Gravidade do trauma avaliada na fase pré-hospitalar
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- Ágata Godoi Valente
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1 Artigo Original Gravidade do trauma avaliada na fase pré-hospitalar I.Y. WHITAKER, M.G.R. DE GUTIÉRREZ, M.S. KOIZUMI Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP. RESUMO A avaliação da gravidade do trauma e a instituição de manobras para manutenção básica da vida, no local do evento, podem representar a oportunidade de sobrevida para as vítimas de trauma até a sua chegada ao hospital. OBJETIVO. Estudar vítimas de causas externas avaliadas por um índice fisiológico denominado Trauma Score modificado (TSm) aplicado durante o atendimento pré-hospitalar. MATERIAL E MÉTODO. Analisaram-se, retrospectivamente, vítimas de causas externas atendidas pelo Sistema de Atendimento Móvel às Urgências (SAMU-RESGATE-SP) no município de São Paulo, no ano de Os dados foram obtidos da ficha de atendimento pré-hospitalar e laudo de necropsia. RESULTADOS. O atendimento pré-hospitalar em 81,31% ocorreu até 40 minutos, dos quais 83,96% das vítimas não-fatais obtiveram escores TSm 12 e 11, e 53,96% das vítimas fatais obtiveram escores 0, 1 e 2. Superfície externa (30,25%) e região da cabeça/pescoço (20,98%) foram as mais acometidas. Das vítimas fatais, 63,63% com Injury Severity Score (ISS) 16 morreram nas primeiras 24 horas. No cotejamento dos escores TSm e ISS, verificou-se que vítimas fatais com escore TSm entre 0 e 11 foram confirmadas como com ISS crítico (ISS 16). CONCLUSÃO. Constataram-se fortes indícios de que vítimas fatais com escores TSm baixos relacionaram-se com escores ISS altos. UNITERMOS: Índices de gravidade do trauma. Acidentes. Violência. Mortalidade. INTRODUÇÃO A elevação gradual dos índices de mortalidade por causa de acidente e violência tornou-se grave e sério problema de saúde da população dos países industrializados 1,2 e, conseqüentemente, esforços devem ser empreendidos para a prevenção e assistência em todos os níveis de atendimento, visando minimizar essa problemática. No Brasil, a mortalidade por causas externas não difere dos demais países do mundo, uma vez que ocupa o 3 o lugar dentre todas as causas de morte 3. A avaliação da gravidade do trauma e a instituição de manobras para manutenção básica da vida, no local do evento, podem representar a oportunidade de sobrevida para as vítimas de trauma até a sua chegada ao hospital. Além disso, nessa fase, por meio do processo de triagem, torna-se possível a adequação de recursos humanos e materiais às reais necessidades da vítima, podendo, desta forma, exercer influência nas taxas de morbidade e mortalidade. Para tal, é necessária a existência de serviços de atendimento pré-hospitalar integrado ao sistema de saúde. No Município de São Paulo, em 1990, foi implantado um sistema de atendimento pré-hospitalar denominado Sistema de Atendimento Móvel às Urgências (SAMU-RESGATE- SP). Esse sistema visa prestar assistência às vítimas em situação de emergência em vias ou logradouros públicos nos casos de acidente de trânsito, acidente com lesão corporal traumática, tentativa de suicídio, emergência clínica e obstétrica e outras emergências determinadas a critério do médico regulador 4. O processo de triagem das vítimas atendidas pelo SAMU-RESGATE-SP inclui a aplicação de um índice fisiológico como instrumento de auxílio para a tomada de decisão a partir da avaliação inicial da vítima de trauma. A possibilidade de avaliar a gravidade do trauma na fase pré-hospitalar e a importância e abrangência dos eventos traumáticos despertaram-nos o interesse em conhecer o perfil da gravidade do trauma das vítimas de acidente e violência em nosso meio, bem como observar a exatidão do índice fisiológico, utilizado pelo SAMU-RESGATE-SP, para determinar a gravidade do trauma mediante sua aplicação na fase precoce de atendimento à vítima. Assim, foram estudadas vítimas de causa externa do Município de São Paulo, atendidas na fase pré-hospitalar pelo SAMU-RESGATE-SP, no ano de 1991, com o objetivo de caracterizar as vítimas segundo tempo utilizado para o resgate, período de sobrevida e gravidade do trauma de acordo com o Rev Ass Med Brasil 1998; 44(2):
2 WHITAKER, IY et al. índice fisiológico registrado na fase pré-hospitalar, e analisar a gravidade do trauma das vítimas fatais mediante o cotejamento entre os dados fisiológicos registrados na fase pré-hospitalar e dados anatômicos obtidos pós-óbito. Espera-se que este estudo possa fornecer subsídios que venham a contribuir para o aprimoramento do serviço de atendimento pré-hospitalar, bem como para o planejamento de ações da equipe multiprofissional, nas áreas de prevenção, assistência, ensino e pesquisa relacionadas às vítimas de causas externas. MATERIAL E MÉTODO Tabela 1 Trauma Score modificado - TSm Escala de Coma Pressão arterial Freqüência Escore de Glasgow sistólica respiratória > > <50 < Tabela 2 Revised Trauma Score - RTS Escala de Coma Pressão arterial Freqüência Escore de Glasgow sistólica respiratória > > O material de estudo foi constituído pelos dados das fichas de atendimento pré-hospitalar e laudos de exames necroscópicos do Instituto Médico Legal (IML) das vítimas de causas externas atendidas pelas Unidades de Resgate (URs) do SAMU-RESGATE- SP, no período de janeiro a dezembro de 1991, no Município de São Paulo. As vítimas de causas externas com menos de 12 anos de idade foram excluídas porque, a rigor, em crianças, deve-se utilizar um índice fisiológico pediátrico para triagem em trauma, o qual atende as especificidades dessa faixa etária 5-7. A seleção dos eventos considerados como causas externas baseou-se nos critérios preconizados pela Organização Mundial de Saúde expressos na Classificação Suplementar de Causas Externas de Lesões e Envenenamentos, código E da Classificação Internacional de Doenças, 9 a revisão CID 9 a revisão 8. A lista de códigos, utilizada para classificar as causas externas, abrangeu de E800 a E989 da classificação suplementar de causas externas de lesão e envenenamento da CID, 9 a revisão. Foram excluídos os acidentes provocados em pacientes durante a prestação de cuidados médicos e cirúrgicos (E870 a E876), os efeitos tardios de lesões acidentais (E929), e os efeitos tardios de lesão infligida intencionalmente por outra pessoa (E969). Quanto às intervenções legais (E970 a E978), cumpre mencionar que os registros dessas condições não constavam nas fichas de atendimento pré-hospitalar, o que determinou a exclusão desse tipo de causa externa. Os nomes de todas as vítimas foram rastreados nos arquivos do IML, por um período de 180 dias a partir da data do evento, para a verificação de sua evolução após o trauma, visto que, no Brasil, as mortes por causas não naturais exigem, por força da lei, o exame necroscópico para o fornecimento do atestado de óbito 2,9. Assim, mediante um minucioso rastreamento nos arquivos do IML, foi possível identificar as vítimas fatais, pois nas suas fichas constavam a data do óbito e o número do laudo do exame necroscópico. Logo, admitiram-se como vítimas não-fatais aquelas que não foram encontradas no arquivo ou, se presente, havia a especificação do evento e do exame ao qual haviam sido submetidas, por exemplo, exame toxicológico, exame de corpo de delito. Um cuidado especial foi dedicado ao processo de identificação das vítimas sem nome de registro civil na ficha de atendimento pré-hospitalar. Nessa situação, o rastreamento restringiu-se àquelas que foram registradas como vítimas fatais na ficha de atendimento pré-hospitalar. Quanto às vítimas com o nome incompleto ou sem identificação de nome de registro civil e que não constavam como fatais, nas fichas de atendimento pré-hospitalar, não foi possível rastreá-las nos arquivos do IML para a verificação da ocorrência de óbito. Entre as vítimas de causas externas atendidas no ano de 1991 pelo SAMU-RESGATE-SP, fizeram parte do estudo. Foram excluídas 48 vítimas com o nome incompleto e três em razão de dificuldade em definir a causa externa registrada na ficha de atendimento pré-hospitalar. Considerando-se a baixa freqüência dos eventos intoxicação, homicídio, queimadura, suicídio e outros, optou-se por analisá-los como demais causas. Os acidentes de transporte e as quedas foram mantidos como grupamentos distintos pela sua alta freqüência, 64,50% e 20,79%, respectivamente, em relação aos eventos que compõem as demais causas. Do total de vítimas, (90,81%) sobreviveram ao evento e 130 (9,19%) faleceram. Houve predomínio do sexo masculino (76,73%) em relação 112 Rev Ass Med Brasil 1998; 44(2): 111-9
3 Tabela 3 Trauma Score - TS Escala de Coma Pressão arterial Enchimento Freqüência Esforço Escore de Glasgow sistólica capilar respiratória respiratório > Normal > <50 Lentificado <10 Normal 1-0 Ausente 0 Superficial ou c/ tiragem 0 Tabela 4 Vítimas* segundo intervalo de tempo (em minutos) entre chamada do serviço de resgate até a chegada ao hospital. Condição vital pós-evento, SAMU-RESGATE-SP, 1991 Condição Não fatal Fatal Total Tempo (min) N % N % N % (36,81) 44 (44,90) 457 (37,46) (44,12) 40 (40,82) 535 (43,85) (10,25) 5 (5,10) 120 (9,84) (6,06) 5 (5,10) 73 (5,98) 91 e mais 31 (2,76 4 (4,08) 35 (2,87) Ignorado Total (100,00) 130 (100,00) (100,00) * O percentual foi calculado sobre o total de casos com informação conhecida: não fatais x = 30 (1-179 ); fatais x = 31 (1-195 ). x x ao feminino (23,27%), em todos os eventos estudados. A média de idade foi 32,68 anos (12 a 97) e o maior número de vítimas (1.082) concentrou-se entre 15 e 44 anos (77,90%). Para fins de triagem, as vítimas atendidas pelo SAMU-RESGATE-SP foram avaliadas por um índice fisiológico que, neste estudo, foi denominado Trauma Score modificado (TSm) (tabela 1), tendo em vista sua origem. No TSm, os parâmetros avaliados e os intervalos da Escala de Coma de Glasgow (ECGl) foram aqueles do Revised Trauma Score (RTS) 10, considerado o mais avançado entre os índices fisiológicos para avaliação da gravidade do trauma (tabela 2). Além disso, os intervalos da pressão arterial sistólica (PAS) e freqüência respiratória (FR) foram os do Trauma Score (TS) 11, índice precursor do RTS (tabela 3). Os escores TSm resultam da soma dos valores numéricos de 0 a 4 estabelecidos aos intervalos dos parâmetros, de forma que a pontuação varia de 0 (maior gravidade) a 12 (menor gravidade). Para avaliar a efetividade do TSm, utilizou-se o Injury Severity Score (ISS), por se tratar de um índice anatômico que tem sido usado amplamente na determinação da gravidade do trauma e também na avaliação do desempenho dos índices, pois é um instrumento que consegue prognosticar sobrevivência e mortalidade de maneira bastante sensível 5,12. No presente estudo, optou-se por limitar a análise referente à efetividade do TSm em relação ao ISS somente no grupo de vítimas fatais, tendo em vista as dificuldades e a complexidade que envolvem a obtenção de dados das vítimas de trauma, atendidas pelo SAMU-RESGATE-SP, nos vários serviços de emergência do Município de São Paulo. A pontuação da gravidade da lesão foi feita por meio de consulta ao Manual AIS Uma vez pontuadas todas as lesões, procedeu-se ao cálculo do ISS para cada paciente, de acordo com a metodologia preconizada por Baker, O Neill 14 e Baker et al. 15. As vítimas que tiveram os ISS calculados foram subdivididas em grupos, de acordo com os intervalos ISS referentes à gravidade do trauma 16. Assim sendo, vítimas com escore de 1 a 15 foram classificadas como trauma leve, com escores de 16 a 24 como trauma moderado e 25, trauma grave 17. O escore ISS 16, preditivo de pelo menos 10% de probabilidade de morte, foi adotado como ponto crítico 5,6, Os resultados foram analisados, basicamente, sob a forma de números absolutos e percentuais. RESULTADOS 1) Tempo de atendimento e período de sobrevida A média de tempo transcorrido entre a chamada do serviço de resgate até a chegada ao hospital, Rev Ass Med Brasil 1998; 44(2):
4 WHITAKER, IY et al. Tabela 5 Vítimas fatais segundo tipo de causa externa e período de sobrevida, SAMU-RESGATE-SP, 1991 Período <24h 1 a 7 dias 8 a 30 dias + 31 dias Total Causa N % N % N % N % N % Ac. de transporte 68 (52,31) 15 (11,54) 6 (4,62) 4 (3,08) 93 (71,55) Queda 2 (1,54) 4 (3,08) 2 (1,54) (6,16) Demais causas 21 (16,15) 5 (3,84) 1 (0,76) 2 (1,54) 29 (22,29) Total 91 (70,00) 24 (18,46) 9 (6,92) 6 (4,62) 130 (100,00) Fig. Vítimas segundo escores TSM (N=1.404) e condição vital pós-evento, SAMU-RESGATE-SP, para atendimento das vítimas fatais e não-fatais, foi muito próxima, 30 (1 179) e 31 (1 195) minutos, respectivamente. Conforme mostra a tabela 4, 457 vítimas (37,46 %) chegaram ao hospital em até 20 minutos e 535 (43,85 %), de 21 a 40 minutos. Assim sendo, o intervalo de tempo entre a chamada do serviço e a chegada da vítima ao hospital, na maioria das vezes (81,31%), foi de 1 a 40 minutos. A média de tempo gasto no local do evento para a execução dos procedimentos, nas vítimas fatais e não-fatais, também foi muito próxima, 14 (0 199) e 15 (0 184) minutos, respectivamente. A tabela 5 mostra que 70,0% das vítimas fatais de causas externas morreram nas primeiras 24 horas pós-evento. Nesse intervalo, o maior percentual (52,31%) de mortos foi das vítimas de acidente de transporte. 2) Gravidade do trauma segundo o TSm Considerando-se que as pontuações dos extremos no TSm são indicativas de maior ou menor gravidade do trauma, a análise foi feita dividindose as vítimas em fatais e não-fatais. Foram excluídas dez vítimas por causa da ausência de registro do TSm na ficha de atendimento pré-hospitalar; destas, seis eram vítimas não-fatais e quatro, vítimas fatais. A média do TSm obtida para vítimas não-fatais foi 11,33 ± 1,19, e para as vítimas fatais, 3,97 ± 4,31. De acordo com a figura ao lado, a grande maioria das vítimas não-fatais (83,96%) concentrou-se nos mais altos escores TSm (63,77% no escore 12 e 20,19% no escore 11). Neste grupo, o menor escore foi 3 (0,08% das vítimas). Em relação às vítimas fatais, além de a distribuição se dar de modo inverso e proporcionalmente diferente, verificouse que os maiores percentuais localizaram-se nos escores 0 e 2 (39,68% e 11,11%, respectivamente). Somando-se os percentuais obtidos nos escores 0, 1 e 2, observou-se que 53,96% das vítimas fatais mostraram grave deterioração dos parâmetros fisiológicos avaliados por esse índice. O grupo constituído por vítimas não-fatais não recebeu escores TSm baixos, mas, no grupo de vítimas fatais, 11 (8,73%) receberam escore 12 durante o atendimento pré-hospitalar e vieram a falecer. 3) Gravidade do trauma das vítimas fatais pelo cotejamento do TSm e ISS A aplicação da metodologia preconizada para o cálculo do ISS resultou na exclusão de nove vítimas fatais, por não atenderem aos critérios exigidos no sistema AIS/ISS. A média de regiões corpóreas lesadas por vítima fatal foi 3. A região corpórea mais freqüentemente acometida nas vítimas fatais foi a superfície externa (30,25%), seguida da cabeça/pescoço (20,98%), em todos os eventos (tabela 6). As regiões do tórax e extremidade/cintura pélvica foram quase igualmente atingidas, 16,89% e 16,35%, respectivamente. Em relação à região da cabeça e pescoço, verificou-se que esta foi atingida em 60 (20,34%) vítimas de acidente de transporte, seis (33,33%) vítimas de queda e 11 (20,37%), demais causas. Conforme mostra a tabela 7, entre as vítimas fatais, 55 (45,45%) tiveram período de sobrevida menor que 24 horas e obtiveram ISS 25 (trauma grave). A maioria das vítimas com ISS 16 (63,63%) morreu nas primeiras 24 horas pós-evento. Houve vítimas levemente traumatizadas (ISS 1 a 15) que morreram nas primeiras 24 horas (7,44%) e uma vítima gravemente traumatizada (ISS 25) sobreviveu mais que 31 dias. 114 Rev Ass Med Brasil 1998; 44(2): 111-9
5 Tabela 6 Lesões das vítimas fatais segundo regiões corpóreas e tipo de causa externa, SAMU-RESGATE-SP, 1991 Causa Ac. transporte Queda Demais causas Total Regiões corpóreas N % N % N % N % Superfície externa 86 (29,15) 7 (38,89) 18 (33,33) 111 (30,25) Cabeça/pescoço 60 (20,34) 6 (33,33) 11 (20,37) 77 (20,98) Tórax 51 (17,29) 2 (11,11) 9 (16,67) 62 (16,89) Extrem./cint. pélv. 51 (17,29) 2 (11,11) 7 (12,96) 60 (16,35) Abdome/cont. pélv. 36 (12,20) 1 (5,56) 5 (9,26) 42 (11,44) Face 11 (3,73) (7,41) 15 (4,09) Total 295 (100,00) 18 (100,00) 54 (100,00) 367 (100,00) Fatais x = 3 regiões corpóreas. x Tabela 7 Vítimas fatais* segundo período de sobrevida e intervalos ISS, SAMU-RESGATE-SP, 1991 Período <24 h 1 a 7 dias 8 a 30 dias + 31 dias Total ISS N % N % N % N % n % (7,44) 4 (3,31) 2 (1,65) 2 (1,65) 17 (14,05) (18,18) 10 (8,27) 5 (4,13) (30,58) (45,45) 9 (7,44) 2 (1,65) 1 (0,83) 67 (55,37) Ignorado Total 91 (71,07) 24 (19,02) 9 (7,43) 6 (2,48) 130 (100,00) *As percentagens foram calculadas sobre o total de casos com informação conhecida: ISS fatais x = 28,97 ± 17,26. x Tabela 8 Vítimas fatais segundo escores TSm e escores ISS, SAMU-RESGATE-SP, 1991 ISS Total TSm N % N % N % (10,26) 95 (81,20) 107 (91,46) 12 3 (2,56) 7 (5,98) 10 (8,54) Total 15 (12,82) 102 (87,18) 117* (100,00) * Excluídos 13 casos por ausência de um ou ambos os escores. Chamaram a atenção 17 vítimas fatais que obtiveram ISS de 1 a 15, pois, além do fato de terem sido classificadas como tendo tido trauma leve, nove delas faleceram em um curto espaço de tempo, mesmo tendo recebido atendimento préhospitalar. No cotejamento entre TSm e ISS, 13 vítimas fatais foram excluídas por causa da ausência de um ou ambos escores. Considerou-se como vítimas com risco de vida aquelas com escores TSm de 0 a 11, ou seja, aquelas com alterações dos parâmetros fisiológicos. Na tabela 8, das 107 (91,46%) vítimas fatais detectadas com TSm entre 0 e 11, 95 (81,20%) foram confirmadas como com ISS crítico ( 16). Mas, entre as vítimas fatais, três (2,56%) eram consideradas como sem risco de vida, tanto por um como pelo outro indicador utilizado neste estudo. Além disso, sete (5,98%) vítimas pontuadas como sem risco pelo TSm não foram confirmadas pelo ISS, que as apontou como críticas ( 16), e 12 (10,26%) vítimas pontuadas como com risco pelo TSm não foram confirmadas pelo ISS, pois a pontuação indicou trauma leve ( 15). DISCUSSÃO O trauma determina conseqüências sociais e econômicas importantes, pois as lesões podem ocasionar a morte ou incapacidade temporária ou permanente da vítima, determinando um alto custo com a recuperação, além de muitas vezes comprometer-lhe a qualidade de vida. Um dos fatores críticos que interfere no prognóstico das vítimas de trauma é o tempo gasto até que o tratamento definitivo seja instituído 22. Se- Rev Ass Med Brasil 1998; 44(2):
6 WHITAKER, IY et al. gundo o Committee on Trauma of American College of Surgeons, na maioria das comunidades urbanas dos EUA, o acesso ao Centro de Trauma nível I e II deve ser possível dentro de 30 minutos a partir da ativação do Serviço Médico de Emergência 23. Além disso, de acordo com as normas desse mesmo comitê, o intervalo ideal para execução dos procedimentos no local do evento é de 20 minutos Entretanto, fatores como distância, dificuldade de acesso, retirada das ferragens podem interferir no resgate da vítima e consumir minutos preciosos O SAMU-RESGATE-SP apresentou um desempenho satisfatório em relação ao tempo utilizado para efetuar o atendimento no seu primeiro ano de funcionamento, apesar da dimensão territorial e populacional do município de São Paulo, quando comparado ao recomendado pelo Committee on Trauma of American College of Surgeons. As primeiras horas pós-evento traumático têm sido apontadas por vários autores como sendo o período de maior índice de mortalidade 23,26,27. Nos dados do Major Trauma Outcome Study, referentes a uma população de vítimas de trauma, Champion et al. 28 constataram que, entre as vítimas fatais, 59,80% não sobreviveram mais que 24 horas pós-evento. Neste estudo, o percentual de vítimas fatais nas primeiras 24 horas pós-trauma foi elevado (70%), apesar de terem recebido assistência no local do evento, o que poderia indicar a existência de lesões graves (tabela 5). Utilizando-se o TSm, verificou-se que 53,94% das vítimas fatais apresentaram grave deterioração dos parâmetros fisiológicos (escores 0,1 e 2), mas observou-se que 8,73% não apresentaram alteração nos parâmetros quando avaliados na fase pré-hospitalar. No grupo de vítimas não-fatais, o TSm mostrou-se mais apropriado, 83,96% receberam escore 12 e 11 e não houve registro de escores TSm baixos (fig.). Em relação ao desempenho do RTS para triagem de vítimas, Champion et al. 10 adotaram o critério; vítimas com escores RTS 11 devem ser encaminhadas a um Centro de Trauma, após constatarem que a probabilidade de sobrevida das vítimas com escore 12 era superior a 90%. Alguns fatores influenciam a precisão dos índices fisiológicos, quando aplicados na fase préhospitalar, podendo levar tanto à superestimação quanto à subestimação do risco de vida da vítima de trauma. A subestimação da gravidade do trauma pode ocorrer quando as vítimas jovens mascaram sua condição real, visto que são capazes de compensação fisiológica para perdas maciças de volume 6,11. Já a presença de álcool ou drogas pode influenciar negativamente na avaliação do nível de consciência, podendo levar à superestimação da gravidade do trauma 29,30. Observa-se que do ponto de vista de um índice fisiológico, tanto a superestimação quanto a subestimação do risco de vida da vítima envolvem uma importante característica, a variabilidade temporal 12,31,32. Contudo, em primeiro lugar, os índices de gravidade devem apresentar pontos fundamentais para obtenção de resultados confiáveis, ou seja, validade, confiabilidade e disponibilidade dos dados necessários 33. Quanto às lesões das vítimas fatais, observou-se que em média três regiões corpóreas foram lesadas. A despeito da superfície externa ter sido a mais atingida (30,25%), as lesões mais encontradas foram os ferimentos corto-contusos, abrasões e lacerações que, caracteristicamente, não são fatais (tabela 6). A vulnerabilidade das regiões corpóreas ao trauma tendem a se relacionar com o evento que acomete a vítima 17,34. E em todos os grupos de causa externa deste estudo, a região da cabeça foi a segunda mais freqüentemente acometida (tabela 6). A importância das lesões na região da cabeça e pescoço reside no fato de que o traumatismo cranioencefálico (TCE) é a principal causa de morte nas vítimas de trauma 16,28,35. O estudo de Gennarelli et al. 36 sobre a mortalidade de vítimas de trauma com e sem TCE mostrou que o número de vítimas fatais com TCE foi 1,5 vez maior que aquelas sem TCE (60,4% e 39,6%, respectivamente). Além disso, os autores observaram o efeito sinérgico das lesões (AIS 4 e 5) de outras regiões do corpo, quando presentes nas vítimas com TCE, e verificaram que em 67,8% a morte foi atribuída ao TCE, em 25,6% à combinação das lesões e em 6,6% foi devido a outras lesões que não o TCE. Por meio do cálculo do ISS, verificou-se que as lesões das vítimas fatais deste estudo eram graves (média do ISS 28,97 ± 17,26), culminando, na maioria das vezes, em morte. Os acidentes ou violências causam lesões graves em diferentes regiões corpóreas, determinando um alto número de vítimas com ISS 16 e sobrevida menor que 24 horas (tabela 7), o que caracteriza a gravidade do trauma das vítimas de causa externa e a importância de um atendimento precoce e adequado desde o local do evento. Os resultados do cotejamento entre escores fisiológicos e anatômicos mostraram que houve fortes indícios de que vítimas fatais com escores TSm baixos, indicativos de risco de vida, relacionaram-se com escores ISS altos (tabela 8 e fig.). A ocorrência de vítimas com ISS 16 que não 116 Rev Ass Med Brasil 1998; 44(2): 111-9
7 apresentaram alterações nos parâmetros fisiológicos aferidos no TSm (escore 12) pode estar relacionada a fatores como variabilidade temporal e ao tipo de trauma. Dessa forma, uma única verificação dos parâmetros fisiológicos, durante o atendimento pré-hospitalar, poderá ser insuficiente para identificar vítimas com trauma grave que apresentam compensação adequada diante do déficit de volume. Além disso, é insuficiente para detectar vítimas com trauma torácico, visto que, caracteristicamente, existe um lapso de tempo até o início da alteração dos parâmetros fisiológicos 32. Assim, um sistema de resgate que efetua o atendimento em um curto espaço de tempo nem sempre conseguirá identificar esse tipo de vítima na fase pré-hospitalar, quando utiliza somente índices fisiológicos como critério de triagem 19,32. Para minimizar a ocorrência da subestimação da gravidade do trauma da vítima, vários autores recomendam a associação de outros critérios aos índices fisiológicos 10,18,20,32. Os resultados da triagem de vítimas de trauma feita mediante uso de um índice fisiológico com e sem associação de outros critérios, apresentados por West et al. 37, mostraram que a freqüência de subestimação da gravidade do trauma diminuiu de 21% para 4,4%, quando foram associados critérios que não variavam com o tempo ao índice fisiológico. A existência de vítimas de trauma leve (ISS 1 a 15) com alterações nos parâmetros fisiológicos (PAS, FR, ECGl)) pode estar relacionada com a influência de fatores, como presença de álcool, drogas ou sangramento abundante, que alteraram o nível de consciência nas primeiras horas pós-trauma. E quanto à ocorrência de óbito nas vítimas de trauma leve, especialmente, naquelas que não apresentaram alteração nos parâmetros fisiológicos, pode-se relacioná-la com a presença de doença preexistente ao trauma. No algoritmo da triagem na fase pré-hospitalar recomendado pelo American College of Surgeons Committee on Trauma, verifica-se a associação do RTS (dados fisiológicos) com critérios anatômicos, intensidade e mecanismo do trauma, idade e doenças preexistentes 19,23,38. O poder preditivo do índice depende de sua especificidade e sensibilidade 39,40. Isto significa que se o índice utilizar critérios muito elásticos este incluirá a maior parte das vítimas, independente de sua gravidade (alta sensibilidade). Por outro lado, se o índice possuir critérios bastante rígidos, ele conseguirá distinguir as vítimas que não correm risco de vida (alta especificidade). Entretanto, a sensibilidade e a especificidade são elementos interdependentes e, de acordo com a finalidade a que se destina um teste, opta-se por priorizar um ou outro 10,19, De acordo com Almeida Filho & Rouquayrol 39, não existem instrumentos com erro absoluto ou acerto completo, mas, ao utilizar critérios de indicativos contínuos, é importante encontrar um ponto que mostre os melhores valores de sensibilidade e especificidade. Os efeitos da subestimação ou superestimação da gravidade do trauma podem determinar resultados maléficos, tanto à vítima quanto à estrutura de atendimento às emergências 21. As vítimas que tiverem a sua gravidade subestimada nem sempre estarão usufruindo de recursos adequados à sua condição e, como conseqüência, poderão vir a falecer. Por outro lado, quando há superestimação da gravidade do trauma, o uso inadequado dos recursos disponíveis poderá acarretar em uma assistência onerosa, além de sobrecarregar instituições ou estruturas, impossibilitando o acesso das vítimas que realmente se beneficiariam de tais recursos. No presente estudo, como os intervalos da PAS e FR no TSm eram diferentes daqueles do RTS e as descrições das lesões foram somente das vítimas fatais, não foi possível comparar estes resultados com os obtidos pelos autores que utilizaram tanto o RTS quanto o TS. A despeito de a maioria das vítimas fatais terem sido encaminhadas em tempo adequado ao hospital, verificou-se que se tratavam de vítimas com trauma moderado ou grave (ISS 16) e que faleceram nas primeiras 24 horas pós-evento, levando à constatação da gravidade do acidente ou violência que as acometeram. Sendo assim, é imperativo que medidas preventivas e educacionais em âmbito populacional sejam incrementadas no sentido de reduzir a ocorrência desses eventos, visto que um sistema de atendimento ao trauma perfeitamente integrado e eficiente, por si só, não é suficiente para solucionar este importante problema de saúde pública. Um sistema de atendimento ao trauma deve favorecer a otimização dos recursos disponíveis tal que as vítimas possam usufruí-los de acordo com a gravidade do trauma 42. Nesse sentido, os critérios de triagem tem um papel fundamental na fase préhospitalar. Contudo, nem sempre os critérios de triagem conseguem prever todos os fatores intervenientes que influenciam o prognóstico de uma vítima de trauma, mas seria de grande valia se esses casos fossem detectados e analisados, a fim de verificar se os fatores se relacionaram à vítima ou ao sistema de atendimento. Para tal, torna-se necessário avaliar a gravidade do trauma, também, na fase hospitalar por meio do uso de combi- Rev Ass Med Brasil 1998; 44(2):
8 WHITAKER, IY et al. nação de índices de base fisiológica e anatômica. Considerando que os índices de gravidade do trauma são instrumentos úteis para o atendimento da vítima de causa externa, seria desejável que, em nosso meio, todos os profissionais envolvidos no âmbito da problemática do acidente e violência se conscientizassem da sua importância, não apenas para a assistência imediata, mas, também, para a realização de estudos cujos resultados, divulgados em uma linguagem uniforme, possam ser utilizados pela equipe multidisciplinar, possibilitando, desse modo, contribuições para o desenvolvimento em todos os níveis de assistência e prevenção. CONCLUSÕES Em relação ao atendimento pré-hospitalar, verificou-se que 81,31% foram efetuados em até 40 minutos. O percentual de óbito nas primeiras 24 horas pós-evento foi 70,0%. Em relação à caracterização da gravidade do trauma por meio do TSm, verificou-se que a média dos escores TSm foi 10,70 ± 2,68, e que 83,96% das vítimas não-fatais obtiveram escores 12, e 11 e 53,96% das vítimas fatais, escores 0, 1 e 2. Em relação à análise da gravidade do trauma das vítimas fatais por cotejamento dos índices TSm e ISS, constatou-se que, de acordo com o sistema AIS/ISS, a média de regiões corpóreas lesadas foi 3, e que as regiões mais freqüentemente acometidas foram a superfície externa (30,25%) e a cabeça/ pescoço (20,98%). A média do ISS foi 28,97 ± 17,26 e a morte ocorreu nas primeiras 24 horas pósevento em 63,63% da vítimas fatais, com ISS 16. Houve fortes indícios de que vítimas fatais com escores TSm baixos relacionaram-se com aqueles de escores ISS altos. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao SAMU-RESGATE-SP e ao Instituto Médico Legal, pelo acesso aos dados. SUMMARY Trauma severity assessment in prehospital setting The trauma severity assessment and basic life support maneuvers in prehospital setting can represent to the trauma victim the opportunity of survival until his/her can get assistance in the hospital. PURPOSE. To study external cause victims assessed in the prehospital phase by the physiologic index named Trauma Score modificado (TSm). METHODS. Retrospective analyses were made of 1414 victims attended by Sistema de Atendimento Móvel às Urgências (SAMU-RESGATE-SP) in the Municipality of São Paulo during Data were gathered from prehospital data recording sheets and necropsy records. RESULTS. Prehospital attendance was carried out in 81.31% until 40 minutes. Non-fatal victims (83.96%) had 12 and 11 TSm scores while 53.96% of the fatal victims had 0, 1 and 2 scores. External surface (30.25%) and head/neck (20.98%) were most injured areas and 63.63% fatal victims with Injury Severity Score (ISS) 16 died within first 24 hours. Comparing the fatal victims TSm and ISS scores verified that 81.20% victims with TSm score between 0 and 11 had major trauma (ISS 16). CONCLUSION. Strong trends were also found out in that fatal victims with low TSm scores showed relations to the high ISS scores. [Rev Ass Med Brasil 1998; 44(2): ] KEY WORDS: Trauma severity indices. Accidents. Violence. Mortality. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Baker SP. Injuries in America: a national disaster. Trans Stud Coll Physicians Phila 1988; 10: Mello Jorge MHP. Mortalidade por causas violentas no Município de São Paulo. São Paulo, [Tese de Doutorado Faculdade de Saúde Pública da USP.] 3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Ações Básicas de Saúde. Subsistema de Informações sobre Mortalidade. Estatística de mortalidade: Brasil Brasília, Centro de Documentação do Ministério da Saúde, São Paulo (Estado). Secretaria de Estado da Saúde, Sistema Integrado de Atendimento às Emergências do Estado de São Paulo: Projeto Resgate. São Paulo, s.d. [Mimeografado] 5. Smith EJ, Ward AJ, Smith D. Trauma scoring methods. Br J Hosp Med 1990; 44: Boyd CR, Tolson MA, Copes WS. Evaluanting trauma care: the triss method. J Trauma 1987; 27: Eichelberger MR, Gotschall CS, Sacco WJ et al. A comparison of the Trauma Score, the Revised Trauma Score,and the Pediatric Trauma Score. Ann Emer Med 1989; 18: Manual da Classificação Estatística Internacional de Doenças, Lesões e Causas de Óbito: 9 a revisão, São Paulo, Centro Brasileiro de Classificação de Doenças, 1978;1: Koizumi MS. Aspectos epidemiológicos dos acidentes de motocicleta no Município de São Paulo, São Paulo, [Tese de Doutorado - Faculdade de Saúde Pública da USP.] 10. Champion HR, Sacco WJ, Copes WS et al. A revision of the Trauma Score. J Trauma 1989; 29: Champion HR, Sacco WJ, Carnazzo AJ, Copes WS, William FJ. Trauma Score. Crit Care Med 1981; 9: Current status of trauma severity indices. J Trauma 1983; 23: The Abbreviated Injury Scale (AIS): 1990 revision. Des plaines, American Association for Automotive Medicine, Baker SP, O Neill B. The Injury Severity Score: an update. J Trauma 1976; 16: Rev Ass Med Brasil 1998; 44(2): 111-9
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