TÍTULOS DE CRÉDITO INTRODUÇÃO
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- Lorenzo de Oliveira Castro
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1 TÍTULOS DE CRÉDITO INTRODUÇÃO O direito cambiário é o que tem por objeto o estudo dos títulos de crédito. Estes títulos são documentos representativos da obrigação de pagar uma determinada quantia em dinheiro, dotados de dois atributos, a executividade e a negociabilidade. Desde já cumpre ressaltar que os títulos de crédito propriamente ditos não se prestam para representar uma obrigação de fazer, não fazer ou outro tipo de obrigação de dar. Quanto aos títulos de crédito impróprios, alguns deles representam direitos diversos do recebimento de dinheiro. Exemplo: Warrant e conhecimento de depósito, representam a posse e propriedade de mercadorias depositadas em armazéns gerais. No tocante aos seus atributos, o primeiro, que é a executividade, é consagrado no art. 585, I, do CPC, que o considera título executivo extrajudicial, agilizando-se, destarte, a cobrança do débito, mediante a supressão da fase de conhecimento do processo judicial. Aquele que, munido de um título de crédito, optar pela ação de cobrança, ao invés da ação de execução, verá o processo ser extinto sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC. O segundo atributo, a negociabilidade, lhe é muito mais peculiar, posto que o primeiro é ostentado por outros diversos documentos. A negociabilidade é a possibilidade de se transmitir o seu domínio com facilidade, assemelhando-se, nesse aspecto, ao dinheiro, permitindo-se a concretização do elemento temporal do crédito, consistente na troca de um bem presente por um bem futuro, porquanto o sistema legal dos títulos de crédito é dotado do elemento confiança, consubstanciado no fato de o direito encontrar-se aparelhado para a efetivação do recebimento do valor do título. Outros documentos representativos de créditos como é o caso da sentença judicial, dos contratos e da confissão de dívida não gozam dessa simplificação de negociabilidade. Aliás, o contrato e a confissão de dívida não são sequer títulos executivos extrajudiciais, salvo se subscritos por duas testemunhas. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL Os títulos de crédito são disciplinados pelo Código Civil (arts. 887 a 926). Essas normas, no entanto, são aplicáveis apenas supletivamente para suprir as raras lacunas da legislação especial. Com efeito, dispõe o art. 903 do CC: Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código. Na verdade, letra de câmbio e a nota promissória são regidas pela Lei Uniforme de Genebra e Decreto 2.044/1908. O cheque é disciplinado pela Lei nº 7.357/1985 e a duplicata pela Lei n 5.474/68. Quanto ao Código Civil, só é aplicado subsidiariamente, incidindo apenas nas lacunas do diploma normativo específico. Se, porém, no futuro, uma lei limitar-se a criar um novo título de crédito, mas sem discipliná-lo, o Código Civil será sua fonte normativa reguladora. CONCEITO Tornou-se clássico o conceito de Cesare Vivante, segundo o qual título de crédito é o documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele mencionado. O Código Civil Brasileiro de 2002 adotou conceito similar, mas não abraçou na íntegra a definição proposta por Vivante. Com efeito, dispõe o art. 887 do Código Civil: O título de crédito, documento necessário ao 1
2 exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei. Abstraindo-se essa última expressão somente produz efeitos quando preencha os requisitos legais é o conceito de Vivante consagrado pelo direito pátrio. PRINCÍPIOS CAMBIÁRIOS Estes princípios são os postulados básicos que regem os títulos de crédito. Do conceito de Vivante, irradiam os seguintes princípios: cartularidade; literalidade; autonomia. Alguns juristas ainda apontam os princípios da abstração e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé, mas, na verdade, são meros desdobramentos do princípio da autonomia. PRINCÍPIO DA CARTULARIDADE O título de crédito, segundo o conceito acima, é um documento necessário ao exercício do direito nele mencionado, logo é preciso apresentá-lo à pessoa indicada para efetuar o pagamento. Assim, o princípio da cartularidade é o que exige a exibição original do título de crédito para exercer o direito dele resultante. Na cobrança judicial, por exemplo, o original do título deve ser juntado com a petição inicial. Igualmente para fundamentar requerimento de falência com base na impontualidade. A posse do título é o pressuposto para alguém exercer o direito nele contido. Não basta, porém, a apresentação da fotocópia, ainda que autenticada, é preciso a exibição do título de crédito original, pois só assim se tem a garantia de que não houve a sua circulação. Vale ainda ressaltar que o título de crédito é documento, isto é, um papel escrito, dotado de conteúdo e identificação do signatário com valor probatório. O escrito, para ser título de crédito, deve ser lançado em papel, não se admitindo gravações, filmagens e tampouco pen drive ou similar. Não existe também título de crédito oral. Sobre as exceções ao princípio da cartularidade, cumpre mencionar três. A primeira é o protesto por indicações da duplicata ou letra de câmbio, a segunda é a possibilidade de se mover ação de execução com base em fotocópia, comprovando-se que o original encontra-se apreendido em inquérito policial ou processo-crime, aguardando a realização da perícia. A terceira é o aceite por comunicação, isto é, lançado fora do título, que é possível na duplicata, em que a cobrança é feita por Instituição Financeira, sendo que referida comunicação que o sacado faz a Instituição Financeira é um documento passível de protesto e que ainda funciona como título executivo extrajudicial ( 1º e 2º do art.7º da Lei nº 5.474/68). PRINCÍPIO DA LITERALIDADE O direito, que por meio do título de crédito se pretende exercer, deve estar literalmente nele mencionado. Aliás, qualquer relação jurídica relacionada com o título de crédito só é levada em consideração quando nele constar expressamente. O princípio da literalidade significa que os direitos e obrigações só são regidos pelo direito cambiário quando constar expressamente no título de crédito. O aval, por exemplo, quando 2
3 lançado fora do título de crédito, ainda que por escritura pública, não tem a natureza jurídica de aval, embora possa valer como fiança. A quitação lançada em documento separado, isto é, fora do título, não produz efeitos. Igualmente, o endosso em separado não surte efeito algum. Pelo princípio da literalidade só é levado em consideração o que está escrito no título de crédito, e, por consequência, as obrigações inseridas em separado a ele não se integram. Exceção a esse princípio verifica-se na duplicata, pois o 1º do art.9º da Lei nº 5.474/1968 admite a quitação, pelo legítimo possuidor do título, em documento separado. Outra exceção é o aceite por comunicação que o sacado da duplicata faz, em documento separado, que é entregue à Instituição Financeira (art.7º, 1º da LD). PRINCÍPIO DA AUTONOMIA O princípio da autonomia consagra a independência das relações jurídicas constantes no título de crédito. Se, por exemplo, o emitente da letra de câmbio for incapaz, ainda assim o credor poderá exigir o pagamento do devedor, isto é, do aceitante, sendo que este último, em razão do princípio da autonomia, não poderá alegar a nulidade do título pelo fato de ter sido emitido por incapaz. Assim, a nulidade de uma obrigação lançada no título não contamina as outras obrigações nele contidas, porque elas são autônomas, propiciando-se, destarte, que o possuidor de boa-fé execute um direito próprio, que, conforme salienta Fran Martins, não pode ser restringido ou destruído em virtude das relações entre os anteriores possuidores e o devedor, pois cada obrigação que deriva do título é autônoma em relação às demais. As implicações do princípio da autonomia, como bem esclarece Fábio Ulhoa Coelho, representam a garantia efetiva de circulabilidade do título de crédito. O terceiro descontador não precisa investigar as condições em que o crédito transacionado teve origem, pois ainda que haja irregularidade, invalidade ou ineficácia na relação fundamental, ele não terá o seu direito maculado (Curso de Direito Comercial, v. 1, p. 378, editora Saraiva). Do princípio da autonomia são extraídos outros dois subprincípios, o da abstração e o da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé. O primeiro revela o desdobramento do princípio da autonomia no direito material; o segundo é a sua aplicação no campo processual. PRINCÍPIO DA ABSTRAÇÃO O princípio da abstração consagra a irrelevância da causa que deu origem ao título em relação ao terceiro de boa-fé para o qual este fora transferido. Se, por exemplo, um cheque obtido mediante extorsão é transferido pelo extorsionário a um terceiro de boa-fé, este poderá descontálo validamente. Outro exemplo: se o vendedor de carro roubado transfere a terceiro de boa-fé o título de crédito que recebera em pagamento, este poderá cobrar o título do comprador que desconhecia a origem criminosa do bem adquirido. O princípio da abstração, porém, só é aplicado em relação ao terceiro, que de boa-fé adquiriu o título de crédito de um dos contratantes. Não é aplicado entre os contratantes, pois eles se obrigam pelo contrato, e, por consequência, o vício que o contamina é uma defesa pessoal alegável para inibir o pagamento do título de crédito. Nos exemplos acima, o contratante que fora vítima de extorsão e o que emitiu o título de crédito para comprar o carro roubado podem se recusar, perante o outro contratante, a efetuar o pagamento do título de crédito, invocando, para tanto, a nulidade da obrigação fundamental que originou a sua emissão. Força convir, portanto, que o princípio da abstração só entra em cena quando o título de 3
4 crédito é posto em circulação, aplicando-se, tão somente, entre as pessoas que não contrataram entre si. Ao ser posto em circulação o título de crédito se desvincula da relação jurídica fundamental que lhe deu origem. PRINCÍPIO DA INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS AOS TERCEIROS DE BOA-FÉ Dispõe o art. 17 da Lei Uniforme de Genebra: As pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor. Assim, o princípio da inoponibilidade consiste na proibição de o devedor, no plano processual, alegar, em face do portador do título de crédito, as defesas pessoais que poderia sustentar contra os coobrigados anteriores. Vê-se assim que o terceiro de boa-fé, quando adquire o título de crédito, o recebe purificado, não tendo, pois, que se preocupar com os fatos modificativos ou extintivos atinentes aos direitos de seus antecessores. Se, por exemplo, a relação fundamental, isto é, que originou a emissão de um título de crédito envolvendo A e B, diz respeito à venda de um automóvel, e este apresenta algum vício redibitório, referido fato não poderá ser alegado pelo devedor ao terceiro que, de boafé, houver adquirido o título. Em três hipóteses, no entanto, o devedor poderá alegar as exceções visando inibir o pagamento do título. A primeira refere-se às exceções comuns, que são defesas pertinentes à inexistência, invalidade ou inexigibilidade do título de crédito. Exemplos: falsificação, nulidade por falta de requisito essencial e prescrição do título. A segunda refere-se às exceções pessoais envolvendo diretamente o devedor e o portador do título. Se, por exemplo, o terceiro de boa-fé for cobrar o título do devedor, este poderá arguir a compensação da importância que este terceiro também lhe deve. A última verifica-se quando o terceiro adquire o título de crédito de má-fé, vale dizer, consciente do fato que poderia ser alegado em face do credor anterior. Não se exige, para a caracterização da má-fé, o conluio entre o terceiro adquirente e a pessoa que lhe transferiu a cártula, pois é suficiente para a torpeza a aquisição do título com conhecimento das defesas pessoais que o devedor poderia opor contra o credor anterior. Se, no exemplo citado anteriormente, o terceiro adquirisse o título de crédito ciente do vício redibitório que maculava o automóvel, ao devedor, que havia adquirido o carro com defeito, será facultado defender-se mediante arguição da ocorrência de vício redibitório, opondo-se, destarte, ao pagamento. Outro exemplo: A é o devedor de um título de crédito em face de B, mas como este também é seu devedor não pretende efetivar o pagamento direto e sim compensar as dívidas. Diante disso, B resolve transferir a cártula a C, que apresenta a A para cobrança. Indaga-se: A poderá se opor ao pagamento, alegando a tal compensação? Depende. Se C estava de boa-fé, entra em cena o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais como fator impeditivo da dita defesa. Se, ao revés, C procedeu de má-fé, tinha consciência da dívida de B em relação à A, este último poderá arguir como defesa a compensação esquivando-se, assim, de efetuar o pagamento direto do título. Convém ainda esclarecer que a má-fé, conforme se depreende da análise do art. 17 da Lei Uniforme, é analisada no tempo da aquisição do título pelo terceiro. Se este, após adquiri-lo de boa-fé, vem a tomar conhecimento das relações pessoais arguíveis perante o seu antecessor, esse 4
5 fato posterior não impede a aplicação do princípio da inoponibilidade. Sobre o princípio em estudo, dispõe o art.915 do CC: O devedor além das exceções fundadas nas relações pessoais que tiver com o portador, só poderá opor a este as exceções relativas à forma do título e ao seu conteúdo literal, à falsidade da própria assinatura, a defeito de capacidade ou de representação no momento da subscrição, e à falta de requisito necessário ao exercício da ação. O art.916 do CC ainda acrescenta que: As exceções, fundadas em relação do devedor com os portadores precedentes, somente poderão ser por ele opostas ao portador, se este, ao adquirir o título, tiver agido de má-fé. TÍTULOS DE CRÉDITO ELETRÔNICOS Referidos títulos de crédito são os emitidos através do computador ou meio técnico equivalente. Substitui-se o papel pelo meio magnético. É admitido pelo 3º do art.889 do CC, desde que conste da escrituração do emitente e observe os demais quesitos legais. Atualmente, apenas a duplicata pode ser emitida de forma virtual, pois o seu aceite é presumido e a sua escrituração é obrigatória no livro de registro de duplicata. Ademais, na duplicata, o protesto pode ser por indicações, isto é, o vendedor envia ao Tabelionato de Protesto um boleto contendo os dados do título. Assim, o saque da duplicata pode ser via e o pagamento por transferência bancária eletrônica. Se não houver pagamento, o protesto pode ser providenciado via , enviando-se ao Cartório os dados da duplicata, pois o aceite é presumido. Vê-se assim que é dispensável a cártula (o papel). 5
6 PERGUNTAS: 1) O Código Civil Brasileiro adotou o conceito Vivante sobre títulos de crédito? 2) O que é o princípio da cartularidade? 3) O que é o princípio da literalidade? 4) O que o princípio da autonomia? 5) O que é o princípio da abstração? 6) O que o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros da boa-fé? 6
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