Ocorrências, Incidentes, Acidentes e Desastres *
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- Pedro Rosa di Azevedo
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1 17 Ocorrências, Incidentes, s e Desastres * A língua portuguesa, cada vez mais enriquecida com estrangeirismos, vê muitos dos seus vocábulos perderem o significado original. Umas vezes, devido a erros cometidos por personalidades influentes e mediáticas, que os ouvintes passam a repetir, por desconhecimento dos termos correctos, transformandose em vocábulos da moda. Outras vezes, devem-se à tradução literal de vocábulos com grafias semelhantes em português e no idioma de origem, mas com significados às vezes completamente distintos, devido a origens etimológicas e evoluções culturais muito diferentes. Vem isto a propósito, por exemplo, do uso do termo incidente que nos bombeiros se generalizou com um significado diferente daquele que, normalmente, é entendido em português, embora a comunicação social, quando relata certo tipo de acidentes, por influência da deturpação antes mencionada, também já se lhes refira como incidentes, contribuindo para aumentar a confusão sobre o uso e significado correctos de determinados termos. Com efeito, o termo incidente passou a ser usado num sentido lato, abrangente, que o conceito etimológico não suporta, sendo altura de lhe devolver o sentido restrito, inicial, correcto e apropriado, que o vocábulo encerra. Uma rápida consulta a dois ou três dicionários, desde logo nos permite esclarecer e comprovar o que estamos a tentar demonstrar. Assim, pese embora a apresentação ligeiramente diferente, tanto no Dicionário de Português, de J. ALMEIDA COSTA e A. SAMPAIO E MELO, da Porto Editora (3ª ed.), como no Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Col. Lexicoteca, Círculo de Leitores (1985), Incidente, substantivo masculino, aparece definido como: facto que sobrevém; episódio. Por sua vez, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenado por JOSÉ PEDRO MACHADO, do Círculo de Leitores (1996), aparece definido como: Facto que sobrevém fortuitamente no decorrer de qualquer * ENB, Revista Técnica e Formativa da Escola Nacional de Bombeiros, Nº. 17, Sintra, 2001, p. 48 (conteúdo revisto e aumentado)
2 18 Luciano Lourenço empreendimento; circunstância acidental, episódio, acidente de menor importância que o assunto principal; [ ] dificuldade que alguém provoca. Como se deduz, prevalece o carácter episódico, razão pela qual entendemos ser preferível devolver a este vocábulo o seu verdadeiro sentido, passando a usar outros termos, também consagrados na língua portuguesa, para passar a expressar alguns dos usos que, pelas razões apontadas, passou a ter. Deste modo, propomos que: 1. A designação mais abrangente de incidente passe a ser substituída pela de ocorrência, com o sentido e significado de: acontecimento, facto sucedido, circunstância, eventualidade, acidente; 2. O uso corrente da palavra incidente passe a corresponder ao seu sentido restrito, ou seja, o uso do termo incidente com o significado de: circunstância acidental, episódio, no sentido do episódio repentino que reduz significativamente as margens de segurança sem, contudo, as anular, apresentando por isso apenas potenciais consequências para a segurança ; 3. A substituição do termo incidente pelo termo de acidente, mais adequado, quando pretendemos referir-nos a acontecimentos repentinos e imprevistos, provocados pela acção do homem ou da natureza, com danos significativos e efeitos muito limitados no tempo e no espaço, susceptíveis de atingirem as pessoas, os bens ou o ambiente. 4. A utilização da palavra desastre para mencionar as situações de maior gravidade, no sentido proposto pelas Nações Unidas (UNDRO), ou seja, desastre é todo o fenómeno concentrado no tempo e no espaço, no qual uma comunidade sofre danos severos, cujas perdas afectam quer as vidas humanas quer os seus bens, de tal forma que a estrutura social é afectada, bem como as principais funções da sociedade em determinada área, isto é, engloba as situações correspondentes aos acidentes graves, catástrofes e calamidades. Em resumo, os significados dos termos mencionados deverão ser hierarquizados em função da intensidade cindínica (G.-Y. KERVERN, Elementos Fundamentais das Ciências Cindínicas, Instituto Piaget, Lisboa, p. 85-6), ou seja:
3 19 Stricto sensu Desastre Incidente Ocorrência Definição Acontecimento súbito, inesperado ou extraordinário, concentrado no tempo e no espaço, que provoca prejuízos severos na vida dos indivíduos, afectando as principais funções da sociedade em determinada área e que deve obrigar a repensar tudo, em função da gravidade, desde as finalidades (acidente grave), às regras (catástrofe) e até aos sistemas de valores (calamidades). Acontecimento repentino e imprevisto, provocado pela acção do homem ou da natureza, com danos significativos e efeitos muito limitados no tempo e no espaço, susceptíveis de atingirem as pessoas, os bens ou o ambiente, implicando a revisão dos modelos. Episódio repentino que reduz significativamente as margens de segurança sem, contudo, as anular, apresentando por isso apenas potenciais consequências para a segurança, levando a uma actualização das bases de dados, mas sem acarretar uma revisão dos modelos, das finalidades, das regras e dos valores Acontecimento, facto sucedido, eventualidade, circunstância, coincidência, falso alarme, que origina a mobilização dos meios de bombeiros. Numa perspectiva de conciliação de princípios subjacentes à teoria do risco com critérios de operacionalidade das forças de protecção e socorro, apresentamos a hierarquização de ambos e esboçamos uma tentativa de correlação entre eles, ou seja, dos conceitos de uso mais frequente nas situações de risco, perigo e crise, os elementos fundamentais de desenvolvimento das ciências cindínicas.
4 20 Luciano Lourenço Naturalmente que se trata de uma profunda simplificação, pois, à luz da teoria do risco devem ser considerados diversos aspectos que surgem tanto a montante, como no domínio do próprio risco. Deste modo, a montante do risco, devem analisar-se os objectos, processos, fluxos e balanços, quer os que interferem nos geossistemas e que, por isso, determinam ou condicionam os riscos naturais, quer os que intervêm nos sociossistemas e que, por consequência, têm implicações nos riscos tecnológicos. O domínio do risco pressupõe a gestão do risco, o que implica uma planificação global dos riscos que podem afectar uma determinada área, região ou país, para, com base nela se poder proceder a uma planificação integrada dos recursos em função dos riscos. Para esse efeito, é conveniente saber quais são os limiares que permitem a transição entre níveis diferentes. Do mesmo modo, dever-se-ão conhecer as palavras mais usadas em cada situação e que, pela sua identificação, podem auxiliar na hierarquização dos níveis. Será, ainda, conveniente considerar outros aspectos que é possível associar a cada um dos diferentes níveis e que, em síntese, apresentamos na tabela seguinte. Entre outros aspectos, procura conciliar alguns dos factos associados tanto à teoria do risco como à dimensão operacional do risco, respectivamente primeiro e último capítulos do livro Le Risque et la Crise, editado em 1990 pela Foundation for International Studies, de Malta, e que, por sua vez, corresponde às Actas dum encontro sobre Riscos naturais, riscos tecnológicos. Gestão dos riscos, gestão das crises, realizado em Saint-Valery-sur-Somme, França, entre 2 e 7 de Outubro de 1989.
5 21 A Teoria do Risco com vista à Gestão do Risco ou antes, à Prevenção dos Riscos e Gestão das Crises Teoria do Risco (adaptado de L. FAUGÈRES, 1990 e da Lei nº. 113/91 de 29 de Agosto Lei de Bases da Protecção Civil) Escala e Classificação de Ocorrências Nível Conceptualização Socialização Observação Palavras-Chave Limiar Reacção Nível Designação Definição fenomenologia reacções custos manifestação da crise modelização simulação devastação, catástrofe, cataclismo, paroxismo, flagelo, calamidade, desastre, devastação, drama, pãnico, tragédia, urgência, socorro, franqueamento dos limiares normais, incapacidade de agir sobre os processos, incerteza absoluta sobre o desenvolvimento da crise e dos seus impactes de tipo reflexo, individuais e colectivas, não concertadas (solidariedade) e concertadas (planos de emergência) s graves, Catástrofes e Calamidades (Envolvimento do Sistema de Protecção Civil) 5 Calamidade Catástrofe Acontecimento ou uma série de acontecimentos graves, de origem natral ou tecnológica, com efeitos prolongados no tempo e no espaço, em regra previsíveis, susceptíveis de provocarem elevados prejuízos materias e, eventualmente, vítimas, afectando intensamente as condições de vida e o tecido sócio-económico em áreas extensas do território nacional. Acontecimento súbito, quase sempre imprevisível, de origem natural ou tecnológica, susceptível de provocar vítimas e danos materiais avultados, afectando gravemente a segurança das pessoas, as condições de vida das populações e o tecido sócio-económico do País. Crise Desastres 4 3 Grave Acontecimento repentino e imprevisto, provocado pela acção do homem ou da natureza, com danos graves e efeitos relativamente limitados no tempo e no espaço, susceptíveis de atingirem as pessoas, os bens ou o ambiente desarranjo percepção reacções avaliação do perigo detecção de correlações acaso, eventualidade, alerta, alarme, insegurança, ameaça, pânico preventivas, individuais (desordenadas) e s (Intervenção dos meios de socorro - Bombeiros e outros...) Perigo colectivas (simulações, seguros) 2 Acontecimento repentino e imprevisto, provocado pela acção do homem ou da natureza, com danos significativos e efeitos muito limitados no tempo e no espaço, susceptíveis de atingirem as pessoas, os bens ou o ambiente Incidentes (Sem necessidade de intervenção dos meios de socorro ) 1 Incidente Episódio repentino que reduz significativamente as margens de segurança sem, contudo, as anular, apresentando por isso apenas consequências potenciais para a segurança sistemas de processos análise do risco analítica agentes e processos, complexiddade, potencialidade, probabilidade e variabilidade; pressões e custos, limiares medidas de contenção, simulações Sistema complexo de processos cuja modificação de funcionamento é susceptível de acarretar prejuízos directos ou indirectos (perda de recursos) a uma dada população Risco Abaixo da escala Anomalia Violação das situaçoes operacionais autorizadas, que não põem em risco a segurança mas revelam deficiências nos sistemas Desvio Sem significado para a segurança LUCIANO LOURENÇO, Dezembro de 1999
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