

1 Processo: Apelação Apelante: Alclébio dos Santos Lima Apelada: Marítima Seguros S/A EMENTA: APELAÇÃO. SEGURO DPVAT. TERMO DE QUITAÇÃO. EFICÁCIA LIBERATÓRIA APENAS QUANTO AO VALOR EXPRESSO NO RECIBO ADMINISTRATIVO. AÇÃO JUDICIAL PARA RECEBER QUANTIA COMPLEMENTAR. INTIMAÇÃO DO AUTOR PARA A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA MÉDICA E AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. CARTA ENVIADA PELOS CORREIOS. AUSÊNCIA DE JUNTADA DO AVISO DE RECEBIMENTO. AUDIÊNCIA PROCEDIDA SEM A PRESENÇA DO PROMOVENTE. NULIDADE POR SE TRATAR DE ATO PERSONALÍSSIMO. SENTENÇA CASSADA. RENOVAÇÃO DA OPORTUNIDADE PARA SE PROCEDER À PROVA TÉCNICA. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os autos da apelação identificada na epígrafe, acordam os excelentíssimos senhores Desembargadores componentes da Primeira Câmara Cível, em votação unânime, em conhecer e prover o recurso, nos termos do voto do eminente Relator. Fortaleza, 23 de maio de Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR PAULO AIRTON ALBUQUERQUE FILHO Relator fls. 134

2 RELATÓRIO Cogita-se de apelação aforada por Alclébio dos Santos Lima contra a sentença de fls. 74/75 que julgou improcedente o seu pedido para a complementação da indenização do Seguro DPVAT. A sentença: entendeu que o não comparecimento do autor à perícia determinada para aferir o grau de comprometimento funcional de parte do seu corpo em face do acidente automobilístico que o vitimou impede a configuração do direito suscitado na lide. Razões apelativas às fls. 78/81. Afirma que o valor pago pela invalidez é inferior da quantia prevista no anexo à Lei nº /2009, tendo em vista o traumatismo crânioenfálico que acometeu a vítima após o acidente automobilístico. Reforça que não houve a intimação pessoal do autor para a realização da perícia médica, motivo pelo qual a sentença deve ser desconstituída. Contrarrazões às fls. 84/110. É o relatório. VOTO Apelação proposta sob a égide do CPC de 1973 deve ter os seus requisitos de admissibilidade averiguados de acordo com as regras da época. Assim, verifico que os requisitos temporais e os demais intrínsecos e extrínsecos foram atendidos, considerando, ademais, que o preparo é dispensado por força da Lei nº 1.060/1950. Em matéria de DPVAT o Termo de Quitação só tem eficácia liberatória no que concerne aos valores pagos, remanescendo ao segurado o direito de postular em juízo o recebimento da quantia que entender devida, como demonstram os precedentes do STJ: CIVIL E PROCESSUAL. DPVAT. ACIDENTE COM VÍTIMA FATAL. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL REALIZADA COM A SEGURADORA. QUITAÇÃO. COBRANÇA DE DIFERENÇA. POSSIBILIDADE. DEVER LEGAL. VALOR ESTABELECIDO EX VI LEGIS. NORMA COGENTE. DANO MORAL. DESCABIMENTO. I. Assentou a jurisprudência das Turmas componentes da 2ª Seção do fls. 135

3 STJ, que o acordo de recebimento parcial da indenização do seguro DPVAT por morte da vítima, não inibe a cobrança da diferença até o montante estabelecido em lei, por constituir norma cogente de proteção conferida pelo Estado. II. Dano moral indevido. III. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (REsp /RJ, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Quarta Turma, DJe 24/05/2010) DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SEGURO DPVAT. AÇÃO DE COMPLEMENTAÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. LEGITIMIDADE DE SEGURADORA DIVERSA DA QUE REALIZOU O PAGAMENTO A MENOR. SOLIDARIEDADE PASSIVA. INCIDÊNCIA DO ART. 275, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL DE A jurisprudência é sólida em afirmar que as seguradoras integrantes do consórcio do Seguro DPVAT são solidariamente responsáveis pelo pagamento das indenizações securitárias, podendo o beneficiário cobrar o que é devido de qualquer uma delas. 2. Com efeito, incide a regra do art. 275, caput e parágrafo único, do Código Civil de 2002, segundo a qual o pagamento parcial não exime os demais obrigados solidários quanto ao restante da obrigação, tampouco o recebimento de parte da dívida induz a renúncia da solidariedade pelo credor. 3. Resulta claro, portanto, que o beneficiário do Seguro DPVAT pode acionar qualquer seguradora integrante do grupo para o recebimento da complementação da indenização securitária, não obstante o pagamento administrativo realizado a menor tenha sido efetuado por seguradora diversa. 4. Recurso especial provido. (REsp /PR, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, 15/05/2012, DJe 28/05/2012) Rejeito a preliminar suscitada pela recorrida. No mérito, o apelante alega que a intimação para a perícia médica não foi procedida de forma pessoal. A carta de intimação pessoal repousante à fl. 70, aliada à certidão de fl. 73 informam que o autor foi intimado para comparecer à audiência no dia 11/12/2015 mas não a audiência não se realizou em face da sua ausência. Com efeito, o aviso de recebimento da carta de intimação não se encontra juntado aos autos, inexistindo prova de que a comunicação do ato processual se concretizou. Fato relevante é que o advogado do autor foi intimado pelo Diário da Justiça eletrônico para se fazer presente à perícia médica e à posterior audiência de conciliação, mas não compareceu a nenhum dos atos processuais. fls. 136

4 Posta a questão nestes termos, concluo que a intimação pessoal do autor para a realização da perícia é condição absoluta para a validade da comunicação do ato processual e que nestes autos não se verifica o aviso de recebimento expedido pelos Correios comprovando que a carta de intimação foi entregue no endereço do apelante em tempo hábil para perícia médica e a audiência de conciliação. Sobre a matéria, transcrevo exemplares da jurisprudência nacional: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PERÍCIA MÉDICA. EXAME PESSOAL DA PARTE. ATO PERSONALÍSSIMO. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL. INTIMAÇÃO DIRIGIDA AO ADVOGADO. INVALIDADE. 1. Em regra, a intimação será encaminhada à pessoa a quem cabe desempenhar o ato comunicado. Tratando-se da prática de atos postulatórios, a intimação deve ser dirigida ao advogado; tratando-se da prática de ato personalíssimo da parte, ela deve ser intimada pessoalmente. 2. Deve-se distinguir a intimação meramente comunicativa, que cria ônus ou faz fluir prazos, da intimação que ordena condutas e gera deveres para o intimado, como é o caso daquela para a parte se submeter a perícia médica, cujo não comparecimento "supre a prova que se pretendia obter com o exame" (CC, art. 232). 3. Recaindo a perícia sobre a própria parte, é necessária a intimação pessoal, não por meio do seu advogado, uma vez que se trata de ato personalíssimo. 4. Tratando-se de controvérsia acerca da inexistência de ruptura de próteses que já foram retiradas do corpo da parte, seria necessário informá-la de eventual inspeção corporal a ser realizada na perícia e da consequente necessidade de comparecimento pessoal ao ato. 5. Recurso especial provido. (REsp /SP, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/04/2016, DJe 29/04/2016) RESPONSABILIDADE CIVIL. SEGURO DE DANOS PESSOAIS CAUSADOS POR VEÍCULOS AUTOMOTORES DE VIA TERRESTRE (DPVAT). PRETENSÃO DA AUTORA JULGADA IMPROCEDENTE. NÃO COMPARECIMENTO À PERÍCIA DESIGNADA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA SEGURADA. RECURSO PROVIDO. PROCESSO ANULADO DESDE A SENTENÇA, INCLUSIVE. 01. A hermenêutica "possibilita ao jurista encontrar o verdadeiro sentido da lei, determinando-lhe o seu alcance" (Maria Soledade Araújo Cunha Lima). No expressivo dizer do Ministro Marco Aurélio, deve "o intérprete considerar o objetivo da norma. Descabe a fixação de alcance de modo a prejudicar aquele que a norma almeja proteger" (STF, AgRgAI n ). 02. O denominado "seguro DPVAT" reveste-se de "cunho eminentemente social" (REsp n , Min. Ricardo Villas Bôas Cueva), pois "transfere para o segurador os efeitos econômicos do risco da responsabilidade civil do proprietário de veículo automotor terrestre, fls. 137

5 independentemente da apuração de culpa" (REsp n , Min. Luis Felipe Salomão). Portanto, não só as disposições da lei que o instituiu (Lei n /1974), mas também todos os fatos relacionados a ele e às pretensões dos segurados, devem ser examinados à luz do princípio de que a "norma almeja proteger" as vítimas de acidentes de trânsito. Da data da realização da perícia o segurado deve ser pessoalmente intimado; não basta a intimação do advogado (TJSC, 1ª CDCiv, AC n , Des. Sebastião César Evangelista; 2ª CDCiv, AC n , Des. Trindade dos Santos; 3ª CDCiv, AC n , Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta; AC n , Des. Marcus Tulio Sartorato; 4ª CDCiv, AC n , Des. Eládio Torret Rocha). (TJSC, Apelação Cível n , de Joinville, rel. Des. Newton Trisotto, j ). APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. COMPLEMENTAÇÃO DE SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA FUNDADA NA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DO AUTOR. APELO DA PARTE AUTORA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO COMPARECIMENTO DO AUTOR NA DATA DESIGNADA PARA A REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL. INTIMAÇÃO POR PROCURADOR. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL. INDISPENSABILIDADE DE PERÍCIA PARA APURAR O GRAU DE INVALIDEZ DO SEGURADO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N. 474 DO SUPERIOR. NULIDADE CONFIGURADA. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. Consoante o disposto na Súmula 474 do Superior Tribunal de Justiça e precedentes desta Corte, o valor da indenização do seguro obrigatório deve guardar proporção com o grau da invalidez suportado pela vítima. Imprescindível, portanto, a prova pericial, com a intimação pessoal do Autor para comparecer na data e horário marcados para a perícia quando, intimado por meio de procurador, não tenha comparecido. (TJSC, Apelação Cível n , de Mafra, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, j ). Isto posto, conheço da apelação para rejeitar o questionamento preliminar e, no mérito, dar-lhe provimento para cassar a sentença e determinar o retorno dos autos à instância de origem para proceder perícia do autor, intimando-o pessoalmente acerca da data, horário e local para a realização do ato processual. É como voto. Fortaleza, 23 de maio de Des. PAULO AIRTON ALBUQUERQUE FILHO Relator fls. 138