OS MOVIMENTOS DOS ESTUDOS CULTURAIS: PERCURSOS TEÓRICOS E TERRITORIAIS 1

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1 OS MOVIMENTOS DOS ESTUDOS CULTURAIS: PERCURSOS TEÓRICOS E TERRITORIAIS 1 Cristiane Schmidt (PPGL-UNIOESTE) 2 cris_lehrerin@hotmail.com Os Estudos Culturais, enquanto abordagem teórico-metodológica, têm seu movimento introdutório em solo britânico nos anos 1950, especificamente, nas áreas da crítica literária, da história e do ensino da língua. Dentre os idealizadores dessa perspectiva interdisciplinar nas Ciências Humanas, dessa forma, responsáveis pela constituição desses estudos, podemos citar Raymond Williams, Richard Hogaart e Edward Thompson. Os fundamentos do chamado movimento culturalismo situam-se nos pilares dos trabalhos publicados por esses teóricos. E, por sua vez, tem relação com sua vivência concreta enquanto professores de língua inglesa com trabalhadores adultos, ou seja, nas práticas docentes em contextos educativos não tradicionais. A reflexão sobre e a partir da prática pedagógica desencadeou esse novo movimento, cuja máxima está em superar os limites de uma educação voltada aos interesses e valores dos segmentos socioculturais dominantes, assim como estabelecer uma interação mais flexível no contexto educativo. Novas questões foram norteando as reflexões teóricas dos Estudos Culturais, tais como: O que é e como vive o povo/a classe trabalhadora? Quais são seus hábitos e práticas cotidianas e, sobretudo, o que isso representa para os mesmos? Que referências sociais e culturais esses trabalhadores trazem para a escola? Qual a percepção de sociedade, de mundo e de cultura da classe operária? 1 Trabalho final da disciplina Metodologia da Pesquisa em Linguagem no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras - área de concentração em Linguagem e Sociedade, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, Aluna do Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Letras pela UNIOESTE; Mestre em Educação pela UFRGS; Licenciada em Letras Português/Alemão pela UNISINOS; Profa. Colaboradora do Curso de Letras/Alemão/UNIOESTE, Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 14, nov

2 Os Estudos Culturais, como espaços alternativos de atuação, não se limitam à investigação da alta cultura, tida como superior, erudita em contraposição à baixa cultura, da classe operária, popular. A cultura de massa, também qualificada como outra cultura de expressão menor e sem relevância, toma corpo e ocupa pauta nos estudos sobre a cultura. Considerando o processo de industrialização e de democratização das instituições no contexto britânico, a cultura passa a ser entendida de forma mais ampla, heterogênea, para além da noção de uma cultura homogênea e estática. Ao mesmo tempo, a cultura na ótica dos Estudos Culturais pode ser concebida como um espaço de conflito e de relações de poder, eminentemente, arbitrárias e dialéticas; ao passo em que as sociedades capitalistas são lugares da desigualdade no que se refere à classe, etnia, sexo e geração. Assim, podemos identificar como primeiro movimento dos Estudos culturais as duas dimensões: sob seu enfoque político - tentando construir um projeto de oposição -, e sob o ponto de vista teórico - procurando constituir um novo campo de estudos -, sendo que suas movimentações foram acompanhadas de transtorno, discussões e profundas inquietações. A partir da definição do objeto de estudo, temos como segundo movimento dos Estudos Culturais a institucionalização enquanto campo de saber, no ano de Trata-se da criação de um Centro de Pesquisas Contemporâneo vinculado ao Departamento de Língua Inglesa na Universidade de Birmingham, cujos eixos investigativos inserem-se nas relações entre cultura, sociedade contemporânea e mudanças sociais. Um autor muito influenciado por esse contexto foi Stuart Hall, a quem podemos atribui a divulgação, bem como a consolidação dessas ideias aos diferentes campos de conhecimento e aos distintos lugares. Stuart merece destaque como representante exponencial dos Estudos Culturais e renomado analista contemporâneo da cultura. Na direção do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos (1968 a 1979) incentivou o Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 14, nov

3 desenvolvimento de estudos etnográficos e o compromisso com as mudanças sociais radicais. Na sua trajetória pessoal e profissional, alguns fatos são dignos de menção, pois relacionam sua vida com sua produção intelectual. Como mentor intelectual proeminente desse movimento uma espécie de virada cultural - Hall era de origem periférica. Ele, nascido na Jamaica, emigra na sua juventude para a Inglaterra e vivencia o sentimento de distanciamento e estranhamento em relação aos dois contextos socioculturais. Nesse percurso, ele adquire a noção de deslocamento e contradição de cultura colonial e as implicações de classe e raça na constituição identitária dos sujeitos. Outro fato marcante, diz respeito à atividade como professor de escola secundária para alunos oriundos de classes populares. Assim, sua vida dialoga, quer dizer, está diretamente entrelaçada com sua obra. A partir dessa etapa as preocupações teóricas dos Estudos Culturais vão se alargando... Temos o terceiro movimento dos estudos em que temas como raça, etnia, gênero, cultura de massa, linguagem, significação, poder e identidade fazem parte do escopo investigativo. De certa forma, Stuart Hall aborda com propriedade esse último ponto, como um dos pilares da investigação na perspectiva dos Estudos Culturais. Nesse sentido ele publica um ensaio intitulado A identidade Cultural na Pós- Modernidade (1992), no qual reitera que sujeito pós-moderno não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. Em contrapartida, na sociedade complexa, o sujeito também se complexifica, ao ponto de ele assumir identidades diferentes em diferentes momentos. Para Hall, o conceito de cultura não pode ser universalista nem particularista, no sentido de que possa haver uma única interpretação; assim, a cultura também está em constante transformação em concordância com a sociedade e os sujeitos e a identidade. Essa concepção de constituição identitária diz respeito ao sujeito fragmentado, descentrado e, aparentemente em crise. Os estudos de Stuart Hall corroboram com a compreensão da identidade não como sendo de natureza inata, fixa, homogênea; mas Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 14, nov

4 que se forma ao longo do tempo. A identidade, enquanto uma construção social e histórica encontra-se em constante processo; é inacabada, multifacetada e híbrida. Estamos num novo movimento dos Estudos Cultuais - diálogo com o campo da etnografia - e a utilização dos instrumentos investigativos da pesquisa qualitativa. São as entrevistas narrativas, análise de textos, observações e diários de campo, criação de categorias analíticas, gravuras; enfim uma diversidade de olhares, que configuram o caminho metodológico. Em relação à entrevista narrativa, podemos defini-la com uma entrevista não estruturada, na qual o pesquisador procura apreender a história de vida do participante sobre determinado aspecto. Esse procedimento investigativo não se concentra no modelo pergunta/resposta, mas oportuniza que os sujeitos possam se pronunciar, manifestar, se expressar, falar, enfim, se revelar. Apesar de o pesquisador dispor de um roteiro pré-estruturado, o informante (o objeto/falante de toda pesquisa em Ciências Humanas) pode falar sobre acontecimentos/eventos da sua história de vida que julgar pertinentes, ou seja, significativos, sem, no entanto, se prender a uma ordem definida. Além da expressão verbal, a linguagem gestual, como expressões faciais, gestos, postura corporal contribuem na investigação e tais indicativos podem constar nas observações do diário de campo. Em outras palavras: são atitudes comportamentais que contribuem na geração das categorias analíticas, enquanto elementos que se evidenciaram no discurso dos sujeitos. O uso de fotografias é outra ferramenta, da qual podemos nos valer na pesquisa dos Estudos Culturais do tipo etnográfica. As imagens auxiliam na análise da relação entre a cultura e a sociedade e suas diversas formas institucionais, práticas culturais. Elas ainda são um recorte, uma espécie de foco, ou melhor, uma escolha feita da parte do investigador. O percurso metodológico e as diversas ferramentas analíticas tem relação com a forma como os sujeitos da pesquisa que também denominamos de atores sociais - se definem, vivem e atuam na sociedade heterogênea, complexa e multifacetada É no diálogo que as narrativas vão se (re)configurando, se revelando, pois são perspectivas Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 14, nov

5 dos sujeitos sobre seu passado, sobre um vida vivida e a construção de sentidos e subjetividades. Nos movimentos dos Estudos Culturais destacamos o quarto movimento divulgação da perspectiva teórica e metodológica em territórios alheios, no caso, brasileiros. Dentre as diversas influências dessa abordagem na pesquisa, destacamos como sendo Tomaz Tadeu da Silva, no campo da Educação, já no início dos anos 1990, o desbravador desse universo dos Estudos Culturais (COSTA; WORTMANN; SILVEIRA, 2014, p. 641) 3. Reconhecemos no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS a divulgação dessa espécie de ebulição intelectual, especialmente da obra de Stuart Hall. Questões centrais, como a identidade e sua relação intrínseca com a diferença, sujeitos da educação, o currículo e as práticas culturais, estão na pauta de tais discussões e pesquisas qualitativas. As contribuições dos Estudos Culturais, no entanto, não se limitam ao âmbito da Educação. Destacamos a importância dessa abordagem para as pesquisas centradas na relação entre a língua cultura identidade. Os Estudos da Linguagem, cujos enfoques estão no confronto e no diálogo com a diversidade linguística e cultural, entendem que as identidades são construídas na relação entre as diferenças, assim como compreendem o inacabamento do próprio sujeito e a relevância do Outro nesse processo. Os trabalhos investigativos voltados para a diversidade qualificam-se como um desafio aos profissionais na área da Educação e da Linguagem na contemporaneidade, considerando a necessidade da prática pedagógica e da pesquisa acerca das diferenças não como desigualdades ou estigmas, mas como outras maneiras de significar o mundo. Assim, a palavra movimento opondo-se a ideia de rigidez, cristalização, e imutabilidade sugere a incompletude, dinamicidade, hibridização; enfim, algo 3 Texto publicado pelas autoras Marisa Vorraber Costa; Maria Lúcia Castagna Wortmann; Rosa Maria Hessel Silveira na Revista Educação & Realidade da PPGEDU/UFRGS em decorrência da morte de Stuart Hall em fevereiro deste ano. COSTA; WORTMANN; SILVEIRA. Stuart Hall: tributo a um autor que revolucionou as discussões em educação no Brasil. Educação & Realidade. Porto Alegre, v. 39, n. 2, p , abr./jun Disponível em: < Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 14, nov

6 transitório e inconcluso. Essas denominações acompanharam toda a trajetória dos Estudos Culturais no contexto europeu e brasileiro. De certa forma, o sentido fundamental no percurso dos estudos evidencia sua natureza transitória. Então - que venham o quinto, sexto e os demais movimentos dos Estudos Culturais! Recebido Para Publicação em 30 de outubro de Aprovado Para Publicação em 27 de novembro de Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 14, nov