RIOS E CIDADES: RUPTURA E RECONCILIAÇÃO
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- Maria Luiza Mendonça Gomes
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1 A dragagem das zonas alagadas foi completada pela Corporação de Engenheiros do Exército dos EUA ( ) para aterrar as zonas alagáveis e construir uma barreira (baluarte) ao longo das margens, a fim de criar o Parque Anacostia. Toneladas do material dragado foram usadas para a construção de duas ilhas artificiais, Kingman e Heritage (Figura 76). Embora o Plano McMillan tenha resultado em significativa construção ao longo do rio, sua visão de um grandioso e significativo sistema de parques públicos nunca foi realizada. Essa visão foi sendo descartada, e, progressivamente, o rio Anacostia se tornou uma área indesejada para uso e ocupação do solo e negligenciada por gestores do uso do solo. Figura 76: Plano para o Sistema de Parques Metropolitanos, da Comissão de Parques do Senado, 1902 Fonte: The Anacostia Waterfront Framework Plan District of Columbia, Office of Planning (2003, p.13) Figura 77: Plano de Pierre Charles L Enfant (parceria com Thomas Jefferson) para a cidade em 1793 Fonte: The Anacostia Waterfront Framework Plan - District of Columbia, Office of Planning (2003, p.12) 134
2 Figura 78: corredor do rio Anacostia e suas proximidades na década de O rio Anacostia flui no sentido diagonal, de nordeste para sudoeste Disponível em: < Acesso em 03 mar No início do século XX, o desenvolvimento urbano da capital se expandiu rapidamente para o norte do centro histórico da cidade. O crescimento populacional de Washington explodiu após a II Guerra Mundial (Figura 78). Dessa forma, a bacia hidrográfica do Anacostia passou a receber dos córregos tributários a descarga de poluição e de resíduos industriais. A ocupação suburbana e a área industrial se expandiram; por conseguinte, a impermeabilização do solo gerou um aumento do fluxo de escoamento superficial de águas pluviais em direção ao rio. Em 1990, o Anacostia estava reduzido a um canal de esgoto, resíduos industriais e lixo. A região do entorno do rio passou a ser associada a um cenário de degradação social, miséria, violência e drogas. Hoje, a bacia hidrográfica do Anacostia é 70% urbanizada, e a região mais populosa é a sub-bacia Chesapeake. Resta cerca de um quarto da cobertura original das matas ciliares. Além disso, fontes de poluição provenientes dos subúrbios de Prince George e distritos de Montgomery, em Maryland, combinadas com o sistema de esgoto de Washington transbordam do rio Anacostia em épocas de cheias e grandes tempestades. Apesar dessa situação, o rio Anacostia é freqüentado por garças pousadas nas suas margens, veados e roedores, que indicam que esse ambiente tão degradado ainda possui habitat para a fauna. Vem atraindo o interesse dos cidadãos e grupos ambientalistas, e agora é foco de várias ONGs, grupos comunitários e agências governamentais. Avanços em ciência e tecnologia, junto com a vontade e os investimentos combinados do governo, cidadãos, grupos comunitários e organizações não- governamentais (ONGs) tentam reverter o cenário de degradação do Anacostia com uma série de iniciativas ousadas para tornar o rio navegável novamente. 135
3 Figura 79: Foto aérea da bacia hidrográfica do Anacostia Localização de áreas sub-utilizadas (Ortofoto 1999) Fonte: The Anacostia Waterfront Framework Plan - District of Columbia, Office of Planning (2003, p.14-15) Figura 80: Vista aérea do rio Anacostia e o distrito de Columbia - Washington Fonte: The Anacostia Waterfront Framework Plan - District of Columbia, Office of Planning (2003, p. 2) 136
4 Figura 81: Expansão da área de desenvolvimento econômico do norte e oeste para o quadrante sudeste de Washington, através do Anacostia. Fonte: The Anacostia Waterfront Framework Plan - District of Columbia, Office of Planning (2003, p. 9) Figura 82: Mapa de Washington. Localização do parque e do Corredor da Rua M, em relação ao Anacostia e Capitólio Fonte: Revista Landscape Architecture (v. 95, n. 6, p. 108, mai. 2005) 137
5 3.3.2 Motivos que levaram à elaboração do Plano Durante o início do século XX, a Corporação de Engenheiros do Exército dos EUA protagonizou as alterações do sistema do Anacostia. A Corporação dragou os lençóis d água, aterrou os brejos com o objetivo de obter novos terrenos, melhorar o saneamento, combater a malária e promover a navegação e comércio. Contudo, em 1914, a cúpula da Corporação concluiu que as áreas alagáveis do Anacostia não eram necessárias para fins comerciais, mas a cidade já estava crescendo, principalmente no quadrante noroeste, e ocupando as áreas de várzeas que haviam sido dragadas. A Corporação propôs que a área deveria ser desenvolvida como um parque público para sua valorização. O Parque Anacostia foi formalmente estabelecido em 1919, e tornou-se objeto de decisão de política pública com a regulamentação, em 1928, do Plano do Parque do Rio Potomac pela Comissão Nacional de Planejamento de Parques da Capital. Apesar de seu potencial, nem o plano de L Enfant (Figura 77) nem a Comissão McMillan previam a capacidade do Anacostia para acolher e direcionar o crescimento da cidade um ou dois séculos adiante. Essa responsabilidade recaiu sobre a atual geração. Em 1997, a Comissão de Planejamento da Capital Nacional publicou o seu Plano Oficial, que lançava algumas oportunidades de desenvolvimento ao longo do Anacostia e em todo o quadrante Sudeste. O Anacostia Waterfront Iniciative pretendia estabelecer um plano de desenvolvimento para o rio Anacostia e seus arredores, de longo prazo, visando à melhoria da cidade em relação ao passado Atores Desde que a Anacostia Waterfront Iniciative (AWI) assinou o Memorandum of Understanding (MOU), em Março de 2000, a Secretaria de Planejamento do Distrito de Columbia tem coordenado a implantação do plano de recuperação do rio Anacostia. O MOU é uma parceria inédita entre 20 Distritos e agências federais que são proprietárias ou controlam as propriedades ao longo do rio Anacostia. O Plano da AWI é o produto de um período de três anos de um processo público envolvendo intenso engajamento dos empreendedores. Destacam-se as principais agências e departamentos públicos: Governo do Distrito de Columbia Distrito Naval de Washington Secretaria de Habitação do Distrito de Columbia Secretaria de Esportes e Entretenimento do Distrito de Columbia Secretaria de Abastecimento e esgoto do Distrito de Columbia Comissão Nacional de Planejamento Corporação Nacional de Revitalização da Capital 138
6 Corpo Militar Americano do Distrito de Washington Corporação de Engenheiros do Exército dos EUA Ministério dos Transportes dos EUA Ministério da Habitação e Desenvolvimento Urbano dos EUA Agência de Proteção Ambiental dos EUA Ministério de Gestão e Orçamento dos EUA Ministério da Agricultura dos EUA Administração de Pequenos Negócios dos EUA Secretaria de Trânsito da Área Metropolitana de Washington Objetivos O principal desafio do plano de revitalização do rio é reunificar diversas áreas de Washington, através da diversificação de usos - recreacional, comercial e residencial pela capitalização do maior recurso natural da cidade: a sua orla. O plano visa contribuir para a revitalização dos bairros, aumentando as áreas de parques e desenvolvendo as propriedades do Governo. O AWFP (Anacostia Waterfront Framework Plan) estabeleceu cinco temas para a revitalização do corredor do Anacostia: restauração por um rio limpo e vivo; conectividade pela eliminação das barreiras e ampliação dos acessos ao rio; lazer por um amplo sistema de parques na orla; celebração; áreas com fins culturais e vitalidade por melhor qualidade de vida das comunidades dos bairros adjacentes Outra meta é aumentar as oportunidades de geração de renda e postos de trabalho. Os empreendedores e a comunidade acreditam que a transformação fará com que a cidade de Washington vigore entre as mais belas capitais do mundo. Os principais objetivos do plano são: 1) Traçar os rumos da recuperação ambiental e renovação das atividades dependentes da água sobre o rio Anacostia; 2) Repensar infra-estrutura de transporte para melhorar o acesso às propriedades à beira do rio e melhor servir bairros adjacentes; 3) Criar um sistema contínuo e interligado de parques, unidos por trilhas e pistas de caminhada nas margens do rio Anacostia; 4) Revitalizar as margens para celebrar e explorar o patrimônio cultural da cidade e da nação; 5) Promover o desenvolvimento econômico sustentável reconectando a cidade ao rio e ao papel vital do mar, que oferece oportunidades para viver, trabalhar e recrear. 139
7 3.3.5 Diretrizes Em linhas gerais, o plano estabelece diretrizes que visam alcançar o desenvolvimento econômico e sustentável. E, além da recuperação ambiental, propõe diretrizes para o aumento da vitalidade urbana e para a conexão entre as áreas desarticuladas do tecido urbano, descritas a seguir: 1) Promover a vitalidade urbana à beira-rio para uma cidade-capital internacional; 2) Produzir um plano coordenado para as margens do rio que possa ser implantado ao longo do tempo; 3) Recuperar a qualidade da água do rio Anacostia e reforçar a sua beleza natural; 4) Desenvolver uma rede distinta de parques e áreas verdes, atividades náuticas variadas e locais públicos singulares; 5) Conectar os bairros ao longo do rio uns aos outros e ligar outras comunidades vizinhas diretamente à água; 6) Promover o desenvolvimento sustentável e de baixo impacto nos bairros lindeiros ao rio; 7) Estimular o desenvolvimento econômico nos bairros através da criação de emprego e atividade comercial; 8) Engajar todos os segmentos da comunidade como responsáveis pelo rio e suas margens; 9) Endereçar as preocupações da comunidade, incluindo os moradores, proprietários de glebas, empresários e turistas; 10) Promover a excelência do projeto, em todas as intervenções Propostas As propostas seguem as diretrizes e os objetivos descritos anteriormente. O Plano agrupou as propostas por temas: meio ambiente, circulação e transporte, parques, atividades culturais e bairros. A seguir, são apresentadas as propostas de acordo com os temas mencionados. Propostas relativas ao Meio Ambiente: Proporcionar um rio apropriado para nadar em 2025; Restaurar os tributários, atuando na escala da bacia hidrográfica e requalificando os ambientes urbanos e naturais; Implementar regulamentos e normas que garantam o desenvolvimento sustentável; 140
8 Aumentar todos os tipos de atividades náuticas; Reforçar a educação ambiental no âmbito da bacia hidrográfica do rio. Propostas relativas à circulação e ao transporte: Fornecer acesso contínuo de pedestres e bicicletas ao longo de todo o rio; Promover transferências modais de transporte público; Criar grandes boulevares urbanos com usos mistos e grandes espaços cívicos, tratados paisagisticamente; Redesenhar pontes por todo o Anacostia na tradição da arquitetura clássica monumental; Redesenhar estradas e itinerários livres de barreira entre os bairros e o sistema Parque-Rio; Reconectar o tecido viário da cidade ao sistema de parques e à orla. Propostas relativas aos Parques: Melhorar a circulação entre rio e espaços públicos, a fim de criar um sistema interligado de parques; Requalificar as áreas subutilizadas ao longo do rio para se tornarem áreas públicas significativas; Garantir o acesso contínuo ao longo do rio para pedestres e ciclistas; Aumentar a oferta de atividades de recreação ao longo do sistema Rio-Parque; Criar parques específicos de acordo com as escalas de vizinhança, regional e nacional. Propostas relativas a atividades culturais: Enfatizar o caráter único do patrimônio e das bacias fluviais, incluindo elementos naturais e urbanos; Criar parques públicos para abrigar concertos, piqueniques e festivais locais; Fazer do Anacostia um destino para eventos especiais em nível regional, tais como apresentações e eventos desportivos; Criar monumentos condizentes com os segmentos da bacia. Propostas relativas aos bairros: Promover o uso misto nos bairros possibilitando a qualidade de vida quotidiana, de oportunidade trabalho e de recreação; Investir em bairros existentes para garantir que os atuais residentes tenham melhores serviços e oportunidades; 141
9 Estabelecer padrões que possibilitem acolher a mais de famílias vivendo em bairros próximos ao rio; Revitalizar áreas comerciais existentes e ligar esses centros históricos a novos espaços públicos. Figura 83: Plano geral para a recuperação do rio Anacostia Fonte: The Anacostia Waterfront Framework Plan - District of Columbia, Office of Planning (2003, p.133) Figura 84: Século 21 - Visão das margens do rio Anacostia no centro de crescimento, Washington Fonte: The Anacostia Waterfront Framework Plan - District of Columbia, Office of Planning (2003, p. 8) 142
10 RIOS E CIDADES: RUPTURA E RECONCILIAÇÃO Figuras 85 a 87: Propostas para melhoria do passeio público e aumento da vitalidade do espaço público Fonte: Revista Landscape Architecture (v. 95, n. 6, p. 109, mai. 2005) Figura 88: Desenho artístico Proposta de um novo centro de educação ambiental na Ilha Kingman Fonte: The Anacostia Waterfront Framework Plan District of Columbia, Office of Planning (2003, p.22) 143
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