PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 17ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL

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1 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 17ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL Processo nº: Ação: Ação Civil Pública Autor: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte Réu: Colégio Salesiano São José DECISÃO Cuida-se de Ação Civil Pública com pedido de tutela antecipada ajuizado movida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte em face de Colégio Salesiano São José, todos igualmente qualificados na exordial. Narra o órgão ministerial que, após diversas representações, foi instaurado o Inquérito Civil Público n.º para verificação da regularidade das atividades realizadas pelas instituições de ensino desta capital, sobretudo no tocante às exigências constantes nas listas de material escolar, cláusulas contratuais, forma de aquisição de material didático e documentação exigida no ato de matrícula. Após a resposta da parte ré aos quesitos enviados pelo Ministério Público e ante a análise da documentação fornecida pela ré, constatou-se a exigência de marcas específicas de materiais, previsão contratual de impossibilidade de ressarcimento dos valores pagos, em caso de desistência da matrícula, imposição de quitação dos débitos para efetivação dos pedidos de transferência, trancamento, cancelamento ou desistência e, por fim, requerimento de material de uso coletivo, a exemplo de resmas de papel. Anexou à inicial o Inquérito Civil Público n.º É o que importa relatar. Decido. A tutela antecipatória é instituto do direito processual civil moderno, oriundo do direito à efetividade e à tempestividade da tutela jurisdicional, constitucionalmente garantido. Isso porque o direito de acesso à justiça, albergado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, não quer dizer apenas que todos têm direito a recorrer ao Poder Judiciário, mas também quer significar, sobretudo, que todos têm direito à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva. Regulada pelo artigo 273, incisos e parágrafos, do Código de Processo Civil, exige os seguintes pressupostos legais para sua concessão: prova inequívoca tendente a um

2 ! " imediato juízo de verossimilhança das % alegações % % % % % % % % % % % % % % % % do % % % autor; perigo de dano iminente irreparável ou de difícil reparação que este possa vir a sofrer; manifesto propósito protelatório ou abuso de direito de defesa pelo réu. Vencidas as considerações iniciais, passo a analisar a presença de verossimilhança das alegações em cada um dos pedidos da parte autora, para fins concessão de tutela antecipatória. I) DA ABSTENÇÃO DE EXIGIR MATERIAIS ESCOLARES DE MARCAS ESPECÍFICAS A exigência de aquisição de materiais de determinadas marcas ou modelos, na hipótese de existirem outras igualmente passíveis de atendimento pleno dos objetivos pretendidos, é considerada prática abusiva. É certo que a abusividade deixa de existir, cajo haja real constatação de que a referida marca ou modelo, em razão de suas características, é imprescindível ao processo pedagógico adotado pela instituição. Ocorre que, no presente caso, resta injustificada a tal exigência na lista de material escolar, vez que não há qualquer especialidade nas marcas indicadas, a exemplo de Balões São Roque Imperial e Massa de Modelar Acrilex (fl. 31), se comparadas aos produtos oferecidos no mercado em geral. Nítido, pois, o desrespeito à liberdade de escolha do consumidor, direito básico previsto no art. 6º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor. Além disso, resta caracterizada a existência de obrigação abusiva, conforme inciso IV do artigo 51, também do CPC, e, por conseguinte, a fumus boni iuris. # " $ II) DA DETERMINAÇÃO DE QUE OS CONTRATOS ESTABELEÇAM CONDIÇÕES E PRAZOS PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE DESISTÊNCIA A prática consistente em recusar a restituição dos valores pagos no ato da matrícula, em caso de o estudante registrar formalmente a desistência antes do início do período letivo é manifestamente ilegal. A ausência de contraprestação por parte da instituição de ensino obsta a apropriação desses pagamentos, sob pena de restar caracterizado o instituto do enriquecimento sem causa, vedado pelo ordenamento jurídico pátrio, sobretudo no art. 884 do Código Civil. Tendo em vista que apenas a efetiva prestação dos serviços de educação justificam o recebimento do crédito correspondente, a apropriação integral dos valores pagos pelo aluno que formalizou desistência antes do início das aulas confere à ré uma vantagem indevida e sem causa, às custas do empobrecimento ilícito dos consumidores.

3 & ' ( ) ' * + ), / ) ' 5 Ademais, como a Lei Federal nº 9.870/99, que dispõe sobre o valor das anuidades escolares, não prevê o pagamento da chamada taxa de matrícula, o pagamento feito previamente corresponde a uma parcela da anuidade ou semestralidade pela fornecimento de serviços durante o período letivo, os quais, não sendo prestados, não ensejam contraprestação. No caso em tela, vislumbro abusividade na cláusula oitava, parágrafo primeiro do Contrato de Prestação de Serviços Educacionais utilizado pelo Colégio Salesiano São José (p. 33), vez que prevê a impossibilidade de ressarcimento dos valores pagos, em caso de desistência da matrícula. Assim, resta evidente que tal cláusula contratual é nula de pleno direito, conforme art. 51, incisos I e II, do CPC. Configurada, mais uma vez, a fumaça do bom direito, no que tange ao pedido ministerial, sendo viável apenas a retenção de, no máximo, 20% do valor como taxa administrativa, para cobrir os custos do processo de matrícula, cancelamento e convocação de outros alunos. III) DA ABSTENÇÃO DE EXIGIR QUITAÇÃO DOS DÉBITOS PARA QUE SE EFETIVEM OS PEDIDOS DE TRANSFERÊNCIA, TRANCAMENTO, DESISTÊNCIA OU CANCELAMENTO DE MATRÍCULA O art. 6º, parágrafo 2º, da Lei 9.870/99, é claro ao dizer que: Art. 6º 2 o Os estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior deverão expedir, a qualquer tempo, os documentos de transferência de seus alunos, independentemente de sua adimplência ou da adoção de procedimentos legais de cobranças judiciais. Assim, a imposição de quitação de débitos para fins de pedidos de transferência, cancelamento do contrato, desistência ou trancamento de matrícula constante na Cláusula 13, parágrafo 1º, afronta cabalmente o dispositivo legal supracitado. Merece guarida, então, o pedido de abstenção feito pelo Ministério Público DE USO COLETIVO IV) DA ABSTENÇÃO DE EXIGIR A ENTREGA DE MATERIAL Com o advento da lei /13, que acrescenta 7º ao art. 1º da Lei nº 9.870/99, os contratos de prestação de serviços educacionais estão autorizados a exigir dos contratantes apenas materiais de uso individual do estudante e que se relacionem com suas atividades pedagógicas. Materiais como álcool, resmas de papel, giz, mídia de CD ou DVD, cartucho para impressora, papel higiênico e

4 E 9 : ; < : = > <? > A B C D > < > F G : H materiais de limpeza em geral, por Kserem K K K K K K K K K Kdestinados K K K K K K K K K ao expediente do estabelecimento escolar, deverão ser custeados por estas, por meio das anuidades/mensalidades escolares. Nesse sentido, na prestação de serviços educacionais, a exigência de aquisição, pelo aluno ou responsável, de bens alheios ao processo pedagógico educacional, constitui também prática abusiva, à luz do inciso V do artigo 39 da Lei Federal 8.078/90. Presente aqui a fumaça do bom direito, vez que a instituição de ensino ré exige dos contratantes material de uso coletivo, a exemplo de resma de papel (fl. 31), quantidade esta que notadamente ultrapassa a necessidade individual do aluno. I H J V) DA DETERMINAÇÃO DE QUE A ESCOLA RÉ NOTIFIQUE OS PAIS E RESPONSÁVEIS DOS ALUNOS MATRICULADOS SOBRE O TEOR DA PRESENTE DECISÃO O pedido ministerial de notificação dos pais e alunos sobre o teor da presente decisão se mostra razoável, devendo ser efetuado pela ré, vez que facilita a fiscalização e ciência dos direitos consumeristas aqui assegurados. Além disso, a determinação de abstenção das práticas ilícitas ora coibidas terá maior eficácia se os pais e alunos, enquanto interessados, fiscalizarem as atividades da escola ré, com o fito de exigir o cumprimento da decisão judicial. Diante da verossimilhança das alegações autorais e da premente necessidade de proteção dos direitos do consumidor, o deferimento de tal medida finda por materializar a função educativa do Poder Judiciário, em face dos destinatários hipossuficientes da proteção legal. O periculum in mora manifesta-se claramente em relação a todos os pedidos. É nítido que manter a aplicação de cláusulas e exigências abusivas gerará danos a um número cada vez maior de consumidores, pois a ré continuará a impossibilitar o ressarcimento dos valores pagos, em caso de desistência prévia, a impor a quitação dos débitos para liberar documentos dos estudantes e a exigir marcas específicas e material de uso coletivo, até o advento do provimento final. Por fim, considero reversível a medida pleiteada, tendo em vista que as práticas coibidas podem ser retomadas a qualquer tempo, uma vez provada sua licitude. DISPOSITIVO Diante do exposto, presentes os requisitos norteadores da medida, com fulcro nos art. 273 do CPC, DEFIRO o pedido de antecipação dos efeitos da tutela específica para determinar que a parte ré: a) abstenha-se de impor marcas específicas para aquisição dos materiais escolares, ressalvado o direito de

5 L M N O M P Q O R Q S Q T U V W Q O Q X Y Z M [ sugestão, desde que feito de maneira clara ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^e^ ^ ^ ^ressalvados ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ os livros didáticos e paradidáticos escolhidos pela escola; b) passe a prever contratualmente as condições e prazos para o exercício do direito de desistência de matrícula com devolução de valores, ressalvado o limite de 20% a título de taxa administrativa, sob pena de multa de R$ 2.000,00 em relação a cada contratante que vier a pedir desistência da matrícula; c) abstenha-se, imediatamente, de impor a quitação de débitos para emitir de transferência, cancelamento do contrato, desistência, trancamento de matrícula ou qualquer documento escolar, sob pena de multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por cada ato de negativa, limitada a uma multa por aluno; d) abstenha-se de exigir, no ato da matrícula, material de uso coletivo, a exemplo de resmas de papel, giz, mídia de CD ou DVD, cartucho para impressora, papel higiênico e materiais de limpeza em geral, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) por aluno de quem for exigido tal tipo de material; e) notifique os pais e responsáveis dos alunos matriculados, no prazo de 5 (cinco) dias a respeito do dispositivo dessa decisão, sob pena de multa de R$5.000,00 (cinco mil reais). Cite-se a parte ré para responder à ação, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de incorrer nos efeitos da confissão e da revelia, bem como, no prazo de defesa, informar se há possibilidade de acordo e comprovar o cumprimento das medidas determinadas. Publique-se. Cumpra-se. Natal, 03 de junho de 2014 \ [ ] Divone Maria Pinheiro Juíza de Direito