William André Sávio Bonifácio (Graduando UNESP/Assis)
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- Rui Marreiro Bugalho
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1 II Colóquio da Pós-Graduação em Letras UNESP Campus de Assis ISSN: A TRADIÇÃO DESPEDAÇADA: UMA ANALISE DA MODERNA POESIA AFRICANA William André Sávio Bonifácio (Graduando UNESP/Assis) RESUMO: Este trabalho destina-se a analise das representações das imagens e ecos das guerras nos versos dos poetas em busca de uma nação negra e uma literatura original nos poemas inseridos na obra Na noite grávida de punhais: Antologia temática da poesia africana (1975), organizada por Mario pinto de Andrade, cujos temas, centrados em problemáticas locais, transcendem para preocupações universais. Por temas universais entende-se: insularidade, evocação, protesto e prelúdio a liberdade que se dividem nas três fases da evolução poética africana. Entremeia-se em laço a cultura e a identidade do povo na construção da negritude com temas universais da estética da poesia moderna africana. PALAVRAS-CHAVE: Poesia; sonoridade; imagem. Essa capacidade de revelar nova substancia dentro de palavras já gastas e surradas é que constitui a maior riqueza da poesia (Alfredo Bosi) A poesia ao longo do tempo demonstrou ser o ponto de (des)equilíbrio entre realidade e ficção; com seus versos sonoros e estrofes coloridas, o poema trata do ser humano em seu universo existencial. De idiossincrasias peculiares, a poesia deformase e forma-se em diversas formas mediante a criatividade, contexto e necessidade de seu (co)autor. Quando falamos da poesia africana de expressão portuguesa é importante entendermos que o surgimento das manifestações poéticas africanas não aconteceu isoladamente em um único país do continente, mas foi num processo de coletividade social que, emergindo conjuntamente com a busca da identidade nacional negra, a poesia eclodiu. Então, temos no domínio poético como importantes precursores desta manifestação artística e cultural, Costa Alegre (São Tomé e Príncipe) e Rui de Noronha (Moçambique). Costa Alegre reflete uma forma de tomada de consciência da condição do negro ferido na sua cor. Atingido no mais íntimo do seu ser pelas humilhações que sofreu num meio social que lhe era hostil, dilacerado pelo isolamento e por decepções amorosas, Costa Alegre refugia-se num universo de autocondenação racial.
2 Rui de Noronha é sensível ao espetáculo da opressão, mas isolado na sua démarche, prisioneiro de seu misticismo, traduz em tom brando de lamentação contemplativa a dor que lhe causava a vida das massas africanas, mas professava claramente a resignação. Rui de Noronha apela para a libertação africana. A essência que a poesia moderna africana de expressão portuguesa nos revela não é apassivadora, mas sim, um agente ativo em um contexto social e cultural de tensão entre colonizadores e colonizados. Ela revela-se libertadora, vindo a constituir um das faces da chamada libertação nacional. Assim, a poesia africana tende a identificar-se com as aspirações populares tanto pelo conteúdo dos poemas, como pelo papel desempenhado nos movimentos culturais em países de caráter nacionalista. Um dos principais autores e disseminadores da ideologia de resistência frente aos valores impostos pelo opressor foi Viriato da Cruz. Nnascido em Angola no ano de 1928, fez parte de um grupo de jovens estudantes intelectuais e coube a ele o mérito da formulação teórica e estética do movimento Vamos descobrir Angola. Diz Viriato: [...] esse movimento combatia o respeito exagerado pelos valores culturais do ocidente e exigia a expressão dos interesses populares e da autentica natureza africana. Tudo deveria basear-se no senso estético, na inteligência, na vontade e na razão africana. O próprio enraizamento dos poetas no chão nacional determina a convergência de temas e a unidade de tom e, de todas as colônias erguem-se vozes de denúncia e protesto. Aos poucos, a poesia africana imprime uma tônica militante à dolorosa peregrinação do homem negro de todo o mundo, porém, ela não atingi diretamente as largas massas populares, mas contribuiu para que os seus problemas fossem assumidos pelos núcleos de leitores em situação de ruptura com o assimilacionismo. O sistema colonialista reagiu ao impacto provocado pela poesia de denúncia tanto junto ao circulo restrito do público africano como junto dos leitores da sociedade colonial ou da sua metrópole, que recebiam outra imagem dos africanos, ocultada ou deformada pelas instituições opressivas. Portanto, quando os povos retomam pela via armada a iniciativa histórica que modela o seu devir nacional, a poesia e o comprometimento do sujeito-poeta nas batalhas populares permitiram lançar as bases de identificação do autor com o seu público. A evolução da moderna poesia africana de escrita portuguesa desenvolveuse em três fases essenciais: 1- Negritude: entendida como negação da assimilação dos valores culturais do ocidente. A revalorização do patrimônio cultural negro-africano. 181
3 2- Particularização: suscitada pelo alargamento e ultrapassagem da negritude, é o momento da singularizarão. A criação literária vai ritmando o desenvolvimento da consciência social. 3- As balas começam a florir: retomada pela via armada a iniciativa histórica: guerra de libertação nacional. Levantam problemas inerentes às condições sociais e ideológicas, ou seja, uma poesia de denúncia e protesto. Tendo em vista as três fases essenciais do desenvolvimento poético moderno africano e a importância de cada um, buscamos analisar um poema que traz em si a síntese desses períodos. Tomamos, então, o poema Na noite grávida de punhais, de Ouvídio Martins, para ilustrar e tentar fazer soar o contexto da luta armada à qual a poesia participou e, assim, ultrapassando os limites da historia literária, confunde-se com a própria história do país. Ouvídio Martins nasceu na ilha de São Vicente, Cabo Verde, em Sua criação poética foi escrita em português e crioulo, e dispersas em antologias, revistas e jornais. Emigração Silêncio Cabo-Verdianos! Choram irmão nossos nas roças de São Tomé E há perigos e ameaças na noite grávida de punhais Prepara o braço serviçal! Dos olhos do poeta rolam lagrimas cor de sangue. Começo analisando o título do poema Emigração, que se refere ao ato de mudar para outro país ou sair da terra natal. No próprio titulo do poema, o poeta já 182
4 imprime uma tonalidade militante à dolorosa peregrinação do homem negro desterrado de todo o mundo. Na primeira estrofe do poema, o verso vem pontuado com uma exclamação, com a finalidade de indicar estados emocionais e a entonação dos sentimentos. A exclamação acentua a expressão da primeira palavra do verso, silêncio. Com a necessidade da ausência do som, o poema pede silêncio ao leitor em tom de luto. No segundo verso, choram irmãos nossos nas roças de São Tomé, é perceptível a sonorização causada pela repetição da consoante (s), uma aliteração. Há também a assonância com as vogais (o) e (a) intercalando foneticamente sons abertos e fechados. Quando interpretados ambos os versos, o primeiro e segundo, põem em evidência a necessidade de conscientização frente à realidade de opressão vivida pelo povo colonizado com a intenção de resgatar a identidade de uma negritude pela expressão irmão. Assim, o eu-lírico busca marcar no poema traços da ancestralidade africana e a valorização do indivíduo sugerindo igualdade entre todos. Em seguida, no próximo verso, o poeta alerta: e há perigos e ameaças na noite grávida de punhais. A construção verbal, além de descrever uma imagem fortíssima, traz também muitos elementos significativos para a compreensão da composição poética; o período noturno para o africano é de muita importância porque é na noite que acontecem, por exemplo, suas danças e cultos religiosos. A própria tonalidade do ambiente traz ao povo a ligação com os elementos místicos da natureza. Não menos importante a palavra grávida vai simbolizar no poema o feminino e, assim, não podemos nos esquecer que para os nativos africanos a África é grande mãe terra, e a terra no misticismo africano é a representação, a pele, do orixá Onilê. Além da feminilidade contida, há a ideia da gestação, ou seja, algo que está se desenvolvendo e que posteriormente irá nascer, aludindo à revolução. Encerrando o verso, temos um instrumento que é utilizado tanto em rituais quanto nas batalhas; são os punhais. Portanto, o autor utiliza elementos totalmente antagônicos entre si para criar uma complexa metáfora em que personifica a noite, grávida de punhais. O autor propõe o restabelecimento da aliança entre homem e natureza, na luta em prol do mesmo ideal, enfrentando os mesmos perigos e ameaças, uma vez que não só as pessoas eram exploradas, mas também a natureza. O poeta constrói, no nosso ponto de vista, uma das mais belas imagens do poema nessa estrofe. O verso seguinte, também pontuado com uma exclamação, prepara o braço serviçal!, vem entoar um aviso aos adversários e um pedido aos aliados; ao mesmo tempo em que traz ao leitor o reconhecimento de quem e para quem o poema foi escrito, ou seja, para o serviçal. 183
5 E por último o verso: Dos olhos do poeta rolam lágrimas cor de sangue. O poeta mais uma vez põe em suas linhas elementos-chave para a construção do poema e cria uma metáfora que vai demonstrar todo o sofrimento do eu-lírico. Os olhos são um dos sentidos mais místicos que temos; são a janela da alma por onde enxerga-se o cosmo, as imagens do exterior. O sujeito do verso, o poeta, personagem, guerrilheiro e criador de novos mundos. As lágrimas são sinônimas da tristeza. A cor de sangue simboliza a guerra, dor e vingança. Diante de versos tão imagéticos é preciso esclarecer que a imagem diz respeito à linguagem verbal, ou seja, as palavras descrevem a imagem, ou melhor, como dizia Pound, fanopéia, imagem visualizada por meio do texto verbal, a imagem da palavra. Outra característica importante a considerar é que a poesia é para ser vista e ser ouvida porque o som e a imagem dão sentido ao poema, mas deixamos claro que sua existência depende da ação do espectador sobre ele, dando-lhe expressividade. Referências bibliográficas ANDRADE, Mário de. Antologia temática de poesia africana I Cabo Verde / São Tomé e Príncipe / Guiné / Angola / Moçambique Na noite grávida de punhais. Lisboa: Livraria Sá da Costa editora, HAMILTON, Russel G. Literatura africana, literatura necessária, II Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe. Lisboa: Edições 70,
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