Leônidas Baptista Bié da Silva (Graduando UNESP/Assis)
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1 II Colóquio da Pós-Graduação em Letras UNESP Campus de Assis ISSN: SECA: ESPERANÇA OU DESOLAÇÃO? OLHARES DIFERENTES SOBRE ESTE FENÔMENO ATRAVÉS DA LITERATURA Leônidas Baptista Bié da Silva (Graduando UNESP/Assis) RESUMO: Este artigo propõe-se a refletir sobre a influência da seca no processo de composição de muitos escritores, como Euclides da Cunha e Baltasar Lopes. Embora ambos sejam de países, contextos, histórias e épocas diferentes, os autores abordam temáticas semelhantes a partir de formas singulares e detalhadas de retratar uma difícil situação, levando o leitor a se autoanalisar e visionar o meio em que vive de forma crítica. O estudo discorre também sobre como a seca afeta as vítimas de semelhante fenômeno e destaca o quanto este é responsável por alterar estilos de vida. De um lado, a seca é vista como castigo e sofrimento, que não deixa outra saída a não ser o exílio; por outro, é mostrada como uma forma de reviver um sonho e conquistar seu próprio espaço, mesmo que a luta seja inevitável. PALAVRAS-CHAVE: seca; esperança; morte; vida. A seca ou estiagem é um fenômeno climático causado pela insuficiência de precipitação pluviométrica, ou chuva, numa determinada região por um longo período de tempo. Existe uma pequena diferença entre seca e estiagem, pois estiagem é o fenômeno que ocorre num intervalo de tempo, ou seja, a estiagem não é caracterizada por um estado de permanência, diferentemente da seca. Este fenômeno provoca consideráveis desequilíbrios hidrológicos, visto que a ocorrência da seca se dá quando a evapotranspiração ultrapassa por um período de tempo a precipitação de chuvas. O sertão é a terra esquecida pela metrópole portuguesa e posteriormente pela monarquia brasileira. Nela se formou isolado, geograficamente, um povo mestiço que se diferenciou dos mestiços litorâneos, para melhor, em razão do próprio afastamento no qual se mantiveram. Não podemos esquecer que o sertanejo é antes de tudo um forte porque não se caracteriza como os mestiços neurastênicos do litoral. Eis, então, outro grande contraste que permeia toda a obra de Euclides da Cunha. Porém, antes de mais nada, o autor reforça que toda a mestiçagem extremada é um retrocesso, o que vai de 132
2 encontro com as teorias vigentes. Nessa época, dizer que o homem branco não é superior a qualquer tipo de mestiçagem é uma ofensa a uma lei até então inquestionável. A seca é uma realidade constante na vida do sertanejo, sobretudo o sertanejo nordestino. Desta maneira, é interessante analisar a vida das pessoas que lutam de forma brava e corajosa pela sobrevivência em meio a um terreno inóspito que não oferece nenhum tipo de condição para a manutenção da vida humana. É neste ambiente degradante que grandes escritores como Guimarães Rosa, João Ubaldo Ribeiro e Jorge Amado desenvolveram seus romances, pois viveram suas vidas ou parte delas em lugares como este, ou sentiram a dor ao verem seus conterrâneos subirem em conduções chamadas "paus-de-arara" junto com esposas e filhos ou muitas vezes sozinhos, construindo um sonho que mudaria a vida saindo daquele lugar. "O sertanejo, antes de tudo, é um forte. Frase que imortalizou Euclides da Cunha ao descrever a vida das pessoas que viviam no povoado de Canudos, no interior do estado da Bahia. Ao descrever cenas sobre o cotidiano deste povo, a obra revela, com crueldade e certo pessimismo, o contraste cultural nos dois "Brasis": o do sertão e o do litoral. A transição de valores tradicionais para modernos está na denúncia que faz da realidade brasileira, até então acostumada a retratar um Peri, uma Iracema, um gaúcho, ícones do nosso Romantismo. Evidencia, pela primeira vez em nossa literatura, os traços e condições reais do sertanejo, do jagunço; "a sub-raça" que habita o nordeste brasileiro; o herói determinista que resiste à tragédia de seu destino, disfarçando de resignação o desespero diante da fatalidade. Considerada uma das obras-primas da literatura brasileira, Os Sertões, publicada em 1902, ano de sua primeira edição, cinco anos após a campanha de Canudos, cujo trágico desfecho Euclides da Cunha testemunhou como repórter de O Estado de São Paulo, apresenta não só um completo relato da Campanha de Canudos, que foi a luta sangrenta contra os fanáticos chefiados por Antônio Conselheiro, os quais ameaçavam a segurança das cidades e povoações vizinhas, mas também apresenta ainda um admirável estudo da terra e do homem do sertão nordestino, das condições de vida do sertanejo, da sua resistência e capacidade, de acordo com a visão do autor. Ele foi o único jornalista que atentou para a valentia dos jagunços. Da primeira à última página, Os Sertões é uma obra que incomoda. Foi escrita exatamente para isso. Para instigar, provocar a pesquisa e estimular a procura da verdade. É um livro contra o conformismo. É um livro de ideias e soluções, de questionamentos e proposições 133
3 ousadas. Já é lugar comum dizer que algumas de suas conceituações científicas não resistiram à evolução. Contem os vícios ou distorções típicos da época. Essa ruptura de visão de mundo gera também um rompimento no plano linguístico. A objetividade científica na abordagem de um problema leva o autor a buscar termos precisos e, nesta escolha, sua linguagem torna-se especializada e, por isso, às vezes difícil, mas que se justifica pelo objetivo de tornar exata a comunicação das ideias. Em comparação com o conto "A Seca", do autor cabo-verdiano Baltasar Lopes, podemos notar algumas semelhanças no tocante ao mesmo assunto, a seca, pois as duas obras retratam e abordam sobre um ponto de vista muito real, como o que é este fenômeno climático e como ele interfere diretamente nas vidas das pessoas; assim, promove a sensação do real dentro das narrativas, pelo fato de possuir imensos detalhes e uma riqueza linguística extraordinária, marca de uma literatura com um foco no engajamento social. O relato é narrado através do espaço e este acaba não satisfazendo o herói, o que gera uma tensão máxima entre os dois elementos da narrativa, pois um nunca se adapta ao outro com a totalidade que há no conto. Não há também esperança, pois o espaço é extremamente opressor. O personagem não tem uma trajetória de ascensão; é totalmente linear, não há também um vencimento do espaço, é estático, pois a cena se repete, isto é, a paisagem árida do lugar e as pessoas tentando migrar deste local. O personagem não consegue fugir do seu espaço, é pulsante a opressão. Nota-se também que a linguagem é própria da guerra, pois a luta é contra a seca, sendo um inimigo a ser vencido. Vive-se em um estado de conflito permanente. Com a morte do seu assistente, o herói crava uma cruz no túmulo daquele, mostrando ali que uma voz foi calada pela opressão da seca. Chiquinho tem um certo distanciamento do espaço como um observador dos fatos. A fome pode, de certa forma, resgatar a humanidade ante a pulsação do individual para o coletivo. É o destino comum, coletivo, porém retratado individualmente em cada personagem. No romance de formação, o personagem se transforma no sentido de perder a sensibilidade ante ao espaço. Há também uma perda da identidade, mostrando o traço da individualidade do ser humano que se perde através do apagamento de um processo corrente dos personagens. Ao passar pelo exílio, a esperança começa a transformar-se em memórias de um tempo já passado, pois ao exilar-se, mostra do meio em que está inserido, porém também a coletividade desaparece conforme a passagem do tempo. Os personagens, 134
4 com exceção de Chiquinho, têm seus destinos pré-determinados a ter um fim comum, porém o narrador possui uma certa liberdade de escolher seu próprio destino. Ao contrário do conto "A Seca" de Baltasar Lopes, em Os Sertões de Euclides da Cunha, há uma coletividade apontada pelo narrador ao mostrar sua visão ante a paisagem vislumbrada, refletindo uma perspectiva que, ao invés de partir do individual para o coletivo, parte primeiro do coletivo para individual, acentuando gradativamente as características únicas de cada personagem que o romance coloca em foto no decorrer do enredo. Ademais, mostra também uma riqueza de detalhes, estilo típico de narrativas escritas por jornalistas que, ao invés de ser quase linear, mostra-se bem inconstante, marcada pelas características de cada ação ou de cada personagem. Outra coisa interessante que se pode notar na obra, é como as pessoas acreditam que aquele lugar, o Arraial de Canudos, é uma espécie de terra prometida, mostrando novamente o contraste com o conto de Baltasar Lopes no qual os personagens buscam se evadir daquele lugar castigado pela seca. Neste local, os personagens compostos por sertanejos de todas as partes do semi-árido nordestino, muitos deles famintos em busca de algo que lhes devolvesse a esperança, vem ao encontro da figura de Antônio Conselheiro, figura central em grande parte do romance, tomando toda a mística messiânica que arrebata uma multidão de pessoas para o interior do Nordeste. Através deste personagem emblemático, todos que migram para Canudos veem suas esperanças serem reacendidas, porque ele carrega e assume para si a responsabilidade de conduzir e arrebanhar seus seguidores, fazendo-nos lembrar do episódio bíblico do êxodo, em que Moisés conduz o povo hebreu do Egito à terra prometida e é nisto que as pessoas criam ao ir para o Arraial de Canudos. Portanto, não podemos afirmar, de forma alguma, que antes da experiência de Canudos, Euclides e a intelectualidade da época já haviam formalizado a mitologia da brasilidade sertaneja. No próprio pensamento euclidiano este processo a convivência do sertão com a nação era extremamente conflituoso, conforme se tentou apontar até aqui. Porém, do interior desta mesma cultura se erguerá uma outra imagem do sertão. Na linha de frente desta metamorfose encontramos Euclides da Cunha e seu livro, simbolizando o momento de maior tensão na inflexão sofrida no interior do imaginário. Num país onde, de tempos em tempos, tem-se a sensação da redescoberta, qualquer análise que se queira fazer sobre a sua realidade acabou, ao longo deste século, resvalando em Os Sertões. Neste percurso interpretativo, as polêmicas em torno 135
5 da obra se avolumam por diversas vias, discutem-se desde as questões acerca do caráter ficcional, sociológico até jornalístico da obra. Essas polêmicas, diga-se de passagem, encontram-se já bastante saturadas. Decerto que a história das leituras do livro, por si só, é um objeto interessante. Havemos de concordar, pelo menos em parte, que muito da imagem que, hoje em dia, o país tem de si mesmo deve-se ao livro. Falar em sertão significa falar em brasilidade. No entanto, a discussão sobre as relações entre o objeto confesso do livro o sertão e a nação, permaneceu escamoteada em virtude das questões possivelmente maiores, nas quais os intérpretes preferiram se ater, já que, sendo a nação um dado, não se discute o caráter brasileiro da obra e do autor. Referências bibliográficas CUNHA, Euclides da. Os Sertões: campanha de Canudos. São Paulo: Martin Claret, LOPES, Baltasar. A Seca Literatura africana de expressão portuguesa, vol. 2: prosa / Mário de Andrade. Lendeln: Kraus Reprint, 1970, p
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