O amor: esse encontro faltoso
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- Kléber Coimbra Antas
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1 O amor: esse encontro faltoso Profa. Ms. Célia Ferreira Carta Winter 1 Sumário: 1.Contextualização.2 O amor em Freud e Lacan 3. O amor e a Linguagem. 4. Considerações Finais 1.Contextualização: O tema do amor é fundamental à definição da especificidade do campo da psicanálise, e não poderia ser diferente, posto encontrar-se no âmago da cura analítica. A relação intersubjetiva estabelecida entre Breuer e Ana O, é o inicio. Breuer, escuta suas queixas, lhe dá de comer quando está se recusa e, Ana se deixa hipnotizar, pela técnica e, pelo homem engravidando do amor criado pelo dispositivo catártico. Breuer, assustado, foge da paternidade. O método catártico criado desta relação se diferenciava, portanto, do método da sugestão hipnótica, realizada por Charcot pelo fato de que era a palavra da paciente que, tendo o terapeuta como destinatário e testemunha, permitia a produção de sentido para o sofrimento. Freud, diferente Breuer não foge e ocupando a mesma posição de Sócrates, em relação a Alcebíades, se interroga a quem Ana ama, supondo amar Breuer? A diferença da conduta adotada por Freud faz dele o senhor do temível pequeno deus, diz Lacan, ele escolhe como Sócrates, servi-lo para servir-se dele 2. A posição do analista na transferência corresponde ao segredo de Sócrates: desejo de saber. O desejo do analista funda-se no desejo de saber e sua posição inicial é de amante, e desde aí, pede que o paciente fale. O paciente, por sua vez, supondo que o analista sabe, dá a este o seu não saber sobre seus sintomas, invertendo-se a situação, passando a amante na posição da livre associação. O paciente sabe que tem algo insabido, o analista sabe que seu saber é só suposto, isto é, cada um dá o que não tem. É dessa forma que Lacan, na Direção de Cura, coloca nos trilhos novamente a noção freudiana de transferência. Assim, segundo Lacan, o analista é aquele que sustenta a demanda, não para frustrar o sujeito, mas para que reapareçam os significantes em que sua frustração está retida, pois, se o amor é dar o que não se tem, é 1 Psicanalista, Correspondente da Escola Brasileira de Psicanálise Paraná, Professora de Psicopatologia e Saúde Mental e Concepções teóricas da Psicanálise na PUCPR, Coordenadora da especialização em Psicologia Clínica abordagem psicanalítica da PUCPR, Mestre em Psicologia Clínica pela UTP e em Filosofia pela PUCPR. Autora Do livro: Confissão e cura uma interlocução entre Foucault e a Psicanálise Freudiano- Lacaniana 2 Lacan, Jacques. Seminário, livro 8: a transferência - Rio de Janeiro; Jorge Zahar Ed Pag. 17 1
2 verdade que o sujeito pode esperar que lhe seja dado, uma vez que o psicanalista nada mais tem a lhe dar. 3 Lacan, em continuidade com Freud, considera que o desejo do analista não consiste em destruir o amor de transferência, mas, antes, em servir-se dele, em situar-se em uma posição que o analisante se desaloje do abrigo que constitui esse amor para ele. Para além do amor, aponta-se ao real. 4 Para o analista se trata de fazer com que o amor de transferência se consuma até ao ponto último, no qual o real é vislumbrado. Esse real é condição das relações do sujeito com seu gozo. 2 O amor em Freud e Lacan Tanto em Freud quanto em Lacan o amor é o que faz suplência ao encontro sempre faltoso do sujeito com a sexualidade. A falta de harmonia fundamental entre sujeito e objeto indicada por Freud em Mal Estar na Civilização coloca o amor e a linguagem na condição de suplência frente ao real da falta. O desejo resultante da perda do objeto primordial, nas primeiras experiências infantis de satisfação, circula na cadeia de significantes através da demanda que se dirige ao Outro, como o lugar dos significantes, lugar do código, de onde o sujeito recebe o sentido, a significação de seu sintoma, ou seja, sua própria mensagem de forma invertida 5 O objeto encontrado na repetição é o objeto a, como falta do objeto perdido desde sempre. Os objetos substitutivos em cadeia metonímica tentam em vão apreendê-lo, o objeto primordial, como objetos da demanda que velam e desvelam o objeto faltante. Oh, metade afastada de mim... Oh, metade exilada de mim Leva os teus sinais Que a saudade dói como um barco Que aos poucos descreve um arco E evita atracar no cais Oh, metade arrancada de mim Leva o vulto teu Que a saudade é o revés de um parto A saudade é arrumar o quarto Do filho que já morreu Oh, metade amputada de mim 3 Lacan, Jacques. Escritos- Rio de Janeiro; Jorge Zahar Ed Pag Curinga: Revista da Escola Brasileira de Psicanálise- Seção Minas Gerais- Belo horizonte in Os Nomes do amor p Lacan, Jacques. Escritos- Rio de Janeiro; Jorge Zahar Ed Pag
3 Leva o que há de ti Que a saudade dói latejada É assim como uma fisgada No membro que já perdi Oh, metade adorada de mim... A música de Chico Buarque de Holanda 6 expressa esse objeto, das Ding, enquanto o Outro absoluto do sujeito, que se trata de reencontrar, como falta 7. Reencontrá-lo, no máximo, como saudade, no dizer de Lacan 3. O amor e a Linguagem. Uma analisante procura-me para falar da angústia a que sua vida reduziu-se. O medo de ser abandonada e a crença na potência fálica do homem a dilaceram. O enunciado que repete com angustia: que valor eu tenho para ele? Fala sempre tentando demonstrar a importância do que diz. Para ela ser amada é uma questão de existência, sem a qual tudo o mais perde a razão e, é desta forma que a paciente liga-se ao analista, demandar amor. Fala procurando satisfazer ao analista, revelando-lhe o que ela acredita que a analista deseja saber, espera com isso, receber algumas marcas de amor. Espera que a análise lhe ajude a descobrir como manter-se como falo para o marido. Servir-se desse amor corresponde, do lado do analista, a não recuar do desejo do analista, que endereça o saber para além do sentido. A esse respeito, diz Eric Laurent: é o momento de posicionar-se de modo a fazer disso um enigma. É preciso saber bem se colocar para que, no momento mesmo em que o analista aceite o imaginário do amor, haja, ao mesmo tempo, um ponto do real que apareça 8. Este ponto de real se apresenta através de um sonho em que o marido separa-se dela e vai embora com outra mulher. No sonho ela vê o marido beijando uma mulher, segundo suas palavras, sem sal, nem açúcar. Ela, que procura os signos que o marido possa desejar em uma mulher, para garantir que isso não falte, o vê beijando uma mulher, que falta...valor. 6 Pedaço de mim letra de Chico Buarque de Holanda 7 Quando esse encontro não é faltoso tem-se o encontro nas núpcias da morte. Na vertente imaginária do amor, o par amoroso se estabelece com o fervor do reencontro da completude perdida, mas diferente do neurótico, no melancólico, o objeto perdido é aquele que nunca lhe faltou: é aquele que ele possui em nome de sua própria perda e cuja posse sufoca todo o desejo. Chemama, Roland - Dicionário da Psicanálise, Porto Alegre, Artes Médicas, Pag Curinga: Revista da Escola Brasileira de Psicanálise- Seção Minas Gerais- Belo horizonte in Os Nomes do amor p. 51 3
4 O sonho nos ensina Freud, é uma realização de desejo, mas que desejo este sonho realiza? Percorrer os meandros que o sonho dá como pista, é reconciliar-se com a mulher, essa outra, que é ela mesma, mas da qual se encontra perdida. A crença fálica na onipotência do homem a afasta da feminilidade e a coloca na reivindicação. Não há fórmula simbólica, no registro do significante, que possa dar conta do encontro amoroso. Isso significa dizer que não há um saber no real que dê conta do que é a sexualidade para o ser humano. Se o desejo do homem é o desejo do Outro, o amante deseja o amor do amado porque deseja ser amado por ele. Se o desejo se sustenta em uma falta radical, o desejo dirigido ao amado revela o que faz parte da estrutura do desejo: o objeto perdido e, um sempre, não é isto, é outra coisa. Essa outra coisa é que o amado está ali para ser amado e não para obturar a falta do amante. Esse é o jogo do amor e nada mais próprio que o jogo amoroso para ilustrar a invenção significante. 4. Considerações Finais Eis o que a psicanálise ensina segundo Nádia 9, o amor não elimina nem a falta, porque ela faz parte da constituição do aparelho psíquico (subjetividade) nem o desconforto do homem no mundo. A desarmonia do par amante-amado corresponde segundo Lacan, no Seminário 8, ao agalma de Sócrates e ao amor cortês da Idade Média. A frase de Lacan: amar é dar o que ao se tem, à quem não é desvela o paradoxo que vige no regime do amor. O amor vela a falta, isto sabia Freud, esta descoberta, entretanto, não o impediu de construir toda uma obra, constituir família, ter filhos, netos. O amor não impede que a castração exista, mas a torna suportável. Afinal não é isto que fazemos quando pegamos um filho no colo e o consolamos pela impossibilidade de obter todos os brinquedos ou guloseimas que sua libido insaciável almeja? Esse nada que damos no lugar da satisfação da demanda, é o nada do dom do amor, o sal da vida. Referências Bibliográficas Chemama, Roland - Dicionário da Psicanálise, Porto Alegre, Artes Médicas, Ferreira, Nadia Paulo. Teoria do Amor Coleção Passo a Passo v.38 - Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004 p. 11 4
5 Ferreira, Nadia Paulo. Teoria do Amor Coleção Passo a Passo v.38 - Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004 Lacan, Jacques. Escritos- Rio de Janeiro; Jorge Zahar Ed Lacan, Jacques. Seminário, livro 8: a transferência - Rio de Janeiro; Jorge Zahar Ed Curinga: Revista da Escola Brasileira de Psicanálise- Seção Minas Gerais- Belo horizonte in Os Nomes do amor 5
6 Referências bibliográficas
6 Referências bibliográficas BARROS, R. do R. O Sintoma enquanto contemporâneo. In: Latusa, n. 10. Rio de Janeiro: Escola Brasileira de Psicanálise Seção Rio, 2005, p. 17-28. COTTET, S. Estudos clínicos.
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