ANAIS DO XV CONGRESSO NACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA
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- Ágata Franco Canejo
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1 CARACTERÍSTICAS ORTOGRÁFICAS DA LÍNGUA PORTUGUESA: SÉCULOS XVIII AO XX Angelita Heidmann Campos (UFMT) Elias Alves de Andrade (UFMT/USP) 1. Introdução Este trabalho está vinculado aos projetos de pesquisa: Estudo do português em manuscritos produzidos em Mato Grosso a partir do século XVIII, MeEL/ IL/ UFMT, História e variedade do português paulista às margens do Anhembi e Edição de textos literários e não literários em língua portuguesa FFLCH/ USP. Os objetivos deste são os de observar as ocorrências ortográficas, diferentes das vigentes atualmente, de diversos vocábulos, encontradas na cópia de instrução dada pelo Conde de Azambuja a Dom João Pedro da Camara (08 de janeiro de 1765), nos jornais mato-grossenses: A Gazeta Cuyabana, (edições de 02/06/ 1847, 31/ 07/ 1847, 12/02/ 1848 e 19/07/ 1848), O Liberal (21/ 12/ 1871) e A Locomotiva (21/10/ 1883) e no jornal gaúcho O Correio do Povo (01 a 31/ 12/ 2009) e compará-las para comprovar a sua semelhança. 2. Filologia Conforme Buarque de Holanda (2009, p. 899), a filologia é o estudo da língua em toda a sua amplitude e dos documentos antigos que servem para documentá-la, concordando com Santiago-Almeida (2009, p. 224), que se baseou em Auerbach (s/d), Azevedo Filho (1987), Spina (1977), Cambraia (2005) e outros para assegurar que esta ciência tem duas direções: No sentido mais amplo (lato sensu), dedica-se ao estudo da língua em toda a sua plenitude linguístico, literário, crítico-textual, sócio-histórico etc. no tempo e no espaço, tendo como objeto o texto escrito, literário e não literário [manuscrito e impresso]. No sentido mais restrito ou estreito (stricto sensu), concentra-se no texto escrito, primordialmente literário [antigo e moderno, manuscrito e impresso], p Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011
2 para estabelecê-lo, fixá-lo ou restituí-lo à sua genuinidade e prepará-lo para ser publicado. Segundo Spina (1977, p. 75) os objetivos da filologia variaram de acordo com a época, lugares e autores que a praticaram, mas sempre teve seu campo bem determinado já que filologia não existe sem o texto, a- crescentando: A filologia concentra-se no texto, para explicá-lo, restituí-lo à sua genuinidade e prepará-lo para ser publicado. A explicação do texto, tornando-o inteligível em toda a sua extensão e em todos os seus pormenores, apela evidentemente para as disciplinas auxiliares (a literatura, a métrica, a mitologia, a história, a gramática, a geografia, a arqueologia etc.), a fim de elucidar todos os pontos obscuros do próprio texto. Esse conjunto de conhecimentos complicados, dando a impressão de verdadeira cultura enciclopédica de quem os pratica, constitui o caráter erudito da filologia. 3. Paleografia É a [...] ciência que estuda a escrita antiga., conforme acepção de Dias e Bivar (1986, p. 12), Cambraia (2005, p. 23), Spina (1977, p. 18), Buarque de Holanda (2009, p. 1471), Acioli (2003, p. 5), Spaggiari e Perugi (2004, p. 17). Surgiu na Idade Média, devido a falsificações de documentos de posse após a Guerra dos Trinta Anos ( ) entre protestantes e católicos e possui nome originário do grego palaios, antigo, e graphien, escrita. Muitos destes autores acrescentam ainda que cabe à paleografia: o ensino de leitura correta de todos os tipos de documentos manuscritos ou impressos, abordando a origem e evolução da escrita 1 ; a decifração de manuscritos considerando as mudanças ocorridas na escrita ao longo do tempo 2 ; leitura e interpretação das formas gráficas antigas, determinação de tempo e lugar da produção dos manuscritos, anotação de erros com o intuito de fornecer subsídios à História, à Filologia, ao Direito e outras ciências em que a escrita seja fonte de conhecimento (ACIOLI, 2003, p. 5); estudo da evolução dos tipos caligráficos em materiais moles como papiro, pergaminho, pano, papel (SPINA, 1977, p. 18); constituição sócio-histórica dos sistemas de escrita e ampliação na capacidade de verifi- 1 Román Blanco, apud Dias e Bivar, p Jesus Muñoz Y Riviera, apud Dias e Bivar, p. 13. Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 p. 1498
3 car a originalidade do documento, através da escrita, bem como interpretação adequada das escritas do passado. (CAMBRAIA, 2005, p. 23) Para tanto, ao analisar um documento paleograficamente, especifica Cambraia (2005, p. 24), deve-se descrever sucintamente o tipo de escrita, o sistema braquigráfico, os sinais estigmológicos, os pontos de dificuldade de leitura e as soluções adotadas, assim como o tipo de escrita, localização e datação do manuscrito ou impresso antigo A escrita Não se pode dizer com precisão quando e como foi que os seres humanos começaram a utilizar a escrita como um meio de comunicação para interagir com os seus semelhantes. A única certeza que se tem, de acordo com Acioli (2003, p. 17) é que esses usaram por muito tempo a linguagem verbal até desenvolverem a escrita. Février, citado em Acioli (2003, p ), afirma que a escrita se desenvolveu em quatro etapas classificadas de forma lógica, não sucessivas, a saber: Pictográfica ou Figurativa (estágio mais rudimentar), Mnemônica (estágio sintético), Ideográfica (estágio analítico) e a Fonética. Destaca-se que, além das escritas mencionadas, é importante reconhecer as de transição que se encontravam em mais de um estágio. Acredita-se que a escrita existe desde a América Pré-Colombiana, pois foi encontrada entre os povos maias, astecas e incas. A dos maias, assim como a dos egípcios, é classificada como de transição entre a ideografia e o fonetismo, considerada sagrada, seu uso era muito limitado e tratava de cronologia, astrologia e religião reproduzindo figuras humanas. Já a dos astecas se diferenciava apenas por representar figuras de a- nimais ferozes. Os incas possuíam os quipos, um sistema mnemônico para gravar registros numéricos, religiosos ou históricos, pelos quais divulgavam as notícias recentes ou documentos oficiais. Também há de se destacar as inscrições pintadas pelos índios brasileiros nos sítios rupestres, classificadas de petroglíficas, pertencentes ao período embrionário, pois são assimétricas, sequenciais ou isoladas e sem tamanho padrão. Quanto à escrita latina, há discussões que apontam para a origem grega e outras para a fenícia não havendo consenso em relação à verdadeira origem. Acredita-se que tenha originado da grega, mesmo que haja discussões que apontem para a adoção do alfabeto fenício ou do silabário cretense pelos gregos. p Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011
4 3.2. Ortografia da língua portuguesa De acordo com Coutinho (1976, p ) e com Gonçalves (2003, p. 40), citados em Andrade (2007, p ), a ortografia portuguesa teve sua trajetória marcada por vários períodos. O primeiro autor estabelece: o fonético fase arcaica do português até o século XVI; o pseudoepistemológico, do século XVI até 1904, e o simplificado, após Já o segundo autor, apresenta quatro tipos de sistemas ortográficos: etimológico, marcado pela publicação da Orthographia ou Arte de Escrever e Pronunciar com Acerto a Língua Portugueza, de João de Morais Madureira Feijó, em 1734; o misto, defendido principalmente por Francisco Félix Carneiro Souto-Maior e Francisco Nunes Cardoso, o filosófico e o simplificado. As mudanças ortográficas que ocorreram ao longo do tempo foram formalizadas, apenas em 1904, por Gonçalves Viana, com a publicação da obra Ortografia Nacional, oficializada pelo governo português em 1911, pois até então não havia regras oficialmente estabelecidas, na qual, no início do prefácio apresenta um esclarecimento: Este opúsculo não é um tratado de ortografia portuguesa; é antes um inquérito, e a crítica minuciosa, desenvolvida e documentada da actual anarquia ortográfica, acompanhada de numerosas soluções, ao seu autor sujeridas pelo estudo sistemático e detido da questão, e que podem pôr côbro a essa anarquia, porque são de execução fácil e estão em harmonia com a tradição portuguesa, fiel e cientificamente observada. (VIANA, 1904, p. V) No Brasil, o primeiro movimento de simplificação ortográfica a- conteceu em 1907, proposto por Medeiros de Albuquerque intermediado pela Academia Brasileira de Letras ABL. Em 1912, João Ribeiro redigiu outra regulamentação. Três anos depois (1915), Silva Ramos convenceu a Academia Brasileira de Letras a adotar a ortografia oficial do português de 1911 e em 1919, Osório Duque Estrada sugeriu que todas as mudanças fossem anuladas fazendo com que não houvesse mais nenhuma regra, o que foi aceito temporariamente. Porém, nesse mesmo tempo, outros autores como: Mário Barreto, Jacques Raimundo, Silva Ramos e Sousa da Silveira defendiam que o Brasil adotasse as regras estabelecidas em Em 1929, a ABL retornou ao que foi proposto em 1907, mas o público não aceitou e, em 1931, foi feito um acordo com Portugal que retornou ao que havia sido escrito em Em 1937, Gustavo Capanema encarregou alguns professores para criarem um novo sistema ortográfico que ficou pronto no último dia daquele ano, mas foi engavetado. No ano seguinte, o próprio Capanema Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 p. 1500
5 restabeleceu a proposta de 1931, fixando a acentuação gráfica sem seus reguladores. Dez anos depois, o mesmo ministro sugeriu mais mudanças, sendo duramente criticado pela ABL, a qual ficou encarregada de resolver o impasse ortográfico e, em 1943, um acordo foi publicado em forma de decreto-lei. Quando os alfabetizados estavam assimilando este novo a- cordo, o governo Linhares, dois anos depois, impôs uma difícil e nova ortografia que foi ignorada até pelo Diário Oficial. Em 1955, o acordo, apresentado 12 anos antes, se tornou ortografia provisória e em 1967, foi solicitada a elaboração de um sistema comum de escrita entre Brasil e Portugal. (MELO, 1981, p ) Entre 1986 e 1990 emergiu o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa propondo a unificação do português, através da aprovação de um vocabulário comum, em oito países que o adotam oficialmente (Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné- Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste). Consenso que deveria ter entrado em vigor em Entretanto as ratificações não foram enviadas e mais uma vez a mudança ortográfica foi adiada porque protocolos modificativos, que a- cabavam com a data limite para o início da vigência do acordo, foram assinados, bem como diminuiu para três a quantidade de países que deveriam ratificar o acordo. O Timor Leste foi incluído como participante em Em 2006, as discussões em relação ao novo acordo ficaram mais acirradas. Dois anos, o presidente do Brasil, Luís Inácio da Silva, no dia 29 de setembro, sancionou-o na Academia Brasileira de Letras, no qual definia que as mudanças de cerca de 0,5% do nosso vocábulo nos livros didáticos deveriam começar em 01/01/ 2009 com data limite para Contudo, Portugal que deverá mudar a grafia de aproximadamente 1,6% do seu vocabulário ainda resiste, inclusive com uma petição com milhares de assinaturas de pessoas que não aceitam as modificações gráficas A ortografia no manuscrito e nos jornais As ocorrências ortográficas serão dispostas em tabelas. A primeira coluna apresenta o fac-símile do manuscrito, a segunda do jornal matogrossense e a terceira do impresso gaúcho, disponível no site deste veículo de comunicação. Pode-se afirmar que o maior número de vocábulos com grafia diferente da atual são os que possuem consoantes duplicadas, p Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011
6 seguido pelas ocorrências cç, ct, gm etc, representantes do período pseudoepistemológico, que buscava a grafia correta na origem das palavras, e das paroxítonas e proparoxítonas sem diacríticos As consoantes duplicadas Ms MT RS Transcrição acceitar annos aquelles attenção bella dellas acceitar annos aquelles attençaó Bella dellas effeito effeito ella Elle elles Matto Grosso nelles occasião offereceu ella elle Elles Matto Grosso nelles occazião offereceu officios officios Villa Villa Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 p. 1502
7 Consoantes mudas ou nulas acção augmento districto acçaó augmento Districto escripto facto instrucções prompto escripto facto instrucçaõ prompto Os diacríticos Conforme Acioli (2003, p ) os sinais diacríticos são usados nas letras ou um grupo destas para destacar um determinado traço fonológico. Já Santiago-Almeida (2003/2004, p. 76) afirma que estes tinham função muitas vezes de assinalar a quantidade da vogal, diferente da atual que é assinalar graficamente a tonicidade ou o timbre das vogais. Grande parte dos vocábulos manuscritos não está acentuada. Observem-se alguns exemplos: Proparoxítonas sem acento America duvida generos incomoda politica America duvida generos incomodos politica pratica pratica p Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011
8 proximo ultimo proximas ultimo Paroxítonas terminadas em ditongo ou em l, sem acento copia importancia necessarias necessario noticia proprias sitio facil Copia importancia necessarias necessarios noticia proprias Sitio facil Oxítonas terminadas em m sem acento alem ninguem porem tambem Alem ninguem porem tambem Monossílabos tônicos sem acento ha ha Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 p. 1504
9 Uso do h na 3ª pessoa do singular do verbo ser, e nos artigos indefinidos e He um hum uma huma Uso de h para indicar hiato ahi cahindo sahir ahi cahindo sahi Uso de h para formar dígrafo authorizar authoriza 3.4. Ditongo com semivogal i, y, e, o e u quaes Deos reos Achão hajão tenhão quaes Deos Reo achao hajaõ tenhaõ p Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011
10 Cuyabá Goyas Cuyabá Goyas Paraguay constitue Paraguay constitue cousa couza 3.5. Uso de s e z caza faser caza fas veses ves 4. Algumas considerações Ao analisar os vocábulos, presentes no manuscrito e nos dois impressos, percebeu-se que mesmo não havendo uma regra formalmente estabelecida, fato qual Gonçalves Viana chama de anarquia ortográfica, havia certa semelhança na grafia das palavras nos três séculos: XVIII, XIX e XX e ainda que possuíssem o livre arbítrio para grafar os vocábulos, o escriba e o redator adotavam uma ortografia comum. Baseando-se nas pesquisas sobre a ortografia, percebeu-se que o retorno às origens buscando a etimologia nas palavras latinas, gregas ou francesas trouxe os digramas rh, th, ph e ch, bem como as consoantes geminadas e mudas que aparecem nos três documentos analisados. Como também que a maioria das palavras não recebia acento, pois ainda não havia a preocupação de destacar a vogal que fazia parte de uma sílaba tônica. Diante disso, parece claro que, até a reforma ortográfica promovida por Gonçalves Viana em 1904, e mesmo após, a ortografia da língua Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 p. 1506
11 portuguesa foi marcada pela inexistência de um padrão homogêneo de conduta, e, mesmo havendo alguma orientação, não era completamente seguida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACIOLI, Vera Lúcia Costa. A escrita no Brasil colônia: um guia para a leitura de documentos manuscritos. 2. ed. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Massangana, ANDRADE, Elias A. Estudo paleográfico e codicológico de manuscritos dos séculos XVIII e XIX: edições fac-similar e semidiplomática. São Paulo: USP, Tese de Doutorado em Filologia e Língua Portuguesa; Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) Universidade de São Paulo, Aspectos paleográficos em manuscritos dos séculos XVIII e XIX. In: Revista Filologia e Linguística Portuguesa, FFLCH/ USP, ISSN , n. 10/11, 2010, p Cotejo de manuscritos do século XIX. In: Revista Caligrama, Belo Horizonte, v. 15, n. 2, 2010, p CAMBRAIA, César Nardelli. Introdução à crítica textual. São Paulo: Martins Fontes, DIAS, Madalena Marques; BIVAR, Vanessa dos Santos Bodstein. Paleografia para o período colonial. In: Paleografia e fontes do período colonial brasileiro. Estudos CEDHAL- Nova Série nº 11. São Paulo: Humanitas/FFLCH-USP, 2005, p FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Coordenação Marina Baird Ferreira, Margarida dos Anjos. 4. ed.. Curitiba: Positivo, MEGALE, Heitor; CAMBRAIA, César Nardelli. Filologia portuguesa no Brasil. DELTA, Vol. 15, Nº Especial, 1999, p MELO, Gladstone Chaves. Iniciação à filologia e à linguística portuguesa. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, SAMARA, Eni de Mesquita. Fontes coloniais. In: Paleografia e fontes do período colonial brasileiro. Estudos CEDHAL Nova Série, n. 11. São Paulo: Humanitas/ FFLCH-USP, p , p Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011
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