OCONHECIMENTOCIENTÍFICOCOMOFALSA CONSCIÊNCIANECESSÁRIA
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- Maria de Begonha Amarante Philippi
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1 OCONHECIMENTOCIENTÍFICOCOMOFALSA CONSCIÊNCIANECESSÁRIA JoséNorbertoMuniz 1 RESUMO Oconhecimentocientíficocomofalsaconsciêncianecessáriaéumacríticadaciência. Essacríticasefundamentaemduasproposições:eladecorredeumexercícioteórico, nãoindutivo,eeladeverefletirumasituaçãodeconflito.paraaanálisecrítica,desenvolve-seosconceitosdeprimeiranatureza,segundanaturezaedefalsaconsciêncianecessária,osquaispermitirãodelinearoquadrodereferênciaemquesesituaa críticadaciência:comopartematerialdasegundanaturezamasjustificadasobas basesdoantagonismoentrehomemenatureza,clássiconaprimeiranatureza. SCIENTIFICKNOWLEDGEASNECESSARY FALSECONSCIOUSNESS ABSTRACT Scientificknowledgeasnecessaryfalseconsciousnessisacritiqueofscience.Such criticismisunderlinedundertwopropositions:thatitneedstocometheoretically, andthatitmustexpressasituationunderconflict.onthefirstaspect,theconceptsof firstnature,secondnatureandnecessaryfalseconsciousnessaredevelopedinorder toilustrate,onthesecondaspect,howscienceisenframed:aspartofthematerial needsofthesecondnaturebutjustifiedonthebasisofthehuman/naturerelationship inthefirstnature. INTRODUÇÃO Asanálisescríticassobreasociedadeagráriaparecemreproduzirassuas dimensõesprincipaisemvezdecriticá-las.essaproposiçãogeral,ilustrada atravésdoconhecimentocientífico,poderevelarovícionocírculodaatividadedepesquisa:predomíniodaatividadeindutivanoprocessodeconhecer,àqualseassociaproposiçõesexplicativaselaboradasaprioristicamente. Portanto,aoafirmarqueascríticasreproduzemasdimensõesdasociedade, procura-seradicalizaroprocessodeconhecer,passandodasbasesindutivas 1 Sociólogo.,Ph.D.,Post-Doctor.DepartamentodeEconomiaRural-UFV.36570Viçosa,MG. CadernosdeCiência&Tecnologia,Brasília,v.12,n.1/3,p.29-38,199529
2 J.N.Muniz paraasalternativasinterpretativas.paraisso,torna-senecessáriodesenvolver os conceitos analíticos de falsa consciência necessária e de segunda natureza,identificandoasimplicaçõesteóricaseasinferênciasempíricas decorrentesdatematizaçãodoconhecimentocientíficoapartirdeconceitos. Oconhecimentocientíficoéexemplificadoatravésdasproposiçõesbiotecnológicas. AFALSACONSCIÊNCIAEASEGUNDANATUREZA EssestermosforamdesenvolvidosporLukács(1989),aplicadosaumacríticaradicaldaciênciaedatecnologiaporSohn-Rethel(1983)eSchmidt (1971).EnquantoLukácssepreocupacomasformasdeobjetividadeede subjetividadenasociedadeburguesa,estendendosuacríticasociológicada reificaçãodaconsciênciaparaasciênciasemgeral,sohn-rethelcriticao conhecimentocientíficoburguêsquedelineiaumanaturezaindependenteda ciência.paraisso,sohn-rethelutilizaoconceitodefalsaconsciêncianecessária,oqualexpressaovínculodoconhecimentocientíficoàsleisdeapropriaçãoderivadasdomercado. Háadesignaçãodefalsa,nãocontraos padrões de verdade, mas contra a existência social (Sohn-Rethel 1978: p.197). Tem-se,então,queaexistênciasocialdelineadaatravésdasrelações sociaisdeproduçãopermiteaidentificaçãodeumprocessodiferenteentrea sociedadeeanatureza.essarelaçãonãoédeposse,masseestrutura em termosdasleisdemercado,atravésdaapropriaçãodotrabalho.nessesentido,naproduçãodemercadorias,apráticasocialdeintervençãonanatureza está fora docontroledohomem(éumaatividadealienada),enquantoas formasdepensamentoconstituem-seemformasracionaisdeintervenção (Sohn-Rethel1978).Emoutrostermos,esseautorapontaofatodequea naturezadaciêncianosistemacapitalistanãoenvolveacompletaracionalidadedohomem.aciênciaéaexpressãodaconsciênciaalienadaoudafalsa consciêncianecessária(sohn-rethel1975). Aevidênciadessaproposiçãoadvémdanoçãodesegundanatureza. Essetermoseexpressa,explicitamente,emLukács,paradesignararedução domundosocialdasociedadeburguesaaumsistemamecânico,integrando oindivíduoaumsistemaderelações coisificadas,objetivaseimpessoais. Omundodatrocademercadoriasconstitui,objetivamente,asegundanatureza,queénormatizado,segundoSohn-Rethel,atravésdalógicadaapropriação,sematerializandoatravésdotrabalho. 30 CadernosdeCiência&Tecnologia,Brasília,v.12,n.1/3,p.29-38,1995
3 Oconhecimentocientíficocomofalsaconsciêncianecessária Asformaseoconteúdodanaturezasãodissolvidasnasformasdesua apropriação(lukács1989).assim,argumentaschmidt(1971),nãoexiste tecnologianaturalnoreinoanimalouvegetal.existeaalteraçãodometabolismodanatureza,destacando-seopapeladaptativodasciênciasnaturais, como,porexemplo,introduzirvariedadeshíbridasdefeijãononordeste capazesderesistiràfaltadeágua,àsaltastemperaturaseàstaxasdesalinidade.paratanto,tornar-se-ianecessáriodesenvolvercruzamentosentrevariedades,taiscomo,entreofeijão-comum(phaseolusvulgaris)comasespéciesnativasdaszonasáridasdoméxico(phaseolusacutifolus)edosestadosunidos(phaseoluslunatus).porconseguinte,asplantassão,nasua formaeconteúdoatuais,resultadonãosomentedastransformaçõesgraduais comotambémdoprodutodotrabalhohumano,passadoepresente.odetalhequeschmidtdestacaaesserespeitoéqueessasleisdanaturezanãosão pensadas oucogitadassemaidéiadeapropriaçãoparaacompreensãoda natureza.ressalta-se,aqui,queaidéiadenecessidadenãoremontaàquela impostapelanatureza,ouaprimeiranatureza.pelocontrário,essasnecessidadessãodelimitadaspelaintegraçãodoconhecimentonoprocessodeproduçãomaterial,ouseja,atravésdasegundanatureza.. Dessesconceitos,pode-sederivaraseguinteproposição:oconteúdodo conhecimentocientíficoestáconectadoàformaeaoconteúdodasegunda naturezaeéaracionalidadeimplícitanessasegundanaturezaquetransformaoconhecimentoemtrabalho.aoocorreressatransformação,oconhecimentocientíficopodeentraremumatendênciaàdeteriorização,tantodas condiçõesdetrabalhocomodosprópriosintelectuais,porcausadasforças dominantesnasegundanatureza.essapareceseraformadecomoomundo objetivodaexperiência,aformadeteriorada,coexistecomaconsciência científicaunificadasobreessemundo.porconseguinte,há,naesferada consciênciacientíficaunificada,umafalsaconsciêncianecessáriaderivada daobjetivaçãodasegundanatureza.oitemseguinteprocurarádemonstrar essatendência. AOBJETIVAÇÃODASEGUNDANATUREZA Atentativadedelimitarperíodosparaidentificarocorrênciasdefenômenos sócio-históricosapresenta,sempre,vulnerabilidadeteórica.entretanto,para fins dessa apresentação, considerar-se-á a criação dos jardins botânicos comoomarcoinicialdaobjetivaçãodanatureza.ouseja,éatravésdosjardinsbotânicosqueplantascomeçaramasercultivadas fora doseuhábitat CadernosdeCiência&Tecnologia,Brasília,v.12,n.1/3,p.29-38,
4 J.N.Muniz com o propósito de disseminação das variedades. Mais especificamente, segundobrockway,citadoporbusch&sachs(1981),em1800haviavários EstadosEuropeusquemantinhamcercade1.600jardinsbotânicosquepesquisavamplantasparaseremusadascomoalimento,fibra,madeira,corante emedicamento.paraisso,desenvolvia-seaeducaçãoagronômicaeatroca deinformaçõeseboletinsentrepessoasespecializadas.énessesentidoque aagricultura,segundowallerstein(1974),criacondiçõesparaafundamentaçãodo sistemamundialmoderno.porexemplo,osbotânicosfranceses introduzemasfrutasecitrosdaargélia,osbotânicosinglesescontrabandeiamplantasesementesdequina(cinchonaedgeriana)dabolívia,equadore Peru,criandograndesplantaçõesdessaculturanaÍndiaparaobteraquinina necessáriaparacombateramalárianascolôniasinglesas.domesmomodo, osinglesescontrabandearamsementesdeseringueiradobrasilparaserem plantadasnamalásia,ceilãoeíndia.comoinstituiçãodoestado,ojardim Botânicoreduz,deformainterativa,asatividadescientíficas(desenvolve novasvariedadesenovos métodos de cultivo), desenvolve o comércio e ampliaopoder(busch&sachs1981).nota-sequenãoéapenasanatureza, atravésdosseus novosprodutos,quecontribuiparaaconstituiçãodesse sistema.mastambémosseusprodutos,interagindocomoutrosfatores,tais comooaparecimentodosestadosnacionais,otransportemarítimo,aconsolidaçãodoconhecimentocientífico,etc. Decorrentedessecontexto,aobjetivaçãodanaturezacomeçaaseconsolidarnaesferacientíficaemmeadosdoséculoXIXcomaspesquisasde Liebignaquímica.Oobjetivodessaspesquisaseraaumentaraprodutividadedosoloporhectare,aplicandomineraisefertilizantes.Emoutrostermos, começa-seaevidenciarqueaagriculturapoderiaser reconstruída através daciência,pontofundamentalparaainstauraçãodanecessidadedasegunda natureza. Seháessainstauração,nessamesmaépocaocorreumoutrofatorque propiciaaconsolidaçãodanaturezaatravésdaagriculturacomoasegunda natureza.éacriaçãodasestaçõesexperimentais,asquaispassamasera expressãodaregionalizaçãocomoformaalternativaparaaagricultura.com isso,aciêncianaturalpassaaresponderàsnecessidadeshumanas(nosentido baconiano), consolidando a sua dimensão utilitária. Por exemplo, enquantohavia391estaçõesexperimentaisnomundotodo,noperíodode 1896a1900,essenúmeropassoupara1422em1930(Busch&Sach1981). Nessaépoca,todasacolôniasinglesaseamaioriadasfrancesaspossuíam umaestaçãoexperimental.comisso,consolidavaaestruturamundialde 32 CadernosdeCiência&Tecnologia,Brasília,v.12,n.1/3,p.29-38,1995
5 Oconhecimentocientíficocomofalsaconsciêncianecessária produçãodealimentos,fibras,madeira,etc,direcionandoodesenvolvimento dasáreasdeconhecimentocientífico.porexemplo,enquantoosamericanos focalizavamapesquisasobregrãos,ascolôniasinglesasconcentravam-se nosprodutosdeexportação,taiscomoalgodão,caféecacau. Nota-sequeessaestruturanãosurgiualeatoriamente.Alémdisso,ela foireforçadaposteriormente.ouseja,foicomosinstitutosinternacionaisde Pesquisa(osIARCs)queemergiuapesquisaaplicada,masdeformaaser regionalmenteaplicada.essefenômenodecorreudaexperiênciadocultivo demilhohíbridonoméxiconadécadade40,oqualculminounacriaçãodo InternationalRiceResearchInstitute(IRRI)nasFilipinas,em1959,ena criaçãodointernationalcenterfortheimprovementofmaizeandwheat (CIMMYT)noMéxico,em1964.Apartirdeentão,outrosinstitutosinternacionaisforamcriados,oqueimpulsionouadisseminaçãodessaestrutura institucional para a criação dos sistemas nacionais de pesquisa agrícola. Apenasparailustração,oInstitutoNacionaldeTecnologiaAgropecuária (INTA)foicriadoem1957naArgentina,oInstitutoNacionaldePesquisa Agrícola(INIAP)foicriadoem1959noEquador;oInstitutoColombianode Agricultura(ICA)foicriadoem1963naColômbia;etc. Com esse modelo institucional procurava-se, segundo Trigo et al. (1983),consolidaraproposiçãodequeatecnologiaéfundamentalparao desenvolvimento agrícola e que as tecnologias desenvolvidas nos países desenvolvidosseriamtransferidasaospaísesemdesenvolvimentomediante adaptação.entretanto,essemodeloinstitucionalqueacompanhouoprocessodedesenvolvimentoindustrialquecaracterizouoperíodopós-guerratem maisimplicações.segundocleaverjr.(1972),arevoluçãoverdeémuito maisdoqueosimplesmelhoramentodeplantasegenética. Elaestáentrelaçadaàpolíticaexternaamericana,constituindo-seemumaspectodasiniciativaspós-guerradeconterasrevoluçõessociaisetornaromundoseguro paraolucro (CleaverJr.1972:p.81). Desde então, sobressaem-se conteúdos e formas que materializam o conteúdodasegundanaturezaatravésdaagricultura.comisso,aagricultura, na proposição de Levins (1974), algumas vezes alimenta as pessoas, destacando-sequeosprogramasagrícolaseapesquisaagrícolanãosedirecionamparaesseobjetivo.essaproposiçãoéreforçadapelatendênciada pesquisaagrícolaemenfatizarageraçãodeconhecimentocientíficoatravés daproduçãodemercadorias,taiscomoinseticidas,fertilizantes,máquinase implementos,instrumentospara irrigação e delimitação de características genéticasdelineadaseconomicamente.acríticanãoéapenasemrelaçãoaos CadernosdeCiência&Tecnologia,Brasília,v.12,n.1/3,p.29-38,
6 J.N.Muniz produtosdapesquisa,maséasuainstitucionalizaçãoeformadeorganizaçãoqueimplicamdesempenhodessasatividades.essaestruturacriaadependência da pesquisa agrícola sobre produtos de importação, ameaça a ecologiaeasaúde,esgotaossoloseperpetuaocolonialismointelectual,o que retarda a criação de novos centros de imaginação científica (Levins 1974). A redefinição da agricultura através do mercado não é somente em relaçãoàatividadeeconômicaagrícolaclássica.omercadomoldaapesquisanoquepesquisarenocomopesquisar,criandonovasoportunidadespara asagroindústriasmultinacionais,transformandoasrelaçõessociais.além disso,háaespecializaçãoeintegraçãodeáreasdeconhecimento,criando umsistemajurídicodeproteçãodepropriedade,tantodosolocomodotrabalhointelectual(buschetal.1989). Comisso,osaparatosdoconhecimento,dentreosquaisdestacam-seos instrumentos,métodos,instituiçõeseassociações,têm-sedirecionado,por intermédiodapesquisaaplicadaepelalógicadaprodução,moldandoatrajetóriadapesquisaagrícolapelosprincípiosdalógicadaapropriação.entretanto,apesardessafasenãoestarsuperada,alógicadaapropriaçãoestá sendosubstituída,atravésdapesquisabiotecnológica,pelalógicadasubstituição.ouseja,otrabalhocientíficoestásubstituindoasforçasdanatureza. Nesseprocesso,aatividadeindustrialnãoapenasrepresentaumaproporçãocrescentedovaloragregado,masoprodutoagrícola,depoisdeserprimeiramentereduzidoauminsumoindustrial,sofrecadavezmaisasubstituiçãoporcomponentesnão-agrícolas (Goodmanetal.1990:p.2). Alógicadasubstituiçãoéaconsolidaçãodaagriculturacomosegunda natureza.nãoéamerarelaçãoreificadaentreprocessobiológicodaprodução agrícola e transformação industrial. Pelo contrário, é substituição de produtosdeorigemagrícola,principalmentedospaísesemdesenvolvimento,pelosprodutosdepesquisasavançadasresultantesdaaplicaçãodasbiotecnologias.oscasosmaiscitadossãoosdoaçúcar,café,cacau,azeitee fragânciasemgeral(buschetal.1989).alémdisso,atransformaçãoda biologiamolecularemumaindústriaemexpansãotempermitidoareestruturaçãodasempresasmultinacionais.háaconcentraçãodeempresasdecorrentedomonopóliodoconhecimento,talcomoavinculaçãodapesquisa sobre novas variedades à resistência a determinados herbicidas (Lacy & Busch1991). Estaversãodapesquisaembiologiamolecular,aovoltar-separaomercadodeprodutosengenheiradosgeneticamente,instauraapredominânciada 34 CadernosdeCiência&Tecnologia,Brasília,v.12,n.1/3,p.29-38,1995
7 Oconhecimentocientíficocomofalsaconsciêncianecessária eragenética àeranatural,substituindoaagriculturapelaindústria.emvez deestudarasplantasnocampopassa-seaconsiderá-lascélulasvegetais, como se fossem microrganismos. Com isso, vitaminas e antibióticos são produzidospormeiodeenzimas.porsuavez,germesassociadosàsbactériaspodemserusadoscomofábricasbiológicasparaaproduçãodegrandes quantidades de hormônios humanos, como a insulina (Goodfield 1981). Tantoainvestigaçãocelularcomoamolecularpodepermitiromelhoramentodeplantascommaisprecisãoemaisintensamente.Porexemplo,temseobtidoodesenvolvimentodeplantasquesãotolerantesaoglifosato,um herbicidaimportante,quetraráenormebenefícioparaasempresasqueestão envolvidascomesseprojeto(buschetal.1989).porsuavez,atravésda micropropagaçãovegetalpode-se,atravésdeumúnicoexplantedeeucalipto,edentrodolaboratório,obter75trilhõesdeclonesmelhorados.emcontrapartida, os métodos convencionais de reprodução permitem obter 400 mudasnovasapartirdeumpédeeucalipto(esalq1988).oumais,produzircaseínaapartirdealgasemvezdavaca,oulocalizargenesparaidentificarproteínasnocromossomadasplantas(policyresearchcorp.1981). Comessaformaeficienteeprecisadepesquisa,novosproblemascomeçamaemergir.Éocasododireitodepropriedadeintelectualeadisputa sobreocontroledosrecursosfitogenéticoseasuaerosão.semintensificar anaturezadessesproblemas,elessãodestacadospeloenvolvimentoconflituosoecomplexoemqueestáotrabalhocientíficonasociedadeatual. Nocasodapatente,porexemplo,olaboratórioRocheédetentorda patenteinternacionaldopcr(polymerasechainreaction),aqualpermite, atravésdeenzimas,diagnosticar,empoucosminutos,partesdocódigogenéticodemicrorganismoscausadoresdedoençasnohomem(gazetamercantil1993).há,assim,ametodologiaeaenzimaespecífica,pelasquaiso LaboratórioRocheesperacobrar royalties,desdequesejaaprovadaalei depatentes,pelousodeambas.enquantoisso,afiocruzpodeproduziraté 100milunidadesdeTaqPolymeraseporano,semqualquerpagamento,o quepermiterealizar20mildiagnósticosporpcr(gazetamercantil1993). Enquantoessesprocedimentospodemdemonstraranaturezaqualitativamentediferentedotrabalhocientíficonasociedadecapitalistacontemporânea,oquesepropõeéqueessetrabalhocientíficoédecorrentedodesenvolvimentodasegundanaturezaenãodasupostaoposiçãoentrehomeme natureza,ondeestaseapresenta,naturalmente,comoproblemática.adimensãoreferenciadaéodesenvolvimentodomercadodeprodutoseprocessoscientíficos,eumacaracterísticadessedesenvolvimentoéadependência CadernosdeCiência&Tecnologia,Brasília,v.12,n.1/3,p.29-38,
8 J.N.Muniz daformanaturalcomosedesenvolveaagricultura.ouseja,asegundanaturezaédependentedematérias-primas,genesespecíficos,paraseremutilizadospelapesquisabiotecnológicadefinidaapartirdessasegundanatureza. Comisso,acontinuidadedabipolaridadeentrepaísesricosepaísespobresé fundamentadaemoutradimensão:ricosemgrãosversusricosemgenes, respectivamente(mooney1980). Essasobjetivaçõesdoconhecimentocientíficosintetizamaestruturade trocaconstruídahistoricamentepeloshomensemsociedade.elanãoéconseqüênciadeumasíntese,kantiana,apriori.elarepresentaumaestruturade trocademercadoriasquedirecionaedeterminaaformaçãodaciênciado finaldoséc.xx,aqualpodeultrapassar,comopropõesohn-rethel(1983), aciênciaburguesa,poisestapodenãoexpressararacionalidadeemqueo sistemacapitalistasefundamentaparaasuacontinuidade.note-sequeessa pressuposição refere-se à natureza de apropriação do conhecimento que emana da segunda natureza, em que o direito de propriedade intelectual adquireo status delei,enãoo status deumaformaracionaldeapreensãodarealidade. AENCRUZILHADA Adelimitaçãoconceitualdaagriculturaatravésdaprimeiranaturezaeda segundanaturezalevaoconhecimentocientíficoaumaencruzilhada.entretanto,essaencruzilhadanãolevaacaminhosdistintos.pelocontrário,éa partirdaencruzilhadaqueosprincípiosdaprimeiraesegundanaturezase intermediam,propiciandocondiçõesparaaformaçãodafalsaconsciência necessária.ouseja,nãoháaadmissãodoconhecimentocientíficoemum ououtrorumo,masoassumiraprimeiranaturezafundamentadaemprincípiosdasegundanatureza. Oexemplodamescladeprincípiosparajustificaroconhecimentocientíficoémaisexplícitopormeiodabiotecnologia.Inicialmente,háapropagaçãopublicitáriadabiotecnologiaparaasoluçãodosproblemasdasaúde humanaeanimaleparaasplantasemgeral,aqualsevinculaaumaestruturainstitucionalizadadoconhecimentocientíficodesvinculadadoprocesso produtivo.entretanto,senemoprodutodoconhecimentocientíficoéassimiladopeloprocessoprodutivo,muitomenososinstrumentos,omateriale osequipamentosnecessáriosàspesquisassãofornecidospelasindústriasem quantidadeefreqüêncianecessáriasparaaproduçãodoconhecimento.o queocorreéquedessehiatoemergeadisputaporverbas,apenas,paraa 36 CadernosdeCiência&Tecnologia,Brasília,v.12,n.1/3,p.29-38,1995
9 Oconhecimentocientíficocomofalsaconsciêncianecessária pesquisa,emqueajustificativaé,fundamentalmente,baseadanaprimeira natureza.ouseja,dosobstáculosqueessaestruturaimpõenaturalmenteao homem,comoporexemplo,restriçãoalimentar.raramente,háareferência àrestriçãoaoacessoàterra,equandoissoocorre,atendênciaéfundamentálaemprincípiosnaturaisdepropriedade,semsepreocuparcomanatureza dosistemadetrocaquedeterminaasíntesesocial. Maisespecificamente,abiotecnologiaéapresentada,aprincípio,como aalternativacientíficaparaproduçãodemudaseplantasisentasàsvulnerabilidadescausadaspelaprimeiranatureza.porisso,destaca-seanecessidade deobtençãodebatatas,tomatesetabacodequalidadesuperioreatéaprocuraporhíbridosdemaiorprodutividadeoumaiorresistênciaàspragas.nesse processodepesquisautiliza-sedemicrorganismosbenéficosàsplantas,tal comofungosqueaumentamaabsorçãodeáguaedenutrientespelasplantas.narealidade,sãosemprecaracterísticasdefinidasapartirdaimportânciadadimensãoeconômica,dasegundanatureza,quedirecionama fabricação deplantas.éafasehistóricaemqueocorreoabandonodosprincípiosdaprimeiranaturezaemfavordasegunda,aqualculminanaemergência enodesenvolvimentodeumaciênciacontemporânea diferente,noseu processo,eempresarialmentecomplexa,nasuaestruturamaterialedevalores. Oqueseadvogaéqueatarefadeidentificarevidênciasqueexpressam lacunasevulnerabilidadesnoprocessoenaestruturaempresarialdaciência edatecnologiaserestringe,usualmente,aumracionalismomeramenteindutivo,oqualédecorrentedaprópriaformadeexercitaroconhecimento científico.porisso,comoaatividadecientíficasobanáliseéa-teórica,não dedutiva,nãoanalítica,há,conseqüentemente,atendênciaemreproduziras lacunas e a vulnerabilidade sob essa perspectiva. Não há, assim, a falsa consciêncianecessáriaemrelaçãoaospadrõesdeverdade,masemrelaçãoà naturezadasíntesesocial,ocultandoaencruzilhadaemqueestáaciência contemporânea. REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS BUSCH,L.;SACHS,C.Theagriculturalsciencesandthemodernworldsystem.In: BUSCH, L. (ed.). Science and Agricultural Development. New Jersey: Allaneld,Osmunpublishers BUSCH,L.;BONANNO,A.;LACY,W.Ciencia,tecnologíayreestructuraciónde laagricultura.agriculturaysociedad,v.53,out.-dez.,1989. CadernosdeCiência&Tecnologia,Brasília,v.12,n.1/3,p.29-38,
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