UMA SOLUÇÃO PARA O ETANOL BRASILEIRO
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- Liliana Rijo Guterres
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1 UMA SOLUÇÃO PARA O ETANOL BRASILEIRO O Brasil tem o programa mais bem sucedido de substituição de combustível fóssil por combustível renovável no mundo. Esse resultado só foi possível pela resposta do setor produtivo garantindo o crescimento da oferta de etanol anidro e hidratado. Com o novo Código Florestal, o Brasil tem a oportunidade de por em prática um dos maiores programas de preservação e recuperação de vegetação nativa do mundo. 1. O COMPROMISSO DO SETOR DIANTE DAS EXPECTATIVAS ESTABELECIDAS Os investimentos realizados pela indústria da cana-de-açúcar na última década impressionam: Expansão da produção: Entre 2004 e 2010, mais de 100 novas plantas industriais foram construídas, e o número de unidades produtoras em operação superou 400 empresas. Nesse período, as novas unidades, associadas à ampliação daquelas existentes, promoveram um aumento superior a 60% na capacidade de produção. Cabe ressaltar que esta expansão ocorreu primordialmente sobre terras com pastos degradados, respeitando o zoneamento agroecológico e sem competição com a produção de alimentos Investimentos: Apenas os investimentos industriais realizados para a ampliação da capacidade produtiva desde 2004 são estimados em mais de US$ 30 bilhões. Mais de US$ 5 bilhões foram destinados à compra de máquinas e equipamentos para a mecanização da colheita da cana-de-açúcar, atendendo exigência ambientais. 1
2 Apenas nos últimos três anos, mais de US$ 1,5 bilhão foram investidos na otimização da infraestrutura utilizada no escoamento da produção, incluindo ferrovias, terminais, transbordos, armazéns e instalações portuárias. Os investimentos estimados em dutovias e hidrovias para desenvolvimento da logística de distribuição e exportação de etanol devem atingir US$ 3,5 bilhões até A IMPORTÂNCIA DA CADEIA SUCROENERGÉTICA PARA A ECONOMIA BRASILEIRA O sistema agroindustrial da cana-de-açúcar incorpora uma ampla gama de agentes e empresas, e se destaca entre as principais cadeias do agronegócio brasileiro. Segundo levantamento realizado pela Universidade de São Paulo 1, o valor bruto movimentado pela cadeia sucroenergética na safra 2013/2014 superou US$ 100 bilhões, com um PIB do setor sucroenergético de aproximadamente US$ 43 bilhões na última safra. A geração de divisas com as exportações de açúcar e de etanol alcançou US$ 14 bilhões em Apenas o setor produtivo emprega diretamente 1 milhão de trabalhadores. O número de empregos indiretos é ainda mais expressivo, são mais de 16 mil estabelecimentos vinculados à produção de cana e etanol. O número de produtores rurais de cana-de-açúcar independentes é relevante: cerca de 70 mil fornecedores. As atividades produtivas do setor sucroenergético têm alto grau de interiorização. Número de municípios com produtores de cana ou etanol é quase 6 vezes maior do que o número de cidades com presença da indústria de petróleo no Brasil. 3. OS BENEFÍCIOS DA ENERGIA DA CANA-DE-AÇÚCAR 1 Neves, M. et al. Mapeamento e quantificação da cadeia sucorenergética. Mimeo,
3 Na área energética, o etanol e a bioeletricidade ocupam papel de destaque e promovem benefícios econômicos e ambientais consideráveis. A cana-de-açúcar é a primeira fonte de energia renovável do País, responsável por 16,1% da matriz nacional. Apenas o uso do etanol e da bioeletricidade seria suficiente para posicionar o País acima da média mundial no uso de energias limpas e renováveis, atualmente em 13%. Do lado da produção da cana de açúcar destacam-se os benefícios ambientais associados às boas práticas da produção canavieira e do manejo sustentável: As propriedades canavieiras de SP possuem cerca de 300 mil hectares de áreas de matas ciliares e nascentes conservadas ou em recuperação. O investimento para a completa recuperação dessas matas, apenas nos canaviais paulistas, demandará pelo menos R$ 2 bilhões. O emprego do fogo para a despalha da cana está praticamente eliminado nos canaviais do Centro Sul do País. Em São Paulo, como exemplo, a mecanização da colheita saltou de 34,2% em 2006 para 84% em , sendo que em 2014, quase 100% dos canaviais paulistas mecanizáveis deverão ser colhidos sem fogo. O fim do uso do fogo para a despalha da cana, somente em São Paulo, evitou a emissão de 4,4 milhões de toneladas de CO2eq 3 (gases causadores de efeitos estufa) desde Os investimentos na mecanização da colheita superaram R$ 5 bilhões. A palha não queimada tem grande potencial energético (energia elétrica e etanol 2G), mas que depende políticas públicas e de pesquisa e desenvolvimento para seu viabilizar economicamente seu uso. Além disso, esse esforço foi associado a um conjunto de diversos programas de requalificação de mão-de-obra rural, patrocinados inclusive pelo setor privado [o RenovAção é o maior exemplo], que conduziu o trabalhador para outras atividades dentro das indústrias ou na própria comunidade. Foram mais de 30 mil trabalhadores requalificados nos últimos anos. 2 Fonte: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Canasat e Agrosatélite - Geotecnologia Aplicada. 3 Fonte: Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Dados Consolidados do Protocolo Ambiental do Setor Sucroenergético Safras 2007/2008 a 2013/
4 Em relação à conservação de recursos hídricos, as indústrias sucroenergéticas reduziram o consumo de água no processo industrial de uma média de 5 metros cúbicos por tonelada de cana nos anos 90 para um consumo médio próximo de 1 metro cúbico. Esse número vem declinando ano após ano. No centro de tudo está a produção da cana-de-açúcar, com base em um manejo sustentável do solo, promovendo a recuperação de terras degradadas. Benefícios ambientais e de saúde pública associados ao etanol: O consumo de etanol pelos veículos flex, combinado à mistura obrigatória do produto na gasolina, reduziu a emissão de gases de efeito estufa em mais de 240 milhões de toneladas de CO2eq desde março de 2003, data do lançamento dos automóveis flex no Brasil. Estudo conduzido por pesquisador da Unicamp 4 indica que o custo do consumo da gasolina, em função dos danos estimados pela emissão de gases de efeito estufa, é da ordem de US$ 0,12/litro. Com base neste valor, e considerando que, desde o início do Proálcool, houve uma substituição de cerca de 350 bilhões de litros de gasolina- equivalente pelo uso do etanol, pode-se estimar uma economia de cerca de US$ 42 bilhões, ou R$ 93 bilhões. Os benefícios associados à saúde pública também impressionam: trabalho desenvolvido por equipe de médicos e especialistas da Universidade de São Paulo 5 concluiu que o uso do etanol combustível nas oito principais regiões metropolitanas do Brasil tem sido responsável pela redução de quase mortes e mais de internações anuais ocasionadas por problemas respiratórios e cardiovasculares associados somente ao uso de combustíveis fósseis. Trata-se de uma economia de R$ 430 milhões por ano para o sistema de saúde pública e privada. Vantagens da bioeletricidade ao sistema elétrico brasileiro: 4 Macedo, I. Quantificação de redução de danos climáticos decorrentes de processos para mitigação das emissões de GEE, como subsídio para a avaliação de políticas públicas). Mimeo, Saldiva, P. et al. Combustíveis para frota leve: cenários de mudança no perfil de consumo etanol / gasolina e impacto epidemiológico estimado em saúde. Mimeo
5 Além de limpa e renovável, a bioeletricidade é gerada próxima aos maiores centros consumidores de energia elétrica do País, reduzindo sensivelmente as perdas do sistema e a necessidade de investimentos em transmissão. Igualmente estratégico é o fato de a bioeletricidade ser complementar à geração hídrica: o potencial de geração de bioeletricidade pelas usinas da região Centro- Sul do País concentra-se entre abril e novembro, meses de safra da cana-deaçúcar e que correspondem exatamente ao período mais seco do ano. Apenas em 2013 a oferta de bioeletricidade representou uma economia de 7% da água dos reservatórios dos submercados geoelétricos das regiões Sudeste e Centro-Oeste. Estudo realizado pela PSR Consultoria, com base em dados de 2012, estimou que esses benefícios representam uma economia da ordem de 20 R$/MWh ao sistema elétrico brasileiro. Apenas em 2013, a bioeletricidade vendida à rede respondeu por 12% do consumo residencial total do Brasil, o equivalente ao abastecimento de 8 milhões de moradias. Nesse ano, a energia elétrica produzida a partir da cana-deaçúcar evitou a emissão de gases de efeito estufa equivalente ao plantio de 52 milhões de árvores nativas. O potencial de produção de eletricidade a partir do bagaço e da palha da canade-açúcar é estimado pela Empresa de Pesquisa Energética, entidade vinculada ao Ministério de Minas e Energia, em 22 GW médios até Isso equivale a quase 5 usinas de Belo Monte em produção de energia. 4. APESAR DE TUDO ISSO, O SETOR VIVE A MAIOR CRISE DE SUA HISTÓRIA A perda de competitividade do etanol promoveu uma reversão no ciclo virtuoso de investimento e crescimento desta indústria, gerando uma crise sem precedentes. Desde a crise financeira mundial em 2008, até 2013, mais de 70 usinas já fecharam as portas no Brasil; somente na região Centro-Sul, outras 12 unidades devem encerrar suas atividades em São 66 unidades produtoras em recuperação judicial, considerando as 5
6 unidades em operação e aquelas inativas. A dívida líquida média das empresas do setor sucroenergético supera seu faturamento bruto anual e quase 15% da receita está comprometida com o pagamento de juros. Para 20% das usinas ativas, essa situação é ainda mais preocupante: ¼ da receita é utilizada para o pagamento do serviço da dívida. Apenas nos últimos dois anos, esse movimento levou à perda de mais de 60 mil empregos diretos no setor produtivo. Empresas de bens de capital voltadas para a indústria canavieira registram, desde 2010, queda de 50% no faturamento, com o corte de milhares de postos de trabalho. Municípios canavieiros estão enfrentando queda acentuada de arrecadação, com forte deterioração nos segmentos de comércio e serviços. Companhias de grande porte, que efetuaram altos investimentos na atividade sucroenergética nos últimos anos, sinalizam a disposição de deixar o setor. Do ponto de vista da segurança energética, a crise do setor e consequente redução do crescimento da oferta do etanol, levou o País a importar nos últimos três anos quase 9 bilhões de litros de gasolina, representando um total de 6,8 bilhões de dólares em divisas. No Estado de São Paulo, responsável por cerca de 60% da produção nacional de cana-de-açúcar e mais de 50% do consumo de etanol hidratado, os efeitos da crise são evidentes. Dos 645 municípios do Estado, mais de 450 cultivam cana-de-açúcar e maior parte das empresas que compõem a indústria de base voltada à cadeia da cana-de-açúcar está localizada em São Paulo. Do total de unidades produtoras desativadas desde 2008, mais de 35 se localizam no Estado. 6
7 5. ESTRATÉGIA PARA A REVERSÃO DO QUADRO ATUAL: 4 PONTOS FUNDAMENTAIS A reversão do cenário atual somente será alcançada a partir de uma política de longo prazo consistente, com a valorização de uma matriz energética diversificada e que reconheça as contribuições ambientais do etanol e da bioeletricidade. A palavra-chave é previsibilidade. Entre os elementos fundamentais dessa política, quatro itens são fundamentais: 1 - Diretriz de longo prazo para a matriz brasileira de combustíveis É imprescindível uma definição sobre o papel do etanol na matriz de combustíveis do País. Mais do que a divulgação de previsões de demanda e oferta das diferentes fontes de energia, há que se adotar ações que tornem possível essas previsões. Trata-se de um ordenamento claro e duradouro, com a aplicação de mecanismos que evitem as frequentes e intensas mudanças observadas ao longo da última década. O que o País espera dessa fonte de energia limpa e renovável nos próximos anos? Que ações tornarão esse resultado factível? 2 Diferenciação tributária entre o combustível renovável e seu substituto fóssil Está claro que os benefícios sociais superam os benefícios privados na produção de etanol. Trata-se de um caso clássico de geração de externalidades positivas que geram investimentos privados menores do que o socialmente desejável. A correção dessa falha de mercado pode ser obtida com a tributação do combustível fóssil e poluente, melhorando a competitividade do combustível limpo e renovável. O restabelecimento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) ou a instituição de outro tributo federal de natureza ambiental em níveis adequados para valorizar a matriz de combustível de baixo carbono, podem funcionar como instrumento de correção dessas externalidades positivas. Os efeitos negativos nocivos decorrentes do consumo de gasolina que são hoje custeados de forma coletiva e difusa, passariam a estar valorados e pagos pelos usuários do combustível fóssil e poluente. A harmonização das alíquotas de ICMS cobrado sobre o etanol hidratado, equalizando- 7
8 as ao menor nível praticado entre os estados produtores, pode contribuir para a valorização da contribuição do etanol para a melhoria do meio ambiente. 3 Estímulos aos ganhos de eficiência técnica dos veículos Garantir, no contexto do Inovar-Auto, mecanismo de estímulo à busca de maior eficiência dos motores de veículos flex no uso do etanol hidratado como combustível, contribuiria decisivamente para a competitividade do biocombustível em relação à gasolina. O mesmo se aplica para o desenvolvimento dos motores híbridos flex ou movidos a etanol. 4 Valoração das vantagens da bioeletricidade Adequação dos leilões de energia elétrica, com a valorização dos atributos ambientais, elétricos e econômicos advindos do uso da bioeletricidade. Instituir um programa de contratação a partir de leilões diferenciados por fonte e/ou regiões são fundamentais para viabilizar a geração a partir da biomassa da cana-deaçúcar, especialmente nas usinas tradicionais. 5 Preservação e Recuperação Ambiental Qualquer expansão do plantio de cana no território nacional ocorrerá de forma ordenada, com estrita observância dos zoneamentos agrícolas e ecológicos nacionais e estaduais, os quais focam na ocupação de áreas antropizadas e degradadas e com aptidão para a cultura. O setor sucroenergético também está comprometido com a observância do novo Código Florestal Brasileiro [aprovado em 2012]. Mas para que isto ocorra, consideramos necessária a sua adequada e imediata regulamentação, em especial dos mecanismos de recuperação, compensação e remuneração de serviços ambientais. A segurança jurídica é a condição necessária da efetividade social desta nova lei. Se bem sucedida a regulamentação do novo Código, a floresta em pé será valorizada na condição em que se encontra e as práticas de recuperação nas propriedades agrícolas passarão a ser menos onerosas e geradoras de renda adicional ao produtor rural. Temos potencialmente um dos maiores programas de preservação e recuperação ambiental da história. Temos a responsabilidade de torná-lo realidade. 8
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